Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2447/14.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/26/2019
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR;
PRINCÍPIO DO “IN DUBIO PRO REO”
Sumário:i) A prova, designadamente por testemunho, é apreciada segundo o princípio da livre apreciação do julgador.

ii) Não havendo elementos objectivos na acusação e na decisão que permitam inferir, com segurança, a existência de premeditação do facto ilícito imputado, nem sequer, de acordo com as regras da experiência, que tenha havido a prestação efectiva de falsas declarações, sempre ficaria uma dúvida séria quanto ao seu cometimento, pelo que, por imposição do princípio do in dubio pro reo teria de absolver-se o arguido, com o consequente arquivamento do processo disciplinar.

iii) Não ocorre a violação do princípio da separação de poderes, nem dos limites da função jurisdicional, quando o tribunal sobrepõe o seu juízo de avaliação probatória ao que fora efectuado pela autoridade administrativa. O contencioso administrativo é de plena jurisdição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Luís .........., patrocinado pelo Sindicato Nacional das Polícias Municipais, intentou no TAF de Sintra, contra o Município da Amadora, acção administrativa especial de anulação da deliberação de 16.07.2014, que o condenou na pena disciplinar de suspensão por 20 dias, por falsas declarações. Peticionou a anulação do acto por:

(a) vício de violação de lei, [cfr artigos 19 a 41, da PI], nos termos dos artigos 135 e 136, do CPA;

(b) vício de violação de lei , por erro nos pressupostos de facto, [cfr artigos 43 a 119, da PI], nos termos dos artigos 135 e 136, do CPA;

(c) vício de violação de lei, [cfr artigos 120 a 137, da PI], nos termos dos artigos 135 e 136 do CPA;

(d) vício de violação de lei, [cfr artigos 138 a 147, da PI], nos termos dos artigos 135 e 136 do CPA;

(e) vício de violação de lei,[cfr artigos 148 a 157, da PI], nos termos dos artigos 135 e 136 do CPA;

Mais peticionou a:

Sendo «ainda o Réu condenado a repor a situação (…) nos exactos termos em que estaria caso não tivesse sido praticado o acto inválido», e,

Cumulativamente a condenação do Réu, por responsabilidade extracontratual por actos ilícitos [cfr artigos 165 a 221, da PI], a pagar ao A, Luís .........., indemnização:

(a) Por danos patrimoniais a quantia de €1.033,00, sendo €762,08, --a título de remuneração base e €190,52 a título de subsídio de turno na percentagem de 25%, e €80,40 a título de subsídio de refeição--, acrescida de juros de mora vincendos contados desde os dias de vendimento das retribuições [31/10/2014 e 30/11/2014], até integral pagamento;

(b) por danos não patrimoniais a quantia de €6.000,00, acrescida de Juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação do Réu até integral cumprimento’..

Por sentença de 14.12.2015 o TAF de Sintra julgou parcialmente procedente a acção e anulou o acto impugnado, absolvendo o Município da Amadora do pedido indemnizatório.

Com aquela não se conformando, o R., Município da Amadora, interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

(I) É entendimento dos tribunais superiores que a Administração, no exercício do poder disciplinar, não tem um poder absolutamente discricionário, podendo o mesmo ser sindicado pelos tribunais, nomeadamente no que reporta à matéria de facto fixada em sede disciplinar;

(II) No entanto, para que tal possa acontecer, necessário se toma que o tribunal repita a produção de prova levada a cabo no processo disciplinar e/ou conduza a produção de nova prova, ou seja, a necessidade do tribunal sindicar o exercício do poder disciplinar pela Administração, enquanto corolário da tutela jurisdicional efetiva, terá que ter na sua génese a repetição da prova produzida ou a produção de nova prova, sob pena de o Tribunal se substituir à Administração no exercício de poderes que são próprios desta;

(III) No caso sub judice, o Tribunal limitou-se a dar corno provados o mesmos factos que constam da acusação e do relatório final, apenas alterando a ordem na sua fixação, pelo que, à luz dos ensinamentos jurisprudenciais acima expostos, não podia o Tribunal, quer na apreciação do vício apontado por falta de preenchimentos dos elementos da premeditação, quer na apreciação do erro sob os pressupostos de facto, considerar ter existido desrespeito pelo princípio in dúbio pro reo;

(IV) Na verdade, não descortina o Recorrente corno pode a douta sentença recorrida considerar, por um lado, que se dá corno provado e verificado o teor integral da acusação e do douto relatório final, e, por outro lado, julgar que essa mesma valoração não pode ser considerada juridicamente relevante, designadamente por assentar em juízos meramente indiciários e conclusivos, quando não foi produzida qualquer outra prova que permita refutar tal valoração (por exemplo: como é que a douta sentença recorrida pode afirmar que os depoimentos prestados em sede disciplinar são inconclusivos - cf. p. 25 - se o Tribunal não procedeu a tal inquirição, não tendo perceção alguma do que se disse e do como se disse?);

(V) Nesta senda, o tribunal não podia, como o fez, substituir-se à Administração na apreciação e valoração da matéria que ficou fixada em sede disciplinar, ou sequer se diga, como o faz a douta sentença recorrida, que estamos na presença de um erro grosseiro, pelo que se impunha tal intervenção, porquanto, como será bom de ver, valorar determinada matéria de uma forma simplesmente diversa daquela que foi efetuada noutra sede e por outra entidade não constitui, quanto a nós, o detetar de qualquer erro grosseiro, mas tão-somente a emissão de um juízo valorativo diferente daquele que se pretende refutar;

(VI) Assim, vigorando em processo disciplinar o princípio da livre apreciação da prova, ao Tribunal e, portanto, à douta sentença recorrida, apenas competiria verificar se o uso de tal princípio respeitou os pilares base da defesa do Arguido (designadamente ao apurar se a valoração efetuada pela Administração teve por base matéria que não foi dada como provada, ou por base realidade que em nada se assemelha com os elementos constantes dos autos);

(VII) Ao não atuar de tal forma, e não tendo sido repetida a prova produzida, o Tribunal extravasou os seu poder, substituindo-se ao Recorrente no exercício do seu poder disciplinar, o que manifestamente constitui um manifesto erro de julgamento, consubstanciado numa clara violação do princípio da separação de poderes, instituído nos artigo 2º da CRP;

(VIII) Ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, a Instrutora do processo disciplinar sob crise, após executar a valoração dos depoimentos, que nem sempre foram coincidentes, expressou e identificou, claramente, aquele que considerou decisivo para a factualidade dada como provada e, portanto, para a decisão punitiva impugnada, motivo pelo qual a douta decisão impugnada não padece de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de qualquer outra ilegalidade dessa natureza, mal andando a douta sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, devendo, na sequência, ser revogada nesta parte;

(IX) O associado do Recorrido ao manter a sua conduta ao longo do tempo, nomeadamente através das diversas informações e declarações que foi produzindo, quis declarar um realidade diversa da que ocorreu, bem sabendo que isso podia prejudicar um colega de serviço, e, portanto, o corpo de polícia em que está integrado, razão pelo qual preenche o conceito de premeditação instituído quer no ED, quer na LGTFP, tendo sido objetiva e subjetivamente concretizada e corretamente valorada, pelo que não se vislumbra que padeça a douta decisão impugnada de qualquer erro quanto à aplicação da agravante respeitante à premeditação, razão pelo qual deverá a douta sentença recorrida ser, também nesta parte, revogada, manifesto que é aqui o seu erro de julgamento;

(X) Foi alegada e demonstrada factualidade donde resulta que o associado do Recorrido com a sua conduta não prosseguiu o interesse público, nomeadamente os interesses do serviço para o qual presta o seu trabalho, mas antes intencionou prejudicar um colega de serviço, sobretudo ao reiterar inverdades no âmbito de um processo que contra aquele corria e que bem sabia que o podiam prejudicar (cf. artigos 13º e 14º da acusação e pontos 55 e 56 do relatório final), o que constitui a clara violação do dever de zelo, nos termos do disposto no artigo 73º, nºs 7 e da LGTFP e 3º, nº 7, do ED, motivo pelo qual mal andou a douta sentença recorrida ao decidir em sentido contrário, enfermando, nessa medida, em manifesto erro de julgamento também neste seu segmento).

O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo como segue:

a. O Recorrente interpretou erroneamente a douta sentença recorrida porquanto o douto Tribunal "a quo" não deu como provada a mesma matéria factual que constava da acusação e do relatório final;

b. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o douto Tribunal "a quo" procedeu à reapreciação das provas constantes dos autos, não lhe sendo exigível proceder à renovação da mesma em sede de audiência de julgamento;

c. É jurisprudência pacífica que o tribunais judiciais podem apreaciar a valoração autónoma da prova que é realizada pelos orgão administrativos e que podem anular a respectiva decisão quando a valoração que foi realizada por estes últimos violem de forma grosseira princípios jurídicos que devem nortear a sua actividade pois nesse caso não se está perante uma actividade discricionária mas sim vinculada;

d. Tal foi o que sucedeu nos presentes autos onde o douto Tribunal "a quo" anulou - e bem - a decisão punitiva em virtude concluir - e bem - que a valoração das provas realizada pela instrutora do processo disciplinar violou de forma grosseira os princípios do principio in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência que o agente Luis .........., enquanto arguido no processo disciplinar, devia ter beneficiado;

e. A decisão do douto Tribunal "a quo" é juridicamente inatacável não tendo o mesmo de alguma forma exorbitado as suas competências, pelo que o recurso da sentença deve improceder totalmente;

f. O erro nos pressupostos de facto, a alegada existência da premeditação e a questão relativa à existência do dever de zelo não podem autonomamente fundar o recurso interposto pelo Recorrente pois a sentença anulou a decisão administrativa apenas com base na violação do principio in dubio pro reo e da presunção de inocência;

g. Não obstante, não tem o Recorrente razão na sua argumentação sendo que a decisão administrativa sempre seria passível de ser anulada pelos vícios apontados, isto é, por erro nos pressupostos de facto, pela inexistência de factual idade passível de preencher o conceito de premeditação e pela inexistência de qualquer facto passível de integrar a violação do dever de zelo;

h. No que ao erro nos pressupostso de facto é notório que o agente Luís .......... não prestou, em algum momento, falsas declarações;

i. Pois como muito bem se indica na douta sentença recorrida a denunciante lris .......... escreveu pelo seu punho a reclamação, datou e assinou a mesma, tendo confirmado o seu teor aquando da sua inquirição, sendo que o agente Luís .......... nada mais fez do que cumprir o seu dever enquanto funcionário público e agente policial em particular em permitir que uma cidadã exercesse os seus direitos legais;

j. Tal sempre foi a versão que o agente Luís .......... prestou sobre os factos sendo absolutamente desconcertante, falso e profundamente injusto que o mesmo tenha sido acusado de prestar um depoimento falso. E que lhe tenham imputado que a alegada falsidade do seu depoimento visava prejudícar um seu colega de profissão;

k. É manifesto o erro nos pressupostos de facto da decisão impugnada que, de forma arbitrária, erradamente lhe imputou o facto de ter prestado falsas declarações, o que, de per si, seria suficiente para anular a decisão punitiva;

l. Igualmente, inexiste qualquer factualidade na acusação e no relatório final passível de preencher o conceito de premeditação conforme a douta sentença recorrida proficuamente expõe, tal como o havia feito em relação ao erro nos pressupostos de facto;

m. Já no que á violação do dever de zelo diz respeito, o Recorrente confunde o dever de zelo com o de interesse público;

n. Como bem salienta a decisão recorrida, o agente Luís .......... ao depor como testemunha não está claramente a exercer funções (sem prejuízo de ser absolutamente falso que alguma vez tenha faltado à verdade e/ou que pretendeu prejudicar um colega de serviço) de acordo com objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas. É assim notório que alguma vez o agente Luís .......... haja violado o dever de zelo;

o. Em suma, e contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a decisão recorrida não padece de qualquer vício que a possa invalidar, devendo a mesma manter-se inalterada na ordem jurídica e o recurso rejeitado na sua integralidade.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Após vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que o acto impugnado era inválido por violação dos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, com a consequente condena-se do Município a repor a situação do agente Luís .......... nos exactos termos em que estaria caso não tivesse sido praticado o acto invalidado.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Pelo TAF de Sintra foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1) -O Autor [A], Luís .........., natural de M.........., Amadora, reside em C.........., Loures, e é aqui patrocinado pelo Sindicato Nacional das Polícias Municipais [SNPM], com sede em Vila Nova de Gaia.

2) -O A, Luís .........., é funcionário do Município da Amadora, com o número mecanográfico ....., integrado na carreira de Polícia Municipal [PM], com a categoria de Agente Municipal de 1ª classe, a prestar serviço no Departamento de Serviço de Polícia Municipal da Amadora, e é o associado nº ….. do SNPM.

3) -O A enquanto agente Municipal de 1ª classe da Polícia Municipal da Amadora presta 07 horas de trabalho por dia (35horas por semana) e pratica o horário por turnos rotativos em regime permanente e total, encontrando-se os mesmos organizados da seguinte forma: 00h00 até às 07h00 (19 turno), das 07h00 até às 13h30 (2º turno), das 13h30 às 19h30 (3º turno) e das 19h30 até às 00h00 (4º turno).

4) -Enquanto agente Municipal de 1ª classe da carreira de policia municipal do Serviço de Polícia Municipal da Amadora, o A aufere a remuneração base no valor de €762,08 (setecentos e sessenta e dois euros e oito cêntimos), acrescido do subsídio de turno (suplemento remuneratório) correspondente a 25% da sua remuneração base, bem como a quantia de €4,27 (quatro euros e vinte e sete cêntimos) /dia a título de subsídio de refeição –recibos, doc 4, fls 73 a 76, cujo teor se dá por reproduzido.

5) -Em 01/11/2013, por despacho da Sra Presidente da Câmara da Amadora, foi determinada a abertura de um processo disciplinar ao agente Luís .........., ora A, com base no Relatório Final do processo disciplinar nº …../CP/13 de 23/10/2013 subscrito pelo Sr Dr Constantino .......... que imputava àquele a prática de determinada factualidade susceptível de integrar infracção disciplinar, designadamente violação dos deveres gerais de zelo, obediência e lealdade previstos nos nºs 1 e 3 do artigo 3º do ED.

6) -Nesse mesmo despacho, foi o ora A constituído arguido e nomeada como instrutora do processo a Sra Dra Cláudia ...........

7) Assim, após realizar a fase instrutória do processo, a Sra Instrutora, deduziu acusação contra o ora A, adiante completamente transcrita, na qual lhe imputava o facto de este, no dia 18/07/2013, ter elaborado a «Informação nº …../2013, sob a epígrafe “Queixa efectuada no Livro de Reclamações"» onde informou ao Comandante do Serviço de Polícia Municipal que «Foi efectuada uma reclamação com o nº 00….. no Livro de Reclamações sobre procedimentos impróprios por parte de um dos Agentes destacados para o serviço de venda ambulante no dia 16/07/2013 pelas 15h45. Essa reclamação foi efectuada presenci almente neste mesmo dia (16/07/2013) pelas 20:10» -doc 1, cujo teor se dá por reproduzido.

8) A referida acusação disciplinar foi comunicada ao A em 13/01/2014 – doc fls 56 do PA.

9) Mais se refere na acusação que o agente, ora A «(…) elaborou o informação nº …../13 de 11/09/20131 sob o assunto “Resposta ao despacho sobre a abertura da porta da Esquadra” onde vem referir que: «No dia 03-07-2013 quando o Exmo Sr Comandante Operacional me chamou à sua sala para me dar a conhecer a minha nota de serviço referente ao ano de 2012, a seu pedido, dei-lhe a conhecer novamente e desta vez verbalmente a situação que se prendia com a entrada da pessoa que solicitou o Livro de Reclamações no dia 16 -07-2013.

Tal como lhe mencionei, a entrada na Esquadra depois da hora afixada na porta da mesma não ocorreu, nem eu alguma vez informei que isso tenha acontecido. O que referi foi que efetuou reclamação pelas 20:10 e com isso quero dizer que foi +/- nessa hora que dei por recebida a reclamação.

Não consigo referir a hora e minutos exactos a que a entrada da pessoa ocorreu, sabendo dizer apenas que a porta encontrava-se aberta e que deveriam ser muito perto das 19:00.

Quando os Agentes que se encontravam na Venda Ambulante regressaram desse serviço já se encontrava a “queixosa” na Esquadra e quando abandonaram as instalações depois das 20:00 também ainda lá permanecia até à entrega da reclamação às 20:20 (segundo hora colocada pela “queixosa”). O porquê da pessoa ter demorado a preencher o livro de reclamações só a mesma poderá informar (…)”».

10) –Consta ainda na referida acusação que, o agente luís .......... prestou declarações como testemunha no âmbito do processo disciplinar …../CP/13, instaurado contra o agente Paulo .......... e que nesse âmbito afirmou em auto de declarações: «(…) sobre os factos relacionados com o preenchi mento do livro de reclamações, refere que no dia que consta das suas informações, mas que não se recorda, por volta das 19:00h entraram duas senhora na esquadra que solicitaram o referido livro, tendo a testemunha disponibilizado o mesmo, não tendo questionado a razão da queixa, cujo teor apenas conheceu com a sua entrega. Acrescenta que a munícipe terminou de preencher a queixa por volta das 20:00H. Questionado sobre a razão do lapso de tempo decorrido, diz que a munícipe durante aquele tempo esteve a fazer um rascunho da queixa e pelo menos um telefonema. Questionado qual a razão para que outras pessoas que estavam na esquadra e saíram por volta das 20:15 não terem visto no local as munícipes, refere que não se recorda de ter visto outras pessoas a passar no atendimento naquele intervalo temporal. Questionado também sobre quem era a colega que a testemunha foi render e que esteve com o mesmo por um período de pelo menos meia hora, refere não se recordar de quem era.

Questionada ainda a testemunha porque permitiu que estivessem duas munícipes na esquadra depois do horário de encerramento desta, referiu que no seu entendimento as mesmas não representavam qualquer perigo para a segurança da esquadra eestavam a realizar a queixa no livro dereclamações. (…)».

11) -É ainda alegado na acusação que no momento da prestação de tais declarações, o agente Luís .......... foi advertido que se encontrava obrigado a responder com verdade e que apesar dessa advertência não alterou as suas declarações, tendo por conseguinte alegadamente faltado à verdade em virtude de na data e hora em questão, os funcionários Paulo .........., Susana .......... e Comandante Mário .......... estarem presentes na esquadra e terem referido que não assistiram à presença das referidas duas senhoras, nem de nenhuma outra pessoa estranha ao serviço, na secção de atendimento da esquadra – artigos 7 a 11 da acusação.

12) -A referida acusação conclui que, pelos factos supra expostos, o agente Luís .......... terá agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que estava a prestar falsas declarações perante instrutor, determinando que este fizesse constar do processo disciplinar …../CP/13 factos que não correspondiam à verdade, factos esses que seriam considerados e ponderados na formulação de juízo contra o funcionário Paulo .........., arguido nesse no processo disciplinar.

13) -A referida acusação imputa ao agente Luís .........., ora A, o cometimento de infracção disciplinar dolosa por violação do dever de zelo previsto no artigo 3º-2-f) e 7 do ED [punível com a pena de suspensão nos termos do artigo 17 do ED]; do dever de lealdade previsto no artigo 3º-2-g) e 9, do ED [punível com a pena de suspensão nos termos do artigo 17, do ED], bem como as circunstâncias agravantes especiais da premeditação e a vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, independentemente de estes se terem verificado [artigo 24-1-a) e f), e 2 do ED].

14) -O referido agente, ora A, apresentou a sua defesa, arguindo deficiências da clareza e congruência da acusação, com reflexo no seu direito de defesa e requerendo diligências, pelo requerimento de fls 38, constituído pelo doc 2, cujo teor se dá por reproduzido.

15) -Em 07/07/2014, após a realização das diligências probatórias requeridas pelo A, a Sra Instrutora elaborou [artigo 54-1 do ED], o relatório final, no qual considerou que não existia a nulidade invocada por aquele por a acusação ser elaborada de forma clara, simples e objectiva, e que se encontravam perfeitamente concretizados e individualizados, --de facto e de direito--, os factos delituosos de que aquele vinha acusado e que a defesa revelou a total compreensão dos factos integradores das infracções, bem como as circunstâncias de tempo modo e lugar em que tais factos ocorreram -doc 3, cujo teor se dá por reproduzido.

16) -Na argumentação expendida pela defesa do A, de que os factos constantes da acusação chocariam com o documento da reclamação subscrita pela munícipe Iris .......... no Livro de Reclamações, a Sra Instrutora, no relatório, considerou que a acusação teve como objecto a prestação de falsas declarações no depoimento prestado pelo ora A, no âmbito do processo disciplinar ...../CP/13, e que todas as circunstâncias acerca do registo da reclamação subscrita pela supra referida munícipe apenas visavam concretizar os factos integrantes e circunstanciais da infracção.

17) -Em 16/07/2014, o referido relatório final foi submetido a reunião ordinária da Câmara Municipal da Amadora, que, sobre a proposta nº ...../2014, deliberou, por 8 (oito) votos a favor e 3 (três) em branco, aplicar a pena suspensão por 20 (vinte) dias ao agente Luís .........., nos termos dos artigos 9-1-c), 10- 3-4, 11-2-3, e 17-1, todos do ED -doc 3, cujo teor se dá por reproduzido – acto impugnado.

18) -No dia 01/08/2014, por carta registada com A/R, o R levou ao conhecimento do A, a decisão punitiva acabada de referir.

19) -A decisão punitiva de 20 dias de suspensão, acabada de referir, já foi executada e, consequentemente, agente Luís .........., ora A, não exerceu funções do dia 25/09/2014 até ao dia 14/10/2014 inclusive, com o consequente não pagamento das respectivas remunerações.

20) -No dia 16/07/2013, o ora A encontrava-se escalado para o turno compreendido entre as 19h30 e as 00h00 no Serviço de Atendimento da Polícia Municipal da Amadora.

21) -Tendo chegado ao serviço por volta das 18h45, o mesmo A, após fardar-se, dirigiu-se para junto da sua colega Susana .........., por volta das 19h00.

22) -Por sua vez, o ora A escreveu que a reclamação foi realizada às 20h10, hora que obteve

do computador de trabalho presente na esquadra; e o horário fixado na porta da esquadra da Polícia Municipal refere que o atendimento ao público faz-se todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados, dias estes (sábados, domingos e feriados) em que é apenas escalado pela hierarquia um agente para estar de serviço na esquadra.

23) -Conforme instruções do Comandante Mário .......... para tais situações, o agente Luís .......... elaborou a informação nº ...../2013 em 18/07/2013, sob a epígrafe “queixa efetuada no Livro de Reclamações”, onde relatou que «Foi efetuada uma reclamação com o nº 00..... no Livro de Reclamações, sobre procedimentos impróprios por parte de um dos Agentes destacados para Serviço de Venda Ambulante no dia 16 -07-2013 pelas 15:45. Essa reclamação foi efetuada presencialmente neste mesmo dia (16-07-2013) pelas 20:10”»

24) -Igualmente, o agente Luís .......... já havia exposto o ocorrido no seu relatório de serviço relativo ao dia 16/07/2013.

25) -Sobre a referida informação ...../2013 de 18/07/2013 recaiu o despacho do Comandante Mário .........., do mesmo dia 18/07/2013, no qual se exigia ao ora A para informar se havia solicitado à reclamante o documento de identificação antes da formalização da queixa, bem como se havia informado a mesma que o livro de Reclamações se destina a ocorrências no serviço de atendimento e não a factos ocorridos no exterior.

26) -No dia 06/08/2013, em cumprimento do despacho do Comandante Mário .........., o ora A elaborou a Informação nº ...../2013, na qual informou que solicitou o documento de identificação da Sra Iris .........., tendo confirmado por comparação a identificação constante da reclamação; mais informou que a Sra Iris .......... não lhe comunicou o teor da reclamação, tendo apenas tomado conhecimento do mesmo aquando da entrega do duplicado da reclamação àquela. Na referida Informação, o agente Luís .......... aproveitou para realizar o enquadramento normativo atinente a livro de reclamações - doc 2, já referido.

27) -Em 07/08/2013, o Comandante Mário .......... exarou despacho datado 07/08/2013, na supra referida Informação nº ...../2013, mediante o qual determinou que o agente ora A explicasse «(…) porquê de ter aberto a porta ou facilitado a entrada da reclamante à hora em que o fez, sabendo que a esquadra já seencontrava fechada ao público».

28) -No dia 11/09/2013, o agente Luís .......... redigiu a informação nº ...../13, onde relatou novamente ao Comandante Mário .......... o sucedido relativamente à questão da reclamação efectuada peja Sra Iris .......... do dia 16/07/2013, versando sobre a hora de entrada das munícipes no Serviço de Atendimento e onde, entre outra informação, consta que «Quanto os Agentes que estavam na Venda Ambulante regressaram desse serviço já se encontrava a "queixosa" na Esquadra e quando abandonaram as instalações depois das 20:00 também ainda lá permanecia até à entrega da reclamação às 20:20 (segundo hora colocada pela "queixosa”). O porquê da pessoa ter demorado a preencher o livro de reclamações só a mesma poderá informar» -doc 2, já junto.

29) -Sobre a informação nº ...../13 incidiu o despacho de 12/09/2013 do Comandante Mário .......... mediante o qual afirma que, referindo-se ao penúltimo parágrafo daquela informação (supra transcrito) que o relato efectuado pelo agente Luís .......... não correspondia à verdade pois nesse dia aquele teria abandonado as instalações às 20h10 e não se encontrava ninguém no serviço de atendimento, bem como não seria normal que alguém que tivesse entrado no Serviço de Atendimento às 19h00 aí tivesse permanecido até às 20h20.

30) -Posteriormente, o agente luís .......... prestou declarações sobre o mesmo tema no âmbito do processo disciplinar ...../CP/13, onde foi arguido Paulo .........., tendo nessa sede reiterado a versão dos factos que já havia transmitido ao Comandante Mário ...........

31) -No ponto 39 do relatório final é que referido que: «Com efeito, na data e hora em questão, os funcionários Paulo .........., Susana .......... e o Comandante Mário .........., estavam presentes na esquadra e não assistiram à presença das referidas duas senhoras, nem de nenhuma outra pessoa estranha ao serviço, na secção de atendimento da esquadra. - videdepoimentos a fls 25, 26 e 44 do presente processo».

32) -Começando pelo depoimento do Comandante Mário .........., prestado no âmbito do processo disciplinar a fls 44, este afirma «(...) no dia 16 de Julho de 2013, saiu da esquadra por volta das 20:10 horas, como o faz normalmente, não tendo notado a presença de pessoas estranhas ao serviço na esquadra na lona de atendimento ao público, nem em qualquer outro local da esquadra.».

33) -O despacho do Comandante Mário .......... que recaiu sobre a informação nº ...../2013, datado de 18/07/2013, é do seguinte teor: «Peço ao Sr .......... para informar se solicitou documento de identificação à reclamante antes da formalização da queixa bem como se informou a mesma que o Livro de Reclamações se destina a ocorrências no serviço de atendimento e não a factos ocorridos no exterior».

34) -O agente Paulo .......... declarou que quando saiu das instalações da polícia municipal por volta das 20h15/20h20 apenas estava presente o agente Luís .......... no serviço de atendimento e que posteriormente veio a saber que o Comandante Mário .......... da Polícia Municipal saiu por volta das 20h15 da esquadra.

35) -Também a agente Susana .......... prestou o depoimento de fls 26 do processo disciplinar, que se encontrava no serviço de polícia municipal e que foi rendida pelo agente Luís ...........

36) -O relatório final refere, ente o mais, que « (…) não obstante a existência física do registo da reclamação no Livro de Reclamações -- vide fls 148 do presente processo -- o mesmo não ocorreu no dia 16/07/2013 entre as 19:00hs e as 19:40h, porquanto a essa hora não se encontrava ninguém estranho ao serviço na secção de atendimento. Consideramos que tal terá sido parte de um estratagema montado para de modo fraudulento tentar fazer prova de factos contra o agente Paulo .......... na sequência de um desentendimento ocorrido nesse dia entre este e outro agente. No caso, a prestação de falso testemunho em processo disciplinar, importaria para o funcionário visado a aplicação de uma pena disciplinar e o registo da mesma no seu histórico disciplinar»; e que «(…) o trabalhador em causa revelou desconhecimento das normas de serviço, bem como um exercício das suas funções em desacordo com os objectivos de serviço (…) revelou deslealdade quer para com o serviço, quer para com os demais agentes da polícia municipal, permitindo que terceiros se aproveitassem do serviço para atingir intuitos estranhos ao mesmo» --pontos 60 a 63 e 66 a 68 do relatório final, cujo teor se dá por reproduzido.

37) -No relatório final conclui-se que se encontra demostrada a premeditação dizendo que:

«(…) resulta que o arguido prestou falsas declarações perante instrutor, no âmbito do processo disciplinar, determinando que este fizesse constar do processo disciplinar factos que não correspondiam à verdade. O arguido sabia que as suas declarações seriam consideradas e ponderadas na formulação do juízo contra o funcionário Paulo .........., arguido no processo disciplinar nº ...../CP/13 instaurado na sequência da reclamação das ditas senhoras de 16/07/2013 e da participação do Agente Cristiano .......... de 22/07/2013. Não obstante, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida e punida legalmente. Resulta ainda de igual modo que o arguido manteve ao longo do tempo, o intento de demostrar a apresentação de uma reclamação contra um funcionário no tempo e modo legais, tendo elaborado a 18/0712013 a Informação nº ...../2013, a 11/0912013 a Informação n º ...../13 e prestado declarações a ...........» - pontos 55 a 58 do relatório final, cujo teor se dá por reproduzido.

38) -Em virtude da pena referida, somente foi paga ao ora A, no mês de Outubro de 2014, a quantia de €152,42 (cento e cinquenta e dois euros e quarenta e dois cêntimos) --recibo doc 4, cujo teor se dá por reproduzido.

39) -A presente acção deu entrada em juízo em 25/11/2014 – fls 2 e 3.

40) -A matéria da acusação acima referida, em que se apoiou o relatório final e a deliberação impugnada é do seguinte teor [que aqui se reproduz por completo, visto que acima, por virtude dos articulados, foi apresentada frag mentada, e cujo original se encontra a fls 51 a 53 vº do PA]: «« (…) procedimento disciplinar contra o funcionário Luís .......... , Agente da Polícia Municipal, deduz-se contra o funcionário a presente ACUSAÇÃO, nos termos e pelos fundamentos seguintes:

1./O Arguido, Luís .........., é funcionário da edilidade com o nº mecanográfico ..... e exerce funções de Agente de Polícia Municipal no Serviço de Polícia Municipal da Amadora.

2./Nessa qualidade, o arguido elaborou a Informação nº .....2013 de 18/ 07/2013, sob a epígrafe «Queixa efetuada no Livro de Reclamações» onde informou ao Comandante do Serviço de Polícia Municipal que:

«Foi efetuada uma reclamação com o nº 00..... no Livro de Reclamações, sobre procedimentos

impróprios por parte de um dos Agentes destacados para o Serviço de Venda Ambulante no dia 16’07’2013 pelas 15:45. Essa reclamação foi efetuada presencialmente neste mesmo dia (16 -07-2013) pelas 20:10», 3./Bem como o arguido elaborou a Informação nº ...../13 de 11/09/2013, sob o assunto « Resposta ao despacho sobre abertura de porta da Esquadra» onde vem referir que:

«No dia 03-07-2013 quando o Exmo Sr Comandante Operacional me chamou à sua sala para me dar a conhecer a minha nota de serviço referente ao ano de 2012, a seu pedido, dei-lhe a conhecer novamente e desta vez verbalmente a situação que se prendia com a entrada da pessoa que solicitou Livro de Reclamações no dia 16-07-2013.

Tal como lhe mencionei, a entrada na Esquadra depois da hora afixada na porta da mesma não ocorreu, nem eu alguma vez informei que isso tenha acontecido. O que referi foi que efetuou reclamação pelas 20:10 e com isso quero dizer que foi +/- nessa hora que dei por recebida a reclamação.

Não consigo referir a hora e os minutos exactos a que a entrada da pessoa ocorreu, sabendo dizer apenas que a porta encontrava-se aberta e que deveriam ser muito perto das 19:00.

Quando os Agentes que estavam na Venda Ambulante regressaram desse serviço já se encontrava a “queixosa’’ na Esquadra e quando abandonaram as instalações depois das 20:00 também ainda lá permanecia até à entrega da reclamação às 20:20 (segundo hora colocada pela “queixosa”). O porquê da pessoa ter demorado a preencher o livro de reclamações só a mesma poderá informar (…)».

4./Ainda nessa qualidade, o arguido prestou declarações como testemunha no âmbito do processo disciplinar nº ...../CP/13, instaurado contra o funcionário Paulo .......... . 5./Nesse âmbito, o arguido afirmou em auto de declarações:

«… sobre os factos relacionados com o preenchimento do livro de reclamações, refere que no dia que consta das suas informações, mas que não se recorda, por volta das 19 :00h entraram duas senhoras na esquadra que solicitaram o referido livro, tendo a testemunha disponibilizado o mesmo, não tendo questionado a razão da queixa, cujo teor apenas conheceu com a sua entrega. Acrescenta que a munícipe terminou de preencher a queixa por volta das 20:00H. Questionado sobre a razão do lapso de tempo decorrido, diz que a munícipe durante aquele tempo esteve a fazer um rascunho da queixa e pelo menos um telefonema. Questionado qual a razão para que outras pessoas que estavam na esquadra e saíram por volta das 20:15 não terem visto no local as munícipes, refere que não se recorda de ter visto outras pessoas a passar no atendimento naquele intervalo temporal. Questionado também sobre quem era a colega que a testemunha foi render e que esteve com o mesmo por um período de pelo menos meia hora, refere não se recordar de quem era.

Questionada ainda a testemunha porque permitiu que estivessem duas munícipes na esquadra depois do horário de encerramento desta, referiu que no seu entendimento as mesmas não representavam qualquer perigo para a segurança da esquadra e estavam a realizar a queixa no livro de reclamações. (…)»

6./No momento da prestação de tais declarações, referidas no nº 5 da pressente acusação, a testemunha foi advertida que se encontrava obrigada a responder com verdade, ficando tal advertência ficado a constar do auto de declarações de 20/09/2013 constantea fls 54 do Processo disciplinar nº ...../CP/13.

7./Apesar de ciente da advertência feita, as declarações prestadas pelo arguido não correspondem à verdade, o que o mesmo sabia.

8./Com efeito, na data e hora em questão, os funcionários Paulo .........., Susana .......... e o Comandante Mário .......... estavam presentes na esquadra.

9./Contudo, os funcionários referidos no número anterior não assistiram à presença das referidas duas senhoras, nem de nenhuma outra pessoa estranha ao serviço, na secção de atendimento da esquadra.

10./Pelo que na hora e data referidas não se encontrava ninguém na secção de atendimento da esquadra a escrever no livro de reclamações.

11./E consequentemente, o arguido prestou falsas declarações perante instrutor, no âmbito do processo disciplinar.

12./O arguido sabia que prestava as declarações supra referidas perante instrutor, determinando que este fizesse constar do processo disciplinar factos que não correspondiam à verdade.

13./O arguido sabia que esses alegados factos seriam considerados e ponderados na formulação do juízo contra o funcionário Paulo .........., arguido no Processo disciplinar n º ...../CP/13.

14./Não obstante saber que estes factos não correspondiam à verdade, o do manteve ao longo do tempo, o intento de demonstrar apresentação de uma reclamação contra um funcionário, no tempo e modo legais. 15./O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida e punida legalmente.

16./O artº 3 nº 1 do ED considera infração disciplinar “o comportamento do trabalhador, por ação ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce.”

17./ Os factos descritos na presente acusação indiciam a prática de uma infra ção disciplinar dolosa por violação do dever de zelo, previsto no artº 3 nº 2 al f) e nº e 7 do ED, sendo punível nos termos das disposições do artº 17 do ED, com a pena de suspensão.

18./Como ainda indiciam a prática de uma infração disciplinar dolosa por violação do dever de lealdade, previsto no artº 3º n º2 al g) e nº e 9 do ED, sendo punível nos termos das disposições do artº 17 do ED, com a pena de suspensão.

19/O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e

instruções dos superiores hierárquicos, bem )mo exercer as funções de acordo com os objetivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.

20./O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções com subordinação aos objetivos do órgão ou serviço.

21./Não milita a favor do arguido qualquer das circunstâncias atenuantes especiais.

22./Milita contra o arguido como circunstancias agravantes especiais, a premeditação prevista respetivamente no artigo 24º nº 1 al c) e nº 2 e a vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, independentemente de estes se terem verificado; prevista no artigo 24º nº 1 al a) do ED.

É competente para a aplicação da pena a Câmara Municipal da Amadora, atento o disposto no nº 4 do artº 14 do Estatuto Disciplinar.

Nestes termos e ao abrigo do artº 59 nº 1 do Estatuto Disciplinar, concede-se ao arguido o prazo de 10 dias úteis para apresentar, por escrito, a sua defesa. (…) »» --doc fls 51 a 53 do PA

41) -Prestaram depoimento, entre outros, em Autos de Inquirição, o Técnico Superior, Constantino .........., e os agentes da PM, Susana .........., Paulo .........., Nelson .........., Alexandre .........., Bruno .........., André .........., Gonçalo .........., Cristiano .........., e Bruno .........., conforme autos de fls 23 a 26 e de fls 114 a 139, cujos teores se dão por reproduzidos.

42) -Em 16/07/2013, a cidadã Iris .......... efectuou a reclamação (manuscrita) acima mencionada, de fls 148, do PA, da qual ora se destaca o seguinte: « (…)No dia 16 de Julho de 2013 *o algarismo «16» está emendado], eu, Iris .......... (…), cartão de cidadão (…), estava a sair do autocarro, junto à estação da Amadora, na freguesia da Mina, pelas 15h45, onde, qual o meu espanto, que ao sair do autocarro vejo agentes da Polícia Municipal, um dos agentes, que estava de óculos escuros ofendeu verbalmente e quase fisicamente o seu colega de trabalho, este usava uns óculos de ver e tinha o cabelo rapado. Sendo este um comportamento incompreensível para quem é um agente da autoridade, venho por este meio solicitar a V. Ex, que se digne a suprimir este tipo de comportamento que são inconcebíveis na sociedade de hoje, ainda mais num serviço policial, onde a missão destes agentes será por(…?) pela segurança dos cidadãos, e não de se andarem a agredir e ofender enquanto fardados: visto isto não podemos ter confiança em Agentes (?) que nos deviam proteger.

Data: 16/07/2013 [o algarismo «16» está emendado]. Hora 20h20. (…) Iris (…)» - doc fls 148, do PA.

43) -A subscritora da Reclamação referida, Iris .........., prestou as declarações constantes do Relatório de fls 1 a 12vº do PA, ali transcritas a fls 6vº e cujo teor se dá por reproduzido.

Factos alegados e não provados, com interesse para a presente decisão: não há.

O tribunal a quo fundamentou a decisão sobre a matéria de facto do seguinte modo:

O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica dos documentos referidos em cada ponto antecedente, cuja genuinidade e autenticidade não é impugnada ou controvertida, nem deixa dúvida, no alegado e contra-alegado pelas partes e respetivos acordos [vide PI e artigo 1º da Cont], tudo conjugado com o disposto nos artigos 341, 342/ss e 362/ss, do CC, e no artigo 607-4, do CPC. Quanto à conjugação de factos representados nos documentos, bem como dos depoimentos do processo disciplinar, o tribunal terá em conta as regras da experiência comum, da plausibilidade, lógica, normalidade, credibilidade e verosimilhança, da verosimilhança e plausibilidade, inerentes ao princípio da livre apreciação. Deve notar-se que, apesar de ser transcrever a acusação na íntegra, optou-se por se manter o alegado, de modo fragmentado, na PI, pelo A.



II.2. De direito

O presente recurso jurisdicional foi interposto pelo Município de Sintra da sentença proferida pelo TAF de Sintra, na parte em que nesta se decidiu anular a decisão condenatória impugnada, consistente na deliberação da Câmara Municipal do Município da Amadora, de 16.07.2014, sobre o Relatório/proposta nº ...../2014, por violação dos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, bem como condenar-se o mesmo Município a repor a situação do agente Luís .......... nos exactos termos em que estaria caso não tivesse sido praticado o acto.

Afirmou-se na sentença recorrida, de modo a fundamentar a invalidade do acto praticado:

“(…)

Como resulta da acusação disciplinar, as declarações do ora A foram prestadas no dia 20/09/2013, no auto constante a fls 54 do Processo disciplinar nº ...../CP/13, onde depôs como testemunha.

2.2.O regime legal aplicável ao caso

Para começar, como se pode ver, a acusação disciplinar não tem data. Tendo sido comunicada ao A, no dia 13/01/2014, podemos concluir que foi proferida nesse dia ou cerca de dia anteriores a tal data.

Assim, ao tempo da prestação de declarações [20/09/2013], bem como da dedução da acusação disciplinar, em princípios de Janeiro/2014, encontrava-se em vigor a Lei 58/2008, de 09/09 [Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas - ED- FP/2008]. Sendo os factos situados no dia 20/09/2013, seria aplicável a lei vigente ao tempo, ou seja a lei reguladora do ilícito, nos termos dos artigos 12, do CC, e do 1º-1, do Código Penal [CP], ex vi 32, da CRP, a saber, a referida Lei 58/2008 [ED/FP].

Todavia, a Lei 35/2014, de 20/06, [Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas –LGT-FP e ED- FP/2014], no seu artigo 9, preambular, determinou, no que interessa, que esta nova LGT se aplica aos vínculos de emprego constituídos antes da sua entrada em vigor. E a mesma Lei 35/2014 entrou em vigor no dia 01/08/2014 [artigo 44 preambular].

Por seu turno, o seu artigo 11 preambular determinou que o regime disciplinar, previsto nesta LGT, é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em curso de execução na data da sua entrada em vigor, quando se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa.

O artigo 42, preambular, da nova LGT-FP, revogou, entre muitos outros diplomas, a Lei 58/2008, de 09/09, [ED-FP/2008], com as suas alterações, a Lei 59/2008, de 11/09, [CT-FP], com as respectivas alterações, bem como o DL 100/99, de 31/03, com as suas alterações, devendo todas as referências aos diplomas revogados ser feitas para as correspondentes normas da nova LGT-FP.

Assim, deve aplicar-se ao caso a actual Lei 35/2014, de 20/06, se se mostrar mais favorável, em concreto, ao trabalhador e melhor garantir a sua audiência e defesa, sem prejuízo de dever ser aplicada, por princípio, a Lei 58/2008, de 09/09 [ED-FP/2008], então vigente.

Quanto à fase da audiência e defesa, uma vez que já é decorrência do terminus do processo disciplinar, em princípio, não haverá lugar à aplicação do novo regime; em todo o caso, sempre se terá em conta o princípio da aplicação da lei mais favorável, em concreto, ao arguido. Por fim, deve referir-se que, um e outro regime são essencialmente idênticos.

Este princípio da aplicação do regime concretamente mais favorável aos arguidos, nos casos de sucessão de leis no tempo, já resulta do artigo 2º-4, do CP. Por outro lado, se ambas as leis forem igualmente favoráveis, deve aplicar-se a lei nova. Em qualquer caso, ao aplicar-se a lei concretamente mais favorável, seja a lei antiga seja a lei nova, deve aplicar-se o regime legal em bloco, no seu todo, – eventualmente, se for o caso, só o regime de um dos institutos, no seu todo—, sem respigar aspectos ora do regime da lei antiga ora do regime da lei nova3. Importa ter presente por fim que, embora com menor intensidade garantística do que a matéria criminal 4, à matéria disciplinar substantiva é aplicável, como direito subsidiário, o Código Penal [CP]; e à matéria processual é aplicável subsidiariamente o Código de Processo Penal [CPP], por via directa resultante do artigo 29 [vg, princípios da tipicidade, legalidade, e ne bis in idem], e do artigo 32-10, aplicáveis no direito sancionatório [princípios da presunção de inocência, do acusatório, do contraditório, da audiência, e da defesa, do in dúbio pro reo] e ainda do artigo 269-3, todos da CRP. Com efeito, enquanto direito sancionatório, o direito disciplinar colhe das mesmas fontes constitucionais do direito penal e contra-ordenacional a maioria dos princípios5, como nos dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA6, e, no mesmo sentido, RUI CORREIA DE SOUSA7.

2.3.A fim de arrumar questões comecemos pela alegação do A respeitante à não pronúncia sobre a suspensão da execução da pena de suspensão por 20 dias, que lhe foi aplicada.

Alega o A que a decisão impugnada não se pronunciou sobre a suspensão da execução da pena de suspensão. Refere que a decisão punitiva impugnada deveria ter-se pronunciado sobre a suspensão [ou não] da execução da pena de suspensão, por ser possível nos termos do artigo 25-1, do ED [e 192-1, da LGT-FP], e, por tal pronúncia, sobre a suspensão [ou não] da execução, ser constituir um poder-dever da Administração, devendo explanar se se encontravam ou não preenchidos os respectivos pressupostos.

No entanto não lhe assiste razão.

Com efeito, tal como no direito penal, o julgador não tem de justificar e explanar sobe as penas que não aplica, mas sim sobre os pressupostos das penas que aplica. Assim, a decisão disciplinar, tal como a criminal, não tem de justificar as razões por que não aplica qualquer uma das várias penas possíveis, ou do tipo de penas possíveis, ou do tipo de regime da pena possíveis, ou execução da pena e da eventual suspensão da sua execução, mas antes sobre as razões por que aplica determinada pena ou a suspende. O julgador tem de escolher, optando, a pena adequada ao caso, em sua consciência, de entre as penas legalmente previstas para o caso, ajuizar sobre a verificação dos seus pressupostos e, posto que os considere reunidos, encontrar a medida concreta adequada, proporcional e suficiente para realizar os fins da punição, a saber, de proteção dos bens jurídicos tutelados, de prevenção especial e geral, e de retribuição.

Se o julgador entende que é adequado suspender a execução de uma pena, verifica os seus pressupostos, adequa e aplica, decretando a suspensão da execução dessa pena. Caso contrário, não tem de justificar por que razão não suspendeu a execução [ou não aplicou outro regime se o caso o permitir]. A fundamentação legal respeita, pois, em matéria disciplinar, tal como em matéria criminal, apenas e só à pena aplicada e não à pena não aplicada.

Só não será exactamente assim quando e se a lei impuser num determinado sentido, ou uma determinada pena ou regime e der ao julgador a possibilidade de afastar esse sentido, pena ou regime, caso em que o julgador deve expor os motivos por que não segue esse caminho. Ainda assim, trata-se também de fundamentar, pela positiva, a pena que se aplica e não, pena negativa, a pena que não se aplica, que fica afastada por exclusão de partes.

Ora, nos termos do artigo 25 do ED/2008 e 192/LGT-FP, as penas de (a) repreensão escrita,

(b) multa, e (c) suspensão «podem ser suspensas quando, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior à infracção e às circunstâncias desta, se conclua que a simples censura do comportamento e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» [todos os destaque s dos te x tos l e gais e ntre “ comas” e outros textos sem ressalva em contrário são sempre nossos].

Dispõe o artigo 17 do ED/2008 e 186/LGT-FP, que «a pena de suspensão é aplicável aos trabalhadores que actuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função, nomeadamente quando: (…)».

Nunca é demais repetir que, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9, do CC8]. No entanto, o intérprete não pode substituir-se no papel do julgador. E em matéria sancionatória, no caso, matéria disciplinar, tal como no direito penal, deve ter-se presente que, considerando a presença de direitos, liberdades e garantias fundamentais e de tipos legais incriminadores, sujeitos a princípios de legalidade estrita, o intérprete tem de ser ainda mais parcimonioso na interpretação. Por isso, neste tipo de direito, é proibida, por exemplo, a analogia e o legislador apenas permite a interpretação extensiva, excepcionalmente, se for favorável ao agente e tiver na letra da lei correspondência verbal que permita a extensão [artigo 1º-3, do CP].

O citado artigo 25 do ED/2008 e 192/LGT-FP, ao dispor que as penas de repreensão escrita, multa, e suspensão «podem ser suspensas», nas circunstâncias que ali define, está apenas ao julgador o poder, --poder-dever, como alega o A--, de optar ou não pela suspensão da execução. Mas não está a dizer que, sempre e em qualquer caso, o julgador disciplinar tenha de justificar por que razão não suspende a execução da pena. O que diz é o contrário, a saber, que, se optar pela suspensão da execução da pena, diga por que razão a suspende; o que equivale, no fundo e na prática, a dizer que deve verificar se estão reunidos os pressupostos dessa suspensão.

O artigo 17 do ED/2008 e 186/LGT-FP, ao empregar a expressão verbal «nomeadamente» apenas está a exemplificar os casos em que se verifica uma actuação «com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais» bem como de «comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função» a que se refe o corpo do preceito. Assim, preenchem este conceito, definido no corpo da norma, as circunstâncias ali explanadas nas várias alíneas, e quaisquer outras ali não explanadas mas que sejam subsumíveis no referido conceito de grave negligência, de grave desinteresse, bem como de grave lesão da dignidade e do prestígio da função.

Uma vez que a decisão impugnada, como as peças em que a mesma assentou, não refere qualquer alínea dos artigos em referência, e que a alínea «h)» se refere a à prestação de «falsas declarações», mas apenas «sobre justificação de faltas», temos de concluir que a mesma se integra no conceito estabelecido no corpo normativo dos mesmos. O caso poderia, no entanto, também e, a nosso ver, enquadrar-se na alínea «h)», precisamente, a coberto da interpretação extensiva, porque, tem um mínimo de correspondência verbal, -- «falsas declarações»--, não prejudicaria qualquer direito do acusado, e, se para efeito de justificação de faltas, integra o referido conceito, então, por maioria de razão, para efeitos de depoimento como testemunha, por ser igual ou mais grave, as «falsas declarações» podiam integrar essa alínea «h». Mas de algum modo se compreende que o legislador apenas tenha dado relevância às falsas declarações «sobre justificação de faltas», pois que, as falsas de declarações, como testemunha, constituem crime, --artigo 360, do CP [como também as agressões e injúrias referidas na al «j)»]. O que dá lugar a comunicação ao Ministério Público [artigo 8º do ED/2008], para processo criminal [artigo 360, do CP]; e que foi, precisamente, como aconteceu, pois, como se vê do relatório final do Processo disciplinar ...../CP/13, foi feita essa comunicação ao MP. Por outro lado, o processo disciplinar é autónomo do criminal [artigo 7-2-3, do ED/2008 e 179-3-4, LGT-FP]. Por fim, o legislador disciplinar não usa, nos preceitos vistos, a expressão «crime» como infracção, a propósito da violação de deveres.

Esclarecido este ponto, para precisão da questão que nos ocupa, resta concluir que, a decisão impugnada, como o relatório e proposta em que assentou, não padecem do alegado vício de não pronúncia sobre a suspensão da execução da pena de suspensão por 20 dias.

Deve ainda dizer-se que, tal como no direito criminal [artigo 118/s do CPP], vigora o princípio da taxatividade das nulidades. O artigo 37 do ED-FP/2008 [203, do ED-FP/2014] estabelece que «é insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade»; e que as restantes nulidades «consideram-se supridas quando não sejam reclamadas pelo arguido até à decisão final». O artigo 37, do ED-FP/2008, consagra, assim, o princípio da tipicidade ou taxatividade das nulidades, mas, apenas comina a nulidade para a falta de audição do arguido «em artigos de acusação» ou para a omissão de diligências «essenciais» para a descoberta da verdade. O que não foi o caso.

Ora, nem o artigo 37, do ED/2008, nem o artigo 203, do ED/2014, nem outro nesta matéria cominam qualquer nulidade. Não existe, por tudo o exposto, qualquer nulidade neste ponto.

A decisão efectua a explanação pertinente quanto à pena aplicada e aos seus pressupostos pelo que não tinha de explanar, --em rigor, nem podia--, sobre a não suspensão da execução, ou a não aplicação de qualquer outra alternativa, improcedendo, pois, esta pretensão.

(…)

2.6. Quanto ao erro sobre pressupostos, à premeditação e livre apreciação

Como refere o R, nos artigos 43 a 119, da PI, o A invoca erro nos pressupostos de facto. Também o A alega que inexistem circunstâncias agravantes, designadamente a premeditação, e que não existe infração do autor ao prestar declarações como prestou. Mais refere não compreender a imputada premeditação e qualquer vontade determinada de, pela conduta seguida, o arguido tivesse querido prejudicar o órgão ou Serviço ou o interesse público geral. E ainda que, nenhuma factualidade permite preencher o conceito de premeditação previsto no artigo 24-2, ED/2008 [191-2, LGT-FP].

É sabido que a prova, designadamente por testemunho, é apreciada segundo o princípio da livre apreciação do julgador. É correcto o recurso pelo R ao artigo 127, do CPP. Este princípio também consta do artigo 607-6, do CPC, a propósito das sentenças judiciais.

Nos termos do artigo 127, do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada «segundo as regras da experiência e a livre convicção» da entidade competente.

Duas coisas distintas e complementares: regras da experiência e livre convicção. As regras da experiência comum da vida, prendem-se com diversos requisitos, entre eles a lógica comum e a sensatez. A livre apreciação não significa que o julgador seja completamente livre na ponderação. Essa livre apreciação, é e deve ser, sem dúvida, livre e possui um certo domínio de poder discricionário, mas não pode, sob pena de arbitrariedade, deixar de amparar-se em determinados critérios objectivos. Por isso o julgador tem de fazer apelo às regras da experiência comum, perseguindo a verdade material e juízos de certeza, assente na plausibilidade, lógica, normalidade, credibilidade e verosimilhança, exigíveis em Direito13. Ora, neste ponto, temos de dar razão ao Autor.

Com efeito, como se pode ver do relatório final/decisão, os elementos subjectivos do ilícito e da premeditação acabam se mostrar assentes, não na prestação das ditas falsas declarações, objecto da acusação, mas, em muito mais do que isso.

Assim, por exemplo, no transcrito ponto 68 do relatório, diz-se que «o trabalhador em causa revelou deslealdade quer para com o serviço, quer para com os demais agentes da polícia municipal, permitindo que terceiros se aproveitassem do serviço para atingir intuitos estranhos ao mesmo». Mas isto não é prestar falsas declarações, objecto da acusação.

Depois, sucedem-se as convicções explanadas, e a nosso ver muito subjectivizadas, no relatório final, em sede de apreciação e valoração. Dá-se uma importância a pormenores desfocados do disse e não disse, do estava e não estava na esquadra, da hora, se era às 20H, ou antes ou de pois, se estavam duas senhoras ou só uma, sem se perceber que interesse objectivo há nisso ou que é que isso tinha em vista [por exemplo]: corrupção? favorecimento? vingança? desacreditação de alguém? forjar de uma reclamação no livro de reclamações? o quê em concreto? Ora, nada se explicita, mas deixa latente uma suspeição de algo que não objectiviza em concreto. E devia, sob pena de, em vez de objectividade, se fundar no mero palpite ou na mera suspeição, sem factos concretos que a suportem. Como é o caso.

Supor este tribunal, por mero raciocínio, que, ao fechar da porta, poucos minuto antes do final do horário, uma cidadã se dirige à esquadra e quer apresentar reclamação no livro de reclamações. Que podia/devia fazer o A? Nega-lhe a entrada? Como assim, e com fundamento em quê, se é sabido que, dentro do horário, devia ser atendida. E se a cidadã entra, faz a sua reclamação, após vários rascunhos do que devia escrever, como afirmou, e demora um tempo, para quê a discussão sobre se estavam duas ou uma apenas, ou se viram ou não a viram, se vários colegas estavam lá [«lá» naquele concreto sítio, podendo esta lá, noutros vários sítios da esquadra] ou não, ou só passou apenas um, numa exasperação de reconstituir, a partir de depoimentos futuros a reconstituição dos pormenores passados, para saber se prestou falsas declarações.

Pergunta-se, para quê. Supondo que havia um motivo grave, esse motivo não consta da acusação, nem, consequentemente, dos actos subsequentes que nela se apoiaram. Fala-se nas Informações prestadas pelo A, aliás sucessivas, não se percebendo a lógica de tanta insistência e de tantas informações, considerando a relevância e o objecto. Mas admitindo- se que havia necessidade para tal, então deveria vir na acusação e na decisão, com o respectivo relevo jurídico-sancionatório. E não vem.

A denunciante IRIS .......... escreveu pelo punho a reclamação, datou e assinou a mesma. O R não alega que seja falso ou tenha sido forjado. A subscritora foi ouvida e confirmou-o. E deu a sua explicação sobre como, porquê e quando esteve na Esquadra a elaborá-la. Fez a reclamação no exercício de um direito, não se percebendo bem a discussão sobre se a mesma a fez um bocadinho dentro ou um bocadinho fora de um horário. Como se esse horário, –nas circunstâncias vistas--, constituísse uma falta de lesa-majestade, ou uma grave violação de um dever. Quando, à luz dos deveres profissionais legais, relativamente aos utentes, tudo apontaria no sentido contrário, ou seja não para uma censura mas antes para um louvor, por ter permitido a uma cidadã [pouco ou nada importa se ia só ou acompanhada] exercer um direito, e, acrescidamente, relativo a assuntos da própria instituição policial.

Portanto, se a decisão impugnada pretendia dar relevo jurídico, como deu, a estes pormenores colaterais, aparentemente sem dignidade jurídica, --devia objectivá-los na acusação e na decisão. O que não fez. Sem isso, não se vê qualquer suporte objectivo para tirar tais juízos de certeza, por falta de plausibilidade, lógica, normalidade, credibilidade e verosimilhança e para, em consequência, partir, para a afirmação de uma premeditação.

O artigo 24-2, do ED/2008, diz que «a premeditação consiste no desígnio para o cometimento da infracção, formado, pelo menos, vinte e quatro horas antes da sua prática». Ou seja um esquema ardiloso, maturado, estudado, em ordem ao fim. Não se esclarece a acusação, no entanto, cabalmente, o objecto da alegada premeditação.

Quando o julgador se depara com elementos subjectivos, designadamente do tipo incriminador, incluindo agora também as agravantes (ou atenuantes), tem de ter em conta os referidos princípios e regras da experiência. Assim, no que respeita ao dolo, neste caso, intenso, porque teria havido um conhecer e um querer persistentes no tempo [premeditação], este tira-se a partir de factos assentes e seguros. Visto que faz parte do mundo interior e psicológico do agente, a intenção tira-se por ilação, a partir dos factos objectivos assentes. Não é um mero acto de suposição ou intuição ou palpite, mas «ilação», que é um processo lógico. Ora, dos factos da acusação e da decisão não se pode retirar semelhante intensidade dolosa, nem mesmo o dolo, adiante-se já. Para isso teria de haver outro tipo de factos, que não vêm na acusação.

Finalmente, também não faz sentido, à luz da apreciação segundo as regras que vimos a referir, que, pela circunstância de alguém, em declarações, não reproduzir aquilo que escreveu, ou não se lembrar de pormenores, e mais ainda, de apresentar pormenores não coincidentes com outras declarações ou com a reclamação, isso signifique falsas declarações.

O ser humano não é uma cassete de gravador nem uma máquina de vídeo. Não é matemática. A memória é um processo complexo que passa pela percepção através dos sentidos, pela representação, pela volição e até pelo aspecto afectivo, pelo que, como é sabido, não pode reproduzir tudo sem imprecisão. Quando a imprecisão acontece, isso não significa necessariamente prestar falsas declarações; e, muito menos, dolosas e portanto criminosas. Um dos sintomas do mau testemunho, do testemunho forjado ou decorado, é precisamente o excessivo rigor e certeza. O testemunho com pequenas dissonâncias apenas confirma ou indicia que é verdadeiro; e será credível se, apreciado segundo as regras, o julgador assim concluir.

Como pode então ter sido o A, --tal como a reclamante IRIS--, remetido para processo criminal, por falsas declarações, é coisa que na acusação não se menciona, apesar de o relatório do processo nº ...../CP/13 transcrever os depoimentos. Como seria de antever, havendo vários depoimentos/versões, cada um com as suas percepções e memórias, seria quase impossível, e até estranho, que todos fossem coincidentes, de modo a se poder concluir quem é que prestou falsas declarações, --se é que as houve--, se o A, se a IRIS, se ambos, ou se cada um dos outros inquiridos e em que pontos e com que relevância. Mas, de novo, isto já nos leva para fora da acusação disciplinar em questão.

Finalmente, eis um caso, onde se justificava, e justifica, no entender deste tribunal, no mínimo, e dando de barato o já acima referido, o princípio do in dubio pro reo. Tratando-se, como se trata, --a ter relevância disciplinar o facto de permitir o acesso de uma cidadã ao preenchimento de uma reclamação no livro de reclamações da esquadra, e, daí a consequente alegada falta à verdade, por falsas declarações --, da prestação de alegas falsas declarações, que é o que vem imputado disciplinarmente, como vimos, ao A, na acusação, pensamos que não há elementos objectivos e seguros desse cometimento; mas, além disso, ficaria sempre uma dúvida, que é séria, que é sobre facto decisivo, e que não se mostra inultrapassável, muito menos através de outros testemunhos, também eles inconclusivos, e de força relativa, como já vimos. Ora, nestes casos de dúvida, séria e inultrapassável, como cremos que é, a dúvida tem de ser valorada a favor do arguido, que é o mesmo que dizer tem de ser valorada a favor da presunção de inocência e não da presunção de culpa, pelo que se impunha o arquivamento em vez da acusação.

Em resumo, quanto à premeditação, não há elementos objectivos, na acusação e na decisão, nem, do que vimos, nos autos, que permitam inferir essa congeminação agravante a partir de outros factos assentes e seguros constantes das referidas peças processuais. Quanto às imputadas falsas declarações, não há elementos objectivos, na acusação e na decisão, com relevo jurídico, e fora do comum ou do normal e humanamente possível, nem nos autos os vimos, dos quais se possa retirar que foram prestadas falsas declarações; mas, perante os elementos probatórios, documentais e testemunhais, sempre ficaria uma dúvida séria quanto ao seu cometimento, pelo que, por imposição do princípio do in dubio pro reo teria de considerar-se que não se verificou o cometimento de quaisquer falsas declarações, impondo-se a absolvição e o consequente arquivamento, pela Autoridade disciplinar.

Como isso não aconteceu, impõe-se agora, por tudo o exposto, a anulação da decisão.

Não se diga que se trata, neste caso, de poder discricionário, e portanto insindicável pelos tribunais, por força do princípio da separação de poderes [artigo 2 e 111, da CRP e 3º do CPTA]. Com efeito, por um lado, neste pondo que vimos de analisar, existe um claro erro grosseiro, palmar e atentatório do princípio da presunção de inocência, ínsito no princípio in dubio pro reo, por via directa dos supra citados preceitos constitucionais. Por outro lado, no âmbito do poder discricionário os tribunais podem-devem intervir na decisão impugnada [embora apenas] quando se trate de erro grosseiro, flagrante, como é o caso, consubstanciador de notória violação de lei e, nessa medida, tornando a decisão arbitrária [vd Acs do STA, de 26/09/2013, Procº 01127/13, e de 21/06/2011, Procº 0250/11; ou ainda Ac de 29/11/2012, Procº 01031/12, quanto à insindicabilidade jurisdicional, todos in www.dgsi.pt].

Por fim, a matéria disciplinar, como começamos por demonstrar, não é matéria administrativa pura, mas sim direito de tipo para-penal ou penal especial, ou, em qualquer caso, seguramente de natureza sancionatória e de tipo jurisdicional exercido pela Administração; donde, os poderes-deveres dos tribunais, nesta matéria sancionatória, no entender deste tribunal, não se podem cingir apenas à mera articulação civilista e administrativista, mas antes, sem perder estas de vista, conhecer de forma mais ampla segundo as regras do CPP [e do CP], como acontece com o julgador criminal, de forma a impedir a injustiça penal, pois é a própria CRP e o ED que remetem para a aplicação subsidiária das regras do direito criminal.

Por tudo o exposto, deve ser anulada, [artigo 135, do CPA], a decisão impugnada.

(…)”.

E o assim decidido é manter.

Do nosso ponto de vista, a pronúncia do Ministério Público dá resposta às questões que nos vêm colocadas, pelo que nos limitaremos a transcrever a mesma na sua parte relevante:

“Segundo a entidade recorrente, ao contrário do decidido pela sentença recorrida, o acto impugnado não sofre de erro nos pressupostos de facto pois dos mesmos decorre a existência da premeditação e a vontade de produzir prejuízos para o serviço, o que constitui violação do dever de zelo, pelo que não houve desrespeito do principio in dúbio pro reo.

Alega, ainda, a mesma entidade, que o tribunal não pode valorar a prova produzida de maneira diferente da que foi feita pela Administração, sob pena de violação dó princípio da separação de poderes: o que pode, é ouvir testemunhas sobre os factos constantes da acusação e, em face dos respectivos depoimentos, decidir se os mesmos se encontram ou não provados.

Começando por esta última questão, dir-se-á que se verifica, salvo o devido respeito, uma confusão de conceitos.

Na verdade, o que o tribunal aprecia nesta acção é a legalidade do acto impugnado, incluindo os seus pressupostos de facto e de direito.

Assim, o que releva para essa apreciação, é a prova produzida no processo disciplinar pois foi essa prova que conduziu à decisão condenatória.

Portanto, cabe ao tribunal apreciar se o depoimento das testemunhas ouvidas no PD implica ou não a prova das infracções disciplinares cuja prática é imputada ao arguido.

Caso o tribunal conclua que os depoimentos não são susceptíveis de fazer prova da actuação imputada ao arguido, como aconteceu no caso vertente, então dá como verificado o erro nos pressupostos de facto, ou seja, que os factos que fundamentaram a aplicação da sanção disciplinar, não se podiam ter dado como verificados.

Antes pelo contrário, a audição das mesmas ou de outras testemunhas pelo tribunal a fim de aferir da existência ou não das infracções disciplinares, é que poderia ser vista como uma intromissão nos poderes da Administração pois seria o tribunal que estaria a instruir, valora r e a aplicar uma pena disciplinar ex novo, quando tal função pertence à Administração.

Improcede, pois a segunda questão suscitada.

Quanto à primeira questão desde já se refere que bem andou a sentença recorrida ao considerar a inexistência de premeditação pois a mesma, nos termos da alínea c) do nº1 e nº2 do art. 24º do ED, não inclui a alegada vontade de prejudicar um colega (cfr art.s 13 e 14 da acusação) mas sim de produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral.

Também não merece qualquer censura a sentença, na medida em que dá como não verificada a infracção imputada ao arguido de falsas declarações produzidas no processo disciplinar do seu colega Paulo .........., por ter declarado que no dia 16-07-2013 pelas 20:00, Iria .......... se encontrava na secção de atendimento da esquadra a redigir uma reclamação no Livro de Reclamações.

De facto, está suficientemente provado documentalmente quer no PD do ora recorrido, quer no PD do seu colega Paulo .......... (acusado de ter praticado actos objecto da reclamação apresentada por Iria ..........), a existência da referida reclamação, sendo que não se percebe qual a relevância (e ilegalidade) dos factos imputados ao arguido no que se refere ao tempo, ao lugar e ao modo da apresentação da reclamação da dita Senhora (cfr também, factualidade assente na sentença).

Ademais, a acusação não prima pela clareza, não sendo apreensível, por um cidadão normal, a razão da punição, mormente os factos integrantes da alegada violação do dever de zelo e lealdade, bem como da premeditação, o que constitui nulidade insuprível da falta de audiência do arguido.

Nestes termos, o acto impugnado não poderia ser mantido, pelo que bem andou a sentença recorrida ao anulá-lo.

Com efeito, como vem afirmado, desde logo quanto à premeditação, certo é que não há elementos objectivos na acusação e na decisão que permitam sustentar tal conclusão. E quanto às imputadas falsas declarações, não há elementos objectivos, na acusação e na decisão, com relevo jurídico e fora do comum ou da normalidade da vida/circunstâncias dos quais se possa retirar, com a segurança exigida, que foram prestadas falsas declarações. Perante os elementos probatórios, sempre permanece uma dúvida séria quanto ao seu cometimento, pelo que, por imposição do princípio do in dubio pro reo teria de considerar-se que não se verificou o cometimento da falsas declarações imputadas ao arguido, impondo-se, assim, a sua absolvição e o consequente arquivamento do processo disciplinar.

Ao assim não ter sido feito, a decisão sancionatória impugnada é inválida e não pode manter-se na ordem jurídica, sendo a sua anulação a sanção correspondente e legalmente imposta, como vem decidido.

Por fim, não poderá deixar de ficar estabelecido que não ocorre a violação do princípio da separação de poderes, nem dos limites da função jurisdicional, quando o tribunal sobrepõe o seu juízo de avaliação probatória ao que fora efectuado pela autoridade administrativa (cfr., i.a., o recente ac. do STA de 19.06.2019, proc. nº 804/11.9BECBR).



III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 26 de Setembro de 2019


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Pedro Marchão Marques

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Paula de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano