Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:75/18.6BCLSB
Secção:
Data do Acordão:10/18/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAD (TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO)
RESPONSABILIDADE DOS CLUBES POR ACTOS PRATICADOS PELAS RESPECTIVAS CLAQUES
REGIME DAS CUSTAS EM SEDE DE JURISDIÇÃO ARBITRAL NECESSÁRIA NO ÂMBITO DESPORTIVO
Sumário:I) - Na apreciação da infracção disciplinar têm de ser absorvidos elementos da estrutura do crime, aliás, por isso, imbuído do respectivo espectro já que o facto típico disciplinar deve conter: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada.

II) - Segundo um tal entendimento no caso do ilícito disciplinar, a conduta também deve ser provida de tal elemento subjectivo, sob pena de indesejável responsabilização objectiva, existindo a necessidade de que haja um resultado, se assim exigir a norma disciplinar, havendo, entretanto, um resultado jurídico a ser apurado, imputável a alguém por inequívoco liame causal.

III) - O TAD rege-se por normas próprias de funcionamento e por isso o respectivo regime de custas deve reflectir e suportar essa realidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2º Juízo da Secção de Contencioso Administrativo (1ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:


1. – Relatório

FUTEBOL ........................................, SAD, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 18 de Julho de 2018, que julgou improcedente a impugnação ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL e a contra-interessada LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL (igualmente identificadas nos autos) do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 27-03-2018 que, em sede recurso hierárquico manteve a sanção disciplinar de multa no montante de €6.078,00, por alegadamente ter praticado os ilícitos previstos e punidos pelo artigo 127, nº1 e 187º, nº1, als. A) e b) do RDLPFP relacionadas com comportamento incorrecto dos seus adeptos, e inobservância de outros deveres, no jogo realizado em 03.02.2018, com o ........................................-Futebol SAD.
O Relator deste processo, por decisão singular proferida em 21 de Setembro de 2018, decidiu conceder parcial provimento ao recurso e revogar o Acórdão na parte recorrida anulando os actos impugnados.
Irresignada com tal decisão a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, veio reclamar para a conferência da decisão singular do relator.
O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos art°s. 705° e 700° n° 3 CPC, hoje, art°s. 656° ex vi 652° n° 1 c) e n° 3 CPC da revisão de 2013.
Conforme o doutrinado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. n° RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1, deduzida reclamação para a conferência "(...) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (...)".
Ainda na senda do Acórdão da Relação do Porto e no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, pode o Recorrente restringir o objecto do recurso, "(…) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do art° 632° n° 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial.(…) - Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.
O que, como também se expendeu no Acórdão deste TCAS de 15-03-2018, tirado no recurso nº8239/11 em situação similar àa dos presentes autos, implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. art°s. 635° n° 4, 637° n° 2 e 639° n°s 1 e 2 CPC, na medida em que "(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamara, de forma sintética, nas conclusões. (...)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (...) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)", cfr. art° 635° n° 4 CPC. (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85).
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o art° 636° n°1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que aparte vencedora tenha decaído.

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Acolhendo ainda o explanado no Acórdão deste TCAS atrás referido, do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do art° 652° n° 1 c) e n° 3 ex vi 656° CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (art° 635°/4 CPC), nem para desistir do recurso (art° 632° 5 CPC), posto que "(...) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (...)" –( cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 71/72).
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (art° 652°/1 c) ex vi 656° CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. art° 632° n° 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art° 635° n° 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art° 636° n°1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto e no Acórdão deste TCA supra citados, no regime do art° 652° n° 1 c) e n° 3 ex vi 656° CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do art° 635° n° 4 CPC.
Pelas razões de direito expostas, no caso concreto cumpre reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente em sede de conclusões de recurso, fazendo retroagir o conhecimento do mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator.
E foi isso que exactamente ocorreu no caso concreto, passando a apreciar-se do bem fundado da decisão singular proferida pelo Relator.
Esta, é do seguinte teor:

“I- RELATÓRIO

FUTEBOL ........................................, SAD, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 18 de Julho de 2018, que julgou improcedente a impugnação ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL e a contra-interessada LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL (igualmente identificadas nos autos) do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (Secção Profissional) de 27-03-2018 que, em sede recurso hierárquico manteve a sanção disciplinar de multa no montante de €6.078,00, por alegadamente ter praticado os ilícitos previstos e punidos pelo artigo 127, nº1 e 187º, nº1, als. A) e b) do RDLPFP relacionadas com comportamento incorrecto dos seus adeptos, e inobservância de outros deveres, no jogo realizado em 03.02.2018, com o ........................................-Futebol SAD.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
-I -
i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 18-07-201 8 do TA D, que condenou da recorrente pela prática de três infracções disciplinares (127.0-1, 187.º-l a) e b) do RD). alegadamente cometidas no jogo realizado a 03-02-201 8 no Estádio ...................., punindo-a em multas no valor total de € 6.078.00, e fixando as custas no total de € 5.104,50.
- II-
ii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, sempre seria ao Conselho de Disciplina que se impunha carrear aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol ....................................... - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol .............................. - Futebol SAD.
iii. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora a inda o princípio da presunção de inocência , o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova , não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente - o ónus de provar a sua inocência.
iv. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 1 3.º. f), do RD, pode contrariar este quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.
v. Além do mais, não podia o Tribunal a quo deixar de considerar que o arguido é um verdadeiro titular de direitos e deveres, sendo titular do direi to ao silêncio.
-III -
vi. O Tribunal a quo assentou em juízos de presunção a conclusão de que foram adeptos da demandante a realizar as condutas sub judice, sem haver prova concreta dessa autoria com a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além da dúvida razoável.
vii. Só podia o Tribunal a quo levar à matéria assente que os autores das condutas subjudice eram do F..... se tivesse apurado, através da prova carreada aos autos - o que não se mostrou suficiente para ultrapassar a dúvida razoável - que tal bancada era ocupada exclusivamente por sócios ou simpatizantes do F..... (vd. acórdão 16-01-2018 do Tribunal Central Administrativo do Sul, no Proc. n.º144/ 17.0BCLSB, que confirmou na íntegra o Acórdão do TAD l/2017 e, mais recentemente, no acórdão proferido a 26-07-20 18 no processo n.º 8/18.0BCLSB, que revogou o acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto anulando os actos impugnados pela Demandante (Proc. n.º 28/20 17 do TAO), vendo-se assim prejudicada a decisão condenatória.
Além do mais,
-IV -
viii. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nela não se encontra qualquer traço factual - ou sequer probatório - de uma hipotética violação de deveres, por parte da demandante, tal como nada nela se divisa no sentido de que a demandante actuou culposamente, seja a título doloso ou negligente.
ix. Caso não se exigisse este elemento típico depararíamos com uma clara responsabilização disciplinar objectiva e por factos de outrem, a qual violaria o princípio jurídico-constitucional da culpa.
x. As alíneas a) e b) do n.º 1 artigo 187.º e o art. 127.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, quando interpretadas no sentido de que um clube poderá ser por elas disciplinarmente responsabilizado no caso da verificação de comportamentos social ou desportivamente incorrectos adaptado por sócios ou simpatizantes seus, independentemente de qualquer contributo próprio desse clube e da sua censurabilidade a título de dolo ou de negligência, são inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais da culpa e da intransmissibilidade da responsabilidade penal (art. 30.0 3 da CRP), ambos inerentes ao princípio do Estado de Direito plasmado no art. 2.º da CRP.
xi. Mas mais, também no que à culpa concerne, o Tribunal a quo recorreu a uma presunção, impondo à recorrente a imposição de um ónus de prova da sua inocência.
xii. À míngua de meios de prova demonstrativas da violação de deveres de cuidado. o Tribunal a quo recorre a um critério que consubstancia uma clamorosa violação do princípio de presunção de inocência do arguido, o que não pode colher.
xiii. Este critério decisório no qual o Tribunal a quo exige que a recorrente, por contraprova, mostre a sua inocência viola direito fundamental à presunção de inocência de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
xiv. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º.n .ºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.0-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-201 5, Proc. 01546/ 14 www.dgsi.pt) .
xv. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adapte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência.
xvi. É inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP), a interpretação dos artigos 222.º-2 e 250.º-1 do RDLPFP de 2016 segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, o argu ido não demonstrar a sua não verificação .
- V-
xvii. O parâmetro de responsabilização disciplinar em que se sustentou o Tribunal a quo para sancionar a ora recorrente pela infracção p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1 , a) do RD é o da culpa in vigilando e por culpa in formando.
xviii. Não podia o Tribunal a quo responsabilizar disciplinarmente o clube pelas grosserias ditas pelos seus adeptos quando, objectivamente, não está a recorrente em condições de prevenir ou evitar, não havendo sequer dever in vigilando que lhe pudesse ser imposto (neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido a 16-01-2018 no Proc. n.º 144/17.0BC LSB, que confirmou na íntegra o Acórdão do TAD de 08-09-201 7 (Proc. n.º 1/2017 do TAD) e o recente acórdão do TAD de 18-07-201 8 (Proc. n .º 69/2017).
- VI -
xix. No presente caso, a demandante recorreu de uma condenação pecuniária no valor total de €6.078.00 e confronta-se com u ma fixação de custas no total de € 5.104,50. o que, ainda assim, se revela totalmente desproporcional e compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º- 1 e 268.º-4 da CRP).
xx. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (artigos 20.º e 268.º-4 da Constituição) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.
xxi. Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.º. n.ºs 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.º/ 1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.ª-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).
Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, decidindo pela revogação da decisão de condenação, absolvendo a recorrente por falta de verificação dos pressupostos típicos das infracções pelas quais foi condenada da recorrente, com os devidos e legais efeitos.
Sem prescindir, caso se entenda não haver motivo para, de imediato, absolver a recorrente, requer-se a revogação do acórdão recorrido e o reenvio do processo ao TAD para que reaprecie a matéria de facto com base em critérios de valoração da prova consentâneos com o princípio da presunção de inocência do arguido, exigindo-se, nomeadamente, a formação de urna convicção para além de toda a dúvida razoável e a não imposição de um ónus da prova à demandante.
Sem prescindir, e subsidiariamente, seja revogada a condenação pela prática da infracção p. e p. pelo art. 187.º-l, a) do RD por não se mostrar violado nenhum dever in vigilando.
Sem prescindir, e uma vez mais subsidiariamente, requer-se a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2.º, n.ºs 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo 1, 2.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP), com as legais consequências.

Notificada da admissão do recurso, a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL veio contra-alegar, aí concluindo o seguinte:

“1. Em causa nos presentes autos está o comportamento incorreto dos adeptos do ………. e a responsabilização do clube por violação de deveres a que estava adstrito de modo a evitar a ocorrência de tais comportamentos.
2. De acordo com o Relatório de Ocorrências e com o Relatório das forças policiais os adeptos do Futebol ……………….. deflagraram objetos proibidos e entoaram cânticos ofensivos;
3. A Recorrente não coloca em causa que estes factos aconteceram, coloca em causa, sim, que tenham sido adeptos do ………. os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas.
4. Tal como consta dos relatórios de jogo cujo teor se encontra a fls. ... do processo arbitral, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do Futebol ………………...
5. Com base nesta factualidade, o Conselho de Disciplina instaurou o competente processo sumário à Recorrente.
6. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP).
7. De acordo com o artigo 65.º do Regulamento de Competições da LPFP, concretamente o seu n.º2, al. i) compete aos Delegados indicados pela LPFP para cada jogo "i) elaborar e remeter à liga um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo , na flash interview".
8. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube.
9. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrente. O RD da LPFP é aprovado em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrente, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrente não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas.
10. Entende a Recorrente que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrente violou deveres de formação, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo.
11. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»."
12. Assim, os Relatórios de Jogo, atento o seu conteúdo, são perfeitamente suficientes e adequados para sustentar a punição da Recorrente nos casos concretos. Ademais, há que ter em conta que existe uma presunção de veracidade do conteúdo de tal documento (artigo 13.º, ai. f) do RD da LPFP).
13. Isto não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrente incumpriu os seus deveres.
14. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil.
15. A Recorrente não tinha que fazer prova absoluta da não verificação dos pressupostos legalmente exigidos, bastando-lhe efetuar a contraprova, fundada num mero juízo de probabilidades. É que, ao contrário do que afirma, em sede sancionatória o "arguido" não pode simplesmente remeter-se ao silêncio, aguardando, sem mais, o desenrolar do procedimento cabendo-lhe, pelo menos, colocar uma dúvida na mente do julgador correndo o risco de, não o fazendo, ser punido se as provas reunidas forem todas no mesmo sentido.
16. Do lado do Conselho de Disciplina, todos os elementos de prova carreados para os autos iam no mesmo sentido dos Relatórios de Ocorrências pelo que dúvidas não subsistiam (nem subsistem) de que a responsabilidade que lhe foi assaca da pudesse ser de outra entidade que não da Recorrente. Isto mesmo entendeu, e bem, o Tribunal a quo.
17. A documentação junta aos autos foi analisada criticamente, tanto pelo Conselho de Disciplina como pelo Tribunal Arbitral, à luz da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, designadamente no que se refere à conclusão de que não tomou quaisquer medidas que viessem a impedir as ocorrências descritas e praticadas pelos adeptos afetos ao ...........
18. De modo a colocar em causa a veracidade do conteúdo dos Relatórios, cabia à Recorrente demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrente nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
19. Do conteúdo dos Relatórios de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões : (i) que o Futebol .................... incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do Futebol ...................., o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada).
20. Tendo em consideração jurisprudência do CAS / TAS e de Órgãos de recurso internos da UEFA citada, bem como o facto de que os Relatórios de jogo são absolutamente perentórios a referir que os comportamentos descritos foram perpetrados por adeptos da aqui Recorrente, e que o Relatório de Jogo tem uma força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, cabia à Recorrente fazer prova que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espectadores seus adeptos ou simpatizantes.
21. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrente, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrente e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos.
22. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrente, de acordo com jurisprudência quer dos tribunais comuns quer dos tribunais administrativos.
23. É absolutamente líquido que segundo as normas circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável foram adeptos do .......... a perpetrar as condutas descritas e que a Recorrente era a entidade responsável pela revista de adeptos, impondo a necessária segurança no estádio; donde resulta, sem margem para dúvidas, que a Recorrente incumpriu com os seus deveres e deve ser responsabilizada.
24. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto, por várias outras ocasiões, já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado pela Recorrente.
25. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
26. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho d e Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação da Recorrente pela infração p. p. pelo artigo 127.º e pelo artigo 187.º do RD da LPFP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

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2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

Os factos que a decisão recorrida elenca como provados, são os seguintes:
1. No dia 03 de Fevereiro de 2018, no Estádio ...................., no ………., realizou-se o jogo a contar para a 21.ª jornada da Liga NOS, oficialmente identificado pelo n.º 12102 (203.01.182), que opôs a Futebol .................... - Futebol SAD e a ........................................ - Futebol SAD.
2. A bancada topo Sul (sectores 81 9, 10 e 11) e a bancada Norte (sector 28) do Estádio .................... são as zonas do estádio reservadas unicamente aos membros dos Grupos Organizados de Adeptos "................." e ".............................." afectos à Demandante.
3. No âmbito do referido jogo, os membros dos Grupos Organizados de Adeptos "...................." e ".............................." afectos à Dndante foram instalados na bancada topo Sul (sectores 8, 9, 10 e 11) e na bancada Norte (sector 28) do Estádio .....................
4. Os adeptos dos .......... afectos à Demandante, situados nas indicadas bancadas do Estádio ...................., deflagraram os seguintes potes de fumo: 2 no início do jogo, 2 aos 13 minutos da primeira parte e 2 aos 38 minutos da segunda parte.
5. Os adeptos dos .......... afectos à Demandante, situados nas indicadas bancadas do Estádio ...................., deflagraram os seguintes flash light: 2 no início do jogo, 2 aos 13 minutos da primeira parte e 2 aos 38 minutos da segunda parte.
6. Os adeptos dos .......... afectos à Demandante, situados nas indicadas bancadas do Estádio ...................., deflagraram os seguintes petardos: 1 aos 13 minutos da primeira parte e 1 aos 73 minutos da segunda parte.
7. Os adeptos dos .......... afectos à Demandante, situados nas indicadas bancadas do Estádio ...................., aos 19 minutos da primeira parte, entoaram em coro e repetidas vezes a expressão " , .........., .........., filhos da puta, ..........."
8. "Os adeptos dos .......... afectos à Demandante, situados nas indicadas bancadas do Estádio ...................., aos 62 minutos da segunda parte, entoaram em coro e repetidas vezes as expressões "Ó .................... vai pro caralho" e "Filhos da puta, aconteça o que acontecer, .................... é merda até morrer".
9. "Os adeptos dos .......... afectos à Demandante, situados nas indicadas bancadas do Estádio ...................., aos 80 minutos da segunda parte, entoaram em coro e repetidas vezes a expressão ".................... é merda".
10. A Demandante não adoptou as medidas preventivas adequadas e necessárias a fim de impedir que os seus adeptos entrassem, permanecessem e deflagrassem no interior do Estádio ...................., os artefactos pirotécnicos descritos nos factos provados 4, 5 e 6.
11. A Demandante não adaptou as medidas preventivas adequadas e necessárias à evitação dos acontecimentos protagonizados pelos seus adeptos, descritos nos factos 4 a 9.
12. A Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que, ao não evitar a ocorrência dos referidos factos perpetrados pelos seus adeptos, incumpriu deveres legais e regulamentares de segurança e de prevenção da violência que sobre si impendiam, enquanto entidade organizadora do evento desportivo em causa e clube participante no dito jogo de futebol.
13. Na presente época desportiva, à data dos factos, a Demandante já havia sido sancionada, por decisão definitiva na ordem jurídica desportiva, pelo cometimento de diversas infracções disciplinares.
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5.2 Fundamentação de facto - Matéria de Facto dada como não provada.
Não se apuraram quaisquer outros factos que, directa ou indirectamente, interessem ao presente processo.
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6. Motivação da Fundamentação de Facto
A matéria de facto dada como provada, resulta da documentação junta aos autos, em especial dos documentos constantes do Processo de Recurso Hierárquico Impróprio n.º …-…/18 - nomeadamente, o relatório do árbitro (fls. 20 a 24 do PD), o relatório do delegado (fls. 25 a 27 do PD), o relatório de policiamento desportivo (fls. 34 a 36), os esclarecimentos prestados pelos Delegados da LPFP {fls. 101), e o extracto disciplinar da Demandante (fls. 57 a 69), tendo-se observado, inter alia, o princípio da livre apreciação da prova. (Cfr. o artº 94º, n.º 4 do CPTA, aplicável ex. vi do art.º 61º da LTAD. Sobre esta temática, vide, na jurisprudência, o Acórdão do TCA Norte, de 27/05/2010, Proc. 0102/06.0BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.)
Nos termos do preceituado no citado artigo 607º, n.º 5 do CPC, aplicável "ex vi" do artigo 1.º CPTA e artigo 61.º da Lei do TAD, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Tal preceito consagra o princípio da prova livre ,o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.
De acordo com Alberto dos Reis prova livre "quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei" (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág.570).
Também temos de ter em linha de conta que o julgador deve "tomar em consideração todas as provas produzidas" (artigo 413.9 do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.
Ora, no contexto do caso concreto, entende-se que afirmação, expressamente evocada no "Relatório de Delegado" em alusão, quanto à específica circunstância de serem adeptos do .......... que deflagraram os petardos em causa e que entoaram os cânticos em questão, corresponde à realidade, porquanto tais factos foram claramente descritos neste exacto sentido pelos Delegados que estiveram presentes no local onde decorreu o jogo e que têm por missão primária registar todas as ocorrências que aí sucedam e, outrossim, na medida em que a bancada topo Sul do Estádio ...................., indicada expressis verbis por tais Delegados, é consabidamente ocupada por adeptos afectos à Demandante, em particular pelas claques denominadas "...................." e "..............................".
Por outro lado, importa salientar que os "relatórios de delegados" gozam de uma presunção de veracidade que somente pode ser afastada quando existam razões ponderosas para o efeito. Aliás, está em causa uma presunção da maior importância no domínio do direito disciplinar desportivo, inscrevendo-se nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar (cfr. o art. 13º, alínea f) do RD da LPFP)- ( Como explicavam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conheci do, e se chega a um facto desconhecido. (...) A prova por presunção reveste uma importância prática extraordinária, visto haver muitos factos, com interesse decisivo, para a procedência das acções (...), que poucas vezes podem ser objecto de prova directa, tendo o julgador de contentar-se com meras presunções, sob pena de se denegar justiça a cada passo" (cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, "Manual de Processo Civil", 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p.501) .
Acresce que a Demandante não coloca em causa, id. est., não nega a ocorrência dos factos registados no predito "Relatório de Delegado". Na verdade, a Demandante apenas contesta que tenham sido adeptos do .......... os autores dos factos em causa nos presentes autos. Sucede, contudo, que embora a Demandante teça diversas considerações pertinentes sobre algumas possibilidades que se colocam, em abstracto, no que respeita à autoria das sobreditas "ocorrências", não conseguiu infirmar, com plausibilidade, o que foi redigido no referido "Relatório de Delegado".
Por outras palavras, a Demandante não ilidiu a presunção de que corresponde à verdade o teor do "Relatório de Delegado" aqui em questão.
De resto, nada existe nos autos que possa colocar em crise, com verosimilhança, o conteúdo do "Relatório de Delegado" em alusão.
Observe-se ainda, no que tange à apreciação da prova pela entidade administrativa no âmbito do processo disciplinar, que o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a considerar que "a condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodíctica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável", sendo ademais admissível à Administração - "e até obrigatório" - usar de presunções naturais, desde que as mesmas se revelem adequadas (Cfr. o Ac. do STA, de 21/10/2010, Proc. n.º0607/10, disponível em www.dgsi.pt).
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Em concreto, com referência aos factos considerados provados, o Tribunal formou a sua convicção nos seguintes moldes:
1. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 20, 25, 28, 30 e 34 do mesmo.
2. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27,34 a 36, 51 a 56 do mesmo.
3. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27,34 a 36, 51a 56 do mesmo.
4. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27, 34 a 36, 101 e 103 do mesmo.
5. Resulta dos documento s juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27, 34 a 36, 101 e 103 do mesmo.
6. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27, 34 a 36, 101e 103 do mesmo.
7. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27, 34 a 36, 101e 103 do mesmo.
8. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 25 a 27, 34 a 36, 101 e 103 do mesmo.
9. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de tis. 25 a 27, 34 a 36, 101 e 103 do mesmo.
10. Resulta da análise conjugada do processo disciplinar e da prova produzida nos presentes autos.
11. Resulta da análise conjugada do processo disciplinar e da prova produzida nos presentes autos.
12. Resulta da análise conjugada do processo disciplinar e da prova produzida nos presentes autos.
13. Resulta dos documentos juntos ao processo disciplinar, nomeadamente de fls. 57 a 69 do mesmo.
Cremos, pois, que a factualidade dada como assente resulta da instrução da causa, para além de qualquer dúvida razoável.
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3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO

Como resulta do disposto nos artigos 635º nº4 e 639º nº 1 do NCPC- sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso- as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Por assim ser, a questão nuclear que se coloca neste recurso é a de saber se ocorreu, ou não, o(s) ilícito(s) disciplinar(es) - existência material dos pressupostos de facto que são imputados à recorrente.
Nesse sentido, aderimos de pleno à fundamentação adoptada em situação similar à dos autos e que foi versada na Decisão proferida em 28.NOV.2017 no recurso nº 144/17.0BCLSB:
“(…)
Como nos diz a doutrina, o exercício do poder disciplinar cabe no âmbito “(..) da margem de livre decisão administrativa, cujo exercício os tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica.
Embora tudo isto já decorresse implicitamente da Constituição, o artº 71º CPTA explicitou a determinação de que os tribunais administrativos respeitam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (..) [só em caso de] apenas restar uma possibilidade de actuação juridicamente conforme, será mesmo possível um controlo jurisdicional total da conduta administrativa comissiva ou omissiva (redução da margem de livre decisão a zero) (..)”. ( )
Por regra, o ordenamento punitivo disciplinar desconhece o regime da tipicidade, antes opera mediante o elenco de substantivos identificativos das qualidades abstractas requeridas - os chamados deveres gerais de conduta funcional - explicitados mediante a técnica legislativa da descrição de conteúdo de cada um dos deveres do catálogo regulamentar e respectiva enumeração de parâmetros comportamentais esperados, no sentido permissivo e proibitivo.
Todo este labor legislativo é concretizado normativamente mediante a descrição do desvalor de acção e de resultado no domínio do ilícito disciplinar por adopção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação jurídica em causa (por regra, uma relação laboral ou institucional) e, portanto, conteúdos vinculativos, o que, uma vez definidos quais os factos provados, outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto. ( )
Em sede disciplinar e ao contrário do direito criminal, o facto ilícito não assume a qualidade jurídica de facto típico por não existir na veste de descrição inserida na hipótese legal, isto é, em termos simples, o facto ilícito não consta do artigo do regulamento disciplinar nos mesmos moldes de explicitação concreta e específica de actos como é próprio dos artigos do Código Penal por imperativo constitucional (facto ofensas corporais, facto morte, etc.); no ilícito disciplinar o que existe é a descrição do comportamento não querido pela norma por reporte a categorias abstractas de deveres (dever de respeito, de urbanidade, etc), mas é evidente que tem de existir, apurado no decurso do procedimento disciplinar, factualidade ilícita e culposa.
A operação de subsumir a matéria de facto provada no conceito normativo identificado pelos substantivos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
 primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
 segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
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Cabe, ainda, salientar dois aspectos.
Em primeiro lugar que a actividade interna dos entes administrativos traduzida no exercício competencial do poder disciplinar, cabe no âmbito dos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa, sem prejuízo das vinculações legais e limites imanentes da margem de livre apreciação e decisão administrativa plasmados no art° 266° n° 1 CRP e art°s. 4°, 6°-A, 9° e 11° CPA/91, actuais artºs. 4º, 10º, 13º e 15º CPA/revisão de 2015.
Em segundo lugar – aspecto que no caso concreto trazido a recurso assume especial relevância - a recurso -, a sindicabilidade jurisdicional da validade do acto sancionatório disciplinar confina-se no juízo sobre a existência material dos pressupostos de facto, ou seja, no domínio da violação de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto do acto administrativo.“
Tal fundamentação foi acolhida no Acórdão deste TCAS relatado em 26 de Julho de 2018, no Recurso nº 8/18.0BCLSB pelo titular dos presentes autos e que aqui se volta a sufragar, também por apelo à bondade do Parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público nos termos dos artºs 146º, nº1 e 147º, ambos do CPTA em sentido oposto ao que foi pelo MP emitido nos presentes autos e que se transcreve na parte julgada útil ao objecto do recurso:
“I. Objecto do recurso
1. Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente, Futebol .................... (..........), da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), a qual decidiu no sentido de confirmar as multas aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol ao .........., no âmbito de Autos de Processo Disciplinar instaurados por aquela Federação ao citado Clube, tudo nos termos melhor constantes dos Autos;
Apreciação
2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 5º, 608º, n°2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil (CPC, ex vi do disposto nos artigos 1º e 140º do CPTA;
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes a erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida;
Ora,
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a decisão de que se recorre não procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito;
Nessa linha,
5. Entende-se acompanhar, em sentido genérico, a fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrente, .........., e bem assim a fundamentação expressa no âmbito do voto de vencido constante da citada decisão do TAD, cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
6. Assim, importa salientar que os factos sujeitos à apreciação do presente recurso são, na sua essência, similares aos factos submetidos a Recurso Jurisdicional neste TCA e no âmbito do Processo ri9l44/17, referidos a fls. 74 da motivação de recurso apresentada pelo ..........;
7. Autos esses onde o signatário emitiu parecer cujos fundamentos são, também no essencial, aplicáveis ao caso presente, razão pela qual se entende transcrever parcialmente, na parte aplicável, tal documento, nos seguintes termos:
"No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa ... tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada ... à fundamentação das decisões proferidas ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrados na FPF;
Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao ..........;
É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do .......... no seguinte trecho:
"... a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor d'p lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam:-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...".
Por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota nº18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;
Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apreciação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (Cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia - Cfr. fls. 38;
O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via do insuficiente corpo de prova;
Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:
"Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus.";
Tendo em consideração a fundamentação constante daquele douto Parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público que, com a devida vénia, fazemos nossa, procedem as questões trazidas a recurso.

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Há, ainda, que ser apreciada a questão da isenção de custas da FPF.
No Acórdão deste TCAS proferido no rec.nº9417.0BCLSB em 04.10.2017 decidiu-se como segue e, por aderência no Acórdão deste TCAS citado de 26 de Julho de 2018, no Recurso nº 8/18.0BCLSB:
“(..) 2.2.3 Da invocada isenção de taxa de arbitragem – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso)
2.2.3.1 Na contestação que a recorrida Federação Portuguesa de Futebol apresentou no processo arbitral, esta invocou, desde logo, beneficiar se isenção de taxa de arbitragem, por efeito do disposto no artigo 4º alíneas f) e g) do Regulamento das Custas Processuais, por, em suma, ser uma pessoa colectiva de direito privado titular de estatuto de Utilidade Pública Desportiva, e não ter, simultaneamente, na sua mão, o impulso processual a que alude o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, por se apresentar com toda a passividade perante o impulso de outrem (vide artigos 41º a 67º daquele seu articulado).
O que não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, que entendeu que nos processos que correm junto do TAD.
Vejamos.
2.2.3.2 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contra-interessados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”
2.2.3.3 A Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro veio fixar a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a actos avulsos, nos termos do artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, estatuindo no seu artigo 2º nº 1 que a taxa de arbitragem necessária “…corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e é “…fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante”.
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excepcionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD, quer a Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro que o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a Federação Portuguesa de Futebol não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.
Improcedendo, pois, neste aspecto o recurso. (..)”
No mesmo sentido, é lapidar a pronúncia do EPGA no seu douto Parecer que, data vénia também se transcreve e se subscreve inteiramente:
“Finalmente, no que respeita a custas, argumentou ainda a recorrente FPF que o acórdão arbitral recorrido enferma de erro ao rejeitar o pedido de isenção de custas que apresentou;
Sobre esta matéria, permitimo-nos transcrever parcialmente o já decidido por este TCA em recente Acórdão, de 6 Janeiro 2017 e no âmbito do Processo 57/17.5BECLSB, do seguinte teor:
"O DL 34/2008, de 26/2, o qual entrou em vigor em 20.4.2009 (cfr. o respectivo art. 26º n.º1, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), revogou, através do seu art. 25º n.º1, "as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas", e aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP) - cfr. o respectivo art. 12.
Dispõe o art. 49, do RCP, o seguinte:
"1 - Estão isentos de custas:
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
g) As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias;
(...)" (sublinhados nossos).
A isenção de custas prevista na al. g) do n.º1 deste art. 4º, respeita às pessoas colectivas públicas, que não é o caso da ora recorrente, a qual é uma pessoa colectiva de direito privado - cfr. art. 1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é uma pessoa coletiva " constituída sob a forma de associação de direito privado"].
Quanto à isenção de custas prevista na al. f) do n.5 l do referido art. 49, a mesma depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
b) que actue no processo judicial exclusivamente no âmbito das suas
especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão
especialmente conferidos.
Quanto ao requisito supra enunciado sob a alínea a), o mesmo encontra-se preenchido, face ao teor do art.1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é "uma pessoa colectiva sem fins lucrativos"].
Relativamente ao requisito acima enumerado sob a alínea b), e como esclarece Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5- Edição, págs. 159 e 160:
"Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
É subjectiva, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de aquelas entidades actuarem nos processos judiciais, do lado activo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses comunitários que lhe estão especialmente conferidos.
Dada a sua estrutura e fins, essas associações e fundações beneficiam da isenção de custas a que se reporta este normativo nas acções relativas à defesa e promoção dos seus interesses específicos, naturalmente sob a envolvência do interesse público.
É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, reponderando, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa de interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos." (sublinhados e sombreados nossos).
A FPF, ora recorrente, de acordo com o prescrito no art. 2º n.º1, dos respectivos Estatutos, tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.
Ora, a recorrente, no TAD (e também neste TCA Sul), não litiga em defesa directa das atribuições enunciadas no parágrafo anterior, pois está em juízo em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, estando em causa saber se tal acórdão é ou não válido e intervindo a ora recorrente no TAD (e também neste TCA Sul) com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.º1 e 9, do CPTA (no âmbito do TAD aplicável por força do art. 61º, da LTAD), ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão de 4.11.2016.
Dito por outras palavras, a ora recorrente contestou o recurso interposto perante o TAD (bem como interpôs o presente recurso jurisdicional) não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, invocando que o mesmo não padece de qualquer vício.
Conclui-se, assim, que a actuação da ora recorrente também não se encontra contida na isenção prevista no art. 4º n.º1, al. f), do RCP.
Finalmente, alega a recorrente que a negação de tal isenção perante o TAD viola designadamente os arts. 13º, 20º n.ºs 1 e 2 e 268º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a sua situação face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória, mas sem razão, dado que, antes da existência da arbitragem necessária, a recorrente era demandada nos tribunais administrativos de 1ª instância onde não beneficiava de isenção de custas ao abrigo do art. 4º n.ºs 1, als. f) e g), do RCP, conforme supra explicitado.
Do exposto resulta que o TAD bem andou ao indeferir o pedido de isenção de custas formulado pela ora recorrente, pelo que nesta parte tem de improceder o presente recurso jurisdicional."
8. Assim, entende-se acompanhar a linha Jurisprudencial vertida no citado Processo nº144/17, mormente na fundamentação expressa na respectiva e Douta decisão sumária, proferida em 28 Novembro 2017, e bem assim no subsequente Douto Acórdão de 16 Janeiro 2018, sem qualquer hesitação;
9. Já no que respeita à questão das custas suscitada pelo Recorrente .........., trata-se de matéria recorrentemente trazida à apreciação deste TCA, tendo sido já objecto de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional;
10. De qualquer modo, sempre se referirá que, sem prejuízo de maior aprofundamento nesta matéria, estamos perante um pleito em sede de Jurisdição Arbitral e, como tal, sujeita às regras, nomeadamente de custas, ali definidas pelo legislador e aceites pelas partes;
11. Porém, é certo que os montantes devidos pelas partes em sede de custas, quando comparados com os montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa, poderão revelar-se algo desfasados do regime das custas judiciais;
12. Ora, tal comparação não nos parece totalmente legítima, na justa medida em que as partes pleiteiam em Jurisdições diferenciadas e que, pela sua própria natureza, são, também a nível de regime legal de custas, incomparáveis;
13. Para além de que o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respectivo regime de custas, além do mais, reflectir e suportar essa realidade;
14. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada jurídica na justa medida em que se está perante um Tribunal (TAD) onde, à primeira vista, se dirimem interesses de natureza privada, mas que, no fundo, tendo em conta a natureza jurídica dos intervenientes, nomeadamente as Federações desportivas e o respectivo regime jurídico associado, se tratam de questões de natureza eminentemente pública;
15. Encruzilhada essa que se traduziu nas vicissitudes de natureza constitucional que precederam o difícil processo de criação do TAD e que, infelizmente, ainda acompanham o seu funcionamento;
16. Como seja o caso da especialmente particular opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, mais especificamente ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que, com todo o respeito, acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária...;
Conclusão
Termos em que o Ministério Público pugna pela procedência do recurso, excepto na parte respeitante à recusa de aplicação de norma, por alegada inconstitucionalidade.”

Fazendo nosso o discurso jurídico fundamentador constante do citado Acórdão, de cuja conferência fizemos parte, com os valiosos complementos aditados no douto acabado de transcrever, sem necessidade de mais considerações, improcede a questão trazida a recurso atinente à isenção de custas.
Improcedem, por isso e neste segmento da isenção de custas as conclusões recursórias.

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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, decide-se neste Tribunal Central Administrativo Sul, conceder parcial provimento ao recurso e revogar o acórdão do TAD, anulando os actos impugnados.

Custas a cargo da Recorrida Federação Portuguesa de Futebol, levando em conta o que supra se deixou dito sobre a isenção de custas no âmbito destes processos.”
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3.- DECISÃO

Nestes termos e pelo exposto, decide-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogar o acórdão recorrido e, em consequência, manter o acto impugnado na ordem jurídica.
Custas pelo recorrente.”

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3- DECISÃO:

Assim, desatendendo a reclamação, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em confirmar a decisão reclamada.

Custas pela reclamante.
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Lisboa, 18 de Outubro de 2018
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Sofia David)