Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:408/10.3BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INTIMAÇÃO PARA ABSTENÇÃO DE CONDUTA
CONDENAÇÃO À NÃO EMISSÃO DE ATO ADMINISTRATIVO
AÇÃO INIBITÓRIA
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONI IURIS
Sumário:I – A apreciação do concreto pedido cautelar haverá de ser feita por consideração dos critérios decisórios previstos no artigo 120º do CPTA tendo por referência, atenta a natureza instrumental dos processos cautelares, a pretensão que será objeto de decisão a proferir na ação principal, cuja utilidade a providência cautelar se destinará a assegurar.
II – A ação destinada a obter a “…condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo” prevista no artigo 37º nº 2 alínea c) do CPTA, na sua versão original (e que hoje é consignada no artigo 37º nº 1 alínea c) do CPTA revisto, na redação resultante do DL. nº 214-A/2015), ação principal de que o presente processo cautelar é instrumental, constitui, ela mesma, uma ação de natureza inibitória e preventiva, consubstanciada na obtenção de uma condenação, em termos definitivos, da demandado a não adotar, no futuro, uma determinada conduta ainda não iniciada, mas com início provável ou iminente.
III – Assentando a ação inibitória desta natureza na necessidade da tutela preventiva (a título definitivo), dos direitos e interesses do autor, evitando a prática futura de um ato administrativo que os afetassem em termos irreversíveis, o Tribunal não será chamado a pronunciar-se sobre a validade ou invalidade desse ato administrativo futuro, numa espécie de apreciação de uma impugnação antecipada, por referência às ilegalidades que o autor porventura lhe assaque (adiantadamente), a sua tarefa será, diferentemente, a de aferir se o autor é titular do direito de que se arroga em termos que implique a abstenção da conduta da entidade administrativa
Votação:

DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:cordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

D........... (devidamente identificado nos autos), contra-interessado no Processo Cautelar que foi instaurado em 02-12-2010 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja pelas requerentes H...........- A........ S.A. e SAN.... - E.T.... SA, tendo como entidade requerida a AA........ IP , IP (ARHA) entretanto substituída pela AA........ IP (APA) que lhe sucedeu (cfr. ponto II. 2. da sentença recorrida - pág. 6) no qual requereram, previamente à instauração da ação principal, que identificaram ser ação administrativa comum de condenação da Administração Pública à abstenção da prática do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público marítimo, nos termos do artigo 37º, nº 2 alínea c) do CPTA, a propor, a decretação de providência cautelar de intimação para abstenção de conduta consubstanciada na abstenção da emissão do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público marítimo (referente ao estabelecimento “B.......”, na Praia do Carvalhal) em nome do contra-interessado, ou, subsidiariamente, adotada outra providência que acautele os interesses das Requerentes inconformado com a sentença de 08/08/2017 do Tribunal a quo que julgando procedente o pedido cautelar intimou a Entidade Requerida a abster-se da prática de ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico referente ao estabelecimento “B.......”, sito na Praia do Carvalhal, em nome do contra-interessado, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue improcedente a pretensão cautelar.
No seu recurso formula o recorrente as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 08/08/2017 e que julgou procedente a providência cautelar requerida, intimando a entidade demandada a abster-se da prática de ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico a favor do ora recorrente com referência ao espaço ocupado pelo “B.......”, na praia do Carvalhal, concelho de G..........

Quanto à exceção de caso julgado – Ponto II.I. da Alegação, p. 7 e ss.

2. Da análise do conteúdo do articulado inicial da presente ação cautelar e das providências que correm termos sob os n.º ...../09.7.... e n.º ..../09.1......, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, conclui-se, salvo melhor opinião, que entre uma e outras ações há absoluta identidade de sujeitos, identidade de causa de pedir e há, salvo melhor opinião, identidade de pedidos.

3. O que as ora recorridas pretendem com a providência que foi peticionada através dos presentes autos, não é mais do que, na prática, a suspensão dos efeitos do ato administrativo traduzido no despacho datado de 12 de maio de 2009, proferido pelo Presidente da AA........ IP (doravante, ARHA) e que no fundo é um ato confirmativo da decisão proferida por aquela mesma entidade em momento anterior (ofício n.º ...., de 12 de dezembro de 2008).

4. A douta sentença agora proferida considera que entre esta ação e a ação ..../09.1...... há total identidade entre sujeitos, pedido e causa de pedir (cfr. p. 10 da sentença), pelo que não poderia deixar de considerar, que também tal absoluta identidade se verifica em relação ao processo ..../09.7…., pois se assim não fosse, não teria sido reconhecida a exceção de litispendência entre os dois processos, tendo em conta que os requisitos da litispendência e do caso julgado são exatamente os mesmos (artigo 581.º, do CPC).

5. Assim, salvo melhor entendimento, verifica-se a exceção de caso julgado entre a presente ação administrativa cautelar e as duas já anteriormente mencionadas, até porque no processo n.º ...../09.7….. e na ação administrativa especial que se lhe seguiu (processo n.º …./09.2….) foi decidido, com trânsito em julgado, que o ato administrativo consubstanciado no despacho de 2009-05-12 era inimpugnável, por ser ato meramente confirmativo do ato anteriormente proferido em 2008-12-15, sendo certo que este último também já não está, obviamente, em prazo para ser impugnado com fundamento em anulabilidade (cfr. ambas as decisões nos processos apensos ao presente).

6. Ao não reconhecer a exceção de caso julgado, o tribunal a quo violou os artigos 577.º, alínea i), e, 277.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA (normas deste diploma, citadas tendo sempre em consideração o disposto no artigo 15.º, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro).

Quanto à exceção de caducidade do direito à ação – Ponto II.II. da Alegação, p. 14 e ss.

7. É incontornável à luz da lógica das coisas e da clareza de raciocínio que pedir que se intime a entidade requerida para não dar execução ao ato administrativo é exatamente o mesmo (em termos de efeitos práticos e jurídicos) que impugnar direitamente esse mesmo ato administração.

8. No caso concreto, admitir a intimação agora determinada pela douta sentença, seria a coartação dos efeitos de caso julgado de uma sentença - a proferida no processo ..../09.2......- que reconheceu a inimpugnabilidade do ato administrativo; seria, simplesmente, impedir a execução desse mesmo ato!

9. De facto, com a intimação para abstenção de conduta que está em causa na presente providência, o que se visa é obstar aos efeitos do ato administrativo que determinou que “…procederá a ARH do A……, IP, à emissão de título de ocupação da parcela supra referida, em nome de D..........” (Cfr. os ofícios da A.... n.º ....-DR..., de 2009-05-12 e n.º ...., 2008-12-12, transcritos na alínea AA) da matéria de facto considerada provada).

10. E o que fulcralmente é pretendido pelas ora recorridas, traduz-se na reapreciação da regularidade dos anteriores atos administrativos, os quais já não são impugnáveis, socorrendo-se, para tanto, da ação administrativa comum (como à data em causa estava prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea c), do CPTA, a qual não estaria sujeita a prazo, de acordo com o artigo 41.º, do mesmo diploma)!

11. Mas tal ardil é frontalmente proibido pelo artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, que prevê que “a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”.

12. Destarte, o tribunal a quo deveria, pois, ter julgado caduco o direito à ação/impugnação; e, ao não decidir neste sentido, violou, salvo melhor entendimento, o disposto no n.º 2, do artigo 38.º, do CPTA, mas também os artigos 113.º, n.º 1 e 114.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Quanto à exceção de abuso de direito – Ponto II.III. da Alegação, p. 20 e ss.

13. O acordo que as ora recorridas e o aqui recorrente celebraram em 12/10/2006 (doc. 08, junto ao RI), teve em vista ultrapassar o impasse que foi criado quanto à exploração do “B.......”, decorrente da indefinição sobre a titularidade do direito à utilização do terreno em que o mesmo se mostrava implantado, tendo as razões de ordem para tal negócio jurídico ficado plasmadas nos considerandos de tal instrumento.

14. Designadamente na cláusula 17.ª de tal instrumento, foram, também, definidas regras consensuais a respeitar na eventualidade de ao ora recorrente vir a ser reconhecido o direito ao título de utilização do domínio público hídrico, como efetivamente veio a ser reconhecido pela administração (alíneas V), W), X e AA), da matéria de facto considerada provada na sentença).

15. Foi, aliás, o preceituado neste acordo e designadamente no n.º 3, da cláusula 17.ª, que permitiu à Câmara Municipal de G......... a emissão dos alvarás de construção e utilização a que se reportam as alíneas T) e U), da matéria de facto considerada assente.

16. Mais relevante foi o teor do n.º 5, da cláusula 17.ª, onde se previu que se ao ora contrainteressado e recorrente viesse a ser reconhecido o direito ao Título de Utilização da parcela onde se encontra implantado o “ B.......”, a primeira requerida H.......aceitaria tal decisão, com as consequências previstas nos pontos 5.1 a 5.6, do referido número e cláusula contratual.

17. O recurso aos meios de tutela jurisdicional provisória na situação em apreço, jamais se justificaria no quadro contratual estabelecido entre as partes, desde logo porque jamais poderia mostrar-se efetivamente verificado o requisito por excelência de qualquer medida cautelar: o periculum in mora!

18. E, mais, resulta do acordo celebrado entre as partes, que há uma consensualidade na aceitação das decisões que hajam de ser proferidas relativamente aos procedimentos em curso, abstendo-se de promover quaisquer outros para além daqueles (vejam-se os n.º 1 e n.º 2, da cláusula 17.ª do acordo em questão).

19. Ao atuarem pela forma como o fazem pela presente ação cautelar, procurando evitar que a Administração Pública formalize o título de utilização da parcela a favor do contrainteressado, as ora recorridas estão a violar o compromisso que assumiram nos n.º 1 e 2, da cláusula 17.ª do acordo em presença e, nessa medida, comportam-se em conformidade com a máxima latina venire contra factum proprium!

20. A iniciativa assumida pelas ora recorridas, traduz-se, pois, num abuso de direito, com grave violação das expectativas criadas com a formalização de vontades negociais, que deverá ser entendida como uma transação extrajudicial sobre os interesses em litígio.

21. Pelo já exposto, entende o recorrente que o exercício do direito de ação agora em causa é ilegítimo, porque excede manifestamente os limites impostos pela boa fé contratual a que as partes se vincularam.

22. Ao não decidir neste sentido, violou o tribunal a quo o disposto no artigo 334.º, do Código Civil, e, ao desconsiderar a imperatividade do contrato celebrado entre as partes e a que já amplamente aludimos, foi violado o princípio da liberdade contratual e da eficácia dos contratos, a que aludem os artigos 405.º e 406.º, do Código Civil.

Quanto à nulidade por falta de fundamentação e por insuficiência da matéria de facto – Ponto II.IV. da Alegação, p. 27 e ss.

23. Verifica-se insuficiência de fundamentação da douta sentença, quanto à razão pela qual considerou preenchidos os requisitos para o decretamento da presente providência cautelar.

24. Não justificou o tribunal a quo, porque razão os factos que considerou provados eram aptos a concluir pela existência de um “facto consumado” desfavorável às recorridas, nem sequer qual era o seu conceito de “facto consumado”.

25. E a verdade é que embora incumbisse às requerentes da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a sua concessão (artigo 342.º do CC), nenhuns factos relevantes foram alegados ou considerados provados pelo tribunal, que permitissem concluir, designadamente pela existência de perigo de consumação irreversível de qualquer facto em desfavor das recorridas!

26. Não havendo, assim, alegação suficiente, estava o tribunal impedido de considerar a existência de qualquer “facto consumado” que pudesse consubstanciar o periculum in mora.

27. Ao não fundamentar a decisão de forma suficiente (ao menos quanto a estas focadas questões) e ao decidir a causa sem que tivesse considerado quaisquer factos provados concretamente atinentes à possível verificação de um “facto consumado” apto a preencher o periculum in mora, o tribunal violou o disposto nos artigos 208.º, n.º 1, da CRP e 154.º, do CPC, gerando uma nulidade da própria sentença (alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA)!

Quanto à falta de preenchimento dos requisitos da tutela cautelar – Ponto II.V. da Alegação, p. 30 e ss.

28. O tribunal a quo fez um deficiente enquadramento dos dois principais requisitos/critérios decisórios para a medida cautelar, como ainda, omitiu qualquer apreciação sobre a proporcionalidade da tutela provisória e do seu impacto nos legítimos direitos, interesses e expectativas do contrainteressado.

29. Pelos motivos mais amplamente expendidos no ponto II.V.I. da presente alegação de recurso (p. 32), a douta decisão recorrida não podia ter considerado verificar-se qualquer periculum in mora, pois não há qualquer receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para as ora recorridas que se mostrem alicerçados em quadro factual concreto de onde possa ser extraída uma conclusão objetiva sobre a verificação destas condições (Vd. Jurisprudência citada na presente alegação).

30. Aliás, é o próprio tribunal a quo que reconhece que o periculum in mora alegado pelas ora recorridas não tem concretização factual e resume-se “na singela afirmação de que caso não seja decretada a providência será praticado o ato (…) que as requerentes pretendem ver evitar” (cfr. o 3.º § de p. 29, da douta sentença), o que é manifestamente insuficiente.

31. A douta decisão recorrida não entendeu o “facto consumado” consubstanciador do periculum in mora, como aquele facto que é irremediável, que produz efeitos irreversíveis, que já não podem ser repostos e que tornaria inútil a decisão que viesse a ser proferida na ação principal. Com tal decisão interpretou deficientemente e violou o artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPTA.

32. Na verdade, os fundamentos invocados na douta sentença (cfr. designadamente os dois últimos §§ da p. 29, o 1.º § de p. 30 ou o 2.º § de p. 30 da decisão), não têm qualquer tipo de relação com a existência do perigo efetivo de se vir a verificar um facto consumado (no verdadeiro sentido jurídico) com a emissão do título de ocupação do domínio público hídrico a favor do ora recorrente, tudo pelas razões aduzidas a pp. 34 e ss., da presente alegação.

33. Ate porque, se após a emissão do título em causa a favor do ora recorrente, viesse a ser reconhecido qualquer direito às recorridas (o que nunca se concede), sempre o título em questão poderia ser revogado, até porque o contrainteressado sendo parte nas ações judiciais, fica vinculado ao efeito das mesmas.

34. A probabilidade (não a mera possibilidade) de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal e de que depende a providência cautelar, venha a ser julgada procedente ou que não se verifiquem óbices ao conhecimento do mérito da causa, é um dos requisitos/critérios de decisão da ação (artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPTA) que não foi respeitado pela sentença.

35. Este critério, que é traduzido no latinismo fumus boni iuris não se encontra preenchido na vertida situação, desde logo porque, se verifica total improbabilidade de ser procedente qualquer ação que as recorridas venham a intentar com vista a condenar a administração a não praticar o ato que está em causa, por força do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA.

36. O ato administrativo que decidiu a emissão do titulo de utilização do domínio público hídrico a favor do contrainteressado e ora recorrente (o mencionado nas alíneas X) e AA), da matéria de facto assente) é um ato inimpugnável (como já definitivamente decidido no âmbito da ação administrativa especial que correu termos sob o n.º ..../09.2….) e às recorridas é vedado o recurso à ação administrativa comum, para obter o mesmo efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.

37. E é indiscutível que a abstenção de conduta que é reclamada na presente ação cautelar e que seria futuramente peticionada no âmbito da ação principal anunciada pelas recorridas, seria precisamente a de não dar cumprimento ao ato administrativo inimpugnável, ou seja, não formalizar – como já anunciado e decidido pelo menos em 2009 – o título de utilização do Domínio Público hídrico a favor do aqui recorrente e contrainteressado.

38. Acresce, ainda, que, o facto essencial em que assenta a posição jurídica das recorridas, ao alegarem vício de violação de lei, está diretamente relacionado com o seu putativo direito de propriedade privada sobre a parcela que está em questão, sendo certo que tal matéria não pode ser conhecida no âmbito de qualquer ação administrativa, mas antes no foro dos tribunais judiciais comuns (cfr. artigo 15.º, n.º 1 e artigo 17.º, n.º 7, da Lei n.º 54/2006, de 15 de novembro).

39. O tribunal a quo, ao não decidir no sentido que agora se sufraga, viola ostensivamente os artigos 38.º, n.º 2, 113.º, n.º 1, 114.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, este último determinando a caducidade de qualquer providência que seja decretada, caso não exista ação principal de que aquela dependa.

40. Qualquer dos possíveis vícios de violação de Lei invocados pelas ora recorridas e focados pelo tribunal a quo (violação do direito de propriedade – não demonstrada – e preterição de concurso público) consubstanciariam mera anulabilidade do ato administrativo que foi formado pelo menos em 2009, quando foi reconhecido ao ora recorrente o direito ao título de ocupação do domínio público hídrico e há muito que é inviável reclamar contra a putativa (mas inexistente) anulabilidade do ato.

41. Ao valorar tais putativos vícios de anulabilidade neste momento, o tribunal a quo viola o caso julgado formado no âmbito do processo n.º ..../09.2…., e, excede os seus poderes de decisão violando o disposto, no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) e no artigo 38.º, n.º 2, ambos do CPTA na sua anterior versão!

42. Pois na verdade, a intimação pretendida pelas ora recorridas e agora surpreendentemente decretada pelo tribunal a quo mais não é do que atacar um simples ato de execução – há muito anunciado – de um ato administrativo assumido em 15/12/2008, pela ARHA (Cfr. alínea X), da matéria de facto assente) que veio a ser confirmado em 12/05/2009, pela mesma entidade (Cfr. a alínea AA), da matéria de facto assente e o que a este respeito foi decidido na ação apensa com o n.º..../09.2....).

43. Conforme resulta do facto assente vertido na alínea X) e que transcreve parte do documento 10 junto ao requerimento inicial e o documento 1 junto à oposição da entidade requerida, a autoridade administrativa entendeu não existir qualquer questão prejudicial que obstasse à decisão de emitir o título de ocupação do domínio público hídrico a favor do contrainteressado, pelo que não existe qualquer violação do artigo 31.º do Código de Procedimento Administrativo.

44. É muito evidente que os limites do domínio público hídrico nunca estiveram integrados em propriedade privada das recorridas e que a propriedade privada nunca excedeu os medos arenosos (dunas primárias e não praia) e nunca confrontou com o mar atlântico, realidade que é bem evidenciada pela matéria que o tribunal judicial comum já considerou provada no âmbito da ação a que é feita referência nas alíneas F), G) e H), da matéria de facto provada na douta sentença agora recorrida.

45. Tendo em conta a especial posição do agora recorrente (que titulava licença válida à data da entrada em vigor do POOC Sado-Sines, tanto o Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, como a Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, em nada prejudicaram os seus direitos adquiridos, em face do preceituado no artigo 17º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 309/93 de 02 de Setembro!

46. Esta última questão nem pode, sequer, ser colocada em causa, porquanto já foi decidida por ato administrativo o qual, aliás, motivou que a ação administrativa especial intentada pelo aqui recorrente e que correu termos sob o n.º …../04.4BEBJA viesse a ser extinta por impossibilidade superveniente da lide (nesta ação o recorrente pedia o reconhecimento dos seus direitos relacionados com esta matéria – cfr. docs. 4 e 5 junto com a oposição do contrainteressado e bem assim fls. 132 a 144, do PA).

47. Resulta, assim e uma vez mais, a impossibilidade de considerar qualquer fumus boni iuris, na situação vertida, mostrando-se outrossim, que o tribunal de primeira instância violou, neste conspecto, o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 120.º, do CPTA.

48. Pelas razões melhor invocadas no ponto II.V.III, da presente alegação (p. 46 e ss.) e, sobretudo, porque a providência decretada deixa um vazio jurídico e uma indefinição da situação vertida nos autos, a medida cautelar em questão lesa desproporcionalmente os legítimos interesses do contrainteressado ora recorrente e da própria autoridade administrativa, concluindo-se que o tribunal a quo violou o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA.

Contra-alegaram as recorridas SAN....-E.T.... SA, H...........-A........ S.A, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, tendo formulado o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:

I. As Requerentes, ora Recorridas, requereram a presente providência cautelar de intimação da Entidade Requerida para a abstenção da prática do ato administrativo de concessão de ocupação referente ao estabelecimento “B.......” na Praia do Carvalhal, porquanto a sua prolação consubstanciará uma manifesta violação da lei por parte da entidade Requerida.

II. Por sentença datada de 08 de agosto de 2017, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou procedente a presente providência cautelar e, em consequência, intimou a Entidade Requerida a abster-se da prática de ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico, referente ao estabelecimento “B.......”, sito na Praia do Carvalhal, em nome do Contrainteressado.

III. Tendo a douta Sentença recorrida julgado improcedentes as exceções de caso julgado, de caducidade do direito à ação e de abuso de direito, invocadas pela Entidade Requerida e pelo Contrainteressado, e tendo julgado verificados os pressupostos de que depende o decretamento da providência requerida, não se conformando com a mesma veio o Contrainteressado, ora Recorrente, interpor o presente recurso jurisdicional requerendo a sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente a presente providência cautelar.

IV. Não obstante, a douta Sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser integralmente mantida.

Da invocada exceção de caso julgado

V. Nas suas doutas Alegações de recurso alega o Recorrente que “ da análise do conteúdo do articulado inicial da presente ação cautelar e das providências que correm termos sob o n.º ...../09.7.... e n.º ..../09.1......, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, conclui-se, salvo melhor opinião, que entre uma e outra ações há absoluta identidade de sujeitos, identidade de causa de pedir e há, salvo melhor opinião, identidade de pedidos”.

