Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07813/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA
Sumário:(i) O prazo para a parte interessada arguir qualquer irregularidade da gravação da prova é de dez dias e conta-se a partir do momento em que a gravação é disponibilizada pela secretaria, a qual deve ser feita no prazo máximo de dois dias após a diligência.

(ii) O erro de julgamento em matéria de facto pode resultar de errada apreciação do material probatório que contamina a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão, ou emergir da desacertada interpretação dessa materialidade.

(iii) No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; outro, (ii) fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

(iv) Quando a selecção dos factos não é questionada mas apenas se coloca a tónica impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova mas sim um erro de previsão ou um erro na estatuição.

(v) O n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT não impede que o contribuinte, sujeito a um procedimento de avaliação indirecta, demonstre a proveniência e a não sujeição a imposto de parte dos valores detectados.

(vi) O valor probatório dos depoimentos das testemunhas, a ser apreciado livremente pelo tribunal nos termos do art. 396.º Cód. Civil, não sendo um meio capaz de fazer prova plena dos factos sobre que pode versar, implica que deve ser encarado com cautelas quando respeita a declarações negociais, que por razões formais ou pelos usos do comércio ou do tráfego jurídico, devam ser reduzidas a escrito.

(vii) Não prova plenamente a origem e destino de fluxos financeiros registados na sua conta bancária e relacionadas com sociedades de que é sócio ou que representa o contribuinte que apenas faz uso da prova testemunhal;

(viii) A autorização de acesso aos dados de conta bancária concedida pelo respectivo titular permite à AT o uso posterior dos mesmos no âmbito do procedimento de avaliação indirecta.
O acto que autoriza a quebra do sigilo bancário constitui um acto administrativo em matéria tributária, que carece de ser impugnado autonomamente sob pena de se convalidar na ordem jurídica.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

A FAZENDA PÚBLICA, e SARA ………………………………., ambas inconformadas com a sentença proferida pelo TAF de Beja no recurso judicial que a segunda interpôs contra a decisão que fixou com recurso a métodos indirectos o seu rendimento colectável de IRS para os exercícios de 2009 e 2010, nos montantes de € 173.810,49 e € 328.139,61, respectivamente, proferida em 30 de Outubro de 2013 pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, por delegação de competências do Director de Finanças de Évora, nos termos do artigo 89°-A/7.8 da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 146°-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), vieram interpor recurso jurisdicional.


A Fazenda Pública remata a sua alegação com estas conclusões:

1.ª Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão do Tribunal Tributário de Beja que julgou parcialmente procedente o recurso interposto por Sara ……………………. da decisão que fixou por recurso a métodos indirectos os rendimento o rendimento colectável de IRS para o ano de 2009, no valor de € 173.810,49 e para 2010 no valor de C 328.139,61.
2.ª No ano de 2009 foram depositados na conta da Caixa Geral de Depósitos com o n.° 0655.001029.900, de que são co-titulares a Recorrida e a sua irmã Inês ……………….., a quantia de €347.620,97 e no ano de 2010, foi depositado na mesma conta o valor total de € 656.279,22.
3.ª Decidiu o Tribunal a quo que a ora Recorrida justificou parcialmente a origem do acréscimo patrimonial evidenciado.
4.ª Considera o Recorrido que a prova produzida não logrou justificar a totalidade dos acréscimos patrimoniais evidenciados incorrendo a douta sentença recorrida em erro na apreciação da matéria de facto e na interpretação do n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT. Senão vejamos:
5.ª Refere a sentença recorrida que ... «era possível aferir a origem dos mesmos, e concluir com segurança que parte dos rendimentos da Recorrente provinha do seio do agregado familiar, assim como que a quantia de € 50 603,97 era relativa a resgate da aplicação financeira (PPR).
6.ª Essas transferências têm origem na conta bancária do pai, foram efectuadas por ordem deste e com origem em Angola, onde exerce a sua actividade.»
7.ª Ora, ao contrário do decidido na sentença recorrida, considera o Recorrente que não foi feita no caso em apreço a prova suficiente e necessária sobre as quantias depositadas na sua conta bancária por transferência ordenada pelo seu pai.
8.ª Ou seja, não se sabe a que título foram depositadas aquelas quantias, qual a sua origem ou destino.
9.ª Também não foi feita qualquer prova que as referidas quantias estão isentas de tributação.
10.ª Aliás, em 09.04.2014 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no âmbito do processo n.° 425/13.1BEBJA, julgou totalmente improcedente, por não provado, o recurso interposto pela irmã da ora Recorrida Inês ……………………, onde estão em causa os mesmos factos,
11.ª Refere a sentença, cujo teor se subscreve inteiramente, que ..« Porém, a dificuldade do Tribunal reside na exacta medida em que a recorrente não logrou demonstrar com a menor segurança qual a quota-parte das transferências / depósitos se destinavam a tal fim.
12.ª Aliás, apresentou abundante prova de tais operações bancárias, algumas ­residuais, por sinal - referem destinar-se a apoio familiar mas não determinou sequer o montante médio para tal fim recepcionado ao longo dos anos em questão, 2009 e 2010.
13.ª Assim, temos por um lado a verosimilhança da ocorrência de doações mas, por outro lado, a impossibilidade de determinação do valor às mesmas correspondentes quer pela falta de precisão pela recorrente quer pela incoerência da prova globalmente apreciada.
14.ª Em conclusão, atenta a falta de coerência da prova, não logra o Tribunal apurar o montante das quantias verificadas na conta bancária que a título de liberalidade para a mesma foi destinada. Isto porque, recorda-se, não obstante estar em causa uma avaliação indirecta a mesma parte da realidade dos montantes apurados.
15.ª Daqui se extrai, pois, a adequada sujeição dos rendimentos desta forma determinados a tributação enquanto acréscimos patrimoniais não justificados, determinados que sejam à luz dos arts. 872, 882 ou 892 - da LGT, como é o caso, reconduzidos pois à categoria G enumerados na alínea d) do 122 1 do art. 92 do CIRS. Concluindo, face ao exposto, pela não verificação do vício alegado, improcede o presente recurso.» (Negrito nosso).
16.ª Dos elementos probatórios constantes nos presentes autos resulta evidente que não foi feita prova que as verbas transferidas para a conta bancária da Recorrente não estivessem sujeitas a tributação.
17.ª Nem ficou igualmente provado com que finalidades foram as referidas verbas depositadas na conta bancária da Recorrida e de sua irmã, ou a que fins foram posteriormente destinados.
18.ª Pelo que não é possível concluir no sentido que todas as quantias transferidas pelo seu pai tivessem a natureza de doações ou de meras liberalidades, ou que estivessem excluídas de tributação.
19.ª Sempre que se verifiquem manifestações exteriores de riqueza em divergência com os rendimentos declarados cabe ao contribuinte provar que correspondem à realidade os rendimentos declarados, demonstrando que os meios monetários respeitantes ao acréscimo patrimonial evidenciado são provenientes de fonte ou fontes não sujeitas a declaração e/ou tributação em Portugal
20.ª Nos termos do n.° 3 do art.° 89.°-A da Lei Geral Tributária cabe aos sujeitos passivos a comprovação da justificação que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte dos rendimentos.
21.ª Ora, face aos elementos constantes dos presentes autos, a Recorrida não logrou justificar a o acréscimo patrimonial evidenciado e que o mesmo estava, na sua totalidade, isento de declaração e de tributação para efeitos fiscais.
22.ª Quer da prova documental, quer da prova testemunhal apresentada nos presentes autos não ficou pois plenamente justificado como exige a lei e constitui jurisprudência consolidada a totalidade da origem ou proveniência das verbas depositadas na sua conta bancária n.° …………….. da CGD nos anos de 2009 e 2010.
23.ª Donde, a sentença recorrida enferma do vício de erro de facto e de erro de julgamento ao julgar que foi efectuada a prova sobre a origem da manifestação da fortuna evidenciada.


*

Por sua vez a recorrente Sara …………………… formulou, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1.ª A recorrente, ao contrário da douta sentença recorrida, entende que, no caso dos autos, não se encontram verificados os requisitos legais que permitam à AT a aplicação de métodos indirectos de tributação, em resultado dos quais a AT efectuou correções que, em sede de IRS, se traduziram no acréscimo à matéria coletável nos valores de € 173.810,49, para o exercício de 2009, e de € 328.139,61, para o exercício de 2010.
2.ª A decisão da AT recorrer à aplicação de métodos indirectos de tributação foi determinada exclusivamente pela informação obtida junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD), relativa à conta bancária n° …………….., de que é co-titular a recorrente, através da qual a AT tornou conhecimento dos movimentos discriminados a fls. 30 dos autos.
3.ª Embora a recorrente tenha permitido o acesso à sua conta bancária da CGD, não foi, contudo, informada de que a AT pretendia utilizar a informação bancária assim obtida para desencadear um procedimento de avaliação indirecta de tributação aos anos de 2009 e 2010.
4.ª Dispõe o art° 63°, n° 3 da LGT que o acesso à informação bancária protegida pelo sigilo bancário se faz nos termos previstos nos art°s. 63°-A, 63°-B e 63°-C do mesmo diploma legal, o que pressupõe que a decisão de acesso a informações e documentos bancários deve ser comunicada ao contribuinte devidamente fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam.
5.ª Uma vez que isso não sucedeu no caso dos autos, há que concluir que a AT utilizou ilegitimamente a informação bancária relativa à conta n° …………….. da CGD, não tendo observado as normas que regulam a sua obtenção, incorrendo em vício de violação de lei.
6.ª Por outro lado, a AT não actuou in casu em conformidade com os princípios a que o exercício das suas atribuições está adstrito, consagrados no art° 266°, n° 2 da Constituição da República, e reconhecidos genericamente no art° 55° da LGT.
7.ª O art° 89-A da LGT não pode ser interpretado de forma isolada devendo chamar-se à colação outras normas legais que estabelecem regras informadoras de todo o sistema fiscal, designadamente, os princípios da igualdade, da capacidade contnbutiva e da tributação dos rendimentos reais.
8.ª No caso dos autos, ao nível da quantificação da matéria tributável, devia a AT, tendo em conta os avultados e desproporcionais valores dos movimentos registados na conta bancária da recorrente, ter logrado obter informação sobre a proveniência de tais movimentos, junto da CGD, tanto mais que estavam autorizados para o efeito pela recorrente.
9.ª Impunha-se assim à AT uma actuação conformada pelo respeito dos princípios gerais que regem o seu modo de agir, orientada para a procura da verdade material, por forma a que o resultado da sua acção fosse, intrinsecamente, justo e equitativo.
10.ª Não tendo a AT observado os princípios a que o exercício das suas atribuições está adstrito, incorreu em vício de violação de lei.
11.ª O art° 89°-A n° 3 da LGT determina que, verificada a situação prevista no art° 87°, n° 1, al. O do mesmo diploma legal, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo do património.
12.ª Na apreciação do caso dos autos importa ter presente as seguintes circunstâncias concretas e particulares: i) não estão em causa manifestações de fortuna evidenciadas pela recorrente, nos termos do art° 89°-A, n° 1 da. LGT, mas tão somente registos de movimentos a crédito numa conta bancária de que aquela é co-titular, em conjunto com a sua irmã; os referidos movimentos bancários têm origem, maioritariamente, na vontade e intervenção de pessoas e diversas entidades que residem e estão sediadas em Angola, sendo conhecidas as dificuldades na obtenção de documentação junto das entidades bancárias em Angola ; iii) o carácter urgente do presente processo ­art° 146°-B, n° 3 do CPPT.
13.ª Em face de tal circunstancialismo, não se pode exigir à recorrente que tivesse junto aos autos mais documentação para além da que foi junta, e que, em todo o caso, e na sua opinião, é suficiente e bastante para fazer valer a sua posição.
14.ª Os movimentos que se encontram discriminados a fls. 30 dos autos, efetuados a crédito na conta bancária n° 0655001029900 de que a recorrente é co-titular junto da CGD, e que se identificam nas conclusões o), s), v) e x) infra, não devem ser havidos como rendimentos auferidos pela recorrente, ao contrário do que conclui a douta decisão recorrida.
15.ª Os movimentos a seguir identificados
11-02-20092009TEI001297 7.500,00
12-02-20092009TEI001625 7.500,00
09-03-20092009TEI001185 7.500,00
09-03-20092009TEI001188 7.500,00
25-06-20092009CME000163 2.627,97
31-07-20092009PGR0907310000590 5.000 00
03-08-20092009PGR0907310001182 5.000,00
25-06-20092009CME000178 3.446,52
01-09-20092009DEPOSITO 2.850,00
06-10-20092009CME000184 10.086,04
18-12-20092009CME0002000 10.313,66
foram objeto de transmissão gratuita dos pais da recorrente - Joaquim ………………. e Adelina ………………. - a favor da recorrente e da irmã.

16.ª Os valores mencionados, pelo facto de terem sido doados à recorrente, não têm de ser declarados por esta, em sede de IRS, na parte que lhe compete (1/2), uma vez que não integram nenhuma das categorias de rendimentos prevista no art° 1° e segs. do CIRS.
17.ª Por outro lado, os art°s 6°, aL e) e 28°, n° 1 do Código do Imposto de Selo (CIS) isenta os descendentes do pagamento do imposto de selo nas transmissões gratuitas de que são beneficiários, e da obrigação de declararem tais transmissões gratuitas.
18.ª Os valores a que se reportam os movimentos anteriormente identificados não constituem, nem nunca constituíram, rendimentos da recorrente, pelo que, ao contrário do que pretende a douta decisão recorrida, não podem ser considerados incremento patrimonial, sujeito a tributação em sede de IRS.
19.ª Os movimentos a seguir identificados
16-09-20102010TRANSF398.000,00
16-09-20102010TRANSF62.000,00
15-10-20102010TRANSF2.000,00
titulam operações de reembolsos de suprimentos feitos pela sociedade Muro …………… - ………….., SA à accionista E……………… ­Construções, S.A., sociedade sediada em Angola.

20.ª O facto dos valores anteriormente mencionados terem sido movimentados pela conta da CGD de que são titulares a recorrente e a irmã, não significa, no caso em apreço, que os mesmos tenham integrado a sua esfera patrimonial, porquanto, não obstante a titularidade da conta, a recorrente e a irmã figuram, naquelas situações, como meras intermediárias ou representantes dos interesses dos pais que se encontram em Angola, servindo a conta bancária da CGD apenas como veículo de pagamento de contas de tercei-os.
21.ª Estando demonstrada, quer através dos documentos bancários que titulam as operações, quer pelo seu adequado tratamento contabilístico, que aqueles valores, movimentados a crédito na conta da CGD, não pertenciam à recorrente, não pode a AT pretender tributá-los em sede de IRS, como se de rendimentos se tratassem.
22.ª O movimento assim identificado 25-10-2010 2010 TRNSF 54.100,00 destinou-se ao pagamento do sinal no âmbito do contrato de promessa de compra e venda celebrado com as "Construções ……….. de S. J……, Lda.", no qual a recorrente e a irmã intervieram como gestoras de negócios da promitente-compradora Muro ………….
23.ª O valor em causa, muito embora tenha sido movimentado através da conta bancária da recorrente, em momento algum lhe pertenceu, ou entrou na sua esfera patrimonial, tendo a conta bancária da recorrente servido de veículo ou instrumento da Muro ……………… para pagamento do sinal no referido contrato de promessa de compra e venda.
24.ª Os movimentos a seguir identificados 30-07-2009 2009, 2009073000001770 50.000,00 16-09-2010 2010 TRANSF 69.575,25, ocorreram por lapso, ou seja, não correspondem a efectivas operações ou fluxos financeiros, sendo originados por motivos que a recorrente desconhece, e que apenas podem ser imputáveis à CGD, a eventual lapso ou engano do sistema bancário, tendo sido objecto de oportuno estorno, o que significa que foram anulados.
25.ª A extensa documentação junta ao processo, e, bem assim, a prova testemunhal produzida nos autos - depoimentos das testemunhas Roberto …………………….., Ricardo ……………………., Eduardo …………….. e Inês …………… - demonstram de forma cabal que os valores a que se reportam os movimentos que se identificam nas conclusões o), s), v) e x) supra, não constituem, nem nunca constituíram, rendimentos da recorrente, não havendo fundamento legal para os considerar corno tal, designadamente, para efeitos de IRS.
26.ª Os depoimentos das referidas testemunhas estão gravados em suporte informático (CD/AUDIO), cuja transcrição, por dificuldades de audibilidade, se protesta juntar aos autos, com indicação das passagens dos depoimentos que corroboram a posição defendida pela recorrente.
27.ª Em todo o caso, importa ainda ter presente que, em caso de dúvida sobre a existência e quantificação do facto tnbutário, deverá tal dúvida ser valorada a favor do contribuinte - art° 100% n° 1 do CPPT.
28.ª No caso da quantificação da matéria colectável por métodos indirectos, o art° 73°, n° 3 estabeleceu urna regra de repartição do ónus da prova, em que à AT compete o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação de tal método, enquanto ao sujeito passivo cabe o ónus da prova do erro ou excesso de quantificação.
29.ª Esse manifesto excesso, sem prova positiva de erro, ocorrerá quando seja evidente que a aplicação dos critérios utilizados para a fixação da matéria tributável não permitem uma fixação em tal montante, mas em quantidade claramente inferior.
30.ª A recorrente entende que o Tribunal a quo, em caso de dúvida,
deveria ter decidido a favor do contribuinte, como manda a lei, o que não aconteceu.

31.ª Por outro lado, é também unanimemente reconhecido pela jurisprudência que, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como "incremento patrimonial" em sede de IRS, a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do "acréscimo patrimonial não justificado" sujeito a imposto, por força dos anteriormente mencionados princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais, e, bem assim, do princípio consagrado no art° 73° da LGT.
32.ª Sendo, todavia, douta, a decisão recorrida violou por erradas interpretação e aplicação as disposições legais anteriormente citadas, e as mais ao caso aplicáveis.


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A Fazenda Pública não contra-alegou.


A recorrente Sara …………. contra-minutou as alegações da Fazenda Pública, tendo suscitado a nulidade da diligência de prova por irregularidade do seu registo no suporte digital.


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Neste TCAS a EMMP emitiu parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos.


Colhidos os vistos vem o processo à conferência.


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2 – Fundamentação

a) - De facto

A sentença consignou o probatório nos seguintes termos:
(1) A Recorrente nasceu em 1989.11.10 e é filha de Joaquim …………. e de …………. (cf. fls. 32 a 33 dos autos);
(2) O pai da Recorrente Joaquim ……………, reside em Angola (cf. fls. 35 a 37 dos autos);
(3) C) A mãe da Recorrente Adelina ……………, tem nacionalidade Angolana (cf. fls. 38 a 40 dos autos);
(4) D) No ano lectivo de 2009/2010, a Recorrente era estudante na Universidade de Évora (cf. 34 dos autos);
(5) E) Os rendimentos colectáveis de IRS dos anos de 2009 e 2010 foram fixados por métodos indirectos, nos montantes de € 173 810,49 e C 328 139,61, respectivamente (cf. fls. 12 do PA);
(6) Do relatório elaborado pela Divisão de Inspecção Tributária ­Equipa 12, em 2013.10.28, constante de fls. 13 a 21 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção
b. Credencial e período em que decorreu a acção
i. O procedimento externo de inspecção, realizado ao sujeito passivo Sara …………. (...), foi credenciado pela Ordem de Serviço n.° 01201100907, emitida pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Évora, com data de 2011-10-13;
ii. O procedimento inspectivo teve início em 2013-01-10.
iii. (...);
c. Motivo, âmbito e incidência temporal
i. A presente ordem de serviço teve origem no âmbito de um procedimento externo realizado à [empresa] T……… - Reparações …………. Lda., (...) através do qual e mediante informação dirigida à DSIFAE, pela unidade de informação financeira da Polícia Judiciária (UIFPJ), que numa conta da CGD ­Caixa Geral de Depósitos em nome de SARA .......... e a sua irmã Inês …………. (...), foram recepcionados valores elevados e realizadas movimentações a débito, (saídas), igualmente elevadas, sem que existisse, em seu nome, qualquer registo declarativo que o justificasse;
H. Paralelamente, são conhecidas da AT, a constituição, em 2010.01.11, de uma sociedade anónima - Muro …….. SA, com sede em Lisboa, da qual são accionistas maioritárias, respectivamente, com 24 999 e 24 998 acções, com o valor nominal de 1 euro/cada, bem como a sua participação no capital de uma sociedade angolana E……… principal financiadora da primeira;
iii. É administrador de ambas as sociedades o pai Joaquim ………;
iv. A consulta às aplicações do património permitem, igualmente, confirmar a aquisição, nos anos de 2008 e 2009, de dois prédios, rustico (2008) e urbano (2009), cujos valores de aquisição ascendem a C 130 000,00 e C 224 000,00, respectivamente;
iii. Tais prédios foram comprados em partes iguais pelos 3 irmãos, Sara ………., Inês …….. e Bruno …………… sem recurso a crédito bancário;
v. No decurso do procedimento inspectivo e no que respeita às operativas bancárias enunciadas, Sara e Inês ………, autorizaram os Serviços de Inspecção da DF de Évora, de acordo com o previsto no artigo 79/1 Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras a consultar ou solicitar junto da CGD - Caixa Geral de Depósitos, SA, todos os documentos bancários relacionados com a conta 0……….. da qual são únicas titulares;
vii. (...):
110d. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso
a métodos indirectos
1. Nos exercícios de 2009 e 2010 foram depositados na conta bancária de que o (s) sujeito(o) passivo (s) são titulares, respectivamente, o montante de, pelo menos, C 173.810,49 (tendo já em consideração a sua quota-parte na titularidade da conta, sendo o montante global de depósitos de C 347.620,97; e pelo menos C 328.139,61 (sendo igualmente considerada a sua quota-parte na titularidade da conta, cujo montante global de depósitos foi de C 656.279,22);
ii. A referida divisão ocorre nos termos do artigo 190 do CIRS que determina que os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas sejam a estas imputados na proporção das respectivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas;
iii. (...);
iv. Determina a alínea f) do art° 87° da LGT, que há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável em caso de "Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a C 100. 000, 00, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados;
v. Do referido artigo, em conjugação com o n° 5 do artigo 89-A da LGT decorre que o acréscimo patrimonial ou consumo devem ser tributados no ano em que são "evidenciados"; ou seja, no ano em que ocorre o facto que vai despoletar a aplicação do mecanismo de avaliação indirecta, sendo nesse ano necessário aferir da existência de divergência entre a capacidade financeira e os rendimentos declarados;
vi. Desta forma, foram os valores de depósitos realizados, confrontados, com a falta de entrega de declaração de rendimentos M3, prevista no artigo 57° do CIRS, no ano de 2009, e com o rendimento global declarado pelo agregado de C 5.304,20, em 2010, constando SARA …….., nessa declaração, COMO sujeito passivo dependente, sem rendimentos; A comparação traduz-se numa divergência superior a C 100.000,00, em ambos os períodos de tributação;
vii. À AT compete apenas a demonstração de que se encontram reunidos os pressupostos legais da aplicação da tributação por métodos indirectos, isto é, a verificação da existência de um acréscimo de património ou consumo que possa determinar a tributação de rendimento presumido;
viii. Uma vez constatada a existência dessa divergência deixa de valer a presunção de veracidade da declaração do contribuinte [alínea d), n.° 2, artigo 75-D LGT] competindo ao contribuinte, no sentido de evitar a tribulação, a justificação da divergência entre a capacidade financeira evidenciada e os rendimentos declarados, conforme disposto no no 3 do artigo 89°-A da LGT;
ix. Tal justificação poderá ser feita pela demonstração de que os rendimentos declarados correspondem à realidade ou que o acréscimo de património ou de consumo evidenciado provem de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração.
x. Conforme referido em 11.2, pese embora notificado para o efeito. o sujeito passivo, não efectuou a competente prova;
xii. Nestes termos, e salvo melhor opinião, o pressuposto de avaliação indirecta instituído pela alínea i) do artigo 87° da LGT encontra-se devidamente verificado, reunindo-se as condições legais para, de acordo e nos termos do disposto no no 5 do artigo 890-A da LGT, proceder à fixação do rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, para os exercícios de 2009 e 2010;
e. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
i. Reunidos os pressupostos de determinação para a aplicação da avaliação indirecta nos lermos da alínea f) do artigo 87° da LGT, descritos no ponto IV., dispõe a alínea a) do n° 5 do artigo 89°•A do mesmo diploma legal, que "Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indicias fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.°. que permitam à Administração Tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação";
ii. Por sua vez, o código do IRS, integra IRS referida determinação, pelo disposto na alínea d) do n°1 do artigo 9° do CIRS, referindo que constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias os acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 870, 880 ou 89°-A da Lei Geral Tributária.
f. Exercício de 2009
i. No seguimento da informação recolhida junto da referida instituição bancária, foram detectadas entradas na conta de que o sujeito passivo era titular, no montante global de C 347.620,97;
ii. Tendo em conta os titulares da conta bancária (2), procedeu-se ao "rateio" do montante apurado, de modo a obter a quota-parte de cada titular, para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRS ­categoria G, a imputar a cada sujeito passivo conforme demonstrado no ponto anterior;
iii. Neste exercício, verificaram-se entradas de fluxos financeiros em contas bancárias do sujeito passivo no montante global de C 347.620,97, correspondendo a sua quota-parte ao montante de, pelo menos, C 173.810,49;
iv. Encontrando-se em falta a declaração relativa ao exercício 2009 vai proceder-se a fixação do rendimento de categoria G, no total do acréscimo patrimonial apurado, C 113 610,49, nos termos dos artigos 87° e 89°-A da LGT;
g. Exercício de 2010
i. Também, neste exercício, se identificaram entradas de fluxos financeiros em conta bancaria do sujeito passivo no montante global de C 656 279,22;
ii. Tal como para 2009, procedeu-se ao "rateio' do montante apurado, de modo a apurar a quota-parte de cada titular, para efeitos do apuramento do rendimento tributável em sede de IRS - categoria G, a imputar a cada sujeito passivo conforme demonstrado no ponto anterior;
iii. No exercício 2010, o sujeito passivo consta da declaração de rendimentos M3 entregue pelos seus pais, enquanto dependente sem rendimentos;
iv. Nos termos dos artigos 87° e 89°-A da LGT, a fixação do rendimento corresponderá ao total do acréscimo apurado, no montante de € 328.139,61;
v. Conforme referido, SARA ………….. não consta de qualquer declaração de rendimentos no ano 2009 e no ano de 2010 aparece como dependente na declaração entregue pelos seus pais, Joaquim e Adelina ………;vi. O sujeito passivo é, à data dos factos, maior de idade pelo que apenas poderá ser considerado dependente para efeitos de tributação em sede de IRS no caso de auferir rendimentos inferiores ou iguais ao salário mínimo nacional mais elevado, conforme estipulado na alínea b) n.° 4 do artigo 13° do CIRS;
vii. Em face do exposto e para os anos sob escrutínio, são propostas as referidas correcções ao rendimento de SARA ………, considerando-a pessoa singular sujeita a imposto nos rendimentos determinados em sede de categoria G, nos montantes de e 173.810,49 para o ano 2009 e C 328.139,61 para o ano de 2010;
(...);
(7) G) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2013.11.11, foi enviado à Recorrente o relatório de Inspecção Tributária e o ofício constante de fls. 12 do PA que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se transcreve:
a. (...);
b. Fica por este meio notificada (...) da fixação do rendimento colectável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) por métodos indirectos, nos termos dos artigos 87° a 90° da Lei Geral Tributária (LGT) por remissão do artigo 39° do código do IRS, nos seguintes anos:
i. Ano: 2009 - Rendimento fixado: C 173 810,49;
ii. Ano: 2010 - Rendimento fixado: C 328 139,61;
(8) Em 2013.11.21, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja deu entrada a presente acção (cf. fls. 2 dos autos);
(9) A empresa T…………. - …………….. Pontes, Limitada, é uma sociedade de direito angolano (cf. fls, 41 a 47 dos autos);
(10) O pai da Recorrente é sócio-gerente da T………. ­Representações ……………, Limitada (cf. fls. 41 a 55 dos autos);
(11) A Recorrente é sócia da empresa E……… Construções, Lda., juntamente com a mãe Adelina ………….., a irmã Inês ………………, o pai, Joaquim ………….. e o outro irmão Bruno ………. (cf. fls. 56 a 65 dos autos);
(12) O pai da Recorrente, Joaquim ……………, é administrador único da sociedade Muro …………….., SA (cf. fls. 66 e 67 dos autos);
(13) Em 2013.11.26, o Banco ………. emitiu a declaração constante de fls. 142 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, atestando que a empresa T……… ­Representações ……………, Limitada, emitiu com data-valor de 2009.02.09, ordem de pagamento no montante de € 7 500,00, para a conta com o NIB PT …………….., a favor de Sara … ………….;
(14) Em 2013.11.26, o Banco . emitiu a declaração constante de fls. 143 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, atestando que a empresa T…… ­Representações …………….., Limitada, emitiu com data-valor de 2009.02.09, ordem de pagamento no montante de € 7 500,00, para a conta com o NIB PT ………………., a favor de Inês ……………. ………..;
(15) Em 2013.11.26, o Banco . emitiu a declaração constante de fls. 144 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, atestando que a empresa T……….. ­Representações ……………….., Limitada, emitiu com data-valor de 2009.03.05, ordem de pagamento no montante de € 7 500,00, para a conta com o NIB PT …………, titulada por Sara ………………;
(16) Em 2013.11.26, o Banco …….. emitiu a declaração constante de fls. 145 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, atestando que a empresa T………... ­Representações ……………., Limitada, emitiu com data-valor de 2009.03.05, ordem de pagamento no montante de € 7 500,00, para a conta com o NIB PT ……….., titulada por Inês ……………….;
(17) Em 2009.04.03, o Banco de …………. - Rede ………, emitiu a declaração constante de fls. 146 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, em que Joaquim ………………………, transferiu a título de apoio familiar € 8 000,00, para a conta com o IBAN PT …………, a favor de Inês ………………….;
(18) Em 2013.11.26, o Banco ………., emitiu declaração relativa a detalhe de operação, constante de fls. 147 dos autos, relativo a ordem de pagamento no montante de € 8 000,00, a favor de Inês …………………, para o Banco: CGD, conta ……………;
(19) Em 2009.04.03, o Banco ……………… - Rede …………, emitiu a declaração constante de fls. 148 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, em que Joaquim ………….., transferiu a título de apoio familiar € 8 000,00, para a conta com o IBAN PT ………….., a favor de Sara …………………..;
(20) Em 2013.11.26, o Banco ……, emitiu declaração relativa a detalhe de operação, constante de fls. 149 dos autos, relativo a ordem de pagamento no montante de € 8 000,00, a favor de ………….., para o Banco: CGD, conta …………………;
(21) Em 2009.05.12, o Banco de ……….. - Rede …………, emitiu a declaração constante de fls. 150 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido, em que Joaquim ………….., transferiu a título de ajuda familiar € 8 000,00, para a conta com o ………. PT, a favor de Inês …………….;
(22) Em 2009.05.18, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ……………, foram depositados € 11 005,00, por transferência da conta .……………… (cf. fls. 151 dos autos);
(23) Em 2009.05.29, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………….., foram depositados € 56 332,43, por transferência da conta …………… (cf. fls. 152 dos autos);
(24) Em 2009.05.29, na conta bancária da Requerente sobre CGD no …………………, foram depositados € 56 292,42,43, por transferência da conta ………….. (cf. fls. 153 dos autos);
(25) Em 2009.06.25, a Requerente depositou na conta no 0655 001029 900 € 2 631,39 (cf. fls. 154 dos autos);
(26) Em 2009.07.21, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ……………., foram depositados € 59 936,04, por transferência da conta …………… (cf. fis. 155 dos autos);
(27) Em 2009.07.21, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………………., foram depositados € 59 936,04, por transferência da conta ………………….., por ordem de Joaquim ………………….. (cf. fls. 156 dos autos);
(28) Em 2009.07.31, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ……………, foram depositados € 5 000,00, por transferência da conta …………., por ordem de T. - Representações ……… (cf. fis. 157 dos autos);
(29) Em 2013.11.26, o Banco B…….. emitiu a declaração constante de fls. 158 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, atestando que a empresa T……….. - …………., Limitada, emitiu com data-valor de 2009.07.30, ordem de pagamento no montante de € 5 000,00, para a conta com o NIB PT ……………., titulada por Inês ……………………;
(30) Em 2009.07.31, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ……….……….., foram depositados € 5 000,00, por transferência da conta ……, por ordem de T……. - Representações ……… (cf. fis. 159 dos autos);
(31) Em 2009.07.31, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………………..…., foram depositados € 5 000,00, por transferência da conta ……….., por ordem de T…… - Representações …………. (cf. fls. 157 dos autos);
(32) Em 2009.09.01, a Requerente depositou na conta no ……………… € 3 449,94 (cf. fls. 160 dos autos);
(33) Em 2009.09.01, a Requerente depositou na conta no ………….. € 2 850,00 (cf. fls. 161 dos autos);
(34) Em 2009.10.06, a Requerente depositou na conta no ………….. € 10 086,04 (cf. fls. 162 dos autos);
(35) Em 2009.10.08, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………………….., foram depositados € 26 916,32, por transferência da conta ……………., por ordem de Joaquim ……………… (cf. fis. 163 dos autos);
(36) Em 2009.11.19, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………………., foram depositados € 3 321,57, por transferência da conta ………….., por ordem de …………… (cf. fls. 164 dos autos);
(37) Em 2009.11.19, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………………, foram depositados 6 670,53 por transferência da conta ………., por ordem de Joaquim ………… (cf. fls. 165 dos autos);
(38) Em 2009.12.18, a Requerente depositou na conta no ………………€ 10 317,08 (cf. fls. 166 dos autos);
(39) Em 2009.12.21, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ……………, foram depositados € 10 415,88 por transferência da conta ……………., por ordem de Joaquim …………… (cf. fls. 167 dos autos);
(40) Em 2009.12.22, na conta bancária da Requerente sobre a CGD no ………………….., foram depositados € 37 724,01 por transferência da conta ………., por ordem de Joaquim ……………… (cf. fls. 168 dos autos);
(41) Em 2010.04.01, na conta bancária da Requerente sobre CGD no 5………………….., foram depositados € 10 000,00 por transferência da conta …………….., por ordem de Joaquim ……………….. (cf. fls. 169 dos autos);
(42) Em 2010.04.30, na conta bancária da Requerente sobre CGD no ………………., foram depositados € 10 000,00 por transferência da conta …………., por ordem de Joaquim ……………… (cf. fls. 170 dos autos);
(43) Em 2010.09.16, por transferência da conta …………., titulada por Muro ……………., SA, foram depositados na conta no 0655 001029 900, 398 000,00 (cf. fls. 171 dos autos);
(44) Em 2010.09.16, por transferência da conta ……………., titulada por Muro ……………., SA, foram depositados na conta no ……………., € 62 000,00 (cf. fls. 172 dos autos);
(45) Em 2010.10.25, por transferência da conta ……………, titulada por Muro ……………, SA, foram depositados na conta ……………….., € 54 100,00 (cf. fls. 173 dos autos);
(46) A E………., …….., Lda., declarou ter recebido de Inês ……………… e de Sara …………….., em 2010.09.16, a quantia de € 398 000,00, em numerário (cf. fls. 174 dos autos);
(47) Em 2009.07.30, a Recorrente fez uma aplicação financeira no montante de 50 000,00 no plano poupança reforma Leve (cf. fls. 224 dos autos) que resgatou em 2010.06.08, tendo sido depositados na conta com o NIB ………………, € 50 603,97 (cf. fls. 228 a 229 dos autos);
(48) Em 2010.10.22, entre a sociedade Construções ………….., Lda., e a sociedade Muro …………, SA, foi outorgado contrato promessa de compra e venda, constante de fls. 94 a 99 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
(49) Em 2010.10.26, a Caixa Geral de Depósitos emitiu o cheque bancário no …………., no montante de € 54 100,00, a favor de Construções ………, Lda., constante de fls. 100 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.


