Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03976/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/15/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRC
CUSTOS
PROVISÕES
Sumário:I) -A necessidade de constituição de provisões surge porque a tributação do rendimento se processa anualmente, obrigando as empresas a fazer paragens teóricas da sua actividade para a periodização do lucro tributável, concretizada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. E o princípio da prudência adoptado pelo Plano Oficial de Contabilidade determina que as diminuições do activo, ainda que potenciais, deverão ser relevadas contabilisticamente.

II) -A lei apenas exige que o credor efectue diligências no sentido de obter a boa cobrança dos seus créditos, para que, em face da respectiva inconsequência e verificados que sejam os restantes requisitos legais, lhe seja admitida constituição para créditos de cobrança duvidosa relevante em sede de apuramento do lucro tributável, pelo que, demonstrada a realização das mesmas, quaisquer que elas sejam, desde que integráveis no conceito, não é possível recusar a verificação de tal requisito, por “insuficiente”.

III) -É pressuposto da existência do direito de retenção que o titular do direito à entrega da coisa seja sujeito passivo da relação creditícia cujo credor é obrigado à entrega da coisa, e que o crédito deste seja conexo com a referida coisa, em termos de resultar de despesas com ela realizadas sobre prejuízos por ela causados (cfr. artº754º do CC).

IV) -Não ocorre o requisito de o detentor ser simultaneamente devedor e credor da pessoa com direito à entrega quando a impugnante não era simultaneamente credora e devedora de certa sociedade e o crédito que detinha sobre esta sociedade, e que foi provisionado, proveniente de contrato de subempreitada, apenas poderia ser exigido ao dono da obra, ou seja, uma entidade terceira.

V) -E também não se verifica o requisito de o crédito do detentor resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados por ser manifesto que aquele crédito não resulta de nenhuma despesa feita por causa da coisa, ou de nenhum dano por ela causado, antes resultando de um contrato normal de prestação de serviços, celebrado no âmbito de uma actividade comercial / industrial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:
I.- RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, SA, contra a liquidação de IRC relativo ao exercício do ano de 1996.
Em alegação, a recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo:
“I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que foi produzida prova que demonstra terem sido efectuadas diligências para o recebimento do crédito que a Impugnante detinha sobre a B..., S.A., e sobre o qual constituiu provisão para créditos de cobrança duvidosa, bem como, que se verificou vício de violação de lei, em virtude de considerar que o conjunto da prova documental e testemunhal produzida, é susceptível de colocar em dúvida séria, fundada a fundamentação que suportou a correcção relativa à provisão do crédito no montante de 12.214.217$00, constituída sobre a sociedade C..., Lda, nos termos do artigo 100.°, n.° l do CPPT.
II - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em determinar se efectivamente a prova testemunhal, atenta a prova documental constante dos presentes autos, é suficiente para só de "per si", comprovar a efectivação de diligências de cobrança dos créditos objecto dos presentes autos, a fim de que seja possível a constituição de provisões sobre os mesmos, nos termos do disposto na alínea c) do n.° l do art.° 34.°, conjugado com a alínea a) do n.° l do art.° 33.°, bem como do disposto no art.° 23.°, todos do CIRC, bem como para colocar a fundada dúvida sobre a correcção efectuada à provisão constituída sobre a empresa C..., Lda, a qual os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que existia a garantia real de cobrança do crédito em mora, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 3 do art.° 34.° do CIRC, não existindo risco efectivo de incobrabilidade.
III - No que se refere às correcções efectuadas a provisões que não foram aceites como custos, e que dizem respeito a créditos sobre a Sociedade Gestora Alto do Lumiar, S.A., no valor de 92.514.798$00, os Serviços de Inspecção Tributária entenderam que os mesmos não se podiam considerar de cobrança duvidosa nos termos do n.° l do art.° 34.° do CIRC, em virtude de a Impugnante não ter demonstrado a existência de diligências com vista ao seu recebimento, bem como pelo facto de o valor total da dívida ter vindo a diminuir sucessiva e substancialmente, sendo que em 31 de Dezembro de 1996, cerca de 50% do saldo correspondia a facturação recente (menos de 6 meses), bem como pelo facto de a manutenção de fornecimentos demonstrar a expectativa de recebimento.
IV - Com efeito, para cumprimento da alínea c) do n.° l do art.° 34.° do CIRC, os créditos deverão estar em mora há mais de 6 meses desde a data do respectivo vencimento (situação comprovada) e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento (situação não comprovada documentalmente).
V -Por outro lado, também não é indiferente para efeitos fiscais, que uma sociedade devedora cumpra com as suas obrigações financeiras mais recentes, em prejuízo das mais antigas, ao contrário daquilo que é aceite pelo douto Tribunal "ad quo".
VI - Neste desiderato, a prática comercial descrita, não aponta para a improbabilidade do pagamento dos créditos por parte do devedor, não havendo em consequência qualquer associação a risco da incobrabilidade das dívidas.
VII -A utilização de provisões desenquadrada da realidade previsível, terá como consequência um falsear dos resultados finais e do rendimento a tributar desde logo por uma possível criação de reservas ocultas.
VIII - Constituindo a provisão um custo do exercício para efeitos fiscais, não pode a sua constituição fazer-se a belo prazer do contribuinte e desta forma permitir-se manipular os resultados do exercício.
IX - Nos termos do disposto no art.° 34.°, n.° l, alínea a), conjugado com o art.° 23.° ambos do CIRC, a prova testemunhal é insuficiente para comprovar a indispensabilidade do custo para "realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", e necessitará sempre de qualquer meio complementar de prova.
X - Efectivamente, quando esteja em dúvida a indispensabilidade de um custo, e portanto a sua dedutibilidade nos termos do art. 23.° do CIRC, como no caso em apreço, ao sujeito passivo cabe um verdadeiro ónus. Tem entendido a jurisprudência que "a indispensabilidade dos custos a que se alude no art. 23° do CIRC não se presume, cabendo ao contribuinte demonstrá-la, nos termos do n°1 do art. 342° do Código Civil" - Ac. TCA, secção do Contencioso Tributário, de 15/06/1999, Proc. 1712/99.
