Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1228/21.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO DO 276.º, PRESCRIÇÃO 
Sumário:A suspensão do processo de execução fiscal nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 3 da LGT, e art. 169.º, n.º 1 do CPPT, não consubstancia uma paragem do processo para efeitos do n.º 2, do art. 49.º da LGT, na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

T. – S. P. D., Lda. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a Reclamação, não anulando o despacho do Chefe do Serviço de Finanças da Azambuja no âmbito do processo executivo n.°1481200101004786 que determinou o pagamento, no prazo de 10 dias, da quantia exequenda no valor de EUR 208.972,21, acrescida de juros de mora no valor de EUR 81.158,54 e de custas no montante de EUR 2.295,68.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as conclusões seguintes:

«1.° - A prescrição da obrigação tributária, assente na liquidação adicional do IRC de 1998, é o único objecto do presente recurso.
2.° - A sentença em apreço considerou provados os factos elencados sob os n.°s 1 a 10, a fls ... “IV- Fundamentação" “A - De facto”, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
3.° - Com base na factualidade que considerou provada, o Tribunal a quo decidiu, em síntese, do seguinte modo:
a). O regime prescricional aplicável ao IRC de 1998 é o da Lei Geral Tributária (LGT), de oito anos, prazo mais curto que o previsto no Código de Processo Tributário (CPT) de dez anos, em razão do disposto no art. 297.° do Código Civil.
b). Iniciando-se a respetiva contagem a 31/12/1998 (cfr. n.° 1 do art.° 48.° da Lei Geral Tributária na redação aplicável à data dos factos), é este o prazo de prescrição aplicável.
c). Tal determinaria, na ausência de factores interruptivos ou suspensivos do prazo prescricional, que a prescrição ocorresse em 31/12/2006.
d). Sucede que a Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal a 02/01/2002.
e). Após requerimento da Reclamante para o efeito, e na sequência da impugnação judicial do IRC de 1998, o processo de execução fiscal foi suspenso mediante a apresentação de garantia bancária emitida pelo B. E. S., S.A..
f). O que implica duas realidades sobre o decurso do prazo prescricional.
g). A primeira, prende-se com a interrupção de tal prazo (e inutilização do tempo decorrido) em consequência da citação da Reclamante (cfr. n.° 1 do art.° 49.° da Lei Geral Tributária na redação aplicável ao tempo da citação), a que acresce o efeito suspensivo do respetivo prazo, até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo onde tiver ocorrido a citação (cfr. n.° 1 dos art.°s 326.° e 327.° do Código Civil, aplicáveis ex vi al. d) do art.° 2.° da Lei Geral Tributária).
h). O processo de execução fiscal no âmbito da qual foi realizada a citação ainda não findou, antes se mantendo ativo, tendo a Reclamante apresentado a presente reclamação no âmbito do mesmo.
i). Por essa razão, é de concluir pela inverificação do decurso do prazo de prescrição.
j). A segunda prende-se com a garantia prestada pela Reclamante para suspender o processo de execução fiscal, que, conjugada com a apresentação da impugnação judicial do IRC de 1998, teve como consequência a paragem do processo de execução fiscal e a suspensão do prazo de prescrição (cfr. n.° 3 do art.° 49.° da LGT na redação aplicável ao tempo da apresentação de impugnação).
l). Do que resulta, considerada a data do trânsito em julgado do processo de impugnação, que também aqui não ocorreu a prescrição da obrigação tributária.
4.- - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação e interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço.
5.- - Em primeiro lugar, decidiu pela aplicação do regime vertido no art. 49.°, n.° 1 da LGT, descurando que, na redacção aplicável ao tempo da citação, aquele artigo da LGT continha o n.° 2, que só veio a ser revogado pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, com início de vigência em 1 de janeiro de 2007.
6.- - Dispunha o n.° 2 do art. 49.° da LGT que " A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação".
7.- - O que implica que a interrupção da prescrição prevista no n.° 1 do preceito em análise, degenere em suspensão, em virtude da paragem do processo por período superior a um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo, conforme expressamente resulta do teor do n.° 2.
8.- - É incompreensível que a sentença recorrida omita o normativo contido naquele n.° 2 do art. 49.°, como se o mesmo não existisse, quando é certo que só veio a ser revogado pela supracitada Lei.
9.- - Resulta dos autos que o processo de impugnação judicial esteve parado durante mais de seis anos, facto que integra a previsão contida no n.° 2 do art. 49.° da LGT.
10.- - Isto é, o período decorrido entre 31.12.1998 e a data da citação (02.01.2002), deixou de estar inutilizado, antes passando a contar para efeitos de prescrição, por via da paragem do processo por período superior a um ano, por motivos a que a ora Recorrente é absolutamente alheia.
11.- - Resulta cristalinamente evidenciado que não existe no caso em apreço qualquer interrupção da prescrição conforme, erroneamente, em manifesto erro de julgamento, pretende o Tribunal a quo.
12.- - Afigura-se também que o argumento segundo o qual o processo executivo ainda não findou porque a Reclamante, ora recorrente, apresentou a presente reclamação no âmbito do mesmo é, salvo o devido respeito, manifestamente destituído de sentido porque, efectivamente, a reclamação serviu para peticionar a declaração de prescrição da obrigação tributária.
13.- - Reclamação apresentada na sequência do despacho da AT que notificou para o pagamento do que se entende estar prescrito.
14.- - Seguindo aquele argumento, chegar-se-ia ao absurdo de não deduzir a reclamação por se entender que a mesma constitui prova de vida do processo executivo!
15.- - O Tribunal a quo procede ainda a uma errada interpretação do Direito quando invoca, em apoio da sua tese, o decidido no douto Acórdão do STA de 02/09/2020, tirado no processo n.° 0705/19.2BELLE (in www.dgsi.pt).
16.- - Aquela douta decisão não tem qualquer relação com o caso em apreço pela elementar circunstância de tratar de impostos referentes aos anos de 2007 a 2009, conforme expressamente refere: "No caso concreto dos autos estão em causa obrigações tributárias decorrentes de actos de liquidação de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2008 e 2009, de IMI do ano de 2008, de IVA do 4.° trimestre de 2007, e anos de 2008 e 2009, de IRC dos anos de 2008 e 2010 e de IUC do ano de 2009".
17.- - Ou seja, a questão controvertida naquele douto Acórdão respeita a impostos liquidados em momento posterior à revogação do n.° 2 do art. 49.° da LGT, pelo que só pode concluir-se pela sua inoportuna invocação no caso dos autos, resultante da errónea aplicação e interpretação do Direito aplicável.
18.- - A esse propósito sobressai o decidido no douto Acórdão do STA, de 14 de Fevereiro de 2013, tirado no processo n.° 03/13 (in www.dgsi.pt), cujo sumário, no que é aqui relevante, refere: " III - O n.° 2 do art.° 49° da LGT - que determinava que o efeito interruptivo se prolongava no tempo, não produzindo, em princípio, o imediato começo de novo prazo prescricional, pois só no caso de ocorrer uma paragem do processo por período superior a um ano, por facto não imputável ao sujeito passivo, é que cessava o efeito interruptivo, havendo então que somar ao tempo que viesse a decorrer após o ano de paragem todo aquele que decorrera até à data da autuação do processo - foi revogado a Lei n.° 53.°-A/2006, de 29.12, que entrou em vigor em 1.01.2007. IV - Tendo a execução fiscal sido instaurada já no ano de 2008 e a citação ocorrido em 28.02.2008 (primeiro acto interruptivo à luz do disposto no art.° 49° n.° 1 da LGT), nunca poderia ter aplicação o disposto no n.° 2 do art.° 49° da LGT, então já revogado”.
19.- - Daquele douto Acórdão resulta, a contrario, a aplicabilidade do regime contido no n.° 2 do art. 49.° da LGT quando a citação ocorra na vigência desse normativo, como é o caso dos autos.
20.- - Acresce que a Lei n.° 53.°-A/2006, de 29/12, que revogou aquele preceito, ressalvou no seu artigo 91.° a aplicação do artigo 90.° aos prazos de prescrição em que o período de paragem de mais de um ano já tivesse decorrido antes da referida revogação do n.° 2 do art.° 49.° da LGT, ao estatuir que "A revogação do n.° 2 do artigo 49.° da LGT aplica- se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo".
21.- - Ou seja, contando o prazo de prescrição desde 31.12.1998 - por via da aplicação do regime constante do n.° 2 do art. 49.° da LGT então em vigor - a obrigação tributária prescreveu em 2007, ou seja após o decurso de um período de nove anos, correspondentes ao prazo de oito anos previsto na LGT, acrescido de mais um ano de paragem do processo.
22.- - Resulta dos documentos relativos à impugnação judicial, juntos à presente Reclamação, que a paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável à ora Reclamante ocorreu em momento muito anterior ao da entrada em vigor da supracitada Lei n.° 53-A/2006, de 29/12.
23.- - Quanto à prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, o Tribunal a quo também decidiu ao arrepio da lei aplicável.
24.- - Mais: a decisão sob recurso considerou provado que o SF notificou a ora Recorrente para proceder ao reforço da garantia prestada (n.° 8 da fundamentação de facto).
25.- - Não obstante, não retirou qualquer consequência desse facto, que só poderia consistir num juízo que decidisse pela insuficiência da garantia prestada.
26.- - Aquela oposição entre o fundamento e a decisão constitui causa de nulidade da sentença, conforme disposto no art . 615.°, n.° 1, al. c) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 2.°, al. e) do CPPT.
27.- - A prestação de garantia bancária não determinou a suspensão do processo executivo nos termos previstos no então n.° 3 do art. 49° da LGT, conforme se pretende na sentença recorrida.
28.- - Aquele preceito foi alterado pela Lei n.° 53-A/2006, de 29/12 tendo ficado com a seguinte redacção: "4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida’’ (sublinhado nosso).
29.- - Estabelece o n.° 1 do art. 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que "A execução fiscal ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195.° ou prestada nos termos do art. 199.° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.
30.- - Por outro lado, o art. 199.°, n.° 6 do CPPT preceitua que a garantia será prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora e custas, acrescido de 25% da soma daqueles valores.
31.- - Ocorre que o valor indicado pelo Serviço de Finanças (SF) para prestação de garantia bancária no processo executivo em apreço, inicialmente para o IRC de 1997 e de 1998, não cumpriu o disposto no art. 199.°, n.° 6 do CPPT, tendo ficado muito aquém do valor que resultaria da aplicação daquele normativo.
32.- - Com efeito, a garantia bancária foi prestada em Março de 2002, pelo valor de € 1.022.855,43, (cf. doc. n.° 9 junto com a reclamação), quando é certo que as liquidações de IRC dos anos de 1997 e 1998 ascendiam a € 782.942,00.
33.- - Isto é, ab initio a garantia prestada foi sempre de montante inferior ao estipulado na lei.
34.- - Na verdade, a adição àquela quantia dos juros de mora, custas do processo e mais os 25% da soma daqueles valores implicaria, necessariamente, uma garantia bancária de valor muito superior.
35.- - Por outro lado, após o trânsito em julgado da impugnação judicial relativa ao exercício de 1997, julgada totalmente procedente, a referida garantia foi reduzida, em Julho de 2010, para o montante de € 388.919,75, valor igualmente insuficiente face à liquidação de IRC do exercício de 1998, que se cifrava em € 299.169,04 (cf. doc. n.° 10 junto com a reclamação).
36.- - É manifesta a insuficiência da garantia prestada nos autos porquanto há que adicionar os juros, as custas e 25% da soma daqueles valores, tudo em cumprimento do preceituado no art. 199.°, n.° 6 do CPPT.
37.- - A garantia bancária deveria ter sido de valor equivalente à quantia que, por via dela, se pretendia garantir, e nunca de valor inferior, porque o montante a garantir teria de corresponder ao que resultasse das regras contidas no n.° 6 do art. 199.° , conjugado com o disposto no art. 169.°, ambos do CPPT.
38.- - Acresce que a insuficiência da garantia bancária prestada está demonstrada e comprovada na notificação emitida pelo Chefe do SF, em 20.06.2016, na qual requer o seu reforço no montante de € 100.962,39, que refere serem apurados nos termos do n.° 6 do art. 199.° do CPPT, com vista à suspensão do processo executivo (cf. doc. n.° 11 junto com a reclamação).
39.- - O que significa que, em 26.06.2016, o SF pretendia suspender o processo executivo pois bem sabia que a insuficiência da garantia origina a prossecução do processo de execução, como se determina nos números 8 e 10 do artigo 199.° do CPPT e sempre foi prática assumida pela AT.
40.- - Resulta do exposto que qualquer efeito que se pretendesse atribuir à garantia bancária prestada - nomeadamente, o efeito suspensivo da prescrição previsto no art. 49.°, n.° 4 da LGT - não ocorreu porque, efectivamente, não foi suspensa a execução.
41.- - Em síntese:
a). a garantia bancária prestada não garante, nem nunca garantiu, o pagamento da dívida;
b). a execução não está, nem nunca esteve, suspensa;
c). logo, a prescrição consumou-se.
42.- - Em conclusão: na data da notificação do SF, 26.06.2016, a obrigação tributária proveniente da liquidação adicional do IRC de 1998, encontrava-se há muito prescrita, pelas razões supra invocadas, assentes no regime contido no n.° 2 do art. 49.° da LGT, bem como em virtude da insuficiência da garantia prestada, nos termos expostos de incumprimento da regras contidas nos arts. 169.° e 199.° do CPPT.
43.- - Nos termos do art. 175.° do CPPT, a prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervido o não tiver feito ou o tenha feito contra legem.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excias, Senhores Desembargadores,melhor suprirão, deve
1). a sentença recorrida ser revogada:
a). por erro de julgamento, consistente na errada aplicação e interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço, daí resultando a violação do disposto nos arts. 49.°, n.° 2 da LGT, 169.° e 199.° do CPPT;
b). por oposição entre o fundamento e a decisão conducente à respectiva nulidade, conforme se prescreve no art . 615.°, n.° 1, al. c) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 2.°, al. e) do CPPT.
2). Ser concedido provimento ao recurso com a declaração de prescrição da obrigação tributária, conforme previsto no art. 175.° do CPPT,assim se fazendo JUSTIÇA! »

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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de improcedência do recurso.


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Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ erro de julgamento, consistente na errada aplicação e interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço, daí resultando a violação do disposto nos arts. 49.°, n.° 2 da LGT, 169.° e 199.° do CPPT, estando a dívida prescrita;
_ oposição entre o fundamento e a decisão conducente à respectiva nulidade, conforme se prescreve no art . 615.°, n.° 1, al. c) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 2.°, al. e) do CPPT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Pelo Serviço de Finanças de Azambuja foi instaurado contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.° 1481200101004786, atualmente a correr termos por divida de IRC referente ao ano de 1998, cuja divida exequenda ascende ao montante de € 292.426,43 (cfr. documento n.° 1 junto com a p.i.);
2. No âmbito de tal processo de execução fiscal foi a Reclamante citada em 02/01/2002 (cfr. documento com a tramitação do processo a fls. não numeradas dos autos em suporte papel, mas onde se encontra aposto o n.° 194 no canto superior direito / documento n.° 2 e documento n.° 5 - de onde consta a confissão da citação, juntos com a informação elaborada pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito da instrução da presente reclamação);
3. Em 18/01/2002, a Reclamante apresentou requerimento onde informava ter impugnado a liquidação relativa ao IRC de 1998, mais solicitando que lhe fosse indicado o “montante da caução a prestar para suspensão do processo de execução fiscal’ (cfr. requerimento a fls. não numeradas dos autos em suporte papel, mas onde se encontra aposto o n.° 57 no canto superior direito / documento n.° 5 junto com a informação elaborada pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito da instrução da presente reclamação);
4. O Serviço de Finanças de Azambuja prestou então informação dando conta que o valor a garantir ascendia a € 1 022 855,43 (cfr. conta a fls. não numeradas dos autos em suporte papel, mas onde se encontra aposto o n.° 35 no canto superior direito / documento n.° 6 junto com a informação elaborada pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito da instrução da presente reclamação);
5. Em 18/03/2002 foi emitida pelo B. E. S., S.A. a garantia com o n.' 289981, no valor máximo garantido de até € 1 022 855,43, em nome da Reclamante e destinada ao processo de execução fiscal supra identificado (cfr. documento n.° 9 junto com a p.i.);
6. Tal garantia foi reduzida por despacho de 14/07/2010 (cfr. documento n.° 10 junto com a p.i. e documento n.° 7 verso junto com a informação elaborada pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito da instrução da presente reclamação);
7. Em 31/05/2013, o Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva oficiou o Chefe do Serviço de Finanças de Azambuja, dando-lhe conta que nada obstava a que o processo de execução fiscal se mantivesse suspenso, dado que a garantia estava de acordo com o ante solicitado (cfr. ofício a fls. não numeradas dos autos em suporte papel / documento n.° 8 junto com a informação elaborada pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito da instrução da presente reclamação);
8. Em junho de 2016 foi a Reclamante notificada para proceder ao reforço do valor da garantia (cfr. documento n.° 11 junto com a p.i.);
9. O processo de impugnação do IRC de 1998 a que alude a Reclamante transitou em julgado em 19/09/2019 (cfr. informação a fls. não numeradas dos autos em suporte papel, mas onde se encontra aposto o n.° 132 no canto superior direito / documento n.° 2 junto com a informação elaborada pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito da instrução da presente reclamação);
10. Notificada em 19/03/2021 para proceder ao pagamento da dívida exequenda supra identificada, a Reclamante apresentou a presente reclamação (cfr. teor da p.i. dos presentes autos).
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Factos não provados:
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
*
Motivação:
A convicção do Tribunal assentou na confissão de que a Reclamante tinha sido citada e na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.° 2 do art.° 358.° do Código Civil (confissão), no n.° 2 do art.° 34.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.° 1 dos art.°s 369.°, 370.° e 371.°, todos também do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira) e no n.° 1 dos art.°s 373.°, 374.° e 376.°, todos ainda também do Código Civil (documentos particulares).”

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Conforme resulta dos autos, e na parte relevante para o conhecimento do presente recurso, o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa julgou improcedente a reclamação, entendendo, em síntese, que a dívida exequenda não se encontra prescrita.

A Recorrente não se conforma com o decidido, entendo, também em síntese, que a dívida se encontra prescrita, enfermando a decisão recorrida de erro de julgamento de direito ao não ter considerado o regime do art. 49. °, n.°2 da LGT, e ao fazer uma interpretação errónea dos artigos 169. ° e 199. ° do CPPT. Invoca ainda a nulidade da sentença recorria por oposição entre o fundamento e a decisão.

Apreciando.

No que diz respeito à nulidade da sentença recorrida é manifesto que esta não se verifica, pois o que a Recorrente sindica é o erro de julgamento de direito.

Efetivamente, nos termos do n.º 1, do art. 125.º do CPPT, constitui nulidade da sentença a “oposição dos fundamentos com a decisão”.

Como a jurisprudência tem reiteradamente afirmado, apenas se verifica a oposição dos fundamentos com a decisão, quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente (cf. Acórdão do STA de 05/01/2014, proc. n.º 01380/13).

In casu, e ao contrário do que invoca a Recorrente, não consubstancia nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão a alegada circunstância do juiz a quo não ter considerado o facto dado como provado no ponto 8 da matéria de facto assente, quando muito, tal circunstância poderá consubstanciar erro de julgamento.

Pelo exposto, não se verifica a nulidade invocada, improcedendo o recurso nesta parte.

Prosseguindo.

Invoca a Recorrente o erro de julgamento de direito ao não ter considerado o regime do art. 49.°, n.°s 2 da LGT, e ao fazer uma interpretação errónea dos artigos 169.° e 199.° do CPPT.

Vejamos.

É a seguinte a fundamentação da sentença recorrida:

“Da prescrição da obrigação tributária
Em causa está, como ressuma dos autos, o IRC de 1998.
O que convoca, num primeiro momento, saber se é de aplicar aos autos o regime prescricional assinalado no Código de Processo Tributário ou regime prescricional assinalado na Lei Geral Tributária, diploma que só entrou em vigor a 01/01/1999.
A este respeito, dispõe o n.° 1 do art.° 5.° do Decreto-Lei n° 398/98, de 17/12, diploma que aprovou a Lei Geral Tributária:
“Ao novo prazo de prescrição aplica-se o disposto no artigo 297.° do Código Civil (…)”.
Este preceito do Código Civil, dispõe, por sua vez, e com interesse para os autos, dado que o prazo de prescrição foi encurtado com a Lei Geral Tributária (passando a 8 anos, face aos 10 anos previstos no Código de Processo Tributário) que:
“1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar. (...)”.
Temos então que sendo o prazo previsto na Lei Geral Tributária mais curto, e iniciando-se a respetiva contagem a 31/12/1998 (cfr. n.° 1 do art.° 48.° da Lei Geral Tributária na redação aplicável à data dos factos), é este o prazo de prescrição aplicável in casu.
O que faria, na ausência de fatores interruptivos ou suspensivos do prazo prescricional, com que a prescrição ocorresse a 31/12/2006.
Sucede que, como resulta da matéria de facto provada, a Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal a 02/01/2002.
Mais, após requerimento da Reclamante para o efeito, e na sequência da impugnação judicial do IRC de 1998, o processo de execução fiscal foi suspenso mediante a apresentação de garantia bancária emitida pelo B. E. S., S.A. a pedido da Reclamante.
O que aporta duas realidades sobre o decurso do prazo prescricionaL A primeira, prendendo-se com a interrupção de tal prazo (e inutilização do tempo decorrido) fruto da citação da Reclamante (cfr. n.° 1 do art.° 49.° da Lei Geral Tributária na redação aplicável ao tempo da citação), a que acresce o efeito suspensivo do respetivo prazo, até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo onde tiver ocorrido a citação (cfr. n.° 1 dos art.°s 326.° e 327.° do Código Civil, aplicáveis ex vi al. d) do art.° 2.° da Lei Geral Tributária).
Ora, no caso, o processo de execução fiscal no âmbito da qual foi realizada a citação ainda não findou, antes se mantendo ativo, e tendo, aliás, a Reclamante apresentado a presente reclamação no âmbito do mesmo.
Razão pela qual, logo por aqui, seria de concluir pela inverificação do decurso do prazo de prescrição (neste sentido, e entre outros, pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/09/2020, tirado no processo n.° 0705/19.2BELLE, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
Uma segunda que se prende com a garantia prestada pela Reclamante para suspender o processo de execução fiscal, e que, conjugada com a apresentação da impugnação judicial do IRC de 1998, teve como consequência a paragem do processo de execução fiscal e logo, a suspensão do prazo de prescrição (cfr. n° 3 do art.° 49.° da Lei Geral Tributária na redação aplicável ao tempo da apresentação de impugnação / prestação de garantia para suspender o processo de execução fiscal).
Pelo que, considerando a data do trânsito em julgado do processo de impugnação, também por aqui não teria ocorrido a prescrição da obrigação tributária.
Com o que há que concluir pela improcedência desta questão, e com ela, da presente reclamação.”

Ora, resulta da sentença recorrida que se considerou a suspensão do prazo de prescrição por ter sido deduzida impugnação judicial e prestada garantia bancária, bem como a citação em 02/09/2020 como causa de interrupção.

No que diz respeito à questão colocada pela Recorrente de que se deveria ter considerado o disposto no n.º 2, do art. 49.º da LGT, não lhe assiste razão, senão, vejamos.

Na versão anterior à Lei 56-A/2006, de 29/12, dispunha o art. 49.º da LGT o seguinte:

“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.”

Ora, o n.º 2 supra transcrito foi revogado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, sendo certo que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, aos factos interruptivos e suspensivos da prescrição são aplicáveis as normas vigentes à data em que tiverem ocorrido, pelo que tal norma continua a ser aplicada aos factos interruptivos pretéritos cujo período de paragem do processo se completou antes da entrada em vigor da nova lei - nesse sentido, v. acórdão do STA de 19 de Setembro de 2012, processo n.º 0883/12.

In casu, nos termos do n.º 1, do art. 49.º da LGT, verifica-se efetivamente a interrupção do prazo de prescrição em 02/01/2002, com a citação da Reclamante (cf. ponto 2 da matéria de facto), tal como enunciado na sentença recorrida.

Ora, a tese da Reclamante é que esse efeito interruptivo cessou, nos termos do n.º 2 daquele preceito, por força da paragem do processo de execução fiscal por mais de um ano. Sucede que o processo de execução fiscal não esteve parado, esteve suspenso nos termos da lei, e assim sendo não se verificam os pressupostos para que se possa aplicar o regime previsto no n.º 2, do art. 49.º da LGT.

Na verdade, por força da impugnação judicial e da prestação de garantia pela Recorrente em 18/03/2002 (cf. pontos 3, 4, 5), o processo de execução fiscal esteve suspenso nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 3 da LGT, e art. 169.º, n.º 1 do CPPT.

Dispunha à época o n.º 1, do art. 169.º do CPPT que “A execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.”

Portanto, in casu, tendo sido deduzida impugnação judicial e constituída garantia bancária no montante indicado pelo órgão de execução fiscal, a execução ficou suspensa nos termos do n.º 1, do art. 169.º do CPPT.

Ademais, não colhe o argumento da Recorrente de que tal suspensão não ocorreu, porque a garantia foi prestada por valor inferior ao legal porque não se cumpriu o disposto no art. 199.º, n.º 6, do CPPT, não colhendo, de igual modo, o argumento de contradição do decidido em 1.ª instância por não se ter considerado o reforço da garantia que resulta do ponto 8 da matéria de facto provada.

Na verdade, o cálculo do montante da garantia pelo órgão de execução poderia ter sido reclamado no momento em que foi comunicado à Recorrente, contudo entendeu não o fazer, aliás, aceitou o montante calculado, e prestou a garantia bancária pelo exato montante exigido, pelo que, ainda que o montante da garantia a prestar fosse inferior ao legal, a verdade é que se conformou com o mesmo. Assim sendo, o órgão de execução fiscal estava obrigado a cumprir o disposto no n.º 1, do art. 199.º do CPPT e suspender o processo de execução fiscal, sendo que a existência dessa obrigação legal não é afastada por ter havido uma decisão de reforço da garantia prestada, porque esta é posterior, apenas ocorre em 2016 e não afeta o efeito suspensivo que vigora desde 2002.

Deste modo, importa concluir que a existência de impugnação judicial e a garantia bancária prestada tal como foi calculada pelo órgão de execução fiscal sem que tenha havido qualquer reclamação do valor do cálculo da garantia por parte da Recorrente (cf. ponto 4 e 5 da matéria de facto assente), é suficiente para que o órgão de execução fiscal esteja obrigado a suspender a execução fiscal nos termos do n.º 1 do art. 169.º do CPPT.

Em suma, o processo de execução fiscal esteve suspenso por força da lei (termos do disposto no art. 49.º, n.º 3 da LGT, e art. 169.º, n.º 1 do CPPT). A suspensão do processo de execução fiscal foi impulsionada pela Recorrente que deduziu impugnação judicial e solicitou e prestou garantia bancária no exato valor indicado pelo órgão de execução fiscal, e consequentemente, este se encontrava obrigado a suspender o processo de execução nos termos do n.º 1, do art. 169.º do CPPT. Assim sendo, não se verificam os pressupostos para que se possa aplicar o regime previsto no n.º 2, do art. 49.º da LGT. Interrompido o prazo de prescrição pela citação fica inutilizado todo prazo decorrido anteriormente (art. 326.º, n.º 1 do Código Civil) sendo que o novo prazo de prescrição de 8 anos previsto no n.º 1 do art. 48.º da LGT não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art. 327.º, n.º 1 do Código Civil), pelo que, tal como se decidiu em 1.ª instância, a dívida exequenda não se encontra prescrita.

Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos do recurso.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), vencida a Recorrente, esta é responsável pelas custas no presente recurso.

Considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cf. ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13), sempre se dirá que se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.

Na verdade, in casu, ponderado o montante da taxa de justiça que será devida, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça, verificando-se os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A suspensão do processo de execução fiscal nos termos do disposto no art. 49.º, n.º 3 da LGT, e art. 169.º, n.º 1 do CPPT, não consubstancia uma paragem do processo para efeitos do n.º 2, do art. 49.º da LGT, na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente, dispensando-se do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
D.n.

Lisboa, 27 de janeiro de 2022.


Cristina Flora (Relatora)


Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)