Motivação

Os factos apurados resultam dos documentos e informações constantes do processo, e no depoimento das testemunhas ouvidas que os confirmaram.


1.ª Testemunha: Roberto ……………., empregado bancário; trabalha na agência em que a Recorrente tem conta e é gestor da mesma; conhece a Recorrente desde que esta abriu a conta bancária na CGD, em 2009; sabe que a Recorrente é estudante na Universidade de Évora e tanto quanto sabe vive do dinheiro que o pai lhe dá; também conhece a Sra. D. Adelina, a mãe; o pai fazia transferências da conta dele, ou das empresas, para a conta das filhas; tanto quanto sabe o Sr. Rosado e a D. Adelina, moram em Angola; fazia alguns dos depósitos e os outros eram transferências internacionais; por vezes recebia ordem por mail para fazer as transferências; algumas das transferências eram em dólares; também fez transferências da conta do Muro …… para a conta da Sara; tem ouvido dizer a várias pessoas que é difícil transferir dinheiro de Angola para cá; algumas vezes a Sara trazia dólares e fazia os depósitos ao câmbio do dia; alguns valores eram significativos; tanto quanto sabe todas as quantias depositadas na conta tiveram origem em Angola.


2.ª Testemunha: Ricardo ………………., mediador imobiliário, conhece a Recorrente e os pais; sabe que a Recorrente é estudante na Universidade de Évora e que vive das quantias que os pais lhe enviam de Angola; tanto quanto sabe o pai foi "bem-sucedido" em Angola e sempre teve a preocupação de assegurar um bom futuro para as filhas; sabe que também negócios cá e uma sociedade a Muro ………..; através da sociedade tem investido em Évora, em imobiliário, tendo comprado alguns prédios; tanto quanto sabe envia dinheiro às filhas, em dólares; também acompanhou a compra de um apartamento em Sesimbra, através da Muro ………; já não se lembra do montante em concreto mas rondava os € 280 000,00; infelizmente ouviu dizer que o construtor "falira"; foi confrontado com o documento de fls. 100 dos autos e confirmou tratar-se de um "cheque bancário", emitido pelo próprio banco; tanto quanto se lembra as filhas foram ver a casa e gostaram e falaram nela ao pai; o pai pediu-lhe para ir ver a casa e negociar a compra, pela qual recebeu comissão; a casa está pronta mas o negócio ainda não se concretizou porque entretanto, infelizmente, o promotor e construtor ficou insolvente.


3.ª Testemunha: Eduardo ……………….., TOC; não conhece a Recorrente, mas conhece a irmã; trabalha para a sociedade Muro da …………., SA, que tem como administrador o Sr. Rosado e como accionistas a E……… e as filhas do Sr. Rosado; a sociedade tem como actividade a compra e a gestão de propriedades, para revenda com lucro; a E……… é uma empresa Angolana, que faz suprimentos à Muro …………..; aliás, os serviços de Inspecção Tributária já estiveram na empresa a analisar esses suprimentos e foi tudo investigado; todos os movimentos estão contabilizados; as filhas do Sr. Rosado são estudantes e vivem às expensas dos pais; e já tem tratado de transferências para as contas das filhas; mas como já disse todos esses movimentos foram alvo de inspecção pelas Finanças; todos os movimentos foram feitos através do banco e levados à contabilidade; por dificuldades de transferência directa, o suprimento no montante de € 398 000,00 foi feito através da conta das filhas; os montantes de C 62 000,00 e de € 54 100,00 correspondem a reembolsos de suprimentos da Muro ………… à E…….., feito através da conta das filhas que eram sócias da empresa; o movimento foi feito assim por sugestão sua, devido às dificuldades em transferir dinheiro de e para Angola; foi ele que preencheu e entregou a declaração de IRS do Sr. Rosado, relativa ao ano de 2010.


4.ª Testemunha: Inês …………, irmã da Recorrente, estudante; nos anos de 2009 e 2010 a Sara …….. era estudante de Economia na Universidade de Évora; em 2006 e 2007, a irmã trabalhou na caixa de um supermercado; têm uma mesada de cerca de € 600,00, cada uma; o pai sempre que pode transfere dinheiro para a conta bancária de ambas; também lhes dá dólares que depositam na mesma conta; o pai também gere a conta bancária; manda fazer aplicações financeiras, por exemplo.


b) - De Direito

A primeira questão que importa solucionar consiste em saber se deve ser atendida a nulidade suscitada pela recorrente Sara nas contra-alegações às alegações de recurso da Fazenda Pública, no que concerne à alegadamente deficientes condições de gravação dos depoimentos produzidos na inquirição efectuada em primeira instância.

Escreveu-se no acórdão deste TCAS de 15-05-2014 (rec. n.º 07623/14)
O actual regime da gravação da prova encontra assento no art.º 155,º do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi do art.º 2.º, al. e), do CPPT.
A impugnação da gravação está delimitada por dois requisitos, ambos de natureza adjectiva: um diz respeito ao prazo processual em que a falta ou deficiência da gravação deve ser invo­cada; o outro é relativo à forma como deve ser arguida a irregularidade da gravação.
O primeiro relaciona-se com o n.º 4 do referido art.º 155.º do CPC, norma que dispõe que a falta ou deficiência da gravação deve ser invo­cada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, o que implica determinar o dies a quo desse prazo. Como o n.º 3 estabelece que a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato - o que significa que a gravação deve ficar acessível na secretaria no prazo assinalado - sem necessidade de ser antecipadamente requerida, o prazo para arguir a irregularidade da gravação deve contar-se a partir do termo desse prazo de dois dias.
Com efeito, esta é a interpretação correcta da norma, tendo em conta os elementos gramatical, sistemático e histórico.
Na economia gramatical da norma o uso do vocábulo “disponibilizada” tem o sentido de colocar à disposição, o que associado um comando temporal (prazo) significa que a colocação da gravação à disposição das partes não está dependente de requerimento.
Por um lado a letra da lei estabelece como dies a quo o momento em que a gravação é disponibilizada e não a data em que a mesma é requerida. O preceito é claro: “a falta ou deficiência da gravação deve ser invo­cada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada”. Como o n.º 3 estabelece que a gravação é disponibilizada às partes pela secretaria no prazo de dois dias a contar do acto, se a disponibilização não fosse oficiosa, isto é, sem necessidade de requerimento prévio, não faria sentido que se fixasse o prazo de dois dias “a contar do respetivo ato”. Se outro fosse o propósito do legislador, ou seja, se quisesse que esse prazo se contasse do momento em que a cópia da gravação é entregue depois de ter sido requerida não deixaria de o expressar de modo conveniente, tendo em conta que usa no mesmo artigo os vocábulos disponibilizar e requerimento com intuitos diferentes.
Com efeito, há uma referência a requerimento a propósito da transcrição dos requerimentos e respetivas respostas, despachos e decisões do juiz, com o n.º 5 a estabelecer que possa ser feita oficiosamente ou mediante requerimento. Concluí-se por isso que o legislador utilizou na sistematização deste artigo os dois conceitos em causa com dois sentidos diferentes e precisos, sendo por isso claro no confronto de todo o regime consagrado no art.º 155.º que o acesso à gravação não depende de requerimento prévio. Por fim, o elementos histórico reforça esta conclusão, pois no regime pregresso do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma que previa e regulamentava a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, a obtenção de cópia da gravação dependia de requerimento, tal como estabelecia seu art.º 7.º, n.º 2: “incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram”.
Acresce que ao dispensar o requerimento prévio no actual regime o legislador pretendeu, claramente, por termo à querela jurisprudencial a que se assistia no regime anterior do citado Decreto-Lei, em que a propósito do início do prazo de arguição das irregularidades da gravação se degladiavam três teses:
Uma, que considerava a falta ou deficiência de gravação como uma nulidade processual secundária (porque não contemplada no elenco das nulidades principais), equivalente à falta de gravação que tivesse sido requerida ou ordenada, mas apenas desde que fossem imperceptíveis os depoimentos, à qual era aplicável o prazo geral de dez dias previsto no antigo art.º 153.º, n.º 1, do CPC, contados a partir da data de entrega dos registos, que teria de ser requerida na respectiva diligência, ou do momento em que a parte interessada tomou ou podia ter tomado conhecimento da deficiência, agindo com a diligência devida.
Uma outra tese defendia que a arguição da deficiência se contava a partir do momento em que são disponibilizados os registos magnéticos pelo tribunal.
E terceira postulava que esse prazo se contava a partir do prazo de recurso, por não ser exigível à parte, ou ao seu mandatário, que procedesse à audição dos registos magnéticos antes do início do mesmo.
Deve dizer-se que destas três teses a última era a que melhor se ajustava ao contencioso tributário, visto que é na sentença que o juiz tributário exara a sua decisão quanto à matéria de facto.
Dito isto e para concluir, a interpretação que se defende é a que mais se compagina com a opção do legislador de imprimir celeridade às causas judiciais, obstaculizando a proliferação de expedientes dilatórios, que o regime anterior neste concreto aspecto propiciava.
Em face do exposto concluiu-se que da interpretação conjugada dos n.ºs 3 e 4 do art.º 155.º do CPC resulta que o prazo para arguição de qualquer irregularidade da gravação é de, no máximo, doze dias a contar da prática do respectivo acto”.

Como, no caso presente, a irregularidade da gravação foi arguida muito para além do prazo de dez dias acima referida (que como se disse se segue ao prazo de 2 dias para a disponibilização da gravação), qualquer nulidade decorrente da irregularidade da gravação sanou-se.

Improcede, pois, a arguição da referida nulidade.


*

A Fazenda Pública estruturou o seu recurso com base em dois argumentos: de a recorrente Sara não ter feito prova justificativa dos acréscimos patrimoniais evidenciados e de que as quantias em crise estavam isentas de tributação, pelo que ocorre erro na apreciação da matéria de facto e errada interpretação do n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT.

Está em causa, portanto, um erro de julgamento em matéria de facto.

O erro de julgamento em matéria de facto recai sobre um elemento dos dois elementos que estruturam a decisão jurisdicional: a fundamentação de facto e a fundamentação d direito. Trata-se do tradicionalmente denominado erro de facto, por contraposição ao erro de direito, que pode resultar de errada apreciação do material probatório que contamina a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão, ou emergir da desacertada interpretação dessa materialidade.

No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem de erro de julgamento; outro, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

Quando a selecção dos factos não é questionada mas apenas se coloca a tónica impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova mas sim um erro de previsão (i) ou um erro na estatuição(ii).

No caso vertente a recorrente Fazenda Pública não ataca a selecção dos factos feita pela sentença nem sequer sustenta que ocorreu uma indevida consideração das provas produzidas nos autos em ordem a determinar um resultado probatório diferente do fixado. Aliás, se o tivesse feito teria de concluir-se que a impugnação da matéria de facto não tinha sido correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível ao tribunal ad quem alterá-la. Pelo contrário a Fazenda Pública entende que ocorreu um erro na apreciação da matéria de facto, isto é, que os factos dados como provados conduzem a um resultado jurídico diferente daquele a que chegou a sentença.

Ora, o probatório consignado na sentença – que a recorrente não contesta – não apoia tal entendimento. Pelo contrário está em consonância com o decidido, já que dele resulta que parte dos rendimentos da recorrente Sara provêm de uma origem identificada e são enquadráveis na figura jurídica da doação e bem assim no resgate de um PPR.

A questão é, por isso, mais do que um erro na apreciação da matéria de facto; poderá ser, como defende a FP, um erro de interpretação do n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT?.

A jurisprudência tem vindo a sustentar que não obstante o teor desta norma é possível provar a origem lícita de parte dos rendimentos e, concomitantemente, a sua subtracção a qualquer norma de incidência, pois que uma coisa é a prova total com objectivos centrados no afastamento do procedimento de avaliação indirecta, outra a prova parcial para efeitos de fixação presuntiva do montante do acréscimo patrimonial não justificado sujeito a imposto.

Bem vistas as coisas a sentença não disse que a recorrente Sara logrou provar factos que demonstram a indevida aplicação da avaliação indirecta mas apenas que demonstrou a proveniência de parte dos valores detectados e a sua não sujeição a imposto, ou seja, que demonstrou que parte do acréscimo patrimonial não devia ser tributado.

Portanto, este raciocínio não merece censura.

Quanto ao recurso da recorrente Sara Rosado:

Pondo por agora de parte a questão relativa ao sigilo bancário, o argumento da recorrente é de que uma parte dos movimento da conta em co-titularidade, sedeada na CGD, “titulam operações de reembolsos de suprimentos feitos pela sociedade Muro ………… - Construções, SA à accionista E……….. ­Construções, S.A., sociedade sediada em Angola”, e bem assim que alguns movimentos “não correspondem a efectivas operações ou fluxos financeiros, sendo originados por motivos que a recorrente desconhece, e que apenas podem ser imputáveis à CGD, a eventual lapso ou engano do sistema bancário, tendo sido objecto de oportuno estorno”, que outro movimento se destinou ao pagamento do sinal no âmbito do contrato de promessa de compra e venda celebrado com as "Construções ……………., Lda.", no qual a recorrente e a irmã intervieram como gestoras de negócios da promitente-compradora Muro ……….,

A recorrente apoia-se nos depoimentos das testemunhas e daí retira a conclusão de que deles deriva a “dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário” que deverá ser valorada a seu favor.

Como se referiu no acórdão deste Tribunal de 07-02-2012 (Rec. n.º 05350/12):

“sem prejuízo da prova por testemunhas representar meio provatório admissível em direito processual tributário, o juízo sobre a sua produção casuística deve e tem de ser estabelecido mediante a aturada ponderação do relevo que pode vir a adquirir para demonstrar determinada realidade factual, no pressuposto de a força probatória dos depoimentos das testemunhas ser apreciada livremente pelo tribunal –art. 396.º Cód. Civil. Noutra perspectiva, não se estando na presença de um meio capaz de fazer prova plena dos factos sobre que pode versar, a realização de prova testemunhal torna-se dependente da avaliação do seu interesse, em função da capacidade, patenteada por outros elementos disponibilizados, incluindo o funcionamento de, explícitas, regras legais com cariz probante, de demonstrar, com um grau de maior ou total certeza, determinada factualidade, ainda que, para circunscritos efeitos”.

A esta luz não é curial que negócios baseados em formalidades impostas por lei ou pelos usos e costumes do comércio ou do tráfego jurídico possam ser unicamente provados por depoimento, a não ser que haja alguma impossibilidade evidente de a prova ser feita através de documentos. Ora, no caso em apreço a recorrente Sara Rosado procura demonstrar através de testemunhas que os fluxos financeiros que recebeu na conta conjunta com a sua irmã não passam de mera circulação de capitais com outros fins que não o seu enriquecimento, são produto de erros do próprio banco que foram corrigidos (“estorno”) ou que constituem liberalidades dos seus pais. Se é certo que o tribunal a quo entendeu que parte desses movimentos estavam justificados – designadamente pelas doações e pelo resgate de um PPR – não é menos verdade que em relação aos demais e não obstante ter inquirido as testemunhas – cuja credibilidade minuciosamente descreveu – considerou que a recorrente não fez a prova que lhe competia.

Ora, não parece que possa pôr-se em causa esse juízo sobre a matéria de facto, que não é irreflectido, imponderado ou carente de plausibilidade e que foi ditado segundo o princípio da imediação, fulcral na apreciação da credibilidade, isenção e coerência das testemunhas. Pelo contrário, tomando em linha de conta o que acima se disse quanto à necessidade de, em certos casos, a prova dever ser primordialmente documental (sem embargo de poder ser reforçada pela prova testemunhal), a solução fáctica a que chegou o tribunal a quo não se mostar desacertada, visto que a recorrente apenas juntou prova dos movimentos financeiros na sua conta (ao fim e ao cabo os mesmos movimentos que a AT relevou), sem demonstrar verdadeiramente a origem e destino dos mesmos através da documentação que certamente esteve na sua origem, prova essa que não poderia deixar de fazer atendendo a que uma boa parte dos fluxos financeiros em causa procedem ou se destinam as sociedades nas quais a recorrente detém posição no capital social ou exerce funções de representação.

Acrescente-se que mesmo a prova documental da entrega de € 398.000,00 à sociedade E………, em numerário, não deixa de causar alguma perplexidade, sabendo-se que essa sociedade tem por sócios o grupo familiar da recorrente Sara.

Por outro lado não é aceitável uma actuação processual e, sobretudo, probatória, direccionada e orientada para o objectivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável.

Neste contexto, não se revelando desacertada a conclusão em matéria de facto a que chegou o tribunal a quo e não existindo justificação para que o tribunal ad quem se intrometa na livre convicção e apreciação daquele através da modificação da matéria de facto ao abrigo do disposto no art.º 662.º do CPC, não se verifica qualquer violação do art.º 73.º, n.º 3, da LGT, porque na perspectiva da sentença, que temos por correcta, a recorrente não provou o excesso de quantificação, ou seja, não cumpriu o ónus que esta norma lhe impunha.

É verdade, como já se salientou na fundamentação relativa ao recurso da FP, que a jurisprudência aceita a justificação parcial para efeitos de fixação presuntiva do montante do "acréscimo patrimonial não justificado" sujeito a imposto. Mas foi exactamente isso que a sentença recorrida fez, com o que, aliás, a FP não concordou.

Quanto à questão do sigilo bancário:

Através do acesso aos dados bancários a AT pode ficar a conhecer a situação económica dos contribuintes, espelhada na conta bancária, e todas as operações nela registadas.

Se bem que tais dados se incluam no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da Constituição e garantido, designadamente, através do segredo ou sigilo bancário, as necessidades impostas por outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos podem justificar a quebra deste e a disponibilização dos dados em poder das instituições bancárias às autoridades a quem a lei reconhece a prerrogativa de acesso. E isto é assim porque o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas por tais direitos ou interesses. É que o direito de reserva de intimidade da vida privada e familiar deve ceder em nome do apuramento da situação tributária dos contribuintes e da determinação tão exacta quanto possível da sua carga contributiva, como forma de prossecução dos princípios da tributação universal e equitativa, da justiça e da igualdade, que se perfilam como valores essenciais do Estado de Direito Democrático, na justa medida em que essa cedência tal se tenha por necessária, proporcional e adequada, nos termos dos art.os 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.

Nos termos do disposto nos arts. 78.º e 79.º, n.º 2, alínea e), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.C.S.F.), as instituições de crédito e seus representantes, empregados ou agentes, têm de revelar o nome de clientes, assim como as contas destes e respectivos movimentos e outras operações bancárias desde que:
- A informação seja solicitada no âmbito e para efeitos do disposto no art.º 63.º-B, n.ºs 1 e 2, da LGT.
- Pela autoridade fiscal competente; e
- Na sequência de despacho devidamente fundamentado, de modo a acautelar a protecção de interesses jurídicos proeminentes.

No caso sub judice a recorrente reconhece que autorizou o acesso aos dados por banda da AT. Logo, é manifestamente improcedente o argumento de que a utilização de tais dados não foi consentida e é por isso ilegal (cfr. art.º 79.º, n.º 1, do R.G.I.C.S.F)

Aliás, a AT tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos nos casos mencionados no n.º 1 e 2 do art.º 63.º-B, da LGT, designadamente quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.

Em todo o caso dir-se-á que o acto que autoriza a quebra do sigilo bancário constitui um acto administrativo em matéria tributária, que carece de ser impugnado autonomamente sob pena de se convalidar na ordem jurídica. Ora, no caso em apreço não só não há notícia de que esse acto não foi impugnado como, mesmo que o fosse, o recurso estaria votado ao insucesso, tendo em conta que não é admissível a impugnação de um acto que o interessado tenha aceitado, espontaneamente e sem reservas (cfr. art.º 56.º, n.º 2, do CPTA).

Em face do exposto não procede o argumento da ilegalidade do acesso aos dados bancários da recorrente.

Sumariando, para concluir:

(i) O prazo para a parte interessada arguir qualquer irregularidade da gravação da prova é de dez dias e conta-se a partir do momento em que a gravação é disponibilizada pela secretaria, a qual deve ser feita no prazo máximo de dois dias após a diligência.

(ii) O erro de julgamento em matéria de facto pode resultar de errada apreciação do material probatório que contamina a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão, ou emergir da desacertada interpretação dessa materialidade.

(iii) No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; outro, (ii) fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

(iv) Quando a selecção dos factos não é questionada mas apenas se coloca a tónica impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova mas sim um erro de previsão ou um erro na estatuição.

(v) O n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT não impede que o contribuinte, sujeito a um procedimento de avaliação indirecta, demonstre a proveniência e a não sujeição a imposto de parte dos valores detectados.

(vi) O valor probatório dos depoimentos das testemunhas, a ser apreciado livremente pelo tribunal nos termos do art. 396.º Cód. Civil, não sendo um meio capaz de fazer prova plena dos factos sobre que pode versar, implica que deve ser encarado com cautelas quando respeita a declarações negociais, que por razões formais ou pelos usos do comércio ou do tráfego jurídico, devam ser reduzidas a escrito.

(vii) Não prova plenamente a origem e destino de fluxos financeiros registados na sua conta bancária e relacionadas com sociedades de que é sócio ou que representa o contribuinte que apenas faz uso da prova testemunhal;

(viii) A autorização de acesso aos dados de conta bancária concedida pelo respectivo titular permite à AT o uso posterior dos mesmos no âmbito do procedimento de avaliação indirecta.

(ix) O acto que autoriza a quebra do sigilo bancário constitui um acto administrativo em matéria tributária, que carece de ser impugnado autonomamente sob pena de se convalidar na ordem jurídica.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam em negar provimento a ambos os recursos.

Custas pelas recorrentes, na proporção do decaimento.

D.n.

Lisboa, 2014-07-10

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)

_________________________________________ (Cristina Flora)

(i) Que consiste num equívoco quanto à norma que deve ser aplicada ao caso concreto e que pode emergir de um erro na qualificação (que se verifica quando o Tribunal selecciona mal a norma aplicável ao caso concreto) ou de um erro na subsunção, quando os factos apurados são subsumidos a uma norma errada, ou seja, quando o Tribunal integra na previsão de uma norma factos ou situações que ela não comporta
(ii) É o erro na aplicação da norma, que decorre de um entendimento erróneo das consequências determinadas pela norma aplicada.