XI - Pelo que, deveria a Impugnante ter demonstrado através de prova documental, as diligências efectuadas para cobrança destes créditos, o que efectivamente não foi feito, pois, certamente que o legislador fiscal, quando tornou dependente como consideração de créditos de cobrança duvidosa, a existência de provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, certamente não tinha no seu espírito que tais provas se pudessem limitar a meras declarações verbais, as quais certamente não permitiriam o controle por parte da Administração Fiscal, se tais diligências teriam sido levadas a efeito ou não.
XII - Pelo que, no caso concreto, a prova testemunhal nunca permitiria, por si só, isto é, desacompanhada de outros elementos, designadamente documentais, que se desse como provado a efectivação de diligências de cobrança desses créditos.
XIII - Pelo que não se afigura, tendo em conta a imperiosa necessidade imposta por lei da demonstração da necessidade da provisão por impossibilidade de cobrança do crédito, atento que a relevância de tal provisão não se repercute só, nem essencialmente, ao nível das relações entre a Impugnante e a sua devedora, mas entre a Impugnante e terceiros, no caso a Administração Fiscal, a quem tem de esclarecer fundadamente e sem margem para dúvidas, ter diligenciado a cobrança do crédito em causa, que tal prova possa ser efectuada, através de mera prova testemunhal.
XIV - Tal é também o entendimento a este propósito plasmado no "Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 1990, Comentado e Anotado", em anotação ao artigo 34. °, a fls. 181, ponto 3 -in fine, bem como do douto Acórdão do TCA Sul, no âmbito do Proc. 7160/2002, de 01-04-2003.
XV - Por outro lado, do depoimento das testemunhas arroladas, também não resulta prova cabal que permita aferir que tais diligências foram efectivamente levadas a efeito, já que por estas foi dito que os contactos para recebimento destes créditos eram feitos pelo Administrador que estava na B..., e nenhuma destas testemunhas ouvidas, era esse Administrador, portanto nenhuma delas tinha conhecimento directo dos factos.
XVI - No que contende à correcção efectuada, à provisão do crédito no montante de 12.214.217$00, sobre a Sociedade "C..., Lda", somos da opinião que o douto Tribunal "ad quo", estribou a sua fundamentação na errónea apreciação e valoração da prova produzida nos autos e na interpretação dos preceitos legais aplicáveis, em clara e manifesta violação do disposto no art.° 34.°, n.° 3, alínea b) do CIRC.
XVII - Com efeito, resulta do relatório de inspecção que, na situação em apreço, existe a garantia real de cobrança do crédito em mora nos termos da alínea b) do n.° 3 do art.° 34.° do CIRC, não havendo em consequência qualquer risco de incobrabilidade, não podendo por este motivo, o reforço da provisão com base na dívida a receber da empresa C... ser aceite para efeitos fiscais.
XVIII - Acresce ainda, que a Impugnante, sempre teria direito de retenção sobre as quantias de que era devedora à empresa C..., Lda, no caso de esta não lhe pagar os créditos que detinha sobre aquela, pelo que, a prova testemunhal produzida, não é susceptível de colocar a dúvida séria sobre a natureza dos créditos da Sociedade C..., Lda sobre a Impugnante e da Impugnante sobre esta, os quais constavam da contabilidade da Impugnante e foram analisados pelos Serviços de Inspecção Tributária.
XIX - Pelo exposto, somo de opinião que o douto Tribunal "ad quo" esteou a sua fundamentação na errónea apreciação e valoração da prova produzida nos autos e na errónea apreciação das razões de facto e de direito que se encontram subjacentes às correcções efectuadas à ora Impugnante, com referência ao exercício de 1996, e em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados no âmbito do disposto na alínea c), do n.° l do art.° 34.°, conjugado com a alínea a) do n.° l do art.° 33.°, bem como do disposto no art.° 23.°, e em clara e manifesta violação do disposto no art.° 34.°, n.° 3, alínea b), todos do CIRC.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”
Houve contra -alegações com as seguintes conclusões:
“A. Ora, não obstante o esforço argumentativo no plano teórico revelado pela ora Recorrente, numa tentativa de subsunção dos factos ao direito concretamente aplicável ao caso em apreço, o certo é que a ora Recorrente faz uma interpretação errada da factualidade subjacente.
B. Com efeito, decidiu bem a sentença ora recorrida.
C. Em primeiro lugar, relativamente à provisão efectuada sobre os créditos da B...foi dada como matéria assente nas alíneas J) e L) do probatório da decisão ora recorrida, que a ora Recorrida procedeu a diversas diligências para a cobrança dos seus créditos.
D. Aliás, a própria Administração Fiscal no seu relatório de inspecção tributária reconhece a existência destas diligências de cobrança de créditos.
E. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o artigo 34° do Código de IRC não exige que a prova das diligências realizadas para cobrança de créditos seja efectuada através de prova documental.
F. Pelo que, não pode a Administração Fiscal questionar os meios utilizados pela Recorrida, nem sequer lhe pode impor qualquer forma específica para a realização das supra mencionadas diligências,
G. sob pena de violação do princípio da separação de poderes, princípio da legalidade e ainda do princípio da liberdade de gestão, todos com assento constitucional.
H. Deste modo, tendo ficado provada a efectiva realização das diligências de cobrança dos seus créditos, deverá a provisão efectuada pela ora Recorrida ser aceite, e em consequência mantida a sentença ora recorrida, sob pena de vício de violação de lei expressa, concretamente do disposto no artigo 34.° do Código do IRC.
I. No que diz respeito à provisão dos créditos sobre a "C..." alega a ora Recorrente que não existe qualquer risco de incobrabilidade, uma vez que a ora Recorrida sempre teria direito de retenção sobre as quantias de que era devedora.
J. Ora, conforme explicado supra, no caso em apreço, não podia ter existido direito de retenção sobre as quantias de que a ora Recorrida era devedora, uma vez que não se verificam os requisitos estabelecidos no artigo 754.° do Código Civil.
K. Com efeito, foi amplamente provado que a ora Recorrida não era simultaneamente credora e devedora da C...,
L. Nem que o crédito provisionado resultasse de despesas por causa da coisa ou de danos por esta causados.
M. Posto isto, mais uma vez se conclui que a sentença ora controvertida fez uma correcta aplicação do direito aos factos subjacentes, pelo que o recurso apresentado pela Digna RFP não deverá proceder, mantendo-se a sentença ora recorrida.
Termos em que deverá o recurso apresentado pela Digna RFP improceder, por falta de fundamento legal, mantendo-se a sentença ora recorrida, com as demais consequências legais.”
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2.-FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS
O Tribunal «a quo» deu como assentes as seguintes realidades e ocorrências com interesse para a decisão da causa, com base na prova testemunhal e documental produzida nos autos:
A) A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objecto a actividade de construção civil - CAE 45211. ( Doc. a fls. não numerada do processo administrativo tributário em apenso)
B) Em sequência da acção inspectiva efectuada à contabilidade da Impugnante, pelos serviços de Inspecção Tributária, a Administração Tributária efectuou correcções ao lucro tributável da Impugnante no valor de €721.079,78 (144.563.515$00) e correcções à colecta no montante de €6.234,97 (1.250.000$00) no que se reporta exercício do ano de 1996. ( Cfr. Relatório Final de Inspecção junto ao p.a.t.-fls. não numeradas)
C) Os Serviços de Inspecção Tributária elaboraram o relatório de inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para decisão:
"b) Dívidas a receber de entidades credoras de montante superiores Foi reforçada a provisão para uma divida da Soe. Soraes da Costa, S.A. no montante de 12.214.317$00 que não se considera custo fiscal por se manterem as condições já descritas na análise de 1993 (Anexo 4)
c) Dívida a receber da B...- Soc. B..., SA
Não se aceita como custo nos termos do n.º1 do art. 33° do CIRC, a provisão para os créditos sobre a B...no montante de 92.514.798$00 que, nos termos do n°1 do art. 34° do CIRC, não se considera de cobrança duvidosa pelos seguintes motivos:
Não foram apresentadas diligências com vista ao seu recebimento por parte da A...por, segundo os responsáveis os contratos serem feitos a nível da administração;
A A...reduziu a sua participação no capital da B...de 12.5% para 8,5% no exercício de 1996 por não ter acompanhado os restantes accionistas no aumento de capital ocorrido.
O valor total da divida têm vindo a diminuir sucessiva e substancialmente sendo que a 3lDez.96 cerca de 50% do saldo corresponde a facturação recente (menos de 6 meses). A manutenção de fornecimento demonstra a expectativa de recebimento.
3.2.1.3 Custos
A- Combustíveis-Gasolina
O contribuinte adquiriu cheques-auto a uma entidade bancária no valor de 3.000.000$00 (Anexo 6) tendo registados o custo com combustível suportado apenas no documento bancário que comprova a aquisição daqueles meio de pagamento. Nos termos já descrito em 3.1.1. 1-A, estes documentos não justificam o consumo pelo que este custo não é aceite fiscalmente e está sujeito a tributação autónoma à taxa de 25% que ascende a 1.250.000$00 (5.000.000$00x25%) (Anexo 5. fls.2)."
D) Na sequência das correcções referidas na al.C) do probatório, em 08.12.1999 foi efectuada a liquidação adicional n.° 8310021161, referente ao IRC de 1996 e respectivos juros compensatórios, no montante total de €368.802,99 (73.938.363$00). ( Doc. n.°l junto à p.i.).
E) Em 26.11.1993, entre a «Sociedade de Construções C... S.A.» e a Impugnante foi outorgado um «Contrato de Subempreitada» tendo por objecto a execução da empreitada de «Construção Civil e Instalações Eléctricas da Estação de Tratamento de Aguas Residuais de Gondar», do qual se extrai:
«• 6. Facturação e Pagamentos dos Trabalhos
6.1 Os trabalhos serão facturados pela segunda outorgante à primeira segundo um calendário a ajustar, e de tal modo que seja possível a esta integrara na sua facturação ao Dono da Obra as respectivas quantidades.
6.2 Os pagamentos à segunda outorgante serão efectuados nos 7 (sete) dias subsequentes à liquidação pelo Dono da Obra à primeira outorgante das facturas subsequentes.» (Doc. fls.42 a 44 do p.a.t. em apenso).
F) No âmbito do convénio a que alude a al.E) do probatório, a «C...» detinha a posição de líder do consórcio (Doc. fls.42 a 44 do p.a.t. em apenso e depoimento prestado pela testemunha D...).
G) A «C...» cobrava directamente ao cliente os trabalhos efectuados. (Doc. fls.42 a 44 do p.a.t. em apenso e depoimento prestado pela testemunha D...).
H) A Impugnante só recebia o pagamento da obra quando o dono-da-obra pagasse à «C...». (Doc. fls.42 a 44 do p.a.t. em apenso e depoimento prestado pela testemunha D...)
I) No âmbito do normal funcionamento entre as duas empresas, a Impugnante e a «C...», por se tratem de empresas do mesmo sector, forneciam betão, alugavam equipamento uma à outra. (Depoimento prestado pela testemunha D...).
J) O funcionário da tesouraria contactava telefonicamente a B...com vista ao pagamento das facturas. (Depoimento prestado pela testemunha D...)
L) Quando as diligências mencionadas na al. J) do probatório se redundavam infrutíferas, toda a pressão que era exercida sobre a B...para se poder cobrar (...) isso era feito sempre a nível do nosso administrador. (Depoimento prestado pela testemunha D...)
M) A Impugnante comprava os cheques-auto, internamente e tinha um departamento que tratava de toda logística, que controlava os cheques-auto, e os cheques-auto eram entregue às pessoas que tinham as viaturas distribuídas da empresa. (Depoimento prestado pela testemunha D...)
N) Numas listagens, feitas na altura à mão, identificava o centro de custo a que diziam respeito essas senhas, a quem eram entregues, identificavam a matrícula da viatura, identificavam as séries dos cheques-auto e a quantidade que era entregue à pessoa e a pessoa que recebia assinava. (Depoimento prestado pela testemunha D...)
O) Dá-se como integralmente reproduzido o documento junto à p.i. sob o n°6, sob o título " SENHAS DE COMBUSTÍVEL”:
"Imputações 1995 1996

Viat/obra designação qt qt"
P) Dá-se como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o documento junto aos autos a fls. 45 e 46, sob o assunto: " Regularização de contas B.../CAL".
O) Dá-se como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o documento junto aos autos a fls. 47 a 49, sob o assunto: "REGULARIZAÇÃO DE CONTAS COM B.../CAL INCLUINDO ACORDOS DE PROTOCOLO E REPARAÇÕES".
P) Dá-se como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais o documento junto aos autos a fls. 50 a 52, sob o assunto: "CONTAS COM CONSTRUTORES".
Q) Em 15.01.2001, deu entrada na Repartição de Finanças de Oeiras a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade provada, com base nos documentos reportados em cada uma das referidas alíneas do probatório e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela Impugnante, que depuseram de forma clara, com convicção e relevando conhecimento directo dos factos.
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FACTOS NÃO PROVADOS
A impugnante não logrou provar factos que contrariem a correcção efectuada pela administração tributária relativamente a despesas confidenciais e/ou não documentadas -cheques-auto- no montante de 5.000.000$00.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso as questões a apreciar no presente recurso são as de saber se:
A. FOI LEGAL A CONSITUIÇÃO PELA IMPUGNANTE DA PROVISÃO DE CRÉDITOS DA B..., S.A.:
Neste ponto, a AT não aceitou a provisão de créditos sobre a B..., no montante de € 461.461,88 (62.514.-798$00), fundamentando, para tanto que:
• Não foram apresentadas diligências com vista ao seu recebimento por parte da A...por, segundo os responsáveis os contratos serem feitos a nível da administração;
• A A...reduziu a sua participação no capital da B...de 12.5% para 8,5% no exercício de 1996 por não ter acompanhado os restantes accionistas no aumento de capital ocorrido.
•O valor total da dívida têm vindo a diminuir sucessiva e substancialmente sendo que a 31 Dez.96 cerca de 50% do saldo corresponde a facturação recente (menos de 6 meses). A manutenção de fornecimento demonstra a expectativa de recebimento.
Na sentença recorrida, na consideração de que a Administração Fiscal procedeu à correcção por desconsiderar as diligências, efectuadas pela Administração da Impugnante de modo à satisfação do crédito em questão, veio a entender-se que essa fundamentação carece de qualquer fundamento legal pela razão capital de que, se é verdade que o contribuinte não goza do poder de livre escolha do exercício em que pretende inscrever um crédito incobrável como provisão, também é verdade que goza do poder de livre escolha, entendido este, quer quanto aos meios (contactos pessoais, contratos escritos) quer quanto aos recursos humanos que utiliza para levar a efeito diligências tendentes à satisfação dos seus créditos.
Mais aduz que os gestores das empresas são os principais interessados em efectuar todas as diligências necessárias à percepção dos seus créditos, pelo que a Administração Fiscal, ao exigir determinadas diligências, está notoriamente a duvidar da sua capacidade gestiva, impondo o art. 64° do CSC que os gestores, os administradores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade tendo em conta os interesses dos sócios e da sociedade.
Ora, decorre das alíneas J) e L) que a Impugnante quer por via dos seus colaboradores quer pela Administração desenvolveu e levou a efeito diligências com vista à satisfação do crédito, sendo que, no âmbito de poderes de gestão, nada impede a credora de receber pagamentos de dívidas recentes, enquanto não tiver recebido o pagamento de dividas anteriores.
Sendo assim, conclui a Mª Juíza que produzida prova que demonstra terem sido efectuadas diligências para o recebimento do crédito em questão, havendo a Impugnante cumprido o ónus que lhe cabia nos termos do disposto no art. 74° da LGT, não colhendo o fundamento invocado pela Administração Fiscal segundo o qual que a Impugnante detinha, no ano em que constitui a provisão em causa, uma participação de 8,5% no capital da B..., entidade devedora, logo a sua posição de accionista "...não excedia o limite de 10% de participação da sociedade credora no capital da sociedade devedora, o que a ocorrer afastaria a faculdade de constituição de provisões de cobrança duvidosa, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 34º do Código do IRC." (Nesta linha de posição, pode ler-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.01.2007, proferido no processo 0491/06).
Com base nesta fundamentação substancial concluiu a sentença que mal andou a Administração Fiscal ao não aceitar as ajuizada provisão.
A recorrente FP insurge-se contra tal enfoque na consideração fundamental de que, nos termos do disposto no art.° 34.°, n.° l, alínea a), conjugado com o art.° 23.° ambos do CIRC, a prova testemunhal é insuficiente para comprovar a indispensabilidade do custo para "realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", e necessitará sempre de qualquer meio complementar de prova tanto mais que, quando esteja em dúvida a indispensabilidade de um custo, e portanto a sua dedutibilidade nos termos do art. 23.° do CIRC, como no caso em apreço, ao sujeito passivo cabe um verdadeiro ónus, vindo a jurisprudência a entender que "a indispensabilidade dos custos a que se alude no art. 23° do CIRC não se presume, cabendo ao contribuinte demonstrá-la, nos termos do n°1 do art. 342° do Código Civil".
Sustenta, pois, a recorrente que a Impugnante deveria ter demonstrado através de prova documental, as diligências efectuadas para cobrança de tais créditos, o que efectivamente não foi feito, pois, certamente que o legislador fiscal, quando tornou dependente como consideração de créditos de cobrança duvidosa, a existência de provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, certamente não tinha no seu espírito que tais provas se pudessem limitar a meras declarações verbais, as quais certamente não permitiriam o controle por parte da Administração Fiscal, se tais diligências teriam sido levadas a efeito ou não.
É que, argumenta ainda a recorrente, no caso concreto, a prova testemunhal nunca permitiria, por si só, isto é, desacompanhada de outros elementos, designadamente documentais, que se desse como provado a efectivação de diligências de cobrança desses créditos sem margem para dúvidas, sendo que do depoimento das testemunhas arroladas, também não resulta prova cabal que permita aferir que tais diligências foram efectivamente levadas a efeito, já que por estas foi dito que os contactos para recebimento destes créditos eram feitos pelo Administrador que estava na B..., e nenhuma destas testemunhas ouvidas, era esse Administrador, portanto nenhuma delas tinha conhecimento directo dos factos.
Da recensão acabada de fazer, capta-se, com ampla segurança, que o dissídio radica fundamentalmente, em aferir qual o tipo de prova exigida pela al. c) do artº 34º do CIRC, para comprovar a efectivação de diligências no sentido da cobrança dos questionados créditos.
Como é patente, a Recorrente FP acentua não tanto a inidoneidade da prova testemunhal para tal efeito mas a insuficiência das diligências realizadas por parte da impugnante no sentido da cobrança dos créditos para preencher o requisito plasmado no último segmento da al. c) , do n.º 1 , do art.º 34.º do CIRC.
Todavia, entendemos que a lei apenas exige que o credor efectue diligências no sentido de obter a boa cobrança dos seus créditos, para que, em face da respectiva inconsequência e verificados que sejam os restantes requisitos legais, lhe seja admitida constituição para créditos de cobrança duvidosa relevante em sede de apuramento do lucro tributável, pelo que, demonstrada a realização das mesmas, quaisquer que elas sejam, desde que integráveis no conceito, não é possível recusar a verificação de tal requisito, por “insuficiente”.
Essa é a tese da recorrida, sustentada nas suas contra-alegações e o certo é que dos autos decorre que foi demonstrada a diligenciação, por parte da recorrente, na cobrança dos créditos respectivos e estando patenteado, nos autos, que, afinal diligenciou em tal sentido, a razão não pode deixar de ser reconhecida à recorrida, nesta estrita medida.
Nesse sentido, arrima-se à doutrina que dimana do Acórdão do TCAS de 19-07-2006, Recurso nº 01095/06 segundo o qual “ Sendo evidente que , com o elencar de tais requisitos , a lei onera o contribuinte com a prova da ocorrência dos mesmos , em qualquer das suas vertentes (desde a prova da ocorrência de um dos condicionalismos elencados na al. a) do art.º 34.º do CIRC(12), até à diligenciação no sentido do recebimento do crédito) , é , por outro lado , axiomático que , não estabelecendo a lei qualquer restrição em tal domínio , o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que , atento o circunstancialismo a demonstrar , lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico , o que vale por dizer não ser questionável «(...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...)» , designadamente , (...) por via testemunhal.».
As provisões de um exercício são lançamentos que, nesse mesmo exercício, se fazem na conta de resultados, como valores negativos, correspondentes a factos nele ocorridos mas cuja concretização fica dependente de eventualidades que só nos exercícios seguintes podem ocorrer.
O regime das provisões fiscalmente aceites encontra-se regulado nos arts. 33° e segs. do CIRC.
Subjacente à constituição de provisões dos créditos de cobrança duvidosa encontra-se o princípio do balanceamento dos custos com os inerentes proveitos e o princípio da prudência, determinando o POC, no seu ponto 2.9, que a constituição de provisões deve respeitar apenas às situações a que estejam associados riscos e em que não se trate apenas de uma simples estimativa de passivo certo.
O princípio de prudência conduz à inserção nas contas de um determinado grau de precaução para fazer face a situações de incerteza, de tal forma que os activos e os resultados não sejam sobredimensionados.
A constituição de provisões tem como finalidade essencial possibilitar a inclusão de custos ou perdas de dado exercício de montantes que de outro modo nele não figurariam, por lhe faltar justificação documental para a respectiva movimentação; é, exactamente, falta de justificação documental que a constituição da provisão vem suprir. Ou seja, as contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais, de provável processamento futuro, ou, sendo certa a sua ocorrência futura, apenas o seu montante é actualmente incerto.
Podemos então definir provisões como sendo custos estimados e actuais (do exercício) correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura.
A necessidade de constituição de provisões surge porque a tributação do rendimento se processa anualmente, obrigando as empresas a fazer paragens teóricas da sua actividade para a periodização do lucro tributável, concretizada de acordo com o princípio da especialização dos exercícios. E o princípio da prudência adoptado pelo Plano Oficial de Contabilidade determina que as diminuições do activo, ainda que potenciais, deverão ser relevadas contabilisticamente.
Estamos perante possíveis futuras perdas de rendimentos da empresa.
Haverá, todavia, a considerar que a integração de um grau de precaução nas contas não pode conduzir à criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou à deliberada quantificação de activos e proveitos por defeito ou de passivos e custos por excesso.
O POC prevê, entre outras, a constituição de provisões para créditos de cobranças duvidosas.
No entanto, e porque a constituição abusiva de provisões para créditos de cobrança duvidosa poderia conduzir a uma distorção dos resultados duma empresa, para efeitos fiscais, o legislador introduziu normas tipificando as situações que são passíveis de constituir custos para efeitos fiscais.
Efectivamente, do ponto de vista fiscal, consagra-se, como regra geral, no artigo 23°, n° 1, alínea b), do CIRC, dedutibilidade fiscal das provisões. Todavia, essa regra sofre as limitações qualitativas expressas no presente artigo e, do ponto de vista quantitativo, as restrições constantes dos artigos 34 ° a 36° do Código. Tais condicionalismos conduzem ao facto de não existir coincidência entre os critérios contabilísticos e critérios fiscais Assim, o art. 35° do CIRC, estabeleceu as situações em que as provisões constituídas pelos contribuintes poderão ser consideradas para efeitos de apuramento do lucro tributável, de forma taxativa.
Foi, claramente, objectivo do legislador tributário não deixar a constituição das provisões ao livre arbítrio dos contribuintes.
Assim, e antes de mais, os créditos têm que resultar da actividade normal da empresa e tem-se entendido que os créditos resultantes da actividade normal da empresa são os saldos devedores de clientes e fornecedores no final do exercício devidamente evidenciados em contas apropriadas.
Assim sendo, os créditos de cobrança duvidosa deverão ser registados na contabilidade, em contas apropriadas, e, contabilizando, em sub contas, os créditos desta natureza em função das alíneas a) a c) do n° 1 do art° 34° conjugado com o art° 33° al. a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. É, ainda, necessário que os créditos que estejam evidenciados como créditos de cobrança duvidosa na contabilidade e, para os clientes que não estão em contencioso, terá de haver prova de terem sido feitas diligências tendentes ao recebimento dos créditos em mora relativos aos quais foram constituídas as provisões, por exemplo, carta registada com aviso de recepção insistindo no pagamento.
No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n° 101/03 de 30/04/03, in www.dqsi/jsta.pt. foi afirmado que "os artigos 34° n°1 alínea a) e 18° n°1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas não exigem que a provisão para créditos de cobrança duvidosa seja constituída no exercício em que esses créditos entrem em mora.
Para que a provisão seja recusada como custo fiscal não basta, pois, invocar que os créditos já estavam em mora há mais de seis meses aquando da constituição da provisão, importando que a Administração afirme, e isso se prove no processo de impugnação judicial, que a incobrabilidade dos créditos foi verificada em exercícios anteriores àquele em que ocorreu essa constituição, e isso evidenciado na contabilidade do contribuinte, pois só neste caso há ofensa do princípio da especialização dos exercícios, a justificar o não atendimento da provisão como custo fiscal do exercício.
No regime do CIRC, a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável, "não ao exercício da constituição dos créditos, mas sim ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade". Ou seja, "não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade".O que nos diz a lei - artigo 34° n° 1 alínea a) do CIRC - é que o crédito em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento pode ser considerado de cobrança duvidosa; e que, para o cobrir, pode ser constituída uma provisão fiscalmente dedutível - artigo 33° n° 1 alínea a) do mesmo diploma - no exercício do ano em que o crédito seja considerado de cobrança duvidosa e como tal contabilizado, mas não já em exercícios posteriores - artigo 18° nº 1, ainda do mesmo diploma.
Defende-se ainda no referido Acórdão, "não é a data da constituição dos créditos ou a verificação de certo prazo de mora que releva para o efeito, mas sim a data da verificação do risco de incobrabilidade.
Ou seja, tudo está em saber em que exercício a incobrabilidade foi constatada e isso reflectido na contabilidade da recorrida. Sendo que tal exercício não tem, necessariamente, que coincidir com aquele em que os créditos entraram em mora, ou em que tal mora ultrapassou a duração de seis meses, pois a simples mora do devedor não é indício bastante de que o crédito não virá a obter cobrança."
Ou seja, a Administração Tributária para efectuar estas correcções teria de ter afirmado e tal teria de ficar provado em sede de impugnação judicial que a incobrabilidade dos créditos que originaram a provisão foi constatada e reflectida na contabilidade da impugnante em exercício anterior ao de 1996. A falta de prova desse pressuposto deve valorar-se em desfavor da Administração.
Por outro lado, e como já foi afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 19/07/2006, no recurso n° 1095/06, in www.dgsi/itcasui.pt. "(...) o contribuinte se poderá socorrer de todas as provas que, atento o circunstancialismo a demonstrar, lhe sejam facultadas pelo ordenamento jurídico, o que vale por dizer não ser questionável «(...) que a prova da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade possa ser feita (...)» , designadamente , (...) por via testemunhal."
Ora, como se salienta na sentença recorrida, provou-se que os administradores da impugnante, como principais interessados em efectuar todas as diligências necessárias à percepção dos seus créditos procederam às mesmas, pelo que a Administração Fiscal, ao exigir determinadas diligências, está notoriamente a duvidar da sua capacidade gestiva, quando é certo que o art. 64° do CSC impõe que os gestores, os administradores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade tendo em conta os interesses dos sócios e da sociedade.
E o certo é que se provou [cfr. alíneas J) e L)] que a Impugnante quer por via dos seus colaboradores quer pela Administração desenvolveu e levou a efeito diligências com vista à satisfação do crédito, pelo que a Impugnante cumprido o ónus que lhe cabia nos termos do disposto no art. 74° da LGT
Foi com base na prova testemunhal que a sentença acolheu a tese da impugnante, mas a recorrente desvaloriza tal tipo de prova, por exclusiva ou determinante para comprovar a diligenciação legalmente devida.
A EPGA concorda com a posição da recorrente por considerar que estamos em presença de dívidas de avultado montante, as que a recorrida considerou de cobrança duvidosa, pelo que faz sentido acompanhar as reflexões da recorrente sobre a prova produzida pela recorrida, comprovativas de se terem efectivado diligências de cobrança dos referidos créditos, a fim de ser possível a constituição de provisões nos termos do art. 34° n° 1 al. c) e art. 33° do CIRC.
A analisa criticamente a prova produzida que “…foi somente a que foi trazida pelas testemunhas, sendo que no probatório da sentença se realça que «o funcionário da tesouraria contactava telefonicamente a B...com vista ao pagamento das facturas» e que «quando as diligências (......) redundaram infrutíferas, toda a pressão que era exercida sobre a B...para se poder cobrar (....) isso era feito sempre a nível do nosso administrador» -pontos J) e L) do probatório da sentença (fls. 306).
Portanto, para a EPGA secundando o ponto de vista afirmado pela recorrente, como decorre das alíneas J) e L) do probatório, a impugnante quer por via dos seus colaboradores quer pela Administração desenvolveu e levou a efeito diligências com vista à satisfação do crédito», mas a apreciação da prova por parte do julgador é baseada no princípio da livre apreciação e valoração, mas parece não dever esquecer-se que esta livre apreciação deve obedecer aos também abrangentes princípios de coerência e segurança jurídicas, o que no caso sob apreço não ficou assegurado.
E isso porque “ …na apreciação da prova foi considerado na sentença recorrida que o depoimento da testemunha D..., contabilista, funcionário da recorrida desde 1992 e que à data de 1996 era director dos serviços de contabilidade a mesma, era bastante para contradizer todos os sinais de evidência, carreados aos autos pelo relatório dos serviços inspecção da recorrente.
O que vem dizer esta testemunha é que os contactos eram telefónicos, efectuados por um funcionário da tesouraria (que não foi arrolado como testemunha) e que ao resultarem infrutíferas as referidas diligências, toda a pressão que era exercida sobre a B......era feita sempre ao nível do nosso administrador; salvo melhor interpretação, estes depoimentos além de vagos não contêm qualquer prova suficiente que possa conduzir o tribunal à conclusão de terem sido efectivamente levadas a cabo diligências sérias para obter a cobrança de tais créditos.
Aliás o depoimento das testemunhas não conseguiu contraditar a reflexão sistematizada da AT no relatório da inspecção, quando refere que não ficou demonstrada/provada a incapacidade da recorrida para obter o recebimento dos referidos créditos.
Isto mesmo vem realçado nas conclusões XI a XIII e XV.
Essa demonstração que cabia ser feita pela recorrida não se mostra nos autos, e estamos perante empresas de reconhecida notoriedade no sector da construção civil, que não se compadecem com "telefonemas do funcionário da tesouraria" ou com diligências avulsas do "nosso administrador", conforme decorre do depoimento da testemunha que vem referida no probatório da sentença.
Como bem refere a recorrente na conclusão VII «A utilização de provisões desenquadrada da realidade previsível, terá como consequência um falsear dos resultados finais e do rendimento a tributar...», e não tendo a sentença recorrida tomado em consideração os elementos trazidos pela recorrente, baseados em prova documental, e acolhendo uma versão insuficiente dos depoimentos das testemunhas, que nada puderam trazer aos autos, incorreu a mesma em erro de apreciação da prova que deve ser corrigido nesta instância.
IV - Dos elementos de prova juntos aos autos, nomeadamente dos que constam do relatório da inspecção tributária resulta que a recorrida apresentou provisões constituídas/custos que não foram consideradas aptos para a realização ou manutenção da sua fonte produtiva, afastando-se dos parâmetros referidos no art. 23° do CIRC, em clara violação dos requisitos legalmente consignados no âmbito do n° l al. c) do art. 34º conjugado com o n° l al. a) do art. 33 do CIRC.
Entende-se que na sentença recorrida foi feita uma incorrecta apreciação da prova existente nos autos, o que levou a uma fundamentação de facto e de direito que determinará a revogação da mesma, conforme vem pretendido pela recorrente.”
Vê-se, pois, que quer a recorrente FP, quer a EPGA, põem o acento tónico na insuficiência (que não na ocorrência) das diligências efectivadas, não obstante a própria AT ter reconhecido expressamente no Relatório da IT que foram realizados contactos ao nível da administração da impugnante (cfr. ponto 3.2.1.2 c) das conclusões da acção inspectiva).
Mas, como já acima se disse, a lei apenas exige que o credor efectue diligências no sentido de obter a boa cobrança dos seus créditos, para que, em face da respectiva inconsequência e verificados que sejam os restantes requisitos legais, lhe seja admitida constituição para créditos de cobrança duvidosa relevante em sede de apuramento do lucro tributável, pelo que, demonstrada a realização das mesmas, quaisquer que elas sejam, desde que integráveis no conceito, não é possível recusar a verificação de tal requisito, por “insuficiente”.
Essa é a tese da recorrida, sustentada nas suas contra-alegações e o certo é que dos autos decorre que foi demonstrada a diligenciação, por parte da recorrente, na cobrança dos créditos respectivos e estando patenteado, nos autos, que, afinal diligenciou em tal sentido, a razão não pode deixar de ser reconhecida à recorrida, nesta estrita medida.
Donde que nenhuma censura mos merece a sentença recorrida quanto ao que fundamentado e decidido quanto à correcção sob análise, improcedendo o recurso nessa parte.
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B. FOI LEGAL A PROVISÃO DO CRÉDITO NO MONTANTE DE 12.214.217$OO SOBRE A SOCIEDAE " C..., LDA
Entendeu a Administração Tributária e reitera agora a recorrente FP (vide conclusões XVI a XIX) que a provisão constituída pela Impugnante de um crédito sobre a «C...» é ilegal, por se tratar, de um crédito constituído sobre uma sociedade que dispõe de um crédito sobre a Impugnante superior ao seu débito, razão pela qual não poderia alegadamente constituir a provisão ora controvertida.
É que, resultando do relatório de inspecção que, na situação em apreço, existe a garantia real de cobrança do crédito em mora nos termos da alínea b) do n.° 3 do art.° 34.° do CIRC, não havendo em consequência qualquer risco de incobrabilidade, não podia por este motivo, o reforço da provisão com base na dívida a receber da empresa C... ser aceite para efeitos fiscais, ainda acrescendo que a Impugnante sempre teria direito de retenção sobre as quantias de que era devedora à empresa C..., Lda, no caso de esta não lhe pagar os créditos que detinha sobre aquela, pelo que, a prova testemunhal produzida, não é susceptível de colocar a dúvida séria sobre a natureza dos créditos da Sociedade C..., Lda sobre a Impugnante e da Impugnante sobre esta, os quais constavam da contabilidade da Impugnante e foram analisados pelos Serviços de Inspecção Tributária.
Já a impugnante contestara logo inicialmente a não aceitação fiscal da provisão constituída na consideração de que a correcção efectuada pela Administração Tributária tem por base um erro de pressuposto — a origem do crédito provisionado, pois que, para aferir se existe verdadeira compensação de créditos no caso ora controvertido, é necessário verificar se o crédito provisionado é, efectivamente, sobre uma dívida da «C...».
E na sua contra alegação afirma mesmo que não podia ter existido direito de retenção sobre as quantias de que a ora Recorrida era devedora, uma vez que não se verificam os requisitos estabelecidos no artigo 754.° do Código Civil já que foi amplamente provado que a ora Recorrida não era simultaneamente credora e devedora da C..., nem que o crédito provisionado resultasse de despesas por causa da coisa ou de danos por esta causados.
A Mª Juíza «a quo» considerou – e bem – que a Administração Tributária está onerada com a demonstração da aactualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da Impugnante e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito.
Ora, logrou a Impugnante carrear aos presentes autos prova bastante para, pelo menos, lançar fundada dúvida sobre a origem do crédito provisionado.
Com efeito, decorre do probatório (cfr. E a H) que em 26.11.1993, entre a «Sociedade de Construções C... S.A.» e a Impugnante foi outorgado um «Contrato de Subempreitada» tendo por objecto a execução da empreitada de «Construção Civil e Instalações Eléctricas da Estação de Tratamento de Aguas Residuais de Gondar», do qual se extrai:
«• 6. Facturação e Pagamentos dos Trabalhos
6.1 Os trabalhos serão facturados pela segunda outorgante à primeira segundo um calendário a ajustar, e de tal modo que seja possível a esta integrara na sua facturação ao Dono da Obra as respectivas quantidades.
6.2 Os pagamentos à segunda outorgante serão efectuados nos 7 (sete) dias subsequentes à liquidação pelo Dono da Obra à primeira outorgante das facturas subsequentes.»
No âmbito desse convénio a «C...» detinha a posição de líder do consórcio e cobrava directamente ao cliente os trabalhos efectuados.
E a Impugnante só recebia o pagamento da obra quando o dono-da-obra pagasse à «C...».
Por outro lado e conforme decorre do depoimento da testemunha D... entre a Impugnante e a sociedade «C...» para além das ligações decorrentes da constituição de consórcios, existiam relações comerciais entre ambas decorrentes do normal funcionamento de ambas [No âmbito do normal funcionamento entre as duas empresas, a Impugnante e a «C...», por se tratem de empresas do mesmo sector, forneciam betão, alugavam equipamento uma à outra].
Por isso somos levados a concordar com a afirmação feita na sentença no sentido de que, o conjunto da prova documental e testemunhal, produzida é susceptível de colocar em dúvida séria, fundada, a fundamentação que suportou a correcção em apreciação, daqui resultando uma dúvida fundada sobre a existência dos pressupostos de tal correcção que favorece a Impugnante e desfavorece a Administração Tributária, nos termos da citada norma do art. 100° n°1 do CPT.
Acresce que o Direito de retenção encontra-se regulado nos artigos 754.° a 761.° do Código Civil, dispondo-se no primeiro que existe direito de retenção quando:
"O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados."
De acordo com a jurisprudência pacífica sobre o instituto do direito de retenção manifestada, entre outros, no Acórdão do STJ, Processo n.° 04B1471 de 22/06/2005, "O direito de retenção enquanto garantia real constitui um direito conferido ao credor que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor, não só de recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e se fazer pagar à custa do seu valor com preferência sobre os demais credores, desde que o crédito do recusante tenha resultado de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por esta ocasionados".
Como também se doutrina no Acórdão STJ, Processo n.° 55331/06.3TBMAI.PI.SI de 02/03/2010, é pressuposto da existência do direito de retenção que " (...) o titular do direito à entrega da coisa seja sujeito passivo da relação creditícia cujo credor é obrigado à entrega da coisa, e que o crédito deste seja conexo com a referida coisa, em termos de resultar de despesas com ela realizadas sobre prejuízos por ela causados".
Do exposto resulta que para que exista o direito de retenção terá de verificar-se, cumulativamente, (i) a detenção lícita de uma coisa que deva ser entregue a outrem; (ii) o detentor ser simultaneamente devedor e credor da pessoa com direito à entrega e (iii) o crédito do detentor resultar de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados.
Ora, no caso posto, no que tange a saber se o detentor é simultaneamente devedor e credor da pessoa com direito à entrega, apura-se que os créditos provisionados pela impugnante sobre a C... eram provenientes de um contrato de subempreitada celebrado entre ambas as empresas, decorrendo da sua cláusula 6.a, que o crédito só seria pago pela entidade devedora depois de recebido do dono da obra” e, por consequência o responsável pelo cumprimento do referido contrato era uma entidade terceira que não a C..., ou seja, o dono da obra, o que vale por dizer que o crédito provisionado pela impugnante era imputável ao dono da obra, e não à "C..." e, assim, aquela detinha um crédito sobre o dono da obra e não sobre a C....
Mas, conforme resulta da prova produzida, os créditos que a C... detinha sobre a impugnante, decorriam da actividade normal destas duas empresas e, segundo o depoimento do Director Financeiro da altura: "No âmbito do normal funcionamento entre as duas empresas, a Impugnante e a «C...», por se tratarem de empresas do mesmo sector, forneciam betão, alugavam equipamento uma à outra."
Assim, os créditos que a C... detém sobre a ora Recorrida, sem intervenção de terceiros, derivam precisamente de tais contratos de fornecimento celebrados entre ambas as empresas.
Por assim ser, não ocorre o requisito de o detentor ser simultaneamente devedor e credor da pessoa com direito à entrega visto que a impugnante não era simultaneamente credora e devedora da C..., porquanto o crédito que detinha sobre esta sociedade, e que foi provisionado, proveniente do sobredito contrato de subempreitada, apenas poderia ser exigido ao dono da obra, ou seja, uma entidade terceira.
Daí que a situação em apreço não é enquadrável no instituto do direito de retenção.
E também poderá afirmar-se que o terceiro requisito não se verifica por ser exigível que o questionado crédito resultasse de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados e ser manifesto que aquele crédito não resulta de nenhuma despesa feita por causa da coisa, ou de nenhum dano por ela causado, antes resultando de um contrato normal de prestação de serviços, celebrado no âmbito de uma actividade comercial / industrial.
Destarte, a ora Recorrida não gozava do direito de retenção relativamente ao crédito provisionado e ora questionado, inexistindo qualquer garantia real sobre o crédito em mora, nos termos do artigo 34.°, n.° 3, alínea b) do Código do IRC, que afastasse o risco da sua incobrabilidade.
Termos em que improcedem as conclusões recursivas «in totum».
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3. - DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se, em conferência, nesta Secção de Contencioso Tributário deste TCA em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a recorrente.
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Lisboa, 15/06/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz) – (Vencido quanto ao julgamento das questões envolventes da constituição de provisão de créditos sobre a B..., SÁ, por, sem prejuízo de concordar com a possibilidade de produção de prova testemunhal, entender que a efectivada pela impugnante não convence da realização de diligências para cobrança do elevado crédito em apreço.