VI. Decorre do alegado pelo Recorrente que se verifica a exceção de caso julgado entre a presente providência cautelar e as providências cautelares que correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja com os n.ºs …/09.7BEBJA e ..../09.1.......

VII. Resulta do ponto BB) da matéria de facto dada como provada pela douta Sentença recorrida que em “2009-06-03, as ora Requerentes intentaram contra a Entidade agora Requerida e o Contrainteressado, providência cautelar, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o n.º 206/09.7BEBJA, pedindo a intimação da Requerida a abster-se de proceder à emissão do título de ocupação, em nome do Contrainteressado, relativamente ao “B.......”ou à suspensão da sua executoriedade”.

VIII. E que “Em 2009-08-19, as ora Requerentes intentaram contra a Entidade agora Requerida e o Contrainteressado, providência cautelar, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o n.º…/09.1BEBJA, pedindo a intimação da Requerida a abster-se de proceder à emissão do título de ocupação, em nome do Contrainteressado, relativamente ao “B.......” (conforme ponto CC) da matéria de facto provada).

IX. A verificação da exceção de caso julgado pressupõe em geral, a repetição de uma causa, sendo esta repetição indiciada por uma tríplice identidade, em termos que impliquem a coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. artigos 580.º e 581.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA).

X. De acordo com o n.º 1 do artigo 581.º do CPC repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra anterior já finda por sentença de mérito transitada em julgado.

XI. Para efeitos de verificação da exceção de caso julgado assume relevância a distinção entre caso julgado material e caso julgado formal.

XII. A distinção entre caso julgado material e caso julgado formal é relevante nesta matéria porquanto que interessa para o efeito da exceção de caso julgado, é a primeira espécie, ou seja, o caso julgado material ou substancial porque é este que projeta a sua força e os seus efeitos para fora do processo em que foi proferido.

XIII. Por conseguinte, não merece qualquer reparo a conclusão da douta Sentença recorrida quando afirma que “, não tendo existido, como não existiu, decisão judicial prolatada à luz dos critérios enunciados no art. 120.º do CPTA não se verifica prejudicialidade entre ações, de tal ordem que julgada, em termos definitivos, uma certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão ou objeto da primeira causa, se impõe necessariamente em todas as ações que venham a correr termos”.

XIV. A douta Sentença recorrida teve em devida consideração a circunstância de nos autos com o n.º …../09.1BEBJA ter sido prolatada sentença que julgou procedente a exceção de litispendência (com o processo n.º 206/09.7), tendo a Entidade Requerida e o Contrainteressado sido absolvidos da instância e de nos autos com o n.º…./09.7 BEBJA ter sido prolatada sentença que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade, tendo a Entidade Requerida e o Contrainteressado sido absolvidos da instância.

XV. Por conseguinte, tendo as doutas sentenças proferidas recaído única e exclusivamente sobre a relação processual, as mesmas apenas possuem a força de caso julgado formal, nos termos do artigo 620.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.

XVI. Apenas o caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objeto do litígio.

XVII. Ora, basta compulsar as sentenças proferidas nos autos com n.º ...../09.7.... e n.º ..../09.1...... para se ver que estas não conheceram do mérito da relação jurídica aí em causa, antes tendo julgado procedente uma questão formal: na primeira situação foi proferida douta sentença de absolvição da instância por inimpugnabilidade do ato suspendendo, na segunda, sentença que deu como provada a exceção de litispendência.

XVIII. A diferença da extensão dos efeitos do caso julgado formal e material resulta ainda do artigo 279.º, n.º 1 do CPC que prevê que a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.

XIX. Não se tendo produzido o efeito de caso julgado material relativamente às doutas sentenças proferidas autos com n.º ...../09.7.... e n.º ..../09.1...... improcede a alegada exceção de caso julgado.

XX. Para além de não se verificar a exceção de caso julgado, pelos motivos supra expostos, é discutível a aplicação do instituto do caso julgado às providências cautelares.

XXI. As providências cautelares fundam-se na mera existência do direito que se pretende acautelar e no periculum in mora, caracterizando-se por uma relação de instrumentalidade com o processo de que dependem.

XXII. Tendo em consideração as apontadas características a jurisprudência tem entendido que a provisoriedade e o caso julgado material excluem-se, pelo que a decisão proferida nos processos cautelares jamais assume força de caso julgado.

XXIII. Ainda que assim não se entenda, não existe no caso concreto, ao contrário daquilo que alega o Recorrente, qualquer repetição da causa suscetível de configurar uma situação de caso julgado.

XXIV. A intimação para abstenção de conduta em causa no presente recurso é uma providência cautelar especificada do contencioso administrativo instrumental de uma ação principal de condenação à abstenção da prática de um ato, enquanto a providência requerida no Processo n.º 206/09.7BEBJA tinha apenas por objeto a suspensão de eficácia do ato impugnando na ação principal, tal como expressamente o reconheceu a douta sentença de 15 de Junho de 2010 que, por esse motivo, se pronunciou apenas pela inimpugnabilidade do ato.

XXV. Ora, a causa de pedir dos presentes autos apenas assenta no direito de propriedade do restaurante construído pela Recorrida H……. (facto novo) em prédio que é propriedade da Recorrida S……. e não visa a suspensão da eficácia de nenhum ato. Administrativo.

XXVI. O pedido é, por isso, distinto do formulado naquele processo, até porque distinto é também o seu objeto e a factualidade subjacente.

XXVII. A diferença entre as providências em apreço resulta ainda de no Processo n.º .../09.6BEBJA a providência assentava exclusivamente na invalidade do ato suspendendo.

XXVIII. No processo n.º .../09.7BEBJA, as Recorridas requereram a suspensão dos efeitos do ato administrativo traduzido no despacho datado de 12 de maio de 2009, proferido pelo Presidente da AA........ IP , que determinou que se procederá à emissão de título de ocupação da parcela ocupada pelo estabelecimento “B.......”, instalado na Praia do Carvalhal, concelho de G........., em nome do Recorrente; e, que esclarece que o título de ocupação n.º …/00/DH se encontra caducado.

XXIX. Já no processo n.º …/09.6BEBJA, as Recorridas requereram a intimação da Região Hidrográfica do A…… para abstenção de conduta, traduzida na não prolação de ato administrativo de emissão de título de utilização dos recursos hídricos em nome do Recorrente, para o estabelecimento “B.......”.

XXX. Estamos na presença de pedidos substancialmente diferentes uma vez que nos presentes autos as Recorridas requerem que a Entidade Requerida seja intimada a abster-se da prática do ato administrativo de concessão de ocupação referente ao estabelecimento “B.......”.

Da invocada exceção de caducidade do direito de ação

XXXI. Resulta do entendimento sufragado pelo Recorrente que aquilo que as Recorridas pretendem nos presentes autos é a reapreciação de atos administrativos anteriores, os quais já foram considerados, para efeitos do decretamento da providência cautelar n.º …/09.7BEBJA, como inimpugnáveis.

XXXII. De acordo com o Recorrente “ tal pretensão é legalmente inviável, pois não tendo sido feito uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses invocados pelas recorrentes (o qual seria uma ação administrativa para a impugnação de ato administrativo), nenhuma providência cautelar poderá ser legalmente decretada, considerando a relação de instrumentalidade que existe entre a ação cautelar e a ação principal”.

XXXIII. Também quanto a este alegado vício decidiu bem a Sentença recorrida ao considerar que “ o facto é que nos presentes autos não é pedida a suspensão de eficácia de qualquer ato administrativo mas sim a abstenção de uma conduta por banda da Entidade Requerida, tanto bastando para não estar em causa a alegada inimpugnabilidade nem, bem assim, a caducidade do direito de ação em apreço”.

XXXIV. E acrescenta “tratando-se como se trata, da identificada ação principal como sendo uma ação não sujeita a prazo, sempre terão as Requerentes, em caso de procedência da presente ação cautelar, o ónus de usar a via contenciosa principal no prazo de 3 (três) meses: cfr. art. 123º n.º 2 do CPTA ex vi art. 15º do DL n.º 214- G/2015, de 02 de outubro”.

XXXV. O artigo 37.º, n.º 2 do CPTA, na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/ 2015, de 2 de outubro, previa que seguia a forma de ação administrativa comum a condenação da Administração à adoção ou abstenção de comportamentos designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo.

XXXVI. Esta ação, relativamente à qual providência cautelar de intimação para a abstenção de comportamento é instrumental, podia ser proposta a todo o tempo, tal como dispunha o artigo 41.º do CPTA.

XXXVII. Não obstante a lei processual não estabelecer prazo para a propositura da ação de à adoção ou abstenção de comportamentos tendo em consideração a instrumentalidade e provisoriedade das providências cautelares dispõe o artigo 123.º, n.º 2 do CPTA (na versão vigente à data da apresentação do requerimento inicial nos presentes autos) que quando a tutela dos interesses a que a providência cautelar se destina seja assegurada, por via contenciosa não sujeita a prazo, deve o requerente, usar essa via no prazo de três meses contado desde o trânsito em julgado da decisão.

XXXVIII. Por conseguinte, a caducidade do direito de ação (principal) à presente providência cautelar apenas poderá ser aferida em função do prazo que estatuí o artigo 123.º, n.º 2 do CPTA.

XXXIX. Não assume qualquer relevância a consideração do Recorrente de que “ a ação comum não é o meio processual próprio para reagir na situação que temos em presença; precisamente porque é absolutamente evidente que o que ora as agora recorridas sempre pretenderam com o presente processo é atacar os efeitos resultantes de um ato administrativo que já lhes não é possível impugnar e que seria, teoricamente meramente anulável”.

XL. Salvo o devido respeito, o Recorrente formula um juízo hipotético acerca das verdadeiras pretensões processuais das Recorridas sem qualquer fundamento factual.

Do alegado abuso de direito

XLI. O Recorrente invoca a existência de abuso de direito por parte das Recorridas alegando para tal que o acordo celebrado entre o Recorrente e a Recorrida H.......“ deverá ser entendida como uma transação extrajudicial sobre os interesses em litígio. E, para além dos mais, admitir-se o recurso à tutela cautelar após a transação realizada pelas partes configuraria uma solução não só injusta, como mesmo imoral, porque violadora da boa-fé contratual a que as partes de vinculares!

XLII. No presente recurso jurisdicional o Recorrente alega a ofensa ao princípio ao boa-fé uma vez que no seu entendimento “ a pretensão das recorridas jamais poderia proceder, pois contrariaria frontalmente a solução a que consensualmente se vincularam!”.

XLIII. A douta sentença recorrida, apreciando o alegado abuso de direito, entendeu que nos presentes autos “as especificidades da demanda e o elevado grau de litigiosidade entre as partes (atente-se no número de ações intentadas neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e, bem assim nos Tribunais Judiciais) permitem compreender a inexistência de manifesto excesso do exercício do direito que as Requerentes pretendem ver acautelado, para mais, porque do acordo supra referido, e como melhor se verá infra, não decorre encontrarem-se as partes impedidas de pugnarem pela defesa dos direitos que entendem assistir-lhe, os quais são divergentes e encontram-se espelhados no mencionado acordo.

XLIV. A douta sentença recorrida compreendeu bem o alcance do acordo celebrado entre a Recorrida H.......e o Recorrente não se extraindo do mesmo que a Recorrida tivesse renunciado à defesa judicial dos seus direitos.

XLV. A aplicação do abuso de direito depende de terem sido alegados e provados os respetivos pressupostos, o que não sucedeu no presente recurso jurisdicional.

XLVI. Os factos invocados pelo Recorrente no sentido de qualificar como abusiva a atuação das Recorridas não são suscetíveis de configurar o exercício abusivo do direito por partes destas.

XLVII. Nas doutas Alegações de recurso, limita-se o Recorrente a invocar que as Recorridas teriam aceitado, nos termos da cláusula 17.ª, n.º 5 do Contrato a decisão que viesse a ser proferida relativamente ao título de utilização do domínio hídrico da parcela onde se encontra implantado o estabelecimento “B.......”.

XLVIII. No entanto, uma leitura mais atenta do referido Contrato permite-nos concluir que dele não se podem extrair as conclusões a que chega o Recorrido.

XLIX. Desde logo no Considerando XV pode ler-se que os “outorgantes têm, assim, comum interesse, em que no local ocupado pelo “B.......” seja construído um novo edifício (…), sem embargo da decisão judicial que venha a ser proferida sobre a questão da dominialidade” (negrito nosso).

L. Resulta assim provado que a intenção da Recorrida H.......com a celebração do Contrato foi apenas e tão só tentar obter uma solução concertada por forma a mitigar os prejuízos que, nos termos do Considerando XIV, resultam da “eventual demora na decisão judicial a ser proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, quanto aos seus direitos ado Título de Utilização”.

LI. A vontade negocial da Recorrida H.......não pode ser interpretada como uma transação extrajudicial sobre os interesses em litígio-como parece crer o Recorrente- uma vez que ficou claramente estabelecido em que a decisão final sobre a questão da dominialidade sempre seria resolvida pelo tribunal.

LII. Por conseguinte, não poderia o Recorrente ter qualquer posição ou expetativa merecedora de tutela jurídica de que a Recorrida H.......não tentaria judicialmente fazer valer as suas pretensões.

LIII. Aliás, no Considerando XII se afirma que na perspetiva da Recorrida H.......“ a parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” é propriedade privada”, posição que foi seguida e reiterada processualmente.

LIV. Improcede, deste modo, o alegado venire contra factum proprium invocado pelo Recorrente.

LV. Há venire contra factum proprium quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente, todavia, a vontade contratual expressa pela Recorrida H.......é a mesma defendida judicialmente.

LVI. É evidente e fica demostrado Recorrida H.......que nunca pretendeu renunciar ao exercício do seu direito de ação, pelo que não faz sentido a alegação do Recorrido que houve uma transação extrajudicial dos interesses em presença.

LVII. O que as partes pretenderam ao celebrar o Contrato foi o de estabelecerem uma forma de solucionarem o conflito de forma extrajudicial (sem intervenção jurisdicional), e não de o eliminarem em definitivo.

LVIII. A Recorrida H....... ressalvou expressamente as decisões judiciais a serem proferidas pelo que o seu comportamento não gerou no Recorrido a confiança na renúncia do exercício do direito de ação uma vez que nos termos da cláusula 17.ª do Contrato as “ partes aceitam, portanto, que continuarão a aguardar e respeitarão quaisquer decisões judiciais que venham a ser proferidas quanto ao direito que qualquer uma delasoutorgante possa ter ao Título de Ocupação da parcela de terreno em apreço e, nomeadamente, quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma”.

Da alegada nulidade por falta de fundamentação e insuficiência da matéria de facto

LIX. Nas doutas Alegações de recurso o Recorrente conclui que a decisão recorrida padece de “ uma muito ostensiva insuficiência de fundamentação, quer no plano factual, quer quanto ao aspeto jurídico. Esta omissão de fundamentação dificulta, ou chega mesmo a inviabilizar, uma adequada sindicância à bondade de tal decisão!”.

LX. A sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

LXI. Todavia, tal juízo não pode ser feito relativamente à douta sentença recorrida.

LXII. Nesta matéria há que distinguir a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. A lei apenas lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

LXIII. A falta de fundamentação geradora do vício da nulidade é a falta absoluta de fundamentos e no que concerne a falta de fundamentos de facto, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação de todos os factos que julgue provados.

LXIV. A douta sentença recorrida considerou que o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado “encontra contudo concreta densificação na factualidade indiciariamente assente: cfr. alínea A) a GG) supra”.

LXV. A douta sentença recorrida fundamentou a decisão alcançada por remissão à factualidade dada como provada sendo perfeitamente cognoscível as motivações fácticas e jurídicas que subjazem à decisão recorrida.

LXVI. A atribuição ao Requerente de um qualquer título de ocupação do domínio público viola de forma insustentável o direito de propriedade das Recorridas, situação cuja constituição é eminente tendo em consideração o facto provado na alínea AA).

LXVII. A situação de facto consumado aqui relevante é a elevada probabilidade do ato praticado pela Entidade Requerida as Recorridas sejam desapoderadas do seu direito de propriedade ou, subsidiariamente, da prolação do ato resultará a imediata violação de um ato constitutivo de direitos de que as Recorridas são titulares.

LXVIII. Ao contrário do que afirma o Recorrente é evidente e resulta claro da douta sentença recorrida que a mesma considerou que os factos provados são suficientes para que se conclua pela existência de um periculum in mora.

LXIX. Por conseguinte, à douta sentença recorrida não pode ser assacado o vício de nulidade, por falta de fundamentação, uma vez que o Tribunal a quo demostrou amplamente os fundamentos da decisão proferida.

Da alegada falta de preenchimento dos requisitos gerais da tutela cautelar

LXX. Para além dos vícios já referidos entende ainda o Recorrido que “ não só o tribunal a quo fez um deficiente enquadramento dos dois principais requisitos/ critérios decisórios para a medida cautelar, como ainda, omitiu qualquer apreciação sobre a proporcionalidade da tutela provisória e do seu impacto nos legítimos interesses e expectativas do contrainteressado”.

LXXI. Os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, como decorre no artigo 120.º do CPTA, os seguintes: que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni juris); que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência).

LXXII. A verificação destes requisitos tem que ser cumulativa devendo a apreciação judicial dos requisitos em presença deve ser feita em moldes de summario cognitio, materializada num juízo de verosimilhança ou mera previsibilidade e razoabilidade dos indícios.

LXXIII. Ademais, a concessão da providência cautelar depende da invocação e demonstração de factos donde se conclua pela verificação dos supra aludidos requisitos, sendo que incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora (através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum).

LXXIV. Quanto ao periculum in mora De acordo com a tese sufragada pelo Recorrente este critério não se encontra preenchido uma vez que “da leitura transversal do requerimento inicial que despoletou os presentes autos de ação cautelar, não resulta qualquer alegação (e muito menos qualquer demonstração efetiva) de matéria factual que permita concluir que na eventualidade da medida provisória pretendida não ser decretada, daí resulte um qualquer prejuízo irreparável ou dificilmente irreparável, ou mesmo uma situação de facto consumado que neste literal sentido seja irreversível!”

LXXV. Para o preenchimento deste pressuposto a douta sentença recorrida considerou a factualidade trazida aos autos.

LXXVI. No entendimento do tribunal a quo, que julgamos ser correto, “a emissão do título, nos termos e moldes anunciados pela Entidade Requerida, sopesadas as diferentes posições e não identificados danos para os interesses públicos, e, sem que, contudo, se mostre previamente esclarecida a questão da demarcação/propriedade da parcela de terreno em questão, indicia de modo verosímil e suscetível de convencer o Tribunal de que se mostra concretizado o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado”.

LXXVII. O periculum in mora mais não é de que o fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio.

LXXVIII. No que respeita ao periculum in mora, não pode deixar de se entender que as Recorridas alegaram factos concretos suficientes, pois invocaram que a emissão do título de ocupação ao Recorrente assenta na qualificação do prédio em que se encontra construído o restaurante, como pertencente ao domínio público marítimo, sendo que a referida parcela é propriedade da Recorrida San…..

LXXIX. O que significa que o não decretamento da providência é suscetível de originar uma situação de facto consumado (ou de muito difícil reconstituição) ao direito de propriedade da Recorrida San…..

LXXX. Mais do que prejuízos de difícil reparação, tem no caso concreto de admitir-se tratar-se de a constituição de um facto consumado, porquanto é de elevadíssima probabilidade, senão mesmo certeza, que, praticado o ato, as Recorridas sejam desapoderadas do seu direito de propriedade ou, subsidiariamente, da prolação do ato resultará a imediata violação de um ato constitutivo de direitos de que as Requerentes são titulares.

LXXXI. Relativamente ao fumus boni iuris, a atribuição das providências cautelares depende de um juízo perfunctório sobre a probabilidade de a ação principal poder vir a ser procedente. Esta avaliação não deve ultrapassar os limites próprios da tutela cautelar sob pena de passarmos a antecipar a decisão de fundo sobre o mérito da questão que apenas caberá tomar quando da análise do processo principal.

LXXXII. Para o preenchimento deste pressuposto o tribunal a quo considerou que “existindo dúvidas nas confrontações (v.g. face ao teor do autos de demarcação, confrontado com o teor das escrituras e do registo, com o auto de inspeção e com a localização dos marcos e do estabelecimento) e, consequentemente, na dominialidade daquela parcela de terreno onde se situa o “B.......”, existe questão prejudicial à decisão da Entidade Requerida, que sempre teria que ter sido resolvida à luz do disposto no art. 31º do Código de Procedimento Administrativo – CPA, na redação ao tempo aplicável”.

LXXXIII. E ainda que “indiciariamente decorrendo dos autos poder, em teoria, a questão da dominialidade vir a ser resolvida (em sede própria, que é, recorde-se, a dos tribunais judiciais: cfr. art. 15º n.º 1 e art. 17º n.º 7 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e cfr. Do reconhecimento de propriedade privada sobre terrenos do domínio público marítimo – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2012- 01-12, processo 60 a 76) a favor das Requerentes (atente-se, novamente, no teor dos supra citados documentos referentes à demarcação e propriedade e, bem assim no facto de nenhum deles ter sido declarado nulo, anulado ou revogado), mostra-se pois admissível considerar a procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório”.

LXXXIV. O Recorrente insiste na tese de o “ tribunal a quo, ao não decidir no sentido que agora se sufraga, viola ostensivamente o n.º2, do artigo 38.º, do CPTA”.

LXXXV. O preceito em apreço permite a apreciação incidental da ilegalidade de atos administrativos que já não possam ser impugnados, no âmbito de processos que não se dirigam à impugnação desses atos.

LXXXVI. Ora, que a ação administrativa comum é o meio processual próprio para reagir na presente situação é indiscutível e decorre inequivocamente do anterior no 2, alínea c) do artigo 37.º do CPTA.

LXXXVII. Por conseguinte, não tem aplicação aos presentes autos o estatuído no artigo 38.º, n.º2 do CPTA uma vez que aquilo que as Recorridas pretendem com a presente providência cautelar é tão somente obter a condenação da Administração a abster- se da prática do ato e não obter o conhecimento da ilegalidade do ato.

LXXXVIII. São, portanto, duas situações que não se confundem. Na presente providência cautelar o tribunal não foi chamado a apreciar a ilegalidade de qualquer ato, pelo que não estamos perante um processo impugnatório.

LXXXIX. O Recorrente vem ainda alegar que a “procedibilidade de uma eventual ação de reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico a que o tribunal se reporta (…), não é mais do que uma possibilidade remota, sendo certo que as recorridas não lançaram mão desta solução em atenção ao mais certo decaimento que teriam numa ação de tal natureza!”.

XC. No tocante a este argumento cumpre referir em 29.05.2014 a Recorrida San…… intentou ação declarativa de simples apreciação positiva, para reconhecimento de propriedade privada de áreas, incluídas na margem das águas do mar, integradas em prédio abrangido pelo regime jurídico do domínio hídrico.

XCI. No processo em apreço, que ainda corre termos no Tribunal Judicial de Setúbal sob o nº …./14.1T2STC, a Recorrida San…. alega ser dona e legítima proprietária do prédio misto denominado H…….., atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de G......... sob a ficha n.º .../19940217 sito no Carvalhal, concelho de G........., com a área de 465,3365 hectares e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 2.º, da secção B-B1, da freguesia de Melides, concelho de G..........

XCII. Tendo ainda alegado que prédio em causa foi já objeto de delimitação com o domínio público marítimo através do auto de delimitação publicado no Diário do Governo, III série, n.º 191, de 20 de agosto de 1975.

XCIII. E que não obstante a demarcação efetuada ser vinculativa para todas as autoridades públicas, a delimitação administrativa operada não preclude a competência dos tribunais comuns para decidir da propriedade ou posse dos leitos e margens ou suas parcelas, pelo que na ação em apreço, proposta ao abrigo do disposto no artigo. 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, o pedido consiste precisamente no reconhecimento, por esse Tribunal, de que as áreas incluídas na margem das águas do mar, integradas no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de G......... sob a ficha n.º …/19940217, são propriedade privada desde antes 1836 e, na medida em que a Recorrida San…… é a atual titular das mesmas, que são propriedade da Recorrida San…..

Da alegada violação do princípio da proporcionalidade da medida tutelar requerida

XCIV. Por fim, o Recorrente alega que a douta sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade.

XCV. A proporcionalidade na decisão de concessão da providência cautelar implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de modo a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou recusa da providência cautelar dos interesses preponderantes da situação concreta, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada.

XCVI. O resultado das alternativas em presença é avaliado, num juízo de prognose, e a providência não é concedida, ainda que se verifiquem os requisitos, quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da não concessão.

XCVII. Verdadeiramente do que se trata é ponderar os danos ou prejuízos reais que, tendo em consideração o caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão da providência cautelar.

XCVIII. Quanto aos prejuízos que a concessão da providência acarreta limita-se a alegar que a douta sentença recorrida “deixou a questão da utilização do “B.......”, que está em pleno funcionamento, é extremamente delicada, pois coloca em causa a legalidade da construção onde funciona o estabelecimento comercial em apreço e a sua utilização”.

XCIX. Os danos que eventualmente podem advir para o Recorrente são, deste modo, danos essencialmente económicos, traduzidos na perda de receitas de exploração mas que não podem sobrepor-se à proteção devida a um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias, como é o direito de propriedade das Recorridas.


Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face das conclusões formuladas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
- saber se a sentença recorrida, ao julgar inverificada a suscitada exceção de caso julgado, violou os artigos 577º alínea i) e 277º nº 1 alínea e) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA - (conclusões 2ª a 6ª das alegações de recurso);

- saber se a sentença recorrida deveria ter julgada verificada a caducidade do direito de ação, tendo violado, ao não decidir nesse sentido, o disposto nos artigos 38º nº 2, 113º nº 1 e 114º nº 1 do CPTA – (conclusões 7ª a 12ª das alegações de recurso);

- saber se a sentença recorrida devia ter julgado verificado o invocado abuso de direito, tendo violado, ao assim não entender, o artigo 334º do Código Civil e princípio da liberdade contratual e da eficácia dos contratos, a que aludem os artigos 405º e 406º do Código Civil – (conclusões 13ª a 22ª das alegações de recurso);

- saber se a sentença recorrida, no que respeita à decisão de decretamento da providência, padece de nulidade por falta de fundamentação e por insuficiência da matéria de facto nos termos do artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA – (conclusões 23ª a 27ª das alegações de recurso);

- saber se a sentença recorrida, no que respeita à decisão de decretamento da providência, incorreu em erro de julgamento, quer quanto ao juízo de verificação do requisito do periculum in mora quer quanto ao juízo de verificação do requisito do fumus boni iuris com violação do disposto no artigo 120º nº 1 alínea c) do CPTA (versão original) quer ainda quanto à ponderação a que alude o artigo 120º nº 2 do CPTA, em termos que deveria ter sido indeferida – (conclusões 28ª a 48ª das alegações de recurso).

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:

A) A 1ª Requerente (HdC) detém a totalidade da 2ª Requerente (SAN……): cfr. 477 a 489 e fls. 501 e 502 dos autos;

B) Em 1925-05-15, por escritura pública outorgada no Livro A-28 do Notário de Lisboa C…. e S….., a H…. adquirido à C….. das L….. do Tejo e Sado, o prédio rústico denominado “H………….”, sito nas freguesias de S………., no concelho de A………, e de M…….. e G........., no concelho de G........., tendo a parte situada no concelho de G........., e designada por P…… da C…… e C….. da C……, as áreas, respetivamente, de 2.193,6900 hectares e de 1.695,8250 hectares, que confrontam de norte com V. R. da C….., que divide terrenos da mesma companhia situados no concelho de A….. dunas de Tróia, de nascente com V.R. da C....., de sul com herdades do Bre…..e V. C…. e “…poente por esteiro da C……., terreno de H……….. S…….. e medos arenosos que confinam com Oceano Atlântico…” (cfr. fls. 68 do Doc. n.º 1 e Doc. 2 juntos com o RI do processo 206/09BEBJA apenso), situados no concelho de G........., inscritos na matriz rústica das freguesia de G......... e M……. (respetivamente artigos 2, 3, e 4 da secção AA e artigo 1 das secções B, B1, B2 a B3), e descritos na Conservatória do Registo Predial de G......... sob o nº ....: cfr. doc. anexo ao Doc. nº 1 junto com o RI e cfr. Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2 juntos com a Oposição do Contrainteressado;

C) Em 1963-03-09, a HdC, que então usava a sua anterior denominação de “The Atlantic Company, Limited”, vendeu à Requerente SAN………., após destaque (do acima descrito prédio rústico denominado “H………….”) de uma parcela de terreno com a área aproximada de 440 hectares, confrontando: do norte: com Dunas de Tróia; sul e nascente com a H……….. e “… do poente com Oceano Atlântico…”: cfr. fls. 7 do doc. anexo ao Doc. nº 1 junto com o RI.

D) Em 1975-08-20, foi publicado na III série do Diário do Governo, nº 191, o Auto de Delimitação entre a propriedade denominada SAN........ e o domínio público marítimo, homologado pelo Despacho Conjunto do Ministro da Justiça e do Contra Almirante Adjunto do Chefe do Estado Maior da Armada, de 1975-06-18: cfr. Doc. nº 3 junto com o RI, vide Doc. n.º 3 junto com a Oposição do Contrainteressado; vide fls. 460 a 463 dos autos;

E) Em 1994-02-17, foi descrito sob o n.º 00535, o prédio rústico denominado “HSM” – terreno com a área de 469,2813 ha - Norte: d… de T…; Sul e Nascente H.......e A……s; Poente: Praia do Mar, limites do domínio público marítimo: cfr. Doc. nº 1 junto com o RI;

F) Em 1998-09-14, na ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de G......... sob o n.º …./93, onde foi A. a ora 2ª Requerente e RR. V……………….e o EP…….., foi proferida Sentença que julgou parcialmente procedente a ação de reivindicação, declarando a A. legitima proprietária do prédio rústico denominado “HSM”, sito na freguesia de C….., concelho de G........., descrito na Conservatória do Registo Predial de G........., sob o n.º .... e condenando os RR. a reconhecer tal direito de propriedade, mais julgou improcedente o pedido de condenação R. V……… a deixar livre de pessoas e bens a parcela de terreno que ocupa, sita na Praia do C……. freguesia de C…….., concelho de G.........: cfr. Doc. n.º 6 junto com a Oposição do Contrainteressado;

G) Na fundamentação da acima referida Sentença pode ler-se “… o resultado da medição efetuada de acordo com as coordenadas constantes do referido auto de delimitação não se afigura conforme com o regime constante do Dec-Lei 468/71 e com a demais factualidade provada. Na verdade, conforme consta do referido autos, procedeu-se à demarcação do domínio público marítimo pela linha do máximo preia-mar das águas vivas e, segundo o resultado de tal medição, a maior parte do areal da praia ficaria excluída do domínio público marítimo, situando-se o seu limite muito próximo do leito das águas do mar e seguramente a muito menos de 50 metros daquela linha. (…): Por outro lado, dos factos provados decorre claramente que a parcela de terreno se situa na praia, assentando a construção que o Réu possui totalmente em areia solta, sendo certo que em alturas de temporal, o mar pode atingir a referida construção…”: cfr. Doc. n.º 6 junto com a Oposição do Contrainteressado;

H) Em 1999-07-01, foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora a Sentença de 1998-09-14, prolatada pelo Tribunal Judicial da Comarca de G.........: cfr. Doc. n.º 3 junto com a Oposição da Entidade Requerida e cfr. Doc. n.º 7 junto com a Oposição do Contrainteressado;

I) De 1995 a 1999-07-15, a D…………… – DRARNA, emitiu, em nome de V............, licenças de ocupação do Domínio Público Marítimo - DPM, para o estabelecimento “B.......”, sito na praia do Carvalhal, freguesia de C…….., concelho de G........., com validade anual e a título precário: cfr. Doc. nº 5 a Doc. n.º 9 juntos com a Oposição da Entidade Requerida;

J) Em 1999-12-06, V……… solicitou à Requerida o averbamento da licença de ocupação do Domínio Público Marítimo – DPM n.º ……./99/DPM, para o estabelecimento “B.......” para o nome do ora Contrainteressado: cfr. Doc. n.º 10 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

K) Em 2000-04-04, por ofício n.º ……/DSNEC/2000, a Requerida notificou o Contrainteressado de que:“ uma vez publicado o Plano da Orla Costeira Sado – Sines, a licença nº ……./99/DPM encontra-se caducada, nos termos expressos no referido título. No entanto, está prevista a manutenção do estabelecimento em causa desde que o mesmo se conforme com as disposições impostas pelo POOC Sado – Sines. Deverá V Exa. informar a Direção Regional, no prazo de 10 dias, se está interessado em manter a referida ocupação. Em caso afirmativo fica obrigado ao seguinte:- cumprir o projeto de construção e arranjos que se encontra a ser elaborado pela CM integrado no Plano de Pormenor da Praia de G........., no prazo de dois anos a contar da data de aprovação do referido projeto;- transferir a estrutura para a área estipulada pelo Plano acima citado;- assegurar o serviço de apoio de praia completo (com a repartição de responsabilidades pelos dois concessionários), o qual inclui para além das funções comerciais e armazém as seguintes obrigações: vestiário, balneário, sanitários (com acesso independente e exterior), posto de socorros, comunicações de emergência, informação, vigilância e assistência a banhistas, limpeza de praia e recolha de lixo;- munir-se da autorização do proprietário do terreno onde será reinstalada a estrutura em causa”: negrito introduzido pela ora signatária; cfr. Doc. n.º 11 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

L) Em 2000-04-04, por ofício n.º ………/DSNEC/2000, a Entidade Requerida notificou o Contrainteressado de que: “… na sequência de solicitação (…), para transferência da titularidade da licença [n.º ……/99/DPM], informa-se que a mesma foi autorizada e passa a vigorar a partir da presente data…”: negrito introduzido pela ora signatária; cfr. Doc. n.º 12 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

M) Em 2000-05-08, o Contrainteressado informou a Entidade Requerida de que estava interessado em manter a ocupação em questão: cfr. Doc. n.º 13 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

N) Em 2000-11-13, por ofício n.º …../DSNEC/2000 a Entidade Demandada notificou o Contrainteressado de que: “… o projeto de requalificação do estabelecimento encontra-se em vias de ser aprovado. A fim de formalizar o licenciamento provisório, fica notificado, para no prazo de 10 dias, enviar a este serviço documento comprovativo da autorização do proprietário do terreno para a referida ocupação…”: negrito introduzido pela signatária; cfr. Doc. nº 14 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

O) Em 2001-04-17, a D…………. – DRAOTA, emitiu à H……., então ainda com a sua anterior denominação social de The Atlantic Company, Limited, Titulo de Ocupação de Domínio Marítimo Privado - DMP n.º ……/00/DH para Restaurante “B.......”, na Praia do C…….., freguesia do C……, concelho de G........., a titulo provisório, pelo prazo de 2 anos, obrigando-se o seu titular a cumprir o disposto no POOC Sado-Sines, tanto no que respeita aos requisitos gerais como aos resultantes do exercício da atividade (…) o titular da concessão obriga-se a respeitar todas as leis e regulamentos aplicáveis e munir-se de todas as outras licenças que seja exigíveis, nomeadamente alvará sanitário e alvará de funcionamento (…) a presente concessão anula todas as outras anteriores referentes à ocupação do Domínio Público Marítimo…” : negrito introduzido pela signatária; cfr. Doc. nº 4 junto com o RI;

P) Em 2004-02-19, a Entidade Requerida, proferiu o despacho n.º ….VPR-3/04, que ordenou ao Contrainteressado a remoção do estabelecimento “B.......”: cfr. PA; vide fls. 125 a 130 do processo 91/04.5BEBJA e cfr. Doc. n.º 4 junto com a Oposição do Contrainteressado;

Q) Em 2004-03-23, o Contrainteressado intentou neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, providência cautelar que correu termos sob o n.º 91/04.5BEBJA, pedindo a suspensão de eficácia do ato acima melhor identificado, o que foi julgado procedente por Sentença de 2004-05-31”: cfr. PA; vide fls. 125 a 130 do processo 91/04.5BEBJA e cfr. Doc. n.º 4 junto com a Oposição do Contrainteressado;

R) Em 2004-06-07, o Contrainteressado intentou neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, ação administrativa especial que correu termos sob o n.º 200/04.4BEBJA, pedindo a anulação do ato acima referido: cfr. fls. 132 a 134, 144 do identificado processo e cfr. Doc. n.º 5 junto com a Oposição do Contrainteressado;

S) Em 2006-10-12, as Requerentes na qualidade de primeira outorgante e o Contrainteressado, na qualidade de segundo outorgante, acordaram, além do mais, os termos da cessão de exploração do Estabelecimento de Restauração e Bebidas denominado “B.......”, que aquela iria construir, mediante o pagamento de uma renda por parte deste, mais acordando que: “… o disposto nas cláusulas anteriores não prejudica os direitos que venham a ser reconhecidos a qualquer uma das partes aqui Outorgantes, sobre a utilização da parcela de terreno onde está [implantado o B.......] (…); As partes aceitam, portanto, que continuarão a aguardar e respeitaram quaisquer decisões judiciais que venham a ser proferidas quanto ao direito que qualquer uma delas outorgantes possa ter ao Titulo de Ocupação da parcela de terreno em apreço e, nomeadamente, quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma…”: cfr. Doc. n.º 8 junto com o RI;

T) Em 2008-01-09, a CÂMARA MUNICIPAL DE G......... - CMG emitiu, em nome da Requerente, e relativamente ao estabelecimento “B.......”, o Alvará de Obras de Construção nº ……./2008: cfr. Doc. n.º 6 junto com o RI;

U) Em 2008-05-14, a CMG emitiu, em nome da Requerente, e relativamente ao estabelecimento “B.......”, o Alvará de Autorização de Utilização nº …../08 : cfr. Doc. n.º 7 junto com o RI;

V) Em 2008-05-20, foi proferida a Informação n.º …/2008, do Gabinete do SECRETÁRIO DE ESTADO DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E DAS CIDADES – SEOTC, na qual se concluiu: “… o auto de demarcação que existe [de 1975-08-20] (…) produz a plenitude dos seus efeitos jurídicos, tendo sido com base nele, que a concessão para ocupação (através de um restaurante) do DMP foi, e tem vindo a ser ao longo de todos estes anos, licenciada. 14.2 De todos os elementos carreados para o processo e, bem assim das decisões prolatadas pelos tribunais no âmbito dos processos judiciais já antes analisados, resulta objetivamenteclara a provada a dominialidade pública da parcela em que se localiza o restaurante “Pôr-do-Sol”, pelo que, legalmente, nada obsta a que sejam emitidas as respetivas licenças. 14.3 Sem prejuízo do previsto no número anterior, sempre assistirá à empresa “SAN...... – Empreendimentos e Turismo, S.A.” a possibilidade de, querendo, instaurar uma ação de reconhecimento da propriedade, devendo, nesse caso, produzir prova de que a parcela referida (…) se insere no domínio privado, prova que, note-se, até à data não logrou fazer…”: negrito introduzido pela signatária; cfr. Doc. n.º 4 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

W) Em 2008-05-28, o SEOTC, proferiu despacho concordando com a informação acima melhor identificada: cfr. Doc. n.º 4 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

X) Em 2008-12-15, a Entidade Requerida oficiou as Requerentes de que: “…de acordo com o teor da informação nº …/2008 de 20 de Maio de 2008, do gabinete S. Exa. O Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, que toma por base a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação de Évora, onde o processo correu termos sob o nº …/99, vindo a ser objeto de sentença em 99.07.01 “… resulta objetivamente clara a dominialidade pública da parcela (…). Face ao exposto informamos que serão encetados os procedimentos tendentes à emissão do título de ocupação da referida parcela do Domínio Público Hídrico, tendo por titular D..........…”: cfr. Doc. n.º 10 junto com o RI e cfr. Doc. n.º 1 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

Y) Em 2009-01-22, a ação administrativa especial acima melhor identificada e que neste Tribunal correu termos sob o n.º 200/04.4BEBJA, foi julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide: cfr. fls. 132 a 134, 144 do identificado processo (vide despacho da Entidade Requerida de 2008-12-05) e cfr. Doc. n.º 5 junto com a Oposição do Contrainteressado;

Z) Em 2009-04-14, o Contrainteressado solicitou à Entidade Requerida que: “… se proceda à formalização do titulo de utilização do Domínio Público Marítimo …” a seu favor : cfr. Doc. n.º 15 junto com a Oposição da Entidade Requerida;

AA) Em 2009-05-12, por oficio n.º ….-DRHIL, a Entidade Requerida informou as Requerentes de que: “…procederá a ARH do Alentejo, IP, à emissão de título de ocupação da parcela supra referida, em nome de D.........., conforme já comunicado, no ofício n.º…., datado de 12 de Dezembro de 2008. A decisão tem por fundamento o determinado no Despacho de Sua Exa. o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, exarado a 28 de Maio de 2008, sobre a informação n.º …./2008 de 20 de Maio/2008 (…) fundamentam (…) as decisões prolatadas pelo Tribunal Judicial de G......... (…) e pelo Tribunal da Relação de Évora (…), que julgaram improcedentes o pedido de condenação do R. (…) a deixar livre de pessoas e bens a parcela de terreno ocupada, porquanto não logrou a A. (…) demonstrar o seu direito de propriedade sobre a mesma parcela. (…) O titulo de ocupação n.º …./00/DH, que chegou a ser emitido em nome (…), no ano de 2000, tinha validade de 2 anos, encontrando-se o mesmo já caducado…”: cfr. Doc. n.º 12 junto com o RI;

BB) Em 2009-06-03, as ora Requerentes intentaram contra a Entidade agora Requerida e o Contrainteressado, providência cautelar, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o n.º 206/09.7BEBJA, pedindo a intimação da Requerida a abster-se de proceder à emissão do título de ocupação, em nome do Contrainteressado, relativamente ao “B.......” ou à suspensão da sua executoriedade: cfr. fls. 458 dos autos;

CC) Em 2009-08-19, as ora Requerentes intentaram contra a Entidade agora Requerida e o Contrainteressado, providência cautelar, que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sob o n.º288/09.1BEBJA, pedindo a intimação da Requerida a abster-se de proceder à emissão do título de ocupação, em nome do Contrainteressado, relativamente ao “B.......”: cfr. fls. 458 dos autos;

DD) Em 2009-11-16, foi prolatada sentença nos autos n.º ..../09.1...... que julgou procedente a exceção de litispendência (com o processo n.º 206/09.7), tendo a Entidade Requerida e o Contrainteressado sido absolvidos da instância: cfr. fls. 458 dos autos;

EE) Em 2010-02-11, por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, (Processo 5864/10) foi confirmada a Sentença de 2009-11-16, (Processo n.º288/09.1BEBJA): cfr. fls. 458 dos autos;

FF) Em 2010-06-15, foi prolatada sentença nos autos n.º 206/09.7 BEBJA (em que a acção principal correu sob o n.º..../09.2...., também apensa), veio a ser julgada procedente a exceção de inimpugnabilidade, tendo a Entidade Requerida e o Contrainteressado sido absolvidos da instância: cfr. fls. 458 dos autos;

GG) Em 2010-12-02, as Requerentes intentaram neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja a presente ação: cfr. fls. 1 dos autos.
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B – De direito

1. Da sentença recorrida
Na sentença recorrida, a Mmª Juíza do Tribunal a quo, procedeu à apreciação, em sede de saneamento, das suscitadas questões de caso julgado, de caducidade do direito de ação, e de abuso de direito, julgando-as improcedentes.
E prosseguindo para a apreciação do mérito da pretensão cautelar formulada, deferiu o pedido de decretamento da requerida providência cautelar intimando a Entidade Requerida a abster-se de emitir o ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico, referente ao estabelecimento “B.......”, na Praia do Carvalhal, em nome do contra-interessado.
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2. Da tese do recorrente
2.1 Insurge-se o recorrente quanto à sentença recorrida, quer no que tange às decisões de improcedência das suscitadas questões de caso julgado; de caducidade do direito de ação e de abuso de direito, e bem assim no que respeita à decisão de decretamento da providência cautelar requerida.
2.2 No que respeita à decisão de improcedência da exceção de caso julgado imputa-lhe o recorrente erro de julgamento, sustentando que da análise do conteúdo do articulado inicial da presente ação cautelar e das providências que correm termos sob os n.º ...../09.7.... e n.º ..../09.1......, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, conclui-se que entre uma e outras ações há absoluta identidade de sujeitos, identidade de causa de pedir e há identidade de pedidos; que as recorridas pretendem com a providência que foi peticionada através dos presentes autos, não é mais do que, na prática, a suspensão dos efeitos do ato administrativo traduzido no despacho datado de 12 de maio de 2009, proferido pelo Presidente da AA........ IP (ARHA) e que no fundo é um ato confirmativo da decisão proferida por aquela mesma entidade em momento anterior (ofício n.º ...., de 12 de dezembro de 2008); que a douta sentença agora proferida considera que entre esta ação e a ação ..../09.1...... há total identidade entre sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que não poderia deixar de considerar, que também tal absoluta identidade se verifica em relação ao processo 206/09.7BEBJA, pois se assim não fosse, não teria sido reconhecida a exceção de litispendência entre os dois processos, tendo em conta que os requisitos da litispendência e do caso julgado são exatamente os mesmos (artigo 581.º, do CPC) e que assim, salvo melhor entendimento, verifica-se a exceção de caso julgado entre a presente ação administrativa cautelar e as duas já anteriormente mencionadas, até porque no processo n.º 206/09.7BEBJA e na ação administrativa especial que se lhe seguiu (processo n.º..../09.2....) foi decidido, com trânsito em julgado, que o ato administrativo consubstanciado no despacho de 2009-05-12 era inimpugnável, por ser ato meramente confirmativo do ato anteriormente proferido em 2008-12-15, sendo certo que este último também já não está, obviamente, em prazo para ser impugnado com fundamento em anulabilidade (cfr. ambas as decisões nos processos apensos ao presente), pelo que ao não reconhecer a exceção de caso julgado, o Tribunal a quo violou os artigos 577.º, alínea i), e, 277.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA - (vide conclusões 2ª a 6ª das alegações de recurso).
2.3 No que respeita à decisão de improcedência da suscitada exceção de caducidade do direito de ação imputa-lhe o recorrente erro de julgamento, sustentando que à luz da lógica das coisas e da clareza de raciocínio que pedir que se intime a entidade requerida para não dar execução ao ato administrativo é exatamente o mesmo (em termos de efeitos práticos e jurídicos) que impugnar direitamente esse mesmo ato administração; que no caso concreto, admitir a intimação agora determinada pela sentença recorrida, seria a coartação dos efeitos de caso julgado de uma sentença - a proferida no processo ..../09.2......- que reconheceu a inimpugnabilidade do ato administrativo; seria, simplesmente, impedir a execução desse mesmo ato; que de facto, com a intimação para abstenção de conduta que está em causa na presente providência, o que se visa é obstar aos efeitos do ato administrativo que determinou que “…procederá a ARH do Alentejo, IP, à emissão de título de ocupação da parcela supra referida, em nome de D..........” (Cfr. os ofícios da A.... n.º ....-DR..., de 2009-05-12 e n.º ...., 2008-12-12, transcritos na alínea AA) da matéria de facto considerada provada); que o que fulcralmente é pretendido pelas ora recorridas, traduz-se na reapreciação da regularidade dos anteriores atos administrativos, os quais já não são impugnáveis, socorrendo-se, para tanto, da ação administrativa comum (como à data em causa estava prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea c), do CPTA, a qual não estaria sujeita a prazo, de acordo com o artigo 41.º, do mesmo diploma); que tal ardil é frontalmente proibido pelo artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, que prevê que “a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”; que o Tribunal a quo deveria, pois, ter julgado caduco o direito à ação/impugnação; e, ao não decidir neste sentido, violou, salvo melhor entendimento, o disposto no n.º 2, do artigo 38.º, do CPTA, mas também os artigos 113.º, n.º 1 e 114.º, n.º 1, do mesmo diploma legal – (vide conclusões 7ª a 12ª das alegações de recurso).
2.4 Quanto à decisão de improcedência que recaiu sobre o invocado abuso de direito imputa-lhe o recorrente erro de julgamento, sustentando que o acordo que as ora recorridas e o aqui recorrente celebraram em 12/10/2006 (doc. 08, junto ao RI), teve em vista ultrapassar o impasse que foi criado quanto à exploração do “B.......”, decorrente da indefinição sobre a titularidade do direito à utilização do terreno em que o mesmo se mostrava implantado, tendo as razões de ordem para tal negócio jurídico ficado plasmadas nos considerandos de tal instrumento; que designadamente na cláusula 17.ª de tal instrumento, foram, também, definidas regras consensuais a respeitar na eventualidade de ao ora recorrente vir a ser reconhecido o direito ao título de utilização do domínio público hídrico, como efetivamente veio a ser reconhecido pela administração (alíneas V), W), X e AA), da matéria de facto considerada provada na sentença); que foi, aliás, o preceituado neste acordo e designadamente no n.º 3, da cláusula 17.ª, que permitiu à Câmara Municipal de G......... a emissão dos alvarás de construção e utilização a que se reportam as alíneas T) e U), da matéria de facto considerada assente; que mais relevante foi o teor do n.º 5, da cláusula 17.ª, onde se previu que se ao ora contrainteressado e recorrente viesse a ser reconhecido o direito ao Título de Utilização da parcela onde se encontra implantado o “ B.......”, a primeira requerida H...... aceitaria tal decisão, com as consequências previstas nos pontos 5.1 a 5.6, do referido número e cláusula contratual; que o recurso aos meios de tutela jurisdicional provisória na situação em apreço, jamais se justificaria no quadro contratual estabelecido entre as partes, desde logo porque jamais poderia mostrar-se efetivamente verificado o requisito por excelência de qualquer medida cautelar: o periculum in mora; que resulta do acordo celebrado entre as partes, que há uma consensualidade na aceitação das decisões que hajam de ser proferidas relativamente aos procedimentos em curso, abstendo-se de promover quaisquer outros para além daqueles (vejam-se os n.º 1 e n.º 2, da cláusula 17.ª do acordo em questão); que ao atuarem pela forma como o fazem pela presente ação cautelar, procurando evitar que a Administração Pública formalize o título de utilização da parcela a favor do contrainteressado, as ora recorridas estão a violar o compromisso que assumiram nos n.º 1 e 2, da cláusula 17.ª do acordo em presença e, nessa medida, comportam-se em conformidade com a máxima latina venire contra factum proprium; que a iniciativa assumida pelas ora recorridas, traduz-se, pois, num abuso de direito, com grave violação das expectativas criadas com a formalização de vontades negociais, que deverá ser entendida como uma transação extrajudicial sobre os interesses em litígio, e que assim o exercício do direito de ação agora em causa é ilegítimo, porque excede manifestamente os limites impostos pela boa fé contratual a que as partes se vincularam e que ao não decidir neste sentido, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 334.º do Código Civil, e ao desconsiderar a imperatividade do contrato celebrado entre as partes e a que já amplamente aludimos, foi violado o princípio da liberdade contratual e da eficácia dos contratos, a que aludem os artigos 405.º e 406.º, do Código Civil – (vide conclusões 13ª a 22ª das alegações de recurso).
2.5 Quanto à decisão de decretamento da providência cautelar requerida, invoca o recorrente, em primeiro lugar, que a mesma padece de nulidade por falta de fundamentação e por insuficiência da matéria de facto nos termos do artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA - (vide conclusões 23ª a 27ª das alegações de recurso).
E em segunda linha imputa-lhe o recorrente erro de julgamento, defendendo que o Tribunal a quo fez um deficiente enquadramento dos dois principais requisitos/critérios decisórios para a medida cautelar, como ainda, omitiu qualquer apreciação sobre a proporcionalidade da tutela provisória e do seu impacto nos legítimos direitos, interesses e expectativas do contrainteressado; que a sentença recorrida não podia ter considerado verificar-se qualquer periculum in mora, pois não há qualquer receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para as ora recorridas que se mostrem alicerçados em quadro factual concreto de onde possa ser extraída uma conclusão objetiva sobre a verificação destas condições; que o próprio Tribunal a quo que reconhece que o periculum in mora alegado pelas ora recorridas não tem concretização factual e resume-se “na singela afirmação de que caso não seja decretada a providência será praticado o ato (…) que as requerentes pretendem ver evitar” (cfr. o 3.º § de p. 29, da douta sentença), o que é manifestamente insuficiente; que a sentença recorrida não entendeu o “facto consumado” consubstanciador do periculum in mora, como aquele facto que é irremediável, que produz efeitos irreversíveis, que já não podem ser repostos e que tornaria inútil a decisão que viesse a ser proferida na ação principal. Com tal decisão interpretou deficientemente e violou o artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPTA; que os fundamentos invocados na douta sentença (cfr. designadamente os dois últimos §§ da p. 29, o 1.º § de p. 30 ou o 2.º § de p. 30 da decisão), não têm qualquer tipo de relação com a existência do perigo efetivo de se vir a verificar um facto consumado (no verdadeiro sentido jurídico) com a emissão do título de ocupação do domínio público hídrico a favor do ora recorrente, tudo pelas razões aduzidas a pp. 34 e ss., da presente alegação, até porque, se após a emissão do título em causa a favor do ora recorrente, viesse a ser reconhecido qualquer direito às recorridas (o que nunca se concede), sempre o título em questão poderia ser revogado, até porque o contrainteressado sendo parte nas ações judiciais, fica vinculado ao efeito das mesmas; que a probabilidade (não a mera possibilidade) de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal e de que depende a providência cautelar, venha a ser julgada procedente ou que não se verifiquem óbices ao conhecimento do mérito da causa, é um dos requisitos/critérios de decisão da ação (artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPTA) que não foi respeitado pela sentença; que este critério, que é traduzido no latinismo fumus boni iuris não se encontra preenchido na vertida situação, desde logo porque, se verifica total improbabilidade de ser procedente qualquer ação que as recorridas venham a intentar com vista a condenar a administração a não praticar o ato que está em causa, por força do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA; que o ato administrativo que decidiu a emissão do titulo de utilização do domínio público hídrico a favor do contrainteressado e ora recorrente (o mencionado nas alíneas X) e AA), da matéria de facto assente) é um ato inimpugnável (como já definitivamente decidido no âmbito da ação administrativa especial que correu termos sob o n.º..../09.2....) e às recorridas é vedado o recurso à ação administrativa comum, para obter o mesmo efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável; que é indiscutível que a abstenção de conduta que é reclamada na presente ação cautelar e que seria futuramente peticionada no âmbito da ação principal anunciada pelas recorridas, seria precisamente a de não dar cumprimento ao ato administrativo inimpugnável, ou seja, não formalizar – como já anunciado e decidido pelo menos em 2009 – o título de utilização do Domínio Público hídrico a favor do aqui recorrente e contrainteressado; que o facto essencial em que assenta a posição jurídica das recorridas, ao alegarem vício de violação de lei, está diretamente relacionado com o seu putativo direito de propriedade privada sobre a parcela que está em questão, sendo certo que tal matéria não pode ser conhecida no âmbito de qualquer ação administrativa, mas antes no foro dos tribunais judiciais comuns (cfr. artigo 15.º, n.º 1 e artigo 17.º, n.º 7, da Lei n.º 54/2006, de 15 de novembro); que o Tribunal a quo, ao não decidir no sentido que agora se sufraga, viola ostensivamente os artigos 38.º, n.º 2, 113.º, n.º 1, 114.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, este último determinando a caducidade de qualquer providência que seja decretada, caso não exista ação principal de que aquela dependa; que qualquer dos possíveis vícios de violação de Lei invocados pelas ora recorridas e focados pelo tribunal a quo (violação do direito de propriedade – não demonstrada – e preterição de concurso público) consubstanciariam mera anulabilidade do ato administrativo que foi formado pelo menos em 2009, quando foi reconhecido ao ora recorrente o direito ao título de ocupação do domínio público hídrico e há muito que é inviável reclamar contra a putativa (mas inexistente) anulabilidade do ato; que ao valorar tais putativos vícios de anulabilidade neste momento, o Tribunal a quo viola o caso julgado formado no âmbito do processo n.º..../09.2...., e, excede os seus poderes de decisão violando o disposto, no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) e no artigo 38.º, n.º 2, ambos do CPTA na sua anterior versão, por a intimação pretendida pelas ora recorridas mais não é do que atacar um simples ato de execução – há muito anunciado – de um ato administrativo assumido em 15/12/2008, pela ARHA (Cfr. alínea X), da matéria de facto assente) que veio a ser confirmado em 12/05/2009, pela mesma entidade (Cfr. a alínea AA), da matéria de facto assente e o que a este respeito foi decidido na ação apensa com o n.º..../09.2....); que conforme resulta do facto assente vertido na alínea X) e que transcreve parte do documento 10 junto ao requerimento inicial e o documento 1 junto à oposição da entidade requerida, a autoridade administrativa entendeu não existir qualquer questão prejudicial que obstasse à decisão de emitir o título de ocupação do domínio público hídrico a favor do contrainteressado, pelo que não existe qualquer violação do artigo 31.º do Código de Procedimento Administrativo; que é muito evidente que os limites do domínio público hídrico nunca estiveram integrados em propriedade privada das recorridas e que a propriedade privada nunca excedeu os medos arenosos (dunas primárias e não praia) e nunca confrontou com o mar atlântico, realidade que é bem evidenciada pela matéria que o tribunal judicial comum já considerou provada no âmbito da ação a que é feita referência nas alíneas F), G) e H), da matéria de facto provada na douta sentença agora recorrida; que tendo em conta a especial posição do agora recorrente que titulava licença válida à data da entrada em vigor do POOC Sado-Sines, tanto o Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, como a Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, em nada prejudicaram os seus direitos adquiridos, em face do preceituado no artigo 17º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 309/93 de 02 de Setembro; que esta última questão nem pode, sequer, ser colocada em causa, porquanto já foi decidida por ato administrativo o qual, aliás, motivou que a ação administrativa especial intentada pelo aqui recorrente e que correu termos sob o n.º ..../04.4BEBJA viesse a ser extinta por impossibilidade superveniente da lide (nesta ação o recorrente pedia o reconhecimento dos seus direitos relacionados com esta matéria – cfr. docs. 4 e 5 junto com a oposição do contrainteressado e bem assim fls. 132 a 144, do PA); que assim não está preenchido o fumus boni iuris, , mostrando-se outrossim, que o Tribunal a quo violou, neste conspecto, o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 120.º, do CPTA; que a providência decretada deixa um vazio jurídico e uma indefinição da situação vertida nos autos, lesando, assim, a medida cautelar, desproporcionalmente, os legítimos interesses do contrainteressado ora recorrente e da própria autoridade administrativa, concluindo-se que o tribunal a quo violou o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA – (vide conclusões 28ª a 48ª das alegações de recurso).
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3. Da análise do recurso
3.1 Do enquadramento das questões
3.1.1 A tarefa da apreciação do mérito do presente recurso, como conhecimento do respetivo objeto, solicita anteriormente que se proceda ao respetivo enquadramento fático-jurídico.
3.1.2 A primeira observação que se impõe fazer é que em face da circunstância de o presente processo cautelar ter sido instaurado em 02-12-2010, os normativos contidos no CPTA que lhe são aplicáveis são os anteriores à entrada em vigor das alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. nº 214-A/2015, de 2 de Outubro, como resulta do disposto no artigo 15º nºs 1 e 2 deste diploma. O que aliás, a Mmª Juíza do Tribunal observou, ao fazer apelo, na sentença recorrida, às normas do artigo 120º do CPTA naquela sua anterior redação, de que se socorreu.
Recorde-se, pois, que nos termos das disposições conjugadas das alíneas a), b) e c) do nº 1 e do nº 2 do artigo 120º do CPTA (na sua redação original, aqui aplicável) as providências cautelares são adotadas “…quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal(alínea a)) ou “…quando estando em causa a adoção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” (alínea b)), ou “…quando, estando em causa a adoção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” (alínea c)) e desde que, nestes dois últimos casos, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão não se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (nº 2).
3.1.3 Simultaneamente importa, também, considerar que o presente processo cautelar foi instaurado previamente à respetiva ação principal, a propor, que as requerentes identificaram tratar-se de ação administrativa comum de condenação da entidade demandada a abster-se da prática do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico referente àquele estabelecimento “B.......”, na Praia do Carvalhal, em nome do contra-interessado, nos termos do artigo 37º, nº 2 alínea c) do CPTA (na redação então em vigor).
E que no presente processo cautelar as Requerentes peticionaram a decretação de providência cautelar de intimação para abstenção de conduta consubstanciada na abstenção da emissão do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico, referente àquele estabelecimento “B.......”, na Praia do Carvalhal, em nome do contra-interessado, ou, subsidiariamente, adotada outra providência que acautele os interesses das Requerentes.
O que explica, e justifica, que a Mmª Juíza do Tribunal a quo, qualificando a providência cautelar pretendida como antecipatória, tenha feito apelo, no âmbito da decisão sobre o mérito da pretensão cautelar, ao disposto na então alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (na sua redação original).
O qual, efetivamente, é de observar.
3.1.4 Simultaneamente, emerge do plasmado nos autos que na origem da contenda judicial está a disputa quanto à dominialidade (pública ou privada) da área onde se encontrava implantado o identificado “B.......”, na Praia do Carvalhal, freguesia do Carvalhal, Município de G........., concernente essencialmente com os limites a poente (estrema a poente) dos terrenos que integram a designada “HSM”, e, por conseguinte, da concreta delimitação de tal propriedade, em contraposição com a delimitação do domínio público marítimo.
3.1.5 Importa também mencionar que não obstante a inicial determinação de prova pericial, requisitada à COMISSÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO, tendo como objeto «a atual representação gráfica da delimitação do Auto de Delimitação nº 19, de 20 de agosto de 1975, realizada sobre a BD da CDPM e fontes oficiais do Sistema Nacional de Informação Geográfica – SNIG, na área onde se encontra edificado o “B......., com a validação dos dados espaciais associados à identificada delimitação, nomeadamente da LMPAVE» (cfr. despachos de 21-05-2012 e de 20-07-2012 da Mmª Juíza do Tribunal a quo), a mesma não foi levada a cabo, tendo, após diversas vicissitudes processuais, a Mmª Juíza do Tribunal a quo considerado, em despacho contemporâneo à sentença (despacho de 08/08/2017, que a antecedeu), que a realização da prova pericial se revelava entretanto impertinente e dilatória, dispensando a mesma.
Assim como foi dispensada a produção de outra prova requerida. O que não é objeto do presente recurso.
Como também o não é o julgamento da matéria de facto feito na sentença recorrida, com o qual o recorrente, por conseguinte, se conforma.
3.1.7 E ainda que, apesar de ter sido aventada pela Mmª Juíza do Tribunal a quo a possibilidade de vir a proceder-se nos presentes autos à antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artigo 121º do CPTA (cfr. despachos de 04-07-2011 – proferido em sede da agendada diligência de inquirição de testemunhas e vertido na respetiva ata – e de 21-05-2012), acabou a mesma por determinar, após garantido o respetivo contraditório, em despacho contemporâneo à sentença (despacho de 08/08/2017, que a antecedeu), a não antecipação do juízo sobre a causa principal. O que também não é objeto do presente recurso.
3.1.8 Pelo que que nos encontramos aqui, ainda e apenas, no âmbito de um processo cautelar.
Sendo que, como é sabido, a razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, regulando provisoriamente a situação sob litígio enquanto não é definitivamente decidida a causa principal e até que o seja. Razão pela qual se exige, também, que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade.
3.1.9 Isto implica que as questões que foram suscitadas no processo cautelar enquanto exceções dilatórias, e que foram negativamente decididas na sentença recorrida, devem ser abordadas com o enfoque próprio da decisão cautelar, cuja natureza instrumental e provisória não deve ser perdida de vista.
3.1.10 É, pois, neste enquadramento, que deve ser apreciado o presente recurso, que vem interposto pelo contra-interessado contra a sentença recorrida, quer quanto à decisão de improcedência das questões de caso julgado, de caducidade do direito de ação e de abuso de direito, que foram suscitadas e decididas enquanto exceções dilatórias, quer quanto à decisão que, deferindo o pedido das requerentes, decretou a providência cautelar.
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Feitos estes conspectos, debrucemo-nos agora sobre o objeto do presente recurso, tal como ele vem interposto.
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3.2 Do apontado erro de julgamento quanto à decisão de improcedência da exceção de caso julgado
3.2.1 Na sentença recorrida, a Mmª Juíza do Tribunal a quo, procedeu à apreciação, em sede de saneamento, da suscitada questão de caso julgado, que julgou improcedente.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«DO CASO JULGADO:
Sustenta a Entidade Requerida que: “… Vêm as Autoras (…) pedir providência cautelar de intimação para abstenção de conduta, que se traduz na não prolação do ato de emissão de título de utilização dos recursos hídricos, em nome de D.........., para o estabelecimento “B.......”, instalado na Praia do Carvalhal, freguesia do C………, concelho de G.......... Ora, a matéria objeto da presente providência já foi objeto de idênticas providências cautelares que correram termos sob os n.ºs …./09.7BEBJA e ..../09.1......, tendo ambas merecido decisão.(…)Tal como nos presentes autos, o que se pretendia nos identificados processos era a ARH do Alentejo, I.P. fosse intimada à abstenção da prática do ato de emissão de título de utilização dos recursos hídricos, em nome de D.........., para o estabelecimento “B.......”, instalado na Praia do Carvalhal, freguesia do C……., concelho de G.........., sendo intervenientes, em idêntica qualidade jurídica, as supra identificadas Autoras (A.), Ré e Contrainteressado. (…) não haverá de que estamos perante a exceção de caso julgado. Nos termos do disposto na alínea i) do Art.º 89.º do CPTA, o caso julgado obsta ao prosseguimento da acção e implica a absolvição da instância…”.
Igualmente, sustenta o Contrainteressado que:“… As requerentes da presente providência, pretendiam, com a providência cautelar que correu termos sob o n.º …/09.7BEBJA, que fossem suspensos os efeitos do ato administrativo traduzido no despacho datado de 2009-05-12, proferido (…) pela ARHA, que determina que se procederá à emissão de título de ocupação da parcela ocupada pelos estabelecimento “B.......”, instalado na Praia do Carvalhal, concelho de G........., em nome de D..........; e, que esclarece que o título de ocupação n.º ….G/00/DH se encontra caducado. Cumulativamente com tal pedido (…), as requerentes da presente providência pretendiam, (…), que a autoridade administrativa requerida fosse intimada para se abster de praticar ato; mais especificamente a não dar qualquer execução ao despacho supra identificado. Tal procedimento cautelar foi já julgado de forma desfavorável às ali e aqui requerentes, sendo certo que tal decisão já não é susceptível de recurso ordinário. Na presente acção cautelar, as mesmas requerentes pretendem – redundantemente, segundo cremos – que seja deferida uma providência cautelar de intimação da entidade requerida a abster-se de praticar um ato que se traduziria em permitir a utilização do Domínio Hídrico pelo contrainteressado! Perante o conteúdo do despacho datado de 2009-05-12, proferido pelo Presidente da ARHA, dúvidas não se afigurarão que intimar a entidade requerida para que se abstenha de permitir a utilização do Domínio Hídrico por parte do contra interessado ou intimá-la para que não dê execução ao aludido despacho são uma e a mesma coisa! Porém, a situação vertida não se fica por aqui quanto a matéria de exceção: já posteriormente à instauração da supra aludida providência cautelar, as agora requerentes intentaram uma outra providência cautelar; esta última, de Intimação para abstenção de Conduta (exatamente igual, quanto aos elementos essenciais, à que agora está em causa)! Esta última referida providência cautelar correu termos neste tribunal sob o n.º ..../09.1...... e os agora requerida e contrainteressado foram absolvidos da instância através de douta sentença proferida em 2009-11-16, (…) confirmada por douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 2010-02-11!Julgou-se verificada, neste último processo cautelar, a exceção de litispendência, por estar então em curso a sobredita acção cautelar com o n.º /09.7BEBJA! Ou seja, entendeu-se no caso concreto, uma e outra acção tinham os mesmos sujeitos, o mesmo pedido (quanto ao fim essencial visado) e a mesma causa de pedir. (…) Nos termos do disposto no artigo 494.º, do CPC (diploma que, in casu, é aplicável ex vi do artigo 7.º, do CPTA) o trânsito em julgado configura uma exceção dilatória (alínea i), do n.º 1, do sobredito preceito). (…) Analisado o conteúdo do articulado inicial da presente acção cautelar e das providências que correram termos sob os n.º /09.7BEBJA e ..../09.1......, concluir-se-á à evidência que entre uma e outras ações há absoluta identidade de sujeitos (as partes são as mesmas e nas mesmas qualidades jurídicas), de pedido (a intimação peticionada na presente acção já o havia sido, em ações anteriores julgadas improcedentes), e, identidade de causa de pedir (o articulado em todas as ações é, aliás, coincidente em absoluto quanto ao conteúdo). Afigura-se-nos, assim, e salvo melhor e mais erudita perspectiva, que estamos perante uma situação de caso julgado a qual imporá, ao ser reconhecida, a absolvição da requerida da instância (artigo 288.º, n.º 1, alínea e), do CPC)…”.
Diversamente, advogam, por seu turno as Requerentes: “… a inexistência de formação de caso julgado material entre providências cautelares. (…) e ainda que assim não fosse (…) , a verdade é que tendo as doutas sentenças proferidas nos autos citados pelo Contrainteressado recaído única e exclusivamente sobre a relação processual, as referidas sentenças possuem força de caso julgado formal, nos termos do artigo 672º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA. Na verdade, nos autos que correram termos sob o nº …/09.7BEBJA foi proferida douta sentença de absolvição da instância por inimpugnabilidade do ato suspendendo; e os autos que correram nesse mesmo Tribunal sob o nº ..../09.1...... findaram pela prolação de douta sentença que conheceu e deu como provada a exceção de litispendência. (…) “a ofensa do caso julgado formal verifica-se quando no
mesmo processo se profere decisão contrária a outra sobre a relação processual”, sendo que essa violação não ocorre se se tratar de questão de natureza material ou se ocorrer em processo que corra em apenso…”.
APRECIANDO E DECIDINDO:
Aqui chegados, importa sublinhar que a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, traduzida na propositura de uma causa idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, tendo que ver ainda com a existência de relações entre ações, de prejudicialidade entre as mesmas: cfr. art. 580°, art. 581° e art. 620º todos do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
Tal exceção de caso julgado tem por finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior: cfr. art. 580° do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica: cfr. art. 581° n.º 2 do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico: cfr. art. 581° n.º 3 do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
Há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (teoria da substanciação), sendo que nas ações constitutivas e de anulação a causa de pedir é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido: cfr. art. 581° n.º 4 do CPC ex vi art. 1º do CPTA.
Cotejando a factualidade infra assente, resulta dos autos existir coincidência dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir entre a presente ação e as outras duas ações cautelares referenciadas, julgadas e transitadas.
Releva, contudo, que a absoluta identidade de pedido (abstenção de conduta) e a absoluta identidade quanto à causa de pedir (anunciada intenção por banda da Entidade Requerida em proceder à emissão de titulo de ocupação do domínio público marítimo em nome do Contrainteressado) só se verifica entre a presente ação cautelar e a ação cautelar que neste Tribunal correu termos sob o n.º ..../09.1......, na qual, sublinhe-se, foi julgada procedente a exceção de litispendência.
Donde, não tendo existido, como não existiu, decisão judicial prolatada à luz dos critérios enunciados no art. 120.º do CPTA não se verifica prejudicialidade entre ações, de tal ordem que julgada, em termos definitivos, uma certa questão em ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão ou objeto da primeira causa, se impõe necessariamente em todas as ações que venham a correr termos: vide Acórdão do TCA Sul de 2013-02-08, proferido no Proc. N.º 02035/11.9BEBREG-B e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2016-11-21, proferido no Proc. N.º 1677/15.8T8VNG.P1, ambos disponível in www.dgsi.pt.
O que significa que, inexistindo a aludida relação de prejudicialidade ou de condição prévia não é, no caso, invocável a força vinculativa da autoridade de caso julgado: vide Acórdão do TCA Sul de 2013-02-08, proferido no Proc. N.º 02035/11.9BEBREG-B e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2016-11-21, proferido no Proc. N.º 1677/15.8T8VNG.P1, ambos disponível in www.dgsi.pt.
Pelo que, também à luz de uma interpretação que se apresenta como mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, privilegiando a prevalência das decisões de fundo sobre as de forma, como postulam os princípios antiformalista e pro actione, se mostra pois não se verificar, no caso, a suscitada exceção de caso julgado (material).
Termos em que julgo improcedente a suscitada exceção.

3.2.2 O recorrente imputa a esta decisão erro de julgamento, sustentando que da análise do conteúdo do articulado inicial da presente ação cautelar e das providências que correm termos sob os n.º ...../09.7.... e n.º ..../09.1......, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, conclui-se que entre uma e outras ações há absoluta identidade de sujeitos, identidade de causa de pedir e há identidade de pedidos; que as recorridas pretendem com a providência que foi peticionada através dos presentes autos, não é mais do que, na prática, a suspensão dos efeitos do ato administrativo traduzido no despacho datado de 12 de maio de 2009, proferido pelo Presidente da AA........ IP (ARHA) e que no fundo é um ato confirmativo da decisão proferida por aquela mesma entidade em momento anterior (ofício n.º ...., de 12 de dezembro de 2008); que a douta sentença agora proferida considera que entre esta ação e a ação ..../09.1... há total identidade entre sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que não poderia deixar de considerar, que também tal absoluta identidade se verifica em relação ao processo .../09.7BEBJA, pois se assim não fosse, não teria sido reconhecida a exceção de litispendência entre os dois processos, tendo em conta que os requisitos da litispendência e do caso julgado são exatamente os mesmos (artigo 581.º, do CPC) e que assim, salvo melhor entendimento, verifica-se a exceção de caso julgado entre a presente ação administrativa cautelar e as duas já anteriormente mencionadas, até porque no processo n.º 206/09.7BEBJA e na ação administrativa especial que se lhe seguiu (processo n.º..../09.2....) foi decidido, com trânsito em julgado, que o ato administrativo consubstanciado no despacho de 2009-05-12 era inimpugnável, por ser ato meramente confirmativo do ato anteriormente proferido em 2008-12-15, sendo certo que este último também já não está, obviamente, em prazo para ser impugnado com fundamento em anulabilidade (cfr. ambas as decisões nos processos apensos ao presente), pelo que ao não reconhecer a exceção de caso julgado, o Tribunal a quo violou os artigos 577.º, alínea i), e, 277.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA - (vide conclusões 2ª a 6ª das alegações de recurso).
3.2.3 Vejamos

3.2.4 Como é sabido o instituto do caso julgado visa sobretudo garantir o valor da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP). O caso julgado pressupõe o trânsito em julgado de uma decisão judicial, considerando-se transitada em julgado quando já não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. artigo 628º do CPC).
O caso julgado formal forma-se relativamente às sentenças e aos despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, assumindo, assim, uma relevância meramente intraprocessual, em termos que só reveste força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão foi proferida (cfr. artigo 620º do CPC).
Por sua vez, forma-se caso julgado material quando é proferida uma decisão sobre o mérito da causa, tendo força obrigatória não só dentro do processo em que a decisão é proferida mas fora dele.
A vertente positiva do caso julgado material, a «autoridade do caso julgado», manifesta-se como proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão que postula o respeito e a não contradição num processo posterior do conteúdo da decisão tomada num processo anterior. Na sua vertente negativa, o caso julgado material consubstancia uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, tornando, assim, inadmissível uma nova ação e constituindo um obstáculo a que seja adotada uma nova decisão judicial de mérito, evitando que o órgão jurisdicional seja colocado perante a possibilidade de contrariar o sentido de decisão anterior ou de a repetir, em termos que a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica, evitando que o tribunal seja colocado perante a alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. - (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, in, “O objeto da sentença e o caso julgado material”, in Boletim do Ministério da Justiça (BMJ, nº 325, 1983, pp. 171 ss e LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, vol., Coimbra Editora, 2ª edição, 2008).
3.2.5 No nosso entender, e acompanhando o entendimento de Ana Gouveia Martins, in, “A Efetividade da Titela Cautelar”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 124, Julho/Agosto 2017, págs. 3-19, a decisão proferida em processo cautelar produz caso julgado material, tanto na sua vertente positiva, de autoridade de caso julgado, como na vertente negativa de exceção de caso julgado. Mas isto sem prejuízo do que decorre do caráter instrumental, em relação à ação principal, e provisório, por referência à sua natureza transitória e temporária, próprio das providências cautelares, que o regime legal respeitante à repetição, alteração, revogação e caducidade das providências cautelares evidencia e assegura. Significando que, tal como se entendeu no acórdão deste TCA Sul de 07/11/2013, Proc. 010430/13, in, www.dgsi.pt/jtca «(…) O instituto do artigo 124º do CPTA e o recurso que possa ser apresentado da decisão tomada ao abrigo deste artigo, não tem a virtualidade de permitir o recurso da anterior decisão cautelar, que já transitou em julgado. A indicada reapreciação é apenas da decisão que indeferiu o pedido de alteração da providência, nos seus precisos termos, com base nos factos novos que tenham sido agora esgrimidos no requerimento de alteração.». Ou o versado no acórdão desta TCA de 11/02/2016, Proc. 12623/15, in, www.dgsi.pt/tca no sentido de que «…tendo sido proferida decisão que indefere o pedido de decretamento de uma providência cautelar, o meio processual adequado para satisfazer a pretensão do requerente em virtude de terem ocorrido factos novos que contendem com o preenchimento dos requisitos vertidos no artigo 120º do CPTA, é o pedido de alteração da providência previsto no artigo 124º do mesmo diploma». Ou ainda como se considerou no acórdão deste mesmo TCA de 30/06/2016, Proc. 13355/16, in, www.dgsi.pt/jtca de que «(…) se o requerente da providência já havia requerido ao tribunal, por referência à mesma ação principal, a decretação de providência cautelar destinada a acautelar o efeito útil da respetiva decisão, e se o respetivo requerimento inicial foi liminarmente rejeitado ao abrigo do disposto no artigo 116º nº 2 alínea d) do CPTA (por se ter considerando ser manifesta a falta de fundamento legal da pretensão cautelar formulada, por esgotar o objeto da ação principal, carecendo, assim, de dependência e provisoriedade) está-lhe vedado apresentar novo requerimento de providência cautelar, a não ser que este novo requerimento assente em fundamentos diferentes ou supervenientes em relação aos invocados no requerimento anterior».
3.2.6 Na sentença recorrida entendeu-se que não obstante a tripla identidade de parte, pedido e causa de pedir entre os identificados processos, porque neles não havia existido uma decisão judicial prolatada, nas suas palavras «à luz dos critérios enunciados no art. 120.º do CPTA», ou seja, não existiu nelas uma decisão sobre o mérito da pretensão cautelar, não se verificava no caso a suscitada exceção de caso julgado material.
3.2.6 E é de manter tal conclusão.
Atenha-se que o Processo Cautelar nº 91/04.5BEBJA foi instaurado pelo contra-interessado em 23-03-2004 visando a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho n.º …-VPR-3/04 (que ordenou ao contra-interessado a remoção do estabelecimento “B.......”), sendo a respetiva ação principal a ação administrativa especial Proc. nº 200/04.4BEBJA, na qual aquele despacho foi impugnado, ação que todavia foi julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide.
Que o Processo Cautelar nº …/09.7BEBJA, instaurado pelos aqui requerentes em 03/06/2009, na qual foi requerida a decretação de providência cautelar de intimação da Entidade Requerida a abster-se de proceder à emissão do título de ocupação, em nome do contra-interessado, relativamente ao “B.......” (ou à suspensão da sua executoriedade) terminou com decisão de absolvição de instância (com fundamento em inimpugnabilidade), por sentença de 15/06/2010.
E que o Processo Cautelar nº ..../09.1...... instaurado pelos aqui requerentes em 19/08/2009, no qual estes peticionaram também a decretação de providência cautelar de intimação da entidade Requerida a abster-se de proceder à emissão do título de ocupação, em nome do contra-interessado, relativamente ao “B.......” veio a terminar com decisão de absolvição da instância (com fundamento em litispendência com o Processo Cautelar n.º …/09.7BEBJA), por sentença de 16/11/2009 confirmada por acórdão deste TCA de 11/02/2010 - (vide P), Q), S), Y), BB), CC), DD), EE), FF) do probatório).
3.2.7 Significa isto que em nenhum daqueles processos foi proferida decisão sobre o mérito das pretensões cautelares formuladas em cada um deles. Pelo que independentemente da verificação da tríplice identidade de partes, de pedido e de causa de pedir – que especialmente ocorre, como bem foi considerado na sentença recorrida, entre o presente processo cautelar e o Proc. nº ..../09.1...... (em face de ali, tal como aqui, o pedido cautelar se destinar à mesma abstenção de conduta havendo também identidade da causa de pedir: a intenção anunciada pela Entidade Requerida em proceder à emissão de titulo de ocupação do domínio público marítimo em nome do contra-interessado) – não tendo havido decisão judicial sobre o mérito da pretensão cautelar em qualquer daqueles processos não se pode concluir pela verificação da exceção dilatória de caso julgado (material) nos termos invocados pelo recorrente.
Sendo que por outro lado, e simultaneamente, este novo processo cautelar foi instaurado por referência a uma nova (e distinta) ação principal.
3.2.8 O que tudo conduz a considerar-se não verificada a exceção de caso julgado nos termos invocados, não merecendo, assim, nesta parte, acolhimento o recurso.

*
3.3 Do apontado erro de julgamento quanto à decisão de improcedência da exceção de caducidade do direito de ação
3.3.1 Na sentença recorrida, a Mmª Juíza do Tribunal a quo, procedeu à apreciação, em sede de saneamento, da suscitada questão de caducidade de direito de ação, que julgou improcedente.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:

«4. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO:
Sustenta a Entidade Requerida que as Requerentes tomaram conhecimento da decisão de emitir o título de utilização dos recursos hídricos, em nome do Contrainteressado, pelo menos em 2009-01-02, pelo que não podem vir agora pôr em crise a prática de um ato cujo prazo para impugnação há muito que se mostra ultrapassado.
Sublinha o Contrainteressado que, pese embora a presente ação não assente diretamente em alegadas invalidades de um ato, o que é na verdade pretendido pelas Requerentes é a reapreciação da regularidade dos anteriores atos administrativos, os quais já foram considerados, para efeitos de providência cautelar (Proc. n.º 206/09.7BEBJA), como sendo inimpugnáveis, tal significa que, não tendo sido feito uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses invocados pelas Requerentes (o qual seria uma acção administrativa especial), nenhuma providência cautelar poderá ser decretada, considerando a relação de instrumentalidade que existe entre a ação cautelar e a ação principal.
Diversamente, advogam as Requerentes que o ofício de 2009-05-12 foi impugnado através da ação principal que neste Tribunal correu termos sob o n.º..../09.2...., e que na presente ação o que se encontra em causa é a intimação para abstenção de conduta (cuja causa de pedir assenta no direito de propriedade do restaurante construído pela Requerente H….. (facto novo) em prédio que é propriedade da Requerente SAN........e não visa a suspensão da eficácia de nenhum ato administrativo e que o pedido é, por isso, distinto do antes formulado), providência prévia e instrumental de uma ação administrativa comum de condenação à abstenção da prática de um ato.
APRECIANDO E DECIDINDO:
Não obstante as semelhanças no que, objetivamente, as Requerentes pretendem alcançar com o sucesso da presente providência e que não lograram obter com as demais ações anteriormente intentadas, o facto é que nos presentes autos não é pedida a suspensão de eficácia de qualquer ato administrativo mas sim a abstenção de uma conduta por banda da Entidade Requerida, tanto bastando para não estar em causa a alegada inimpugnabilidade nem, bem assim, a caducidade do direito de ação em apreço.
Ademais, tratando-se como se trata, da identificada ação principal como sendo uma ação não sujeita a prazo, sempre terão as Requerentes, em caso de procedência da presente ação cautelar, o ónus de usar a via contenciosa principal no prazo de 3 (três) meses: cfr. art. 123º n.º 2 do CPTA ex vi art. 15º do DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro.
Donde, outrossim, por apelo a uma interpretação que se apresenta como mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, privilegiando a prevalência das decisões de fundo sobre as de forma, como postulam os princípios antiformalista e pro actione, não se verifica pois, no caso, a suscitada exceção de caducidade de direito (da ação principal).
Termos em que julgo improcedente a suscitada exceção.»

3.3.2 Invoca o recorrente que a sentença recorrida incorreu ao assim entender incorreu em erro de julgamento, sustentando que à luz da lógica das coisas e da clareza de raciocínio que pedir que se intime a entidade requerida para não dar execução ao ato administrativo é exatamente o mesmo (em termos de efeitos práticos e jurídicos) que impugnar direitamente esse mesmo ato administração; que no caso concreto, admitir a intimação agora determinada pela sentença recorrida, seria a coartação dos efeitos de caso julgado de uma sentença - a proferida no processo ..../09.2......- que reconheceu a inimpugnabilidade do ato administrativo; seria, simplesmente, impedir a execução desse mesmo ato; que de facto, com a intimação para abstenção de conduta que está em causa na presente providência, o que se visa é obstar aos efeitos do ato administrativo que determinou que “…procederá a ARH do Alentejo, IP, à emissão de título de ocupação da parcela supra referida, em nome de D..........” (Cfr. os ofícios da A.... n.º ....-DR..., de 2009-05-12 e n.º ...., 2008-12-12, transcritos na alínea AA) da matéria de facto considerada provada); que o que fulcralmente é pretendido pelas ora recorridas, traduz-se na reapreciação da regularidade dos anteriores atos administrativos, os quais já não são impugnáveis, socorrendo-se, para tanto, da ação administrativa comum (como à data em causa estava prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea c), do CPTA, a qual não estaria sujeita a prazo, de acordo com o artigo 41.º, do mesmo diploma); que tal ardil é frontalmente proibido pelo artigo 38.º, n.º 2, do CPTA, que prevê que “a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”; que o Tribunal a quo deveria, pois, ter julgado caduco o direito à ação/impugnação; e, ao não decidir neste sentido, violou, salvo melhor entendimento, o disposto no n.º 2, do artigo 38.º, do CPTA, mas também os artigos 113.º, n.º 1 e 114.º, n.º 1, do mesmo diploma legal – (vide conclusões 7ª a 12ª das alegações de recurso).
3.3.3 Antecipe-se desde já que não assiste razão ao recorrente.
3.3.4 E assim é porque, efetivamente, e como bem foi entendido na sentença recorrida, o que os requerentes pretendem à obstar, através da decretação da requerida providência cautelar de intimação para abstenção de conduta consubstanciada na abstenção da emissão do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico, referente ao identificado “B.......”. Sendo certo que inexiste ato administrativo anterior que, sendo impugnável, devesse ter sido impugnado em ação administrativa (especial). Aliás, o ato a que o recorrente se reporta, foi considerado inimpugnável, por sentença transitado em julgado. O que, aliás, motivou os requerentes a socorrerem-se da providência cautelar de intimação para abstenção de conduta (futura) visando obstar (cautelarmente) a que a Entidade Requerida viesse a emitir o ato de concessão de utilização do domínio público hídrico.
3.3.4 Neste contexto, se o que os requerentes visam é impedir a adoção de um ato administrativo futuro, não existindo (ainda) ato administrativo que os requerentes antecipam violador dos seus direitos e interesses, a invocação, feita pelo recorrente, do artigo 38º nº 2 do CPTA – que na sua redação original (em vigor à data da instauração do presente processo cautelar) dispunha que “…a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”, e que na versão atual (decorrente da revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015) dispõe que “…não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato impugnável – surge desprovida de valia.
3.3.5 Isto independentemente da crítica que possa merecer a sentença recorrida no que respeita ao enquadramento que deu à questão, abordando-a em sede de saneamento como se tratasse de questão obstativa do conhecimento do mérito do processo cautelar, quando na verdade, precisamente por estarmos no âmbito de um processo cautelar, por regra não sujeito a prazo de instauração, a questão haveria se ser analisada em sede de apreciação dos critérios de decisão da providência tal como previstos no artigo 120º do CPTA por referência à ação principal, em termos que se fosse de concluir ocorrer fumus malus por verificação (manifesta) de causa obstativa do conhecimento da ação principal, então a providência deveria ser indeferida – vide, designadamente, o acórdão deste TCA Sul de 14/05/2015, Proc. nº 12005/01, in, www.dgsi.pt/jtca.
3.3.6 Destarte, não merece, acolhimento o recurso, também nesta parte.
*
3.4 Do apontado erro de julgamento quanto à decisão de improcedência da suscitada exceção de abuso de direito
3.4.1 Na sentença recorrida, a Mmª Juíza do Tribunal a quo, procedeu à apreciação, em sede de saneamento, da suscitada questão de abuso de direito, que julgou improcedente.
Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«5. DO ABUSO DE DIREITO:
Defende ainda o Contrainteressado que entre ele e as Requerentes foi estabelecido um entendimento escrito, onde, para além de acordarem na “Cessão de Exploração”, acordaram em aceitar as decisões que as autoridades competentes viessem a proferir sobre a matéria que está agora em causa, nomeadamente o resultante do procedimento de consulta ao Núcleo de Auditoria Jurídica do Ministério do Ambiente, cujo resultado determinaria a decisão de manter ou revogar (ou reconhecer a caducidade) do título anteriormente emitido a favor da primeira Requerente.
Deste modo, por força do contrato que assinaram, as Requerentes colocaram-se numa situação que as inibe de procurar qualquer solução provisória para o objeto do litígio, e ao pretenderem, pela presente via, evitar que a Administração Pública formalize o título de utilização da parcela a favor do Contrainteressado, atuam em abuso de direito, nos termos previstos e para os efeitos consagrados no art. 334.º do Código Civil – CC.
Notificadas, as Requerentes relegaram para fase processual posterior a refutação do abuso de direito invocado pelo Contrainteressado.
APRECIANDO E DECIDINDO:
O processo judicial reflete um conflito ritualizado, controlado, mas sempre um conflito, em que as posições das partes, por vezes, se extremam até aos confins do irrazoável, devendo a compreensão do tribunal ser proporcional ao desespero de causa que uma causa judicial represente para cada uma das partes.
No caso presente, as especificidades da demanda e o elevado grau de litigiosidade entre as partes (atente-se no número de ações intentadas neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja e, bem assim nos Tribunais Judiciais) permitem compreender a inexistência de manifesto excesso do exercício do direito que as Requerentes pretendem ver acautelado, para mais, porque do acordo supra referido, e como melhor se verá infra, não decorre encontrarem-se as partes impedidas de pugnarem pela defesa dos direitos que entendem assistir-lhe, os quais são divergentes e encontram-se espelhados no mencionado acordo.
Deste modo, não se mostrando ilegítimo o exercício do direito que invocam, não se verifica, pois, o invocado abuso de direito.
Termos em que julgo não se verificar o abuso de direito invocado.»

3.4.2 Invoca o recorrente que a sentença recorrida ao decidir assim incorre em erro de julgamento, sustentando que o acordo que as ora recorridas e o aqui recorrente celebraram em 12/10/2006 (doc. 08, junto ao RI), teve em vista ultrapassar o impasse que foi criado quanto à exploração do “B.......”, decorrente da indefinição sobre a titularidade do direito à utilização do terreno em que o mesmo se mostrava implantado, tendo as razões de ordem para tal negócio jurídico ficado plasmadas nos considerandos de tal instrumento; que designadamente na cláusula 17.ª de tal instrumento, foram, também, definidas regras consensuais a respeitar na eventualidade de ao ora recorrente vir a ser reconhecido o direito ao título de utilização do domínio público hídrico, como efetivamente veio a ser reconhecido pela administração (alíneas V), W), X e AA), da matéria de facto considerada provada na sentença); que foi, aliás, o preceituado neste acordo e designadamente no n.º 3, da cláusula 17.ª, que permitiu à Câmara Municipal de G......... a emissão dos alvarás de construção e utilização a que se reportam as alíneas T) e U), da matéria de facto considerada assente; que mais relevante foi o teor do n.º 5, da cláusula 17.ª, onde se previu que se ao ora contrainteressado e recorrente viesse a ser reconhecido o direito ao Título de Utilização da parcela onde se encontra implantado o “ B.......”, a primeira requerida H.......aceitaria tal decisão, com as consequências previstas nos pontos 5.1 a 5.6, do referido número e cláusula contratual; que o recurso aos meios de tutela jurisdicional provisória na situação em apreço, jamais se justificaria no quadro contratual estabelecido entre as partes, desde logo porque jamais poderia mostrar-se efetivamente verificado o requisito por excelência de qualquer medida cautelar: o periculum in mora; que resulta do acordo celebrado entre as partes, que há uma consensualidade na aceitação das decisões que hajam de ser proferidas relativamente aos procedimentos em curso, abstendo-se de promover quaisquer outros para além daqueles (vejam-se os n.º 1 e n.º 2, da cláusula 17.ª do acordo em questão); que ao atuarem pela forma como o fazem pela presente ação cautelar, procurando evitar que a Administração Pública formalize o título de utilização da parcela a favor do contrainteressado, as ora recorridas estão a violar o compromisso que assumiram nos n.º 1 e 2, da cláusula 17.ª do acordo em presença e, nessa medida, comportam-se em conformidade com a máxima latina venire contra factum proprium; que a iniciativa assumida pelas ora recorridas, traduz-se, pois, num abuso de direito, com grave violação das expectativas criadas com a formalização de vontades negociais, que deverá ser entendida como uma transação extrajudicial sobre os interesses em litígio, e que assim o exercício do direito de ação agora em causa é ilegítimo, porque excede manifestamente os limites impostos pela boa fé contratual a que as partes se vincularam e que ao não decidir neste sentido, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 334.º do Código Civil, e ao desconsiderar a imperatividade do contrato celebrado entre as partes e a que já amplamente aludimos, foi violado o princípio da liberdade contratual e da eficácia dos contratos, a que aludem os artigos 405.º e 406.º, do Código Civil – (vide conclusões 13ª a 22ª das alegações de recurso).
3.4.3 A propósito da figura do abuso de direito, recorde-se, por simplicidade expositiva, o que foi explanado a tal respeito no acórdão do STJ de 12/11/2013, Proc. 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, disponível in, www.dgsi.pt/jstj, que se passa a citar: «O abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (artigo 334.º do CC). E como já tivemos oportunidade de dizer em acórdão desta conferência de 11/6/07, a proibição do comportamento contraditório configura atualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra, justamente, na proibição do abuso do direito, nessa medida sendo de conhecimento oficioso. No entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório, ou, dito de outro modo, “uma regra geral de coerência do comportamento dos sujeitos jurídico-privados, juridicamente exigível”. Assim, o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta fora dos casos em que assumiu compromissos negociais. Daí que, em princípio, o mecanismo disponibilizado pela ordem jurídica para possibilitar a formação da confiança na palavra dada e, consequentemente, na conduta futura dos contraentes seja só o negócio jurídico. Sabido, porém, que uma das funções essenciais do direito é a tutela das expectativas das pessoas, facilmente se intui que por si só o negócio jurídico, sob pena de cometimento de flagrantes injustiças em muitas situações concretas, não pode constituir o único modo de proteção das expectativas dos sujeitos na não contradição da conduta da contraparte; casos há em que, ainda antes do limiar da vinculação contratual, o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que atue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium. A delimitação de tais casos obrigou a doutrina e a jurisprudência a terem que precisar com o máximo de rigor possível os pressupostos da proibição desta modalidade do abuso, desde logo por se ter a noção de que este instituto, construído, todo ele, a partir da cláusula geral da boa fé, apenas deve funcionar em situações limite, como verdadeira válvula de segurança e de escape do sistema, e não como uma tal ou qual panaceia de que se lança mão sempre que a aplicação das regras de direito estrito pareça ser insuficiente para assegurar a solução justa do caso. Importa evitar a todo o custo, como escreveu o autor atrás citado, “a utilização da boa fé como um “nevoeiro” que serve para tudo”.
Assim, há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja suscetível de fundar uma situação objetiva de confiança. Em segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a atual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente. Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo ato anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente. Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma atividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa atividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente. Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjetiva objetivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objetiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano. Os pressupostos enumerados não podem em caso algum ser aplicados automaticamente pois, como observa o autor que vimos a acompanhar, o venire contra factum proprium é, em última análise, “uma técnica....que não dispensa, e antes pressupõe, um controlo da adequação material da solução, com uma valoração global de todos os elementos à luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima”; por isso, todos aqueles pressupostos “deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efetivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objetivo”. Dentro desta mesma linha de pensamento, escreveu-se no acórdão do STJ de 12.2.09 (Revª 4069/08) que “no âmbito da fórmula “manifesto excesso” cabe a figura da conduta contraditória (venire contra factum proprium), que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte em função do modo como antes atuara”. Assim tem de ser, acrescentamos nós, justamente porque o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; ele está presente, desde logo, na norma do artº 334º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a proteção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte. (…)».
3.4.4 Na situação presente temos que entre a 1ª Requerente H.......– AT, SA e o contra-interessado D...........foi celebrado em 12/10/2006 o contrato que foi junto aos autos sob Doc. com o RI, pelo qual a primeira de obrigou a proceder, por sua exclusiva custa e iniciativa, à construção de um edifício destinado a estabelecimento de restauração e bebidas com esplanada, a ser implantado na Praia do Carvalhal, Município de G........., em que área onde se encontrava parcialmente implantado o denominado “B.......”, e bem assim a ceder a exploração daquele estabelecimento, provido de todos os equipamentos necessários ao seu normal funcionamento, ao segundo, pelo período de 10 anos, mediante o pagamento da quantia mensal ali fixada.
3.4.5 Aquele contrato foi celebrado no enquadramento circunstancial referido sob a forma de considerandos no respetivo introito, no âmbito do qual, entre o demais, se encontra o seguinte:
«(…)
III. Tendo em consideração o exposto, a H….. requereu e foi-lhe concedido pela DRAOT o Título de Ocupação de Domínio Marítimo Privado nº …./00/DH, mos termos do disposto no Decreto-Lei nº 309/93, a concessão para ocupação e exploração de um estabelecimento de restauração/bar/esplanada, em área onde se encontra parcialmente implantado o Estabelecimento denominado “B.......”;
(…)
VI. Por seu turno o Segundo Outorgante prossegue a atividade de indústria hoteleira no “B.......” que ocupa parcialmente a área onde irá ser instalado o Estabelecimento objeto deste contrato;
VII. Tais instalações, pelo seu estado de degradação, deverão ser demolidas;
(…)
X. O segundo outorgante intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, Ação Administrativa Especial, para anulação de ato administrativo, em cumulação com pedido de reconhecimento da situação jurídica subjetiva, a qual corre seus termos sob o nº 200/04.4BEBJA;
XI. Com a ação referida no considerando anterior, o segundo outorgante peticiona a anulação definitiva do despacho mencionado no considerando sétimo e bem assim que lhe seja reconhecido o direito ao Título de Utilização de Domínio Público Hídrico, relativo à parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” (…) e à concessão da possibilidade de, no prazo de doía anos, cumprir todo o estatuído no POOC Sado-Sines, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 309/93, de 2 de setembro;
XII. Da perspetiva da primeira outorgante, a parcela de terreno onde se encontra implantado o “B....... é propriedade privada, sendo a sua ocupação e utilização sujeita a Título de Ocupação de Domínio Marítimo Privado;
XIII. Na perspetiva do segundo outorgante, a parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......”, apenas pode ser qualificado como Domínio Público Hídrico e a sua ocupação e utilização está sujeita à emissão do competente título;
(…)
XV. Os outorgantes têm, assim, comum interesse em que no local ocupado pelo “B.......” seja construído um novo edifício exclusivamente destinado a restaurante/bar/esplanada, com a necessária demolição das instalações onde atualmente funcionam o referido “B.......”, sem embargo da decisão judicial que venha a ser proferida sobre a questão da dominialidade»

3.4.6 Estabelecendo a Cláusula 17ª do contrato que o nele disposto «…não prejudica os direitos que venhas a ser reconhecidos a qualquer das partes aqui Outorgantes, sobre a utilização da parcela de terreno onde se encontra atualmente implantado o Estabelecimento Industrial denominado “B.......” e onde será parcialmente implantada a construção (…)»; que «(…) as partes aceitam, portanto, que continuarão a aguardar e respeitarão quaisquer decisões judiciais que venham a ser proferidas quanto ao direito que qualquer uma delas possa ter ao Título de Ocupação da parcela de terreno em apreço e, nomeadamente, quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma»; que «(…)na eventualidade de não vir, ou até que não venha a ser reconhecido ao segundo outorgante, pelas autoridades competentes, o direito ao Título de Utilização da parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......”, o Contrato de Cessão de Exploração aqui prometido será cumprido nos seus precisos termos»; que «(…) se vier a ser reconhecido que ao segundo outorgante cabe o direito ao Título de Utilização da parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” e que está prevista no POOC Sado-Sines como área de ocupação, as partes observarão o seguinte:
5.1) O contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento outorgado entre as partes caducará imediatamente.
5.2) A primeira outorgante cederá de imediato ao segundo outorgante todos os direitos sobre o edifício que tenha construído (…)bem como todo o equipamento nele instalado.
5.3) A primeira outorgante cederá ao segundo outorgante a sua posição em todas as licenças, autorização, títulos concessões ou direito, em que haja sido investida, por força do acordado no presente contrato.
5.4) O segundo outorgante ficará, portanto, exclusivamente investido – com as legais limitações – em todos os direitos relativos à parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” e onde será implantada a construção (…).
5.5) O segundo outorgante pagará à primeira outorgante, como compensação, o montante por esta despendido com a elaboração dos projetos, licenciamentos administrativos, construção e equipamentos, acrescido de uma quantia equivalente à da aplicação da taxa de juros Euribor a um ano em vigor na data do pagamento e por todo o período de tempo decorrido entre o início da cessão de exploração e o trânsito em julgado da decisão judicial, deduzindo todos os montantes que o primeiro outorgante lhe tenha pago a título de prestações devidas pela Cessão de Exploração.
5.6) Se o direito sobre a parcela de terreno vier a ser reconhecido ao segundo outorgante enquanto a construção (…) estiver em curso, a direção a obra será imediatamente assumida pelo segundo outorgante, que custeará as despesas com a sua continuação e que pagará à primeira outorgante, a título de compensação, os montantes que, até à data, hajam sido por esta despendidos, atendendo ao estado da obra e à correspondente previsão no plano de trabalhos e pagamentos (…)»
3.4.7 Ora, considerando, por um lado, o contexto e bem os pressupostos em que as partes outorgaram o identificado contrato, e por outro, as condições nele subscritas, incluindo o que consta da respetiva cláusula 7ª, não se pode concluir, ao contrário do propugnado pelo recorrente, que ao lançarem mão do presente cautelar, visando a decretação de providência cautelar de intimação da entidade Requerida a abster-se de conduta, consubstanciada na abstenção da emissão do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico, referente ao identificado estabelecimento “B.......”, em nome do contra-interessado (ou, subsidiariamente, adotada outra providência que acautele os interesses das Requerentes), os requerentes incorressem em abuso de direito, mormente na vertente de venire contra factum proprium, em termos que lhe estivesse vedado utilizar tal meio processual, por configurar um exercício ilegítimo.
3.4.8 Poderá não assistir razão aos requerentes, em termos de não dever proceder a pretensão cautelar formulada, por não estarem reunidos os requisitos para o efeito, tal como previstos no artigo 120º do CPTA, entre eles o periculum in mora, como também o recorrente invoca. Mas essa é questão diferente.
3.4.9 É certo que perante a situação de incerteza quanto à dominialidade, pública ou privada, da área em causa, e, consequentemente, quanto a quem pertencerá o direito respetivo ao título de ocupação, as partes firmaram no contrato os termos em que estabeleceram entre si, e na conveniência de ambas, uma concertação dos seus interesses.
3.4.10 Mas dos termos do nele acordado não resulta estar implicada ou abrangida a renúncia de qualquer das partes aos meios judiciais, incluindo para a tutela cautelar dos seus interesses até à resolução judicial, final e definitiva, quanto ao direito que qualquer uma delas possa ter quanto ao título de ocupação da parcela de terreno em causa e quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma.
3.4.11 Sendo certo que, em concreto, a previdência aqui requerida não bule com o estabelecido no contrato, já que as consequências nele previstas estão condicionadas e decorrerão das decisões judiciais que venham a ser proferidas quanto ao quanto ao direito que qualquer uma delas possa ter quanto ao título de ocupação da parcela de terreno em causa e quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma.
3.4.12 Não se pode, pois, concluir que o concreto pedido de decretação da providência cautelar deduzido pelas requerentes no presente processo cautelar configure, na situação presente, consubstancie o exercício ilegítimo de um direito, por abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium.
3.4.13 Não merecendo, também, provimento o recurso nesta parte.
*
3.5 Da decisão de decretamento da providência cautelar requerida
3.5.1 A sentença recorrida, debruçando-se sobre o mérito da pretensão cautelar, após explicitar em termos gerais os requisitos a que a mesma estava sujeita, configurando a providência requerida como de natureza antecipatória, verteu o seguinte em sede da respetiva fundamentação, que se passa a transcrever:
«(…)
A providência cautelar deve ser concedida, sem necessidade de mais indagações, se for evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de ato manifestamente ilegal, de ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente: cfr. art. 120º n.º1 al. a) do CPTA ex vi art. 15º do DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro.

Tal situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, não se verifica no caso concreto, pois não se trata de uma situação de manifesta procedência da pretensão material das Requerentes que vale por si só, e em que o tribunal está dispensado de verificar se na situação que tem sobre apreciação se verifica o requisito do periculum in mora (fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que se visam assegurar): cfr. alínea A) a GG) supra.

Isto porque, dos autos não é evidente – ademais atento o circunstancialismo concreto cuja complexidade exige a análise exaustiva nos autos principais e não compaginável com a apreciação perfunctória e sumária intrínseca à natureza dos presentes autos cautelares – a manifesta procedência da pretensão formulada no processo principal ou inexistência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito: cfr. alínea A) a GG) supra.

Além do mais, importará ter presente que a questão do reconhecimento, ou não, de propriedade privada relativamente à parcela de terreno sobre que recai a presente demanda não só não se mostra susceptível de ser resolvida no âmbito da assinalada ação principal (visto que, conforme as Requerentes a identificam, será destinada à condenação da Administração Pública à abstenção da prática do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico e não uma ação de demarcação e/ou de reconhecimento de direito) como é matéria da competência dos tribunais judiciais: cfr. art. 15º n.º 1 e art. 17º n.º 7 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e cfr. Do reconhecimento de propriedade privada sobre terrenos do domínio público marítimo – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2012-01-12, processo n.º1224/08.8TBSCR.L1-2, anotado por Ana Raquel Gonçalves Moniz, in CJA, 102, novembro/dezembro de 2013, fls. 60 a 76.

Importa, assim, utilizar os critérios fixados na alínea c) do n.º 1 e, se necessário, o critério complementar do n.º 2 do art. 120.º do CPTA ex vi art. 15º do DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro.

Principiando, impõe-se verificar se estamos perante uma situação em que haja “ … um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” ou seja, verificar se se encontra preenchido ou não o requisito do “periculum in mora ”.

A resposta mostra-se afirmativa: cfr. alínea A) a GG) supra.

Na verdade, pese embora o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado seja consubstanciado na singela alegação de que caso não seja decretada a providência será praticado o ato (emissão do titulo de ocupação do DPM) que as Requerentes pretendem ver evitado, o facto é que tal alegação encontra contudo concreta densificação na factualidade indiciariamente assente: cfr. alínea A) a GG) supra.

Como decorre dos autos e o probatório elege, a Entidade Requerida emitiu, em nome de V............, Licenças de Ocupação do Domínio Público Marítimo e, bem assim, também à H…..”, Titulo de Ocupação de Domínio Marítimo Privado, ambos títulos para o mesmo estabelecimento, sito na mesma parcela de terreno, cuja dominialidade é objeto de dissenso entre as partes: cfr. alínea A) a GG) supra.

Por outro lado, e aquando do pedido de averbamento do procedimento para a titularidade do ora Contrainteressado, a Entidade Requerida solicitou-lhe o envio de documento comprovativo da autorização do proprietário do terreno para a referida ocupação a fim de formalizar o licenciamento provisório, tendo, todavia, mais tarde, tomado entendimento diferente – mas, sublinhe-se, ainda assim relegando, corretamente, para a sede judicial a decisão sobre o reconhecimento da propriedade (pública ou privada) da parcela de terreno em questão – quanto à dominialidade da parcela de terreno em questão, adotando assim conduta que permite inferir não estar segura da natureza da dominialidade em causa, pese embora a documentação relevante à sua decisão subsista sem alterações (vide v.g. auto de demarcação, escrituras e registos e vide acordo estabelecido entre as Requerentes e o Contrainteressado): cfr. alínea A) a GG) supra.

Por outro lado, e sobretudo, resulta também dos autos que as Requerentes e o Contrainteressado firmaram, entre si, acordo sobre os termos da cessão de exploração do estabelecimento “B.......”, tendo fixado, além do mais, as consequências da titularidade na emissão do Titulo de Ocupação da parcela de terreno em apreço, espelhadas na definição das relações entre ambas as partes e principalmente quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da parcela em questão: cfr. alínea A) a GG) supra, nomeadamente alínea S) supra (vide Cláusula 17ª).

Deste modo, a emissão do título, em nome do Contrainteressado, nas circunstâncias anunciadas (v.g. sem procedimento concursal e, sobretudo, sem se encontrar esclarecida a questão da dominialidade, para mais quando, entre as Requerentes e as Contrainteressadas existe estipulação do significado de tal emissão e disso tendo a Requerida conhecimento) preenche o conceito de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado para os interesses que as Requerentes pretendem defender: cfr. alínea A) a GG) supra.

Não desconhecendo que a emissão do título, em nome do Contrainteressado, nas circunstâncias anunciadas, consubstanciaria situação de facto consumado de sinal contrário, da factualidade assente sobressai, contudo, que em 1999-12-06 (cinco meses passados sobre o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora), foi solicitado à Entidade Requerida o averbamento da licença de ocupação do Domínio Público Marítimo – DPM n.º ……/99/DPM, referente ao estabelecimento “B.......” para o nome do ora Contrainteressado, o qual, tendo firmado o acordo supra referenciado com as Requerentes, defendeu a sua posição: cfr. alínea A) a GG) supra.

Donde, a emissão do título, nos termos e moldes anunciados pela Entidade Requerida, sopesadas as diferentes posições e não identificados danos para os interesses públicos, e, sem que, contudo, se mostre previamente esclarecida a questão da demarcação/propriedade da parcela de terreno em questão, indicia de modo verosímil e suscetível de convencer o Tribunal de que se mostra concretizado o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado: cfr. alínea A) a GG) supra.

Preenchido o requisito do “periculum in mora” e, sendo certo que os requisitos plasmados no art. 120.º do CPTA são cumulativos, importa agora analisar os demais requisitos.

Destarte, porque se trata de uma providência antecipatória sempre se dirá que, como estabelece o art. 120.º n.º 1 alínea c) do CPTA que ainda que demonstrado o periculum in mora, a providência só será concedida quando seja de admitir
“…que a pretensão formulada ou a formular no processo principal pode vir a ser julgada procedente…”, pois estando, como está, em questão uma providência destinada a alterar o status quo, atribui-se maior relevo ao critério do fumus boni iuris (aparência de bom direito).

Requisito que, neste domínio, intervém na sua formulação positiva: se as Requerentes pretendem, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre elas impende o encargo de fazer prova perfunctória do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal a intentar.

O que lograram alcançar: cfr. alínea A) a GG) supra.

Para tanto, as Requerentes assacam ao ato/ contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico cuja prolação pretendem obstar, vício de violação de lei, quer por violação do seu direito de propriedade, quer por violação das normas legais e regulamentares que sempre obrigariam à emissão de titulo precedido por procedimento concursal, para mais, considerando serem elas próprias ainda titulares do Titulo de Ocupação de DMP n.º …./00/DH para Restaurante “B.......”.

No que respeita a este último argumento e atenta a factualidade assente, importa, desde logo, desconsidera-lo, dado que à data de interposição da presente ação (em 2010-12-02) o Titulo de Ocupação de DMP n.º …./00/DH, de 2001-04-17, titulado pela Requerente e com a validade de 2 anos, há muito que já não se encontrava em vigor: cfr. alínea A) a GG) supra.

Como aduzido a propósito do disposto no 120º n.º1 al. a) do CPTA, no caso sub judice, não se verifica manifesta a aparência de bom direito, contudo, tal não inviabiliza a possibilidade de procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório que, perfunctoriamente, resulta dos autos: cfr. alínea A) a GG) supra.

Na verdade, existindo dúvidas nas confrontações (v.g. face ao teor do autos de demarcação, confrontado com o teor das escrituras e do registo, com o auto de inspeção e com a localização dos marcos e do estabelecimento) e, consequentemente, na dominialidade daquela parcela de terreno onde se situa o “B.......”, existe questão prejudicial à decisão da Entidade Requerida, que sempre teria que ter sido resolvida à luz do disposto no art. 31º do Código de Procedimento Administrativo – CPA, na redação ao tempo aplicável: cfr. alínea A) a GG) supra.

Ora, não constando dos autos ter sido cumprido o citado art. 31º do CPA, ao menos para a aplicação expressa ao caso concreto do disposto no seu n.º 3, mostram-se fundados os receios de que a decisão da Requerida a que as Requerentes pretendem obstar produza, objetivamente, efeitos fora do procedimento onde seria proferida: cfr. alínea A) a GG) supra.

Para mais, indiciariamente decorrendo dos autos poder, em teoria, a questão da dominialidade vir a ser resolvida (em sede própria, que é, recorde-se, a dos tribunais judiciais: cfr. art. 15º n.º 1 e art. 17º n.º 7 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e cfr. Do reconhecimento de propriedade privada sobre terrenos do domínio público marítimo – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2012-01-12, processo n.º1224/08.8TBSCR.L1-2, anotado por Ana Raquel Gonçalves Moniz, in CJA, 102, novembro/dezembro de 2013, fls. 60 a 76) a favor das Requerentes (atente-se, novamente, no teor dos supra citados documentos referentes à demarcação e propriedade e, bem assim no facto de nenhum deles ter sido declarado nulo, anulado ou revogado), mostra-se pois admissível considerar a procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório: cfr. alínea A) a GG) supra.

Por outro lado, assiste razão às Requerentes quando invocam, no caso, a exigência de prévia realização de procedimento concursal estabelecido na Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro e no DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio e DL n.º 309/93, de 02 de setembro.

Na exata medida, em que a Licença de Ocupação do DPM n.º …../99/DPM, de 1999-07-15, titulada por V…………, era válida até 2000-07-15, deste modo, com a publicação do POOC Sado-Sines (RCM nº 136/99, de 29 de outubro), tinha o titular da licença (no caso, já o seu adquirente, ora Contrainteressado), o prazo de 2 anos, ou seja, até finais de 2001, para proceder à renovação da licença: cfr. art. 39º e 42º da RCM nº 136/99, de 29 de outubro e cfr. 17.º do DL n.º 309/93, de 2 de Setembro, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 218/94, de 20 de Agosto.

O que não fez: cfr. alínea A) a GG) supra.

Ressaltando, da factualidade assente que, pese embora, em 2000-11-13, o Contrainteressado tenha sido notificado pela Entidade Requerida, para: “… no prazo de 10 dias, enviar a este serviço documento comprovativo da autorização do proprietário do terreno para a referida ocupação…”, o facto é que não só não consta que o tenha feito como resulta ainda dos autos que, em 2001-04-17, a Entidade Requerida emitiu à H….. (ainda com a denominação social de The Atlantic Company, Limited), e não ao ora Contrainteressado, o Titulo de Ocupação de DMP n.º …./00/DH para o mesmo estabelecimento, no mesmo local, com validade de 2 anos, ou seja, até 2003-04-17: cfr. alínea A) a GG) supra.

Destarte, o Contrainteressado, na qualidade de titular da Licença de Ocupação do DPM n.º ……/99/DPM, de 1999-07-15, tinha direito a que lhe fosse emitida concessão, desde que tivesse procedido à renovação da licença no prazo de 2 anos, o que, objetivamente, e como supra aduzido não fez, por causa a ele imputável, dado que não logrou preencher as condições procedimentais exigidas pela Entidade Requerida, nem constando dos autos que (aliás, diversamente da conduta que adotou em 2004 e em 2006) tenha oportunamente, e em sede própria, atuado relativamente a conduta obstrutiva, eventualmente, prosseguida pelas Requerentes e/ou pela Entidade Requerida: cfr. alínea A) a GG) supra.

Acresce que, a exigência de procedimento concursal não se mostra excecionada face ao disposto no art. 89.º do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio, porquanto o fax que o I. Mandatário Forense do Contrainteressado dirigiu à Entidade Requerida em 2009-04-14, não só não consubstancia requerimento para emissão de licença em situação não titulada, como não inclui os elementos exigidos pelo citado art. 89º, não condicionando assim a Entidade Requerida ao procedimento descrito na mencionada disposição legal: cfr. alínea A) a GG) supra.

Mais, dos autos não resulta pois ter sido efetuada fiscalização, nem adotado o procedimento subsequente para emissão de tal licença, nem consta que se assim o tivesse entendido e pretendido o Contrainteressado, tivesse o mesmo, em tempo e sede própria, atuado face a tal omissão por banda da Requerida: vide art. 89.º do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio e alínea A) a GG) supra.

Aqui chegados, mostram-se, no caso, preenchidos os requisitos contidos no art. 120º n.º 1 al. c) e do n.º 2 do CPTA ex vi art. 15º do DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, pelo que, deve pois proceder a requerida intimação para a abstenção de conduta.»

3.5.2 Quanto à decisão de decretamento da providência cautelar requerida, invoca o recorrente, em primeiro lugar, que a mesma padece de nulidade por falta de fundamentação e por insuficiência da matéria de facto nos termos do artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA - (vide conclusões 23ª a 27ª das alegações de recurso).
Defende, neste contexto, que se verifica insuficiência de fundamentação da sentença quanto à razão pela qual considerou preenchidos os requisitos para o decretamento da presente providência cautelar; que o Tribunal a quo não justificou porque razão os factos que considerou provados eram aptos a concluir pela existência de um “facto consumado” desfavorável às recorridas, nem sequer qual era o seu conceito de “facto consumado”; que embora incumbisse às requerentes da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a sua concessão (artigo 342.º do CC), nenhuns factos relevantes foram alegados ou considerados provados pelo tribunal, que permitissem concluir, designadamente pela existência de perigo de consumação irreversível de qualquer facto em desfavor das recorridas; que não havendo, assim, alegação suficiente, estava o tribunal impedido de considerar a existência de qualquer “facto consumado” que pudesse consubstanciar o periculum in mora, e que ao não fundamentar a decisão de forma suficiente (ao menos quanto a estas focadas questões) e ao decidir a causa sem que tivesse considerado quaisquer factos provados concretamente atinentes à possível verificação de um “facto consumado” apto a preencher o periculum in mora, o tribunal violou o disposto nos artigos 208.º, n.º 1, da CRP e 154.º, do CPC, gerando uma nulidade da própria sentença nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, do CPTA.
3.5.3 E em segunda linha imputa-lhe o recorrente erro de julgamento, defendendo que o Tribunal a quo fez um deficiente enquadramento dos dois principais requisitos/critérios decisórios para a medida cautelar, como ainda, omitiu qualquer apreciação sobre a proporcionalidade da tutela provisória e do seu impacto nos legítimos direitos, interesses e expectativas do contrainteressado; que a sentença recorrida não podia ter considerado verificar-se qualquer periculum in mora, pois não há qualquer receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para as ora recorridas que se mostrem alicerçados em quadro factual concreto de onde possa ser extraída uma conclusão objetiva sobre a verificação destas condições; que o próprio Tribunal a quo que reconhece que o periculum in mora alegado pelas ora recorridas não tem concretização factual e resume-se “na singela afirmação de que caso não seja decretada a providência será praticado o ato (…) que as requerentes pretendem ver evitar” (cfr. o 3.º § de p. 29, da douta sentença), o que é manifestamente insuficiente; que a sentença recorrida não entendeu o “facto consumado” consubstanciador do periculum in mora, como aquele facto que é irremediável, que produz efeitos irreversíveis, que já não podem ser repostos e que tornaria inútil a decisão que viesse a ser proferida na ação principal. Com tal decisão interpretou deficientemente e violou o artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPTA; que os fundamentos invocados na douta sentença (cfr. designadamente os dois últimos §§ da p. 29, o 1.º § de p. 30 ou o 2.º § de p. 30 da decisão), não têm qualquer tipo de relação com a existência do perigo efetivo de se vir a verificar um facto consumado (no verdadeiro sentido jurídico) com a emissão do título de ocupação do domínio público hídrico a favor do ora recorrente, tudo pelas razões aduzidas a pp. 34 e ss., da presente alegação, até porque, se após a emissão do título em causa a favor do ora recorrente, viesse a ser reconhecido qualquer direito às recorridas (o que nunca se concede), sempre o título em questão poderia ser revogado, até porque o contrainteressado sendo parte nas ações judiciais, fica vinculado ao efeito das mesmas; que a probabilidade (não a mera possibilidade) de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal e de que depende a providência cautelar, venha a ser julgada procedente ou que não se verifiquem óbices ao conhecimento do mérito da causa, é um dos requisitos/critérios de decisão da ação (artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do CPTA) que não foi respeitado pela sentença; que este critério, que é traduzido no latinismo fumus boni iuris não se encontra preenchido na vertida situação, desde logo porque, se verifica total improbabilidade de ser procedente qualquer ação que as recorridas venham a intentar com vista a condenar a administração a não praticar o ato que está em causa, por força do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA; que o ato administrativo que decidiu a emissão do titulo de utilização do domínio público hídrico a favor do contrainteressado e ora recorrente (o mencionado nas alíneas X) e AA), da matéria de facto assente) é um ato inimpugnável (como já definitivamente decidido no âmbito da ação administrativa especial que correu termos sob o n.º..../09.2....) e às recorridas é vedado o recurso à ação administrativa comum, para obter o mesmo efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável; que é indiscutível que a abstenção de conduta que é reclamada na presente ação cautelar e que seria futuramente peticionada no âmbito da ação principal anunciada pelas recorridas, seria precisamente a de não dar cumprimento ao ato administrativo inimpugnável, ou seja, não formalizar – como já anunciado e decidido pelo menos em 2009 – o título de utilização do Domínio Público hídrico a favor do aqui recorrente e contrainteressado; que o facto essencial em que assenta a posição jurídica das recorridas, ao alegarem vício de violação de lei, está diretamente relacionado com o seu putativo direito de propriedade privada sobre a parcela que está em questão, sendo certo que tal matéria não pode ser conhecida no âmbito de qualquer ação administrativa, mas antes no foro dos tribunais judiciais comuns (cfr. artigo 15.º, n.º 1 e artigo 17.º, n.º 7, da Lei n.º 54/2006, de 15 de novembro); que o Tribunal a quo, ao não decidir no sentido que agora se sufraga, viola ostensivamente os artigos 38.º, n.º 2, 113.º, n.º 1, 114.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, este último determinando a caducidade de qualquer providência que seja decretada, caso não exista ação principal de que aquela dependa; que qualquer dos possíveis vícios de violação de Lei invocados pelas ora recorridas e focados pelo tribunal a quo (violação do direito de propriedade – não demonstrada – e preterição de concurso público) consubstanciariam mera anulabilidade do ato administrativo que foi formado pelo menos em 2009, quando foi reconhecido ao ora recorrente o direito ao título de ocupação do domínio público hídrico e há muito que é inviável reclamar contra a putativa (mas inexistente) anulabilidade do ato; que ao valorar tais putativos vícios de anulabilidade neste momento, o Tribunal a quo viola o caso julgado formado no âmbito do processo n.º..../09.2...., e, excede os seus poderes de decisão violando o disposto, no artigo 58.º, n.º 2, alínea b) e no artigo 38.º, n.º 2, ambos do CPTA na sua anterior versão, por a intimação pretendida pelas ora recorridas mais não é do que atacar um simples ato de execução – há muito anunciado – de um ato administrativo assumido em 15/12/2008, pela ARHA (Cfr. alínea X), da matéria de facto assente) que veio a ser confirmado em 12/05/2009, pela mesma entidade (Cfr. a alínea AA), da matéria de facto assente e o que a este respeito foi decidido na ação apensa com o n.º..../09.2....); que conforme resulta do facto assente vertido na alínea X) e que transcreve parte do documento 10 junto ao requerimento inicial e o documento 1 junto à oposição da entidade requerida, a autoridade administrativa entendeu não existir qualquer questão prejudicial que obstasse à decisão de emitir o título de ocupação do domínio público hídrico a favor do contrainteressado, pelo que não existe qualquer violação do artigo 31.º do Código de Procedimento Administrativo; que é muito evidente que os limites do domínio público hídrico nunca estiveram integrados em propriedade privada das recorridas e que a propriedade privada nunca excedeu os medos arenosos (dunas primárias e não praia) e nunca confrontou com o mar atlântico, realidade que é bem evidenciada pela matéria que o tribunal judicial comum já considerou provada no âmbito da ação a que é feita referência nas alíneas F), G) e H), da matéria de facto provada na douta sentença agora recorrida; que tendo em conta a especial posição do agora recorrente que titulava licença válida à data da entrada em vigor do POOC Sado-Sines, tanto o Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, como a Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, em nada prejudicaram os seus direitos adquiridos, em face do preceituado no artigo 17º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 309/93 de 02 de Setembro; que esta última questão nem pode, sequer, ser colocada em causa, porquanto já foi decidida por ato administrativo o qual, aliás, motivou que a ação administrativa especial intentada pelo aqui recorrente e que correu termos sob o n.º 200/04.4BEBJA viesse a ser extinta por impossibilidade superveniente da lide (nesta ação o recorrente pedia o reconhecimento dos seus direitos relacionados com esta matéria – cfr. docs. 4 e 5 junto com a oposição do contrainteressado e bem assim fls. 132 a 144, do PA); que assim não está preenchido o fumus boni iuris, , mostrando-se outrossim, que o Tribunal a quo violou, neste conspecto, o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 120.º, do CPTA; que a providência decretada deixa um vazio jurídico e uma indefinição da situação vertida nos autos, lesando, assim, a medida cautelar, desproporcionalmente, os legítimos interesses do contrainteressado ora recorrente e da própria autoridade administrativa, concluindo-se que o tribunal a quo violou o princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA – (vide conclusões 28ª a 48ª das alegações de recurso).
3.5.4 Comecemos por enfrentar a invocadas nulidades da sentença recorrida.
3.5.5 Em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP dispõe o artigo 154º do CPC novo sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” (correspondente ao artigo 158º do CPC antigo), que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (nº 2).
A fundamentação das decisões jurisdicionais, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.
3.5.6 Nessa decorrência, dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC que a sentença é nula quando “…não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
E só tal falta da especificação dos fundamentos, de facto e de direito constituirá causa de nulidade da sentença.
Como é consensual na Doutrina e na Jurisprudência, a falta de motivação (quer de facto quer de direito) suscetível de integrar a nulidade de sentença a que se reporta a citada alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao anterior artigo 668º) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta, e desde TCA Sul de 05/05/2016, Proc. 8411/12, in, www.dgsi.pt).
E para que se esteja perante falta de fundamentos de facto geradores da nulidade de sentença é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que hão-de suportar a decisão que profere. Só aí se estará perante falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão a que alude a referida alínea b).
3.5.7 Na situação dos autos o Tribunal a quo especificou na sentença recorrida os factos que considerou provados, motivando o julgamento que fez por referência aos documentos constantes dos autos, que indicou.
E debruçando-se sobre o mérito da pretensão cautelar, explanou igualmente os fundamentos de direito que, no seu entender, conduziram à decisão de procedência da pretensão cautelar, procedendo à subsunção dos factos aos pressupostos normativos que enunciou, como é constatável do corpo fundamentador da sentença, transcrito supra.
3.5.8 Não se pode, pois, dizer, que a sentença recorrida padeça de nulidade decisória por falta de fundamentação nos termos do artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA.
Não merecendo, neste aspeto, acolhimento o recurso.
3.5.9 O que poderá ocorrer é erro de julgamento, seja por o quadro normativo aplicável seja por os factos apurados, não permitirem a conclusão, a que chegou a sentença recorrida, no sentido de se verificarem preenchidos os requisitos para o decretamento da providência. O que é coisa diferente.
3.5.10 Vejamos, pois, se ocorrem os apontados erros de julgamento.
3.5.11 No que tange ao imputado erro de julgamento quanto à verificação do requisito do periculum in mora cumpre começar por relembrar que é precisamente por os processos cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal – o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio – que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes aludidas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (na sua versão original): “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Como refere Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, pág. 260, a propósito do periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar no âmbito do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “ela (a providência cautelar) deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (...) A providência deve também ser concedida (...) quando, embora não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.”.
Explicitando ainda este autor que o CPTA reformulou os termos em que é concebido o periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar à face do que até então dispunha a LPTA, de molde que“(...) à formula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada no artigo 76º, nº1 alínea a), da LPTA, é, assim, acrescentada, neste domínio, uma outra, que surge colocada em alternativa e faz apelo ao “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” (...) Da conjugação das duas expressões resulta a clara rejeição do apelo, neste domínio, a critérios fundados na suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu carácter variável aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo vir a ser julgado procedente.” (op. cit., págs. 258 e 259).
3.5.12 Temos assim que à luz do disposto no artigo 120º nº 1 alínea c) do CPTA (versão original), o requisito do periculum in mora para a concessão de uma providência cautelar pode assumir uma das duas vertentes ali previstas: o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
3.5.13 A sentença recorrida, enfrentando este requisito, disse ser afirmativa a resposta à questão de saber se no caso se está perante uma situação em que haja um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Sendo que, muito embora tenha começado por remeter laconicamente para todo o probatório, através da referência em bloco, que fez, às alíneas A) a GG) dos factos provados, e dizendo que «(…) pese embora o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado seja consubstanciado na singela alegação de que caso não seja decretada a providência será praticado o ato (emissão do titulo de ocupação do DPM) que as Requerentes pretendem ver evitado, o facto é que tal alegação encontra contudo concreta densificação na factualidade indiciariamente assente: cfr. alínea A) a GG) supra», acabou por explanar o seguinte:
«(…)Como decorre dos autos e o probatório elege, a Entidade Requerida emitiu, em nome de V............, Licenças de Ocupação do Domínio Público Marítimo e, bem assim, também à H….., Titulo de Ocupação de Domínio Marítimo Privado, ambos títulos para o mesmo estabelecimento, sito na mesma parcela de terreno, cuja dominialidade é objeto de dissenso entre as partes: cfr. alínea A) a GG) supra.

Por outro lado, e aquando do pedido de averbamento do procedimento para a titularidade do ora Contrainteressado, a Entidade Requerida solicitou-lhe o envio de documento comprovativo da autorização do proprietário do terreno para a referida ocupação a fim de formalizar o licenciamento provisório, tendo, todavia, mais tarde, tomado entendimento diferente – mas, sublinhe-se, ainda assim relegando, corretamente, para a sede judicial a decisão sobre o reconhecimento da propriedade (pública ou privada) da parcela de terreno em questão – quanto à dominialidade da parcela de terreno em questão, adotando assim conduta que permite inferir não estar segura da natureza da dominialidade em causa, pese embora a documentação relevante à sua decisão subsista sem alterações (vide v.g. auto de demarcação, escrituras e registos e vide acordo estabelecido entre as Requerentes e o Contrainteressado): cfr. alínea A) a GG) supra.

Por outro lado, e sobretudo, resulta também dos autos que as Requerentes e o Contrainteressado firmaram, entre si, acordo sobre os termos da cessão de exploração do estabelecimento “B.......”, tendo fixado, além do mais, as consequências da titularidade na emissão do Titulo de Ocupação da parcela de terreno em apreço, espelhadas na definição das relações entre ambas as partes e principalmente quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da parcela em questão: cfr. alínea A) a GG) supra, nomeadamente alínea S) supra (vide Cláusula 17ª).

Deste modo, a emissão do título, em nome do Contrainteressado, nas circunstâncias anunciadas (v.g. sem procedimento concursal e, sobretudo, sem se encontrar esclarecida a questão da dominialidade, para mais quando, entre as Requerentes e as Contrainteressadas existe estipulação do significado de tal emissão e disso tendo a Requerida conhecimento) preenche o conceito de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado para os interesses que as Requerentes pretendem defender: cfr. alínea A) a GG) supra.

Não desconhecendo que a emissão do título, em nome do Contrainteressado, nas circunstâncias anunciadas, consubstanciaria situação de facto consumado de sinal contrário, da factualidade assente sobressai, contudo, que em 1999-12-06 (cinco meses passados sobre o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora), foi solicitado à Entidade Requerida o averbamento da licença de ocupação do Domínio Público Marítimo – DPM n.º …../99/DPM, referente ao estabelecimento “B.......” para o nome do ora Contrainteressado, o qual, tendo firmado o acordo supra referenciado com as Requerentes, defendeu a sua posição: cfr. alínea A) a GG) supra.

Donde, a emissão do título, nos termos e moldes anunciados pela Entidade Requerida, sopesadas as diferentes posições e não identificados danos para os interesses públicos, e, sem que, contudo, se mostre previamente esclarecida a questão da demarcação/propriedade da parcela de terreno em questão, indicia de modo verosímil e suscetível de convencer o Tribunal de que se mostra concretizado o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado: cfr. alínea A) a GG) supra.

3.5.14 Insurge-se o recorrente dizendo que a sentença recorrida não podia ter considerado verificar-se qualquer periculum in mora, por não há qualquer receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para as recorridas que se mostrem alicerçados em quadro factual concreto de onde possa ser extraída uma conclusão objetiva sobre a verificação destas condições, tendo feito uma errada interpretação e aplicação do artigo 120º nº 1 alínea c) do CPTA.
Vejamos
3.5.15 A apreciação do concreto pedido cautelar haverá de ser feita por consideração dos critérios decisórios previstos no artigo 120º do CPTA tendo por referência, atenta a natureza instrumental dos processos cautelares, a pretensão que será objeto de decisão a proferir na ação principal, cuja utilidade a providência cautelar se destinará a assegurar.
3.5.16 As Requerentes peticionaram no presente processo cautelar a decretação de providência cautelar de intimação para abstenção de conduta consubstanciada na abstenção da emissão do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico, referente àquele estabelecimento “B.......”, na Praia do Carvalhal, em nome do contra-interessado, ou, subsidiariamente, adotada outra providência que acautele os interesses das Requerentes.
Tendo o processo cautelar sido instaurado previamente à respetiva ação principal, a propor, que as requerentes identificaram tratar-se de ação administrativa comum de condenação da entidade demandada a abster-se da prática do ato/contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico referente àquele estabelecimento “B.......”, na Praia do Carvalhal, em nome do contra-interessado, nos termos do artigo 37º, nº 2 alínea c) do CPTA (na redação então em vigor).
3.5.17 A ação principal de que o presente processo cautelar é instrumental, constitui, assim, ela mesma uma ação de natureza inibitória e preventiva, que o CPTA já admitia no artigo 37º nº 2 alínea c) do CPTA, na sua versão original, em concretização do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 268º nº 1 da Constituição, enquanto ação destinada a obter a “…condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo”, a que então fazia corresponder à forma de ação administrativa comum (o que hoje é igualmente consignado no artigo 37º nº 1 alínea c) do CPTA revisto, na redação resultante do DL. nº 214-A/2015, prevendo-se a possibilidade de a atual ação administrativa poder ser instaurada com vista à condenação à não emissão de atos administrativos, quando “…seja provável a emissão de atos lesivos de direitos ou interesse legalmente protegidos e a utilização dessa via se mostre imprescindível” - cfr. artigo 39º nº 2)
3.5.18 Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª edição revista, 2007, pág. 205 ss. esta alínea c) do nº 2 abrange as chamadas ações inibitórias, caso em que “…o recurso à via judicial é determinado pelo propósito de impedir, a título preventivo, que, por efeito de uma provável ou previsível atuação administrativa, venha a consumar-se um facto lesivo, na esfera jurídica do autor”.
Assim, a tutela preventiva que é conferida pelo artigo 37º nº 2 alínea c) do CPTA consiste na obtenção de uma condenação, em termos definitivos, do demandado a não adotar, no futuro, uma determinada conduta ainda não iniciada, mas com início provável ou iminente, em termos que, como refere Pedro Costa Gonçalves, in “A ação administrativa comum”, em “A Reforma da Justiça Administrativa”, STVDIA IVRUDICA, nº 86, Coimbra Editora, 2005, pág. 149, “…a tutela concede-se, por conseguinte, diante da probabilidade de uma lesão, não representando, por isso mesmo, um alcance repressivo, mas apenas preventivo: a conduta lesiva é potencial, mas não atual; em relação à lesão, a tutela preventiva obtém-se ex ante e não ex post”.
3.5.19 A seu propósito, e no âmbito do CPTA na sua versão original, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª edição revista, 2007, pág. 207, fazem o seguinte comentário, de que nos socorremos, por permitir proceder a um adequado enquadramento para a solução da questão em dissídio: “A expressão previsão normativa da possibilidade de utilização da forma da ação administrativa comum para obter a condenação à abstenção da prática de atos administrativos tem suscitado alguma perplexidade na doutrina. A dificuldade radica na necessidade de articulação deste tipo de pretensão com a da impugnação do ato administrativo, uma vez este praticado. E, nessa perspetiva, vem-se desenhando na doutrina uma tendência que, sobrevalorizando a questão da delimitação, no plano lógico, dos campos de intervenção da ação administrativa comum e da ação administrativa especial, preconiza uma interpretação fortemente restritiva do âmbito da previsão contida na parte final da alínea aqui em anotação. Neste sentido, tem sido admitido que a condenação à não emissão de um ato administrativo só deveria ter lugar, designadamente para proteção de direitos absolutos, de personalidade ou de propriedade, em domínios em que o ato administrativo em perspetiva fosse nulo, por nos encontrarmos situados no âmbito de relações paritárias, nas quais estaria vedado à Administração introduzir, de forma unilateral, definições jurídicas desse teor. Já quando o que estivesse em causa fosse a perspetiva da prática de um ato administrativo que, no normal exercício de uma competência legalmente prevista, pudesse enfermar de qualquer ilegalidade, não restaria senão aguardar pela emissão do ato, para o efeito de, sendo caso disso, se proceder à respetiva impugnação.
Pela nossa parte, não encontramos fundamento na previsão da alínea c) do nº 2 do artigo 37º para uma tal interpretação, que, por outro lado, não nos parece conforme com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva. Não questionamos, naturalmente, a possibilidade de recurso à ação administrativa comum de condenação à não emissão de atos administrativos nas situações que acabam de ser descritas. Mas não podemos deixar de entender que, tal como se reconhece do Direito alemão, também noutros tipos de situações a efetividade da tutela jurisdicional perante o exercício dos poderes de autoridade da Administração pode justificar e exigir a possibilidade de uma tal condenação, sendo também (e, a nosso ver, sobretudo) a esses outros tipos de situações que a previsão do preceito em análise visa dar resposta.
Não se ignora a necessidade de assegurar a adequada articulação entre o tipo de pretensão que aqui está em causa e a da impugnação do ato administrativo, uma vez este praticado – necessidade que decorre do facto de, num caso, se ter em vista assegurar uma tutela preventiva e, no outro, uma tutela reativa. Mas esta circunstância apenas exige, a nosso ver, que, no domínio da tutela preventiva, se assegure o preenchimento dos seguintes dois pressupostos: (a) em primeiro lugar, só existe interesse processual para a propositura de uma ação de condenação à não emissão de um ato administrativo se existir uma situação de risco, que o artigo 39º, in fine, caracteriza como um “fundado receio de que a Administração possa vir a adotar uma conduta lesiva”; (b) em segundo lugar, a propositura de uma tal ação apenas se justificará quando constituir, em função do circunstancialismo do caso concreto, o meio processual indicado, por proporcionar uma tutela que não poderia ser obtida através das formas de tutela reativa, como seja a impugnação de atos administrativos e o recurso complementar a providências cautelares. Deste segundo ponto de vista, afigura-se, portanto, que é necessário um interesse processual qualificado do autor para que a condenação possa ser proferida: não basta a mera possibilidade de ocorrência de um facto lesivo, é ainda necessário que o autor convença o tribunal de que a probabilidade de produção dos danos é suficientemente forte para justificar uma atuação preventiva, não se compadecendo com uma tutela meramente reativa.
A questão da idoneidade do meio processual é, pois, particularmente relevante quando se tenha em vista a condenação à não emissão de um ato administrativo. Com efeito, “a via normal de tutela dos particulares perante o exercício dos poderes da Administração continua a ser a via reativa, da impugnação dos atos administrativos, e não a via preventiva, dirigida a atalhar, a priori, aos próprio exercício desses poderes, através da condenação da Administração a nem sequer emitir um ato administrativo. É, com efeito, essa a solução que melhor se compagina com o reconhecimento (claramente subjacente ao sistema) da necessidade de, à partida, proporcionar à Administração os meios necessários à mais eficaz prossecução dos interesses que tem a seu cargo.
A via reativa só deve, naturalmente, ceder a prioridade à via preventiva nas situações em que o princípio da tutela jurisdicional efetiva o exija – isto é, quando, no caso concreto, exista uma situação de carência de tutela que efetivamente justifique a intervenção preventiva do tribunal, por se dever considerar que a via impugnatória não assegura ao interessado uma tutela jurisdicional efetiva.
A nosso ver, poderão, assim, configurar-se três grandes tipos de situações em que se justifica o recurso à ação de condenação à não emissão de uma ato administrativo, em detrimento da impugnação do ato administrativo lesivo, logo que este venha a ser emitido: (a) quando o ato seja de molde a causar, logo que praticado, danos irreversíveis, que uma eventual reação apenas a posterior, pela via da impugnação, ainda que acompanhada do eventual recurso à tutela cautelar, só dificilmente se apresente capaz de remover completamente – isto pode suceder com atos administrativos cujos efeitos, por natureza, se esgotem num prazo curto, como sucede com o ato que proíba a realização de um evento que não esteja dependente de autorização administrativa (nesta hipótese, este tipo de ação, articulado com uma providência cautelar, pode funcionar como alternativa à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, mormente em situações em que não esteja em causa o exercício de um direito fundamental); (b) quando exista o risco (ou certeza) de que o ato que venha a ser praticado será objeto de execução material imediata – seja porque a emissão do ato, pelo seu próprio tipo legal, pressupõe que se proceda de seguida à operação material (v.g., a decisão de tomar posse administrativa), seja porque no caso se perfilem razões de urgência na execução (v.g., prédio que ameaça ruína); (c) quando a Administração tenha manifestado intenção desse propósito, sem desencadear um procedimento (ou sem lhe dar seguimento) – neste tipo de situação, se a prática do ato for lesiva da esfera jurídica do interessado, deve ser-lhe reconhecida a possibilidade de agir judicialmente para pôr cobro à situação de incerteza.
Tendo em conta os parâmetros anteriormente expostos, afigura-se não poder ser invocada como ameaça de lesão a mera proximidade temporal da prática de um ato desfavorável, seja porque foi dado início a um procedimento administrativo, seja porque já existe um parecer ou informação desfavorável, seja porque foi elaborado um projeto de decisão que foi ou irá ser dado a conhecer ao interessado, no âmbito da audiência prévia. Tendo-se já iniciado um procedimento administrativo, e não estando em causa qualquer das circunstâncias especiais (há pouco referenciadas) em que se configure uma situação de urgência que justifique de imediato a intervenção de uma instância jurisdicional, a forma normal de reação deverá ser a impugnação do ato desfavorável que venha a ser produzido no procedimento.
3.5.20 Referindo-se também à problemática da ação preventiva ou inibitória no que se refere à condenação à abstenção na adoção de ato administrativo, Pedro Costa Gonçalves, in “A ação administrativa comum”, em “A Reforma da Justiça Administrativa”, STVDIA IVRUDICA, nº 86, Coimbra Editora, 2005, pág. 152 evidencia que o recurso a tal ação inibitória apenas será de admitir quando “…se conclua ser inexigível colocar o interessado na situação de ter de esperar pela emissão de um ato administrativo lesivo para reagir”, dizendo que “…preenchem este requisito de inexigibilidade as situações em que a impugnação do ato (conjugada com o pedido de adoção de medidas cautelares) não assegura uma tutela jurisdicional efetiva, v.g., porque a emissão do ato administrativo provoca imediatamente danos irreversíveis, associados à criação instantânea de uma situação consumada”, e acrescentando a referência à circunstância de a doutrina enquadrar este requisito na figura do interesse processual, considerando que não existe um interesse na propositura de uma ação de condenação à não emissão de atos administrativos sempre que, no sentido exposto, a espera pela emissão do ato não seja inexigível, no sentido de que haver necessidade “…de demonstração de um interesse processual qualificado ou de uma necessidade de tutela jurisdicional qualificada.”
Explicitando, também, (op. cit., pág. 157) que o recurso à ação para condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo exigirá “…a) a rigorosa identificação e delimitação do ato administrativo ameaçado (…); b) a demonstração, pelo autor, da probabilidade séria de uma tal conduta vir a ser adotada pela entidade demandada; c) a demonstração de que, quando adotada, a mesma conduta se revelará lesiva para os direitos ou interesses juridicamente protegidos do autor” e que este conjunto de três requisitos se encontra patente no próprio artigo 37º/2/c), que alude à condenação à não emissão de “um” ato administrativo, quando “seja provável a emissão” de um “ato lesivo”.
3.5.21 A ação inibitória desta natureza assenta, assim, na necessidade da tutela preventiva (a título definitivo), dos direitos e interesses do autor, evitando a prática futura de um ato administrativo que os afetassem em termos irreversíveis. Mas o Tribunal não será chamado a pronunciar-se sobre a validade ou invalidade desse ato administrativo futuro numa espécie de apreciação de uma impugnação antecipada, por referência às ilegalidades que o autor porventura lhe assaque (adiantadamente). A tarefa que ao Tribunal se imporá será, diferentemente, a de aferir se o autor é titular do direito de que se arroga que implique a abstenção da conduta da entidade administrativa, em termos que lhe assista um direito a uma abstenção, nas palavras de Pedro Costa Gonçalves, op. cit., pág. 154.
3.5.22 A revisão ao CPTA operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, através da qual foi abandonada a matriz dualista das formas de processo, passando agora a existir uma única essencial forma de processo declarativo não urgente, a ação administrativa, que incorpora as pretensões a que anteriormente correspondiam as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial (alterações que, relembre-se, apenas se aplica aos processo administrativos iniciados após 01/12/2015 - cfr. artigo 15º nº 2) não modificou as especiais exigências a que a ação de condenação à não emissão de um ato administrativo se encontrava anteriormente submetida, sendo agora igualmente consignado no artigo 37º nº 1 alínea c) do CPTA revisto, na redação resultante do DL. nº 214-A/2015, a possibilidade de a atual ação administrativa poder ser instaurada com vista à condenação à não emissão de atos administrativos, quando “…seja provável a emissão de atos lesivos de direitos ou interesse legalmente protegidos e a utilização dessa via se mostre imprescindível” (cfr. artigo 39º nº 2).
3.5.23 Neste contexto, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, na recente 4ª edição, de 2017, pág. 249 ss., já no âmbito do CPTA revisto, mencionam o seguinte, que aqui importa considerar: “A expressa previsão normativa da possibilidade da utilização da ação administrativa para obter a condenação à abstenção da prática de atos administrativos suscitou algumas dúvidas na doutrina. A dificuldade radicava na necessidade de articulação deste tipo de pretensão com a da impugnação do ato administrativo, uma vez este praticado. E, nessa perspetiva, foi-se desenhando na doutrina uma tendência que preconizava urna interpretação fortemente restritiva do âmbito da aplicação deste meio de reação jurisdicional. O entendimento que temos emitido nas precedentes edições deste livro, e que se nos afigura mais conforme com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, é o de que a possibilidade do recurso à ação administrativa para condenação à não emissão de atos administrativos deve ser reconhecida em todas as situações em que a efetividade da tutela jurisdicional perante o exercício dos poderes de autoridade da Administração o justifique. Não se ignora a necessidade de assegurar a adequada articulação entre o tipo de pretensão que aqui está em causa e a da impugnação do ato administrativo, uma vez este praticado, necessidade que decorre do facto de, num caso, se ter em vista assegurar uma tutela preventiva e, no outro, uma tutela reativa. Mas esta circunstância apenas exige que, no domínio da tutela preventiva, se assegure o preenchimento de pressupostos mais exigentes: (a) em primeiro lugar, só existe interesse processual para a propositura de uma ação de condenação à não emissão de um ato administrativo se existir um “fundado receio de que a Administração possa a vir a adotar uma conduta lesiva”; (b) em segundo lugar, a propositura de uma tal ação apenas se justificará quando constituir, em função do circunstancialismo do caso concreto, o meio processual indicado, por proporcionar uma tutela que não poderia ser obtida através das formas de tutela reativa, como seja a impugnação de atos administrativos e o recurso complementar a providências cautelares.”
E reiteram, estes autores, tal como já anteriormente haviam assumido, poder configurar-se “…três grandes tipos de situações em que se justifica o recurso à ação de condenação à não emissão de um ato administrativo, em detrimento da impugnação do ato administrativo lesivo, logo que este venha a ser emitido: (a) quando o ato seja de molde a causar, logo que praticado, danos irreversíveