Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04303/10
Secção:VT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. CONTRA-ORDENAÇÃO.
COIMA.
SUSPENSÃO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O pedido formulado na oposição à execução fiscal instaurada para cobrança de certa dívida, pode não só ser o da sua extinção como também o da sua suspensão, mas este apenas para os casos em que o fundamento legalmente admitido para esta constitua um impedimento legal para o seu prosseguimento não definitivo, mas apenas temporário;
2. Em caso de instauração de execução fiscal para a cobrança de quantias provenientes de coimas aplicadas em processo de contra-ordenação fiscal provenientes da falta de entregas de prestações tributárias, a posterior dedução de oposições às execuções fiscais onde tais tributos se encontram a ser exigidos judicialmente, não podem configurar fundamento válido para suspender aquela execução fiscal onde tais coimas se encontram a ser exigidas, desde logo por não poderem ter como objecto o conhecimento da legalidade desta dívida exequenda constituída por tais coimas, a qual é apreciada através do recurso judicial e eventualmente, também, da decisão deste, por recurso jurisdicional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1 A douta decisão do Tribunal de 1.ª Instância, de que ora se recorre, considerou além do mais que o Recorrente não «...apresentou impugnação do processo de contra-ordenação onde foral aplicadas as coimas cujo valor se exige na execução fiscal posta em crise. Acrescentando que «deste modo não se vislumbra qual a invocada dependência de prestação tributária a liquidar que possa conduzir à suspensão destes autos» e ainda «labora em erro ao referir-se à não definitividade das liquidações subjacentes às execuções fiscais pois que o meio processual para atacar as liquidações é a impugnação judicial e os fundamentos para tais efeitos os mencionados no art.99° do CPPT. Excepcionalmente permite-se a apreciação da legalidade da liquidação por via da oposição como se constata da al. h) do art.4,(?) nº1 do CPPT. Assim, não sendo esta via da oposição pela qual optou, não tem o presente processo nem a virtualidade de alterar a decisão proferida no processo de contra-ordenação e nem as oposições pendentes a susceptibilidade modificar as liquidações de imposto que lhe estão subjacentes».
2 Salvo melhor opinião, o Recorrente não se conforma com a sentença proferida por a mesma violar as disposições legais do CPPT designadamente o disposto nos art.ºs 99º e 204º e ss. aplicáveis ao presente recurso.
3 Uma vez que o Tribunal «a quo» deu como assente «que o oponente, se opôs a duas execuções fiscais que lhe foram instauradas para efeitos de cobrança de IVA e IRS que voluntariamente não entregou ao Estado e para esse efeito invocou a sua ilegitimidade na perspectiva da não responsabilização pelo pagamento em causa.»
4 Por força do disposto, provada a pendência da oposição em que e discute a situação fáctica em questão no processo de contra-ordenação deveria o Tribunal a quo ter ordenado a suspensão da oposição.
5 Atendendo que a execução deriva da instauração de processo de contra ordenação, no qual se encontram descritas várias infracções ente as quais omissões para efeitos de IRS dois anos de 2003 e 2004 e falta de liquidação e entrega de IVA dos mesmos anos.
6 Em 04/01/2008, contra o oponente, foi instaurada a execução fiscal nº 0612200801000128 para cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA de todos os trimestres dos anos de 2003 e 2004 e juros compensatórios.
7 As liquidações conducentes à quantia exequenda na referida execução resultaram de correcções à matéria colectável e detecção de imposto em falta subsequente a uma inspecção exercida sobre o oponente.
8 A referida inspecção visou os anos de 2003 e 2004 e a actividade e rendimentos do oponente.
9 Não concordando com o teor da referida inspecção e da liquidação subjacente do imposto, o oponente apresentou as respectivas oposições no competente Tribunal Administrativo e Fiscal – facto dado como assente na decisão recorrida.
10 O que se discute na oposição deduzida pelo ora recorrente não é propriamente a legalidade do imposto mas sim a falta de notificação do relatório da acção inspectiva, ou seja, estamos uma situação de apreciação da legalidade da liquidação por via da oposição, e não da impugnação. (SIC)
11 O oponente, ora recorrente não pretendeu discutir na sua oposição a legalidade do imposto mas sim a apreciação da legalidade da falta de notificação da liquidação conducente
à quantia exequenda que resultou de correcções à matéria colectável e detecção de imposto em falta subsequente a uma acção de inspecção exercida sobre o oponente visando o período de 2003 e 2004 e a actividade e rendimentos do oponente e da qual deriva a execução proveniente do processo de contra ordenação.
12 Nenhuma das oposições deduzidas pelo oponente, ora Recorrente transitou em julgado.
13 Se a causa de pedir invocada constitui fundamento de impugnação e não de oposição, estamos perante um erro na forma de processo, a Mmª Juiz a quo sempre estaria em condições de proceder à convolação processual, adequando o pedido e a acusa de pedir à forma do processo se fosse caso disso.
14 A Mmª juiz a quo não fez referência a essa impossibilidade na sentença proferida, já que decidiu, sem ter considerado que os fundamentos invocados em sede de oposição a cada uma das execuções instauradas teriam de ser analisadas no âmbito dos referidos processos e não na presente oposição.
15 Pelo exposto pese embora não tenha sido apresentada impugnação do processo de contra ordenação, demonstrada e provada a pendência de oposição em que se discute a situação fáctica que alegadamente terá originado o processo de contra ordenação – a presente oposição deveria ser suspensa até que se mostre transitada em julgado a sentença proferida nos respectivos autos de oposição, o que não se verifica na presente data.
16 Pelo que se verifica, a sentença recorrida viola as normas aplicáveis, entre outras as disposições previstas nos artigos 99º e 204º e ss. do CPPT.

Em face do disposto, formula-se o seguinte pedido:
PEDIDO
Deverá conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra onde o processo de oposição seja suspenso, aguardando o trânsito em julgado das sentenças das duas oposições instauradas que correm os seus termos no TAF de Castelo Branco nos termos do RGIT.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, apoiando-se no parecer do Exmo RMP, junto do STA, no seu parecer de fls 126/127, que diz corroborar.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se ocorre fundamento para a suspensão da execução fiscal instaurada para a cobrança das diversas coimas em causa.


3. Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz, subordinando-a às seguintes alíneas:
a) Em 27/11/2007 e 01/04/2008 foram remetidas pela Administração Fiscal ao oponente notificações quer da instauração do processo contra-ordenacional nº 0612200606001637, e seu teor, quer da possibilidade de se defender do mesmo.
b) Ambas foram devolvidas sem recebimento pelo destinatário.
c) Em 14/04/2008 foi expedida nova notificação relativa à possibilidade de se defender, a qual foi recebida no domicílio fiscal do oponente e assinado o aviso de recepção por Alda de Jesus Sousa Fonseca, aí residente, em 18/04/2008.
d) Em 08/05/2008 foi expedida notificação da decisão de aplicação de coima no processo de contra-ordenação a qual foi recebida em 14/05/2008 pelo oponente que assinou o aviso de recepção.
e) A decisão em questão verifica a prática pelo ora oponente das contra-ordenações consubstanciadas em omissões/inexactidões das declarações de IRS apresentadas e quanto a IVA a falta de entrega da prestação tributária e a falta de emissão de facturas nos anos de 2003 e 2004 e respectivos períodos trimestrais.
f) O oponente não efectuou o pagamento voluntário da coima aplicada naquele processo de contra-ordenação.
g) A AT instaurou o presente processo de execução fiscal em 21/06/2008 para cobrança coerciva da coima e encargos administrativos.
h) O oponente foi citado via postal registada em 27/06/2008.
i) O oponente deu entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos em 25/07/2008.
j) Correm termos neste TAF sob os números de registo 300/08.1 e 301/08.0 duas oposições em que figura como autor o aqui oponente e nas quais se opõe às execuções fiscais instauradas para cobrança de IRS e IVA em falta nos anos e períodos de 2003 e 2004.
l) Como fundamento de tais oposições apresenta a falta de notificação das respectivas liquidações no prazo de caducidade do imposto e a sua ilegitimidade como responsável pelo pagamento em questão.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultam provados todos os factos que se mostram contrários àqueles que ficaram assentes.
No mais são enumeradas considerações a que não cabe aqui apreciação.


4. Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que o ora recorrente foi validamente notificado de todas as fases no processo de contra-ordenação onde foi liquidada a importância que constitui a quantia ora exequenda e inexistir fundamento válido para a suspensão da execução fiscal a que foi deduzida a presente oposição por motivo da dedução de outras oposições às execuções em que o imposto causal lhe está também a ser exigido.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte desta fundamentação que se vem a insurgir, por esta oposição dever ser suspensa por mor da existência das duas outras oposições onde pretende discutir a situação fáctica no processo de contra-ordenação proveniente da falta de entrega dos tributos em causa, os quais foram liquidados eivados de vários vícios, designadamente pela não notificação do relatório da acção inspectiva onde tais impostos foram apurados (mas tendo deixado cair o fundamento de falta de notificação das contra-ordenações que articulara nos art.ºs 2.º e 3.º da sua petição inicial de oposição).

Vejamos então.
Como é sabido, a oposição à execução fiscal constitui uma contra acção do devedor à acção executiva, correspondendo aos embargos de executado, não visando a anulação da liquidação, mas a extinção da execução pela eventual procedência de algum dos fundamentos taxativamente indicados no art.º 286.º do CPT e hoje no art.º 204.º do CPPT e que impliquem a extinção total ou parcial da dívida exequenda em relação ao executado.

A possibilidade de a oposição à execução fiscal também poder ser admitida com o fim de a fazer suspender, não vinha encontrando resposta unânime na nossa jurisprudência, havendo quem a negasse e quem a admitisse, ainda que em casos restritos(1), mas que, sobretudo com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT) e do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por força dos art.ºs 52.º daquela e 169.º deste, que genericamente prevêm a suspensão do processo de execução fiscal sempre que o meio impugnatório em causa tenha por objecto a legalidade da liquidação da dívida exequenda, em geral, passou a admitir-se a possibilidade de pedir a suspensão da execução fiscal através da dedução da respectiva oposição, mas, naturalmente, no âmbito de um fundamento de oposição subsumível a uma qualquer alínea do art.º 204.º do CPPT, que importasse a inexigibilidade dessa dívida, não de forma definitiva mas apenas temporária, obstaculizando o prosseguimento desta, sem envolver a apreciação da legalidade da liquidação e nem representar interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que extraiu o título dado à execução, sendo subsumível na actual alínea i), do n.º1, do art.º 204.º do CPPT, fundamento remanescente para todos os casos não subsumíveis nas anteriores alíneas.

Porém, no caso, o presente recurso nunca poderia deixar de se encontrar condenado ao fracasso e não por uma, mas por diversas razões:
1.ª - Desde logo, nessa mesma petição inicial de oposição, o ora recorrente peticiona não só que seja declarado não responsável pelo pagamento das dívidas exequendas provenientes de contra-ordenações que lhe foram aplicadas, o que levaria à extinção da execução fiscal, como também, enquanto pedido em segunda linha ou subsidiário, que deverá o presente processo de contra-ordenacional ser suspenso, ...(SIC), quando agora na matéria das conclusões das suas alegações, já não vem continuar com tal pedido subsidiário, mas sim que a suspensão se reporte a este próprio processo de oposição – cfr. matéria das conclusões 4 e 15 e respectivo pedido final – onde igualmente pede a suspensão desta oposição;
2.ª O que a lei admite como possibilidade de suspensão quando se discuta a legalidade da dívida exequenda, é o próprio processo de execução fiscal onde tal quantia se encontra a ser judicialmente exigida, desde que deduzida alguma daquelas espécies processuais com vista a discutir a legalidade da mesma e seja prestada garantia(2) – cfr. art.º 169.º do CPPT – não se vendo sequer e nem o recorrente o invoca, qual o interesse do mesmo em ver suspensa a instância desta oposição, onde em regra não cabe o conhecimento da legalidade da dívida exequenda que, a obter ganho de causa, por outro fundamento diverso da respectiva legalidade, poderia nada ter a pagar e desta forma lhe ser favorável o seu prosseguimento;
3.ª No caso, mesmo perante a dedução de oposições contra as dívidas relativas a IRS e IVA por cuja falta de entrega foi o mesmo acoimado – cfr. cópias de fls 184 e segs dos autos - mas não tendo em tais oposições peticionado a respectiva anulação por qualquer uma sua ilegalidade que as enfermasse (ainda que tal pedido não fosse o adequado, nesta sede processual, como acima se reconheceu), desde logo a dedução das mesmas nunca poderia ser subsumível à citada norma do art.º 169.º do CPTT, que permite a suspensão da instância da execução fiscal quando se discuta a legalidade da dívida exequenda (aliás, diga-se a propósito, que nem sequer é a legalidade das dívidas exequendas que constituem o objecto mediato dessas oposições, mas sim as quantias de tais impostos não entregues, quando tais dívidas são constituídas por coimas, cuja forma adequada de apreciação da respectiva legalidade antes consiste no recurso judicial e da decisão deste, recurso jurisdicional (que não aquelas outras espécies processuais típicas para reagir contra actos de liquidação ou equivalentes) – cfr. art.ºs 80.º e 83.º do RGIT, 101.º da LGT e 68.º e segs e 97.º e 99.º do CPPT;
4.ª De resto, no caso de contra-ordenações consistentes na falta da entrega de tributos, como era o caso em algumas delas, como se pode ver dos autos cujas cópias das respectivas decisões constam de fls 13 e segs dos autos, o processo de contra-ordenação é suspenso a fim de permitir ao arguido discutir a legalidade desse imposto que constitui o pressuposto de tal infracção, tendo em vista que este se firme na ordem jurídica – cfr. art.º 55.º do mesmo RGIT – o que se o ora recorrente não fez, em temo oportuno, através do meio impugnatório próprio, só de si próprio se poderá queixar.


Improcede assim, a matéria de todas as conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa,24/05/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO

1- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 13-10-2004, no recurso n.º 217/04-30, bem como demais arestos e doutrina nele citados.
2- Cfr. em caso paralelo o acórdão do STA de 19-2-2003, no recurso 1553/02