Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:543/05.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
CUSTOS
DOCUMENTAÇÃO INSUFICIENTE
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I. As insuficiências do descritivo de uma determinada fatura, para efeitos de consideração do custo como sendo indispensável nos termos e para os efeitos do art.º 23.º do CIRC (redação vigente em 1997), podem ser colmatadas através de outros meios de prova, testemunhal ou documental.
II. A junção de um contrato plurianual com cláusulas globais e não circunscritas no tempo e de uma mera listagem interna de alegadas prestações de serviços não é per se suficiente para suprir as insuficiências do documento de suporte ao custo em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 30.09.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por I….. – ….., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico relativo ao indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinente ao exercício de 1995.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a presente impugnação PARCIALMENTE PROCEDENTE, anulando a liquidação de IRC do exercício de 1995, no que respeita à desconsideração como custo fiscal da fatura n.º32, no valor de €9.921,08, absolvendo-se a Fazenda Pública quanto ao restante pedido. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos.

II. No que toca à não dedutibilidade dos custos ínsitos em faturas emitidas por forma a não respeitarem o disposto no art.º 35º do CIVA e à não dedutibilidade de custos suportados por documentos internos por não serem contabilisticamente válidos, não se pode olvidar que dos art.ºs 23º e 42º, n.º 1 al. h) do CIRC, na versão em vigor à data dos factos tributários em causa nos autos, estabelecem dois requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.

III. No que concerne ao IVA, resulta da configuração deste tributo que a sua sistemática impõe a obrigação de emissão de um documento que acompanhe a transação, em regra a fatura ou documento equivalente conforme se extraía, à data dos factos, da alínea b) do nº 1 do art. 28º do CIVA, documentos estes que deveriam conter os requisitos e elementos previstos no nº 5 do art.º 35.º do CIVA. Apesar destes requisitos formais estarem expressamente previstos para o IVA eles devem ainda se referir ao conjunto das relações tributárias por corresponderem às boas práticas contabilísticas, acrescendo que estes requisitos das faturas são os que permitem à escrita da empresa desempenhar todas as funções como instrumento de registo e de informação verificável que é chamada a desempenhar.

IV. Com efeito, em termos de IRC, não estando cumpridos os requisitos impostos pelo CIVA para efeitos de documentação contabilística dos custos incorridos pela Impugnante, impunha-se que da sua contabilidade constasse outra documentação pertinente para a prova dos custos incorridos, sendo necessário que a contabilidade do Impugnante atendesse ao disposto no art.º 98º, n.ºs 3 e 4 do CIRC à data em vigor.

V. E dos factos dados como provados na sentença não resulta que os gastos titulados pelos documentos rejeitados pela Administração Fiscal em sede de Reclamação Graciosa já constassem da contabilidade da Impugnante à data do procedimento tributário que levou à correção da matéria tributável em questão, ou seja, não resulta do probatório que tivesse sido cumprido escrupulosamente o que dispunha o art.º 98º, n.ºs 3 e 4 do CIRC à data em vigor.

VI. A matéria de facto dada como provada é insuficiente para autorizar as conclusões extraídas pelo Tribunal a quo no que toca à indispensabilidade do custo, sendo que o ónus da prova nesta parte cabe ao contribuinte, ónus este que não se pode considerar cumprido com a mera apresentação de documentos que nunca constaram da contabilidade da Impugnante. Do exposto, para que os custos incorporados na referida fatura pudessem ser aceites fiscalmente em sede de IRC, era necessário, cumulativamente, que fossem comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que estes fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, requisitos estes que não foram satisfeitos pela Impugnante no caso dos autos.

VII. Ponderados estes argumentos, entendemos que mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, na medida em que considerou ilegal a correção promovida pela Administração Fiscal relativamente à ”fatura n.º 32 , no valor de €9.921,08, emitida por J…..”, incorrendo assim em erro de julgamento de direito e violando o disposto nos artigos art.ºs 23º e 42º, n.º 1 al. h) do CIRC, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e daqui resultar a improcedência total da impugnação apresentada com a consequente manutenção das correções promovidas pela Administração Fiscal na ordem jurídica”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais refere:

“Salvo o devido respeito quanto ao mérito do recurso não assiste razão na pretensão da Recorrente Fazenda Publica.

Considerou a sentença recorrida não assistir razão á Autoridade Tributária na pretendida correção ao IRC do exercício de 1995 quanto à desconsideração como custo fiscal da factura nº 32, no valor de € 9.921,08, emitida por J…...

Entendeu a Administração Fiscal que pelo facto de na factura não se discriminarem os serviços efectuados nem a actividade de quem os prestou, não se mostrava demonstrada a indispensabilidade do custo.

Conforme resulta dos factos dados como provados a Recorrida juntou em sede de reclamação graciosa além da copia do contrato de prestação de serviços celebrado com o fornecedor emitente da factura em causa, juntou também documento justificação da factura por via do qual são discriminados os serviços abrangidas pela referida factura.

Resulta assim justificado que a factura em causa abrange vários trabalhos desenvolvidos pelo fornecedor, ao abrigo do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambos, enquadrados no âmbito do objecto social da impugnante, prestação de serviços e apoio técnico, projectos, consultoria, formação, estudos de mercado e a comercialização de livros.

Assim considerando a matéria de facto que consta do ponto 12 dos Factos Provados terá de se concluir que a Recorrida cumpriu o seu ónus de prova , pelo que a factura em causa, e o respetivo valor por ela titulado, deve ser aceite como custo fiscal, por forma a garantir, conforme resulta da sentença recorrida que a Recorrida será tributada em sede de IRC pelo seu lucro real.

Ao decidir pela revogação parcial da liquidação adicional nos termos supra referidos a sentença recorrida tomou em consideração, efetivamente, a tributação da impugnante pelo lucro real bem somo os princípios da Justiça, da verdade material e da presunção da veracidade e da boa –fé das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei.

Por outro lado a prova de um custo em sede de IRC não está limitada, como parece pretender a Fazenda Publica, á factura, pois, pode ser efectuada através de documento interno desde que coadjuvado por qualquer outro meio de prova, como testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade.

Conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de abril de 2006 (Processo n.º 01194705), para efeitos de IRC a fatura não é a única forma de documentar e provar os custos incorridos, não existindo qualquer norma no Código do IRC e, muito menos nas normas contabilísticas, que exija a necessidade de fatura para documentar um custo.

A Recorrente não questiona, nem em boa verdade podia validamente questionar, os factos dados como assentes sob o ponto 12 dos Factos Provados, pois limita-se a questionar a sua suficiência para efeitos da decisão.

A sentença recorrida fez uma correcta aplicação e interpretação da lei, nomeadamente das disposições legais vigentes à data dos factos, dos art. 41, nº 1, al. h) do Código do IRC, pelo que se deve manter nos seus precisos termos”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de não ter sido demonstrada a indispensabilidade dos custos relativos à fatura emitida por J…..?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1.º) A ora Impugnante contabilizou na rubrica “Trabalhos Especializados” o montante de Esc. 1989 000$00 relativo à factura 32, emitida pelo Sr. J….. - cf. fls.112 do Processo Administrativo (PA), apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

2.º) Os serviços tributários (ST) procederam à correção em causa nos presentes autos, atendendo a que, o documento em causa, apenas refere que são “serviços prestados, não identificando quais os trabalhos efectuados, nem a actividade exercida por quem os prestou, a data da factura é de 31.12.1995 e tem carimbo de correspondência recebida em 07.08.1995” - cf. fls.112 do PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

3.º) Deste modo os ST acresceram ao resultado tributário da ora Impugnante o montante de Esc.1 989 000$00, referente a viagem a Itália em 28.12.1995 a 02.01.1996, para 30 participantes e bebés, entre colaboradores da empresa e respetivos familiares - cf. fls.112 do PA, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

4.º) A empresa ora Impugnante tem no seu quadro de pessoal 9 (nove) colaboradores e foram pagas 33 (trinta e três) viagens, incluindo bebés e suplemento de quarto single.

5.º) A fatura em causa foi emitida pela “A….., Lda” à Impugnante.

6.º) O documento respeitante à viagem em causa não identifica quem viajou.

7.º) Os ST acresceram ao resultado tributável da ora Impugnante, o montante de Esc 5 593 500$00, por considerarem não se provar a indispensabilidade destes custos (referidos em 4.º)) para a formação dos proveitos de acordo com o disposto no art.23.º e art.41.º, n.º1, alínea b), ambos do CIRC.

8.º) Os ST procederam à elaboração do DC e foi a ora Impugnante notificada por ofício n.º20377 de 23.12.1998 das correções efetuadas relativas ao IRC do exercício de 1995 - cf. fls.9 do Processo de Reclamação Graciosa (PRG), apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

9.º) A ora Impugnante não concordou com a liquidação e apresentou reclamação graciosa (RG) processo n.º…..552, nos termos do disposto nos artigos 99.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário - cf. docs. de fls.2 a 7 do PGR, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

10.º) A mesma foi indeferida por despacho de 07.01.2002, no qual ficou informado o seguinte: cf. docs. de fls.67 a 71 do PGR, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

“(…) quando elaborada a fiscalização, foi solicitado à empresa vários documentos, no qual se incluía a factura n.º32 emitida pelo Sr. J….., (…) com base na sua analise, verificou-se que tal documento apenas referia serviços prestados, não identificando o género de trabalho nem a actividade do prestador.

Desta forma, não houve um cumprimento escrupuloso das obrigações documentais por parte do prestador nem por parte da empresa, pelo que tal valor foi suprido da dedutibilidade como custo(…) (…)as despesas de viagens ao estrangeiro e respectivos alojamentos dos cônjuges e filhos dos trabalhadores não merece a qualificação como custo fiscal, dado que não foram contraídas no interesse da empresa.

Assim em relação à noção de indispensabilidade relativamente à causalidade necessária entre despesa e proveito defende-se a não dedutibilidade dos gastos das viagens, alegadamente por serem gastos que não se reflectiram no volume dos proveitos da empresa. Houve uma consideração de custos que não geraram o correspondente lucro empresarial. (…).”

11.º) Do despacho de indeferimento da RG, foi deduzido recurso hierárquico (RH), o qual mereceu despacho negativo em 31.10.2003, cuja fundamentação relevante se transcreve:

“(…) como a factura n.º32 não respeitou os requisitos enunciados nos artigos 28.º e 35.º do CIVA, foi tal custo considerado à luz do art.º41.º do CIRC como “encargo não dedutível”, pois que a factura em causa não pode ser considerada um documento inequívoco e claro que justifique um custo incorrido, relacionado com a actividade desenvolvida pela ora recorrente e por tal, a factura n.º32 não pode justificar um custo aceite para efeitos fiscais, considerando-se tal custo como um encargo não devidamente documentado”.

12.º) Em sede de RG a ora Impugnante juntou cópia do contrato de prestação de serviços celebrado com o fornecedor emitente da fatura em causa (Sr. J…..) e, documento de justificação da fatura por via da qual são discriminados os serviços abrangidos pela referida fatura”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não existem factos não provados com relevância para a apreciação das questões em apreço”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações oficiais e documentos constantes dos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração (1).

Nesse seguimento, é a seguinte a redação do facto que se identifica, por referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

12.º) Em sede de RG a ora Impugnante juntou cópia do contrato de prestação de serviços celebrado com o fornecedor emitente da fatura em causa (Sr. J…..) e, documento, processado em computador, designado de “Justificação da fatura n.º 32 emitida por J…..”, não datado nem assinado, contendo uma lista de estudos, respetivas datas de faturação e valores, indicando como valor total faturado de projetos de consultoria o de 46.325 contos e como valor de coordenação e acompanhamento o de 1.989 contos (cfr. fls.55 a 57, do processo administrativo – reclamação graciosa).

II.E. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

13. O documento intitulado “Contrato de Prestação de Serviços de Consultoria e Formação Profissional”, mencionado em 12., data de 15.02.1995, constando do mesmo designadamente o seguinte:

“ 1.ª Cláusula

O 1° Outorgante compromete-se a elaborar, coordenar e acompanhar projectos de consultoria e estudos abrangendo as diversas vertentes da gestão, em particular na vertente comercial e marketing.


2.ª Cláusula

O 1º Outorgante compromete-se igualmente a prestar serviços de formação, de forma continuada e periódica, que permitam garantir necessidades de formação do 2º Outorgante, de acordo com calendários a estabelecer mensalmente, elaborar propostas e a coordenar projectos de formação.

3ª Cláusula

O 2º Outorgante compromete-se a facultar ao 1º Outorgante as condições indispensáveis à boa consecussão [sic] dos diversos trabalhos, nomeadamente, a facultar toda a informação disponível sobre os clientes e/ou os sectores em que estes se inserem e a eventual utilização de meios humanos e materiais sempre que estes se mostrem necessários.

4ª Cláusula

O presente contrato inicia-se a 1 de Janeiro de 1995, é válido pelo prazo de um ano, renovável, podendo ser rescindido nos termos legais.

5ª Cláusula

O valor base acordado entre os Outorgantes é de 3.000$00/Hora para os serviços constantes da Cláusula 1.ª.

O seu apuramento e pagamento será feito anualmente após a conclusão dos mesmos e estando assegurada a respectiva cobrança, no todo ou em parte.


6ª Cláusula

O valor base acordado entre os Outorgantes é de 10,000$00/Hora para os serviços constantes da Cláusula 2ª, acrescido das despesas inerentes à sua execução, sendo-lhe garantido um mínimo de 50 horas mensais.

7ª Cláusula

Quaisquer outros trabalhos não previstos neste contrato, requeridos pelo 2° Outorgante, serão objecto de acordo pontual entre as partes”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que, face à prova produzida, não é possível concluir pela demonstração da indispensabilidade do custo a que respeita a fatura n.º 32 emitida por J…...

Vejamos então.

Estão em causa custos, no valor de 9.921,08 Eur. (1.989.000$00), que, atenta a fundamentação do DC 22, respeitam à fatura n.º 32 emitida por J….. e que foram desconsiderados, em virtude de a administração tributária (AT) ter entendido que os mesmos estavam indevidamente documentados, apelando-se, a este propósito, ao n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC (CIRC – redação à época) e ao art.º 41.º, n.º 1, al. h), do mesmo código, considerando ainda não estar demonstrada a respetiva indispensabilidade.

Considerando o então art.º 17.º do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável de um sujeito passivo de IRC, a contabilidade deverá estar organizada de acordo com os princípios da organização contabilística, sendo de considerar ainda as próprias regras decorrentes do CIRC.

Chama-se a este propósito à colação o disposto no art.º 98.º do CIRC, do qual resultava, na redação então em vigor, que a organização contabilística deve permitir aferir o lucro tributável (n.º 1), dali resultando ainda, designadamente, que os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de ser apresentados sempre que necessário [n.º 3, al. a)].

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente” (2).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal (3).

Como referido por António Moura Portugal (4), “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Neste contexto é ainda de ter em conta o disposto no então art.º 41.º, n.º 1, al. h), do CIRC, que previa que não eram dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os encargos indevidamente documentados.

Nessa sequência, carece de justificação documental a realização de custos, para que os mesmos sejam fiscalmente relevantes.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis” (5).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal) (6), abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade (7), sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição (8).

Apliquemos, agora, estes conceitos ao caso dos autos.

No caso dos autos, como já referido, estava em causa a fatura n.º 32, emitida por J….., cujo descritivo continha a menção “serviços prestados”. Refira-se adicionalmente que da própria fatura não resulta sequer que tipo de serviços o respetivo emitente prestava, ainda que genericamente.

Assim, claramente que o documento em causa não continha os elementos então exigidos pelo n.º 5 do art.º 35.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), insuficiência que legitimava, per se, a atuação da AT, uma vez que esta insuficiência documental implica não só um desrespeito pelas exigências em termos de documentação dos custos, mas também uma impossibilidade de aferir da indispensabilidade desses mesmos custos.

Como já deixamos exposto supra, a insuficiência documental, para efeitos de IRC, designadamente em situações como a dos autos, em que a fatura não contém todos os elementos necessários à sua cabal compreensão, pode ser suprida através de outros meios de prova, documental ou testemunhal, que permitam fazer com que se conclua que se trata de custo subsumível ao art.º 23.º do CIRC.

Vejamos então se tal prova ocorreu in casu.

Considerou o Tribunal a quo, a este respeito, que a Recorrida logrou demonstrar que tal custo se enquadra no âmbito do art.º 23.º do CIRC, atento o contrato de prestação de serviços junto, celebrado entre a Recorrida e J….., e, bem assim, a listagem discriminada das alegadas prestações de serviços.

Desde já se adianta que não se acompanha este entendimento, por se considerar que a prova produzida não permite concluir nos termos em que foi feito.

Em primeiro lugar, e quanto ao contrato de prestação de serviços, o mesmo apresenta-se como um contrato amplo, onde é globalmente referido que J….. prestará os serviços de elaboração, coordenação e acompanhamento de projetos de consultoria e estudos, abrangendo as diversas vertentes da gestão, em particular na vertente comercial e marketing e, bem assim, serviços de formação.

Não estão minimamente circunstanciados no tempo os serviços a prestar nem a sua concreta configuração ou caraterização.

Portanto, este contrato, isoladamente, não é passível de suprir as insuficiências constantes da fatura emitida.

Por outro lado, essas mesmas insuficiências não se podem considerar supridas pelo documento de “justificação da factura n.º 32”, mencionado em 12 do probatório. Com efeito, trata-se de um documento sem qualquer indicação da sua autoria, onde se elenca as prestações de serviços que terão sido efetuadas e seu valor individual. Ou seja, trata-se de documento de origem interna, que por si só não tem a apetência para suprir as insuficiências do descritivo da fatura.

Com efeito, face às mencionadas insuficiências do descritivo da fatura, é exigido que sejam cabalmente demonstradas as prestações de serviços em causa, o que não é atingido com um mero documento interno como a mencionada listagem, o qual, por si só, não contém qualquer elemento que permita considerar que a sua origem seja externa à Recorrida.

Assim, face à prova produzida não é possível aferir, com o grau de certeza exigível, a que serviços respeitou a mencionada fatura, não tendo resultado provado que se tratou de serviços relacionados com as empresas C….., I….., G….. e K….., ao contrário do alegado pela Recorrida.

Não tendo tal ficado provado, face à prova produzida, sendo que caberia à Recorrida o ónus da prova em causa, tal implica que não se possa considerar o custo admissível ao abrigo do art.º 23.º do CIRC. Este entendimento de modo algum atenta contra os princípios enformadores da tributação, porquanto trata-se de exigências em termos de ónus da prova, determinadas por insuficiências da documentação de suporte a um custo que caberia à própria Recorrida evitar e/ou suprir.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e, em consequência, mantendo o ato impugnado na parte objeto do recurso;

b) Custas pela Recorrida;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

(2) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).

(3) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.

(4) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.

(5) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).

(6) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.

(7) V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).

(8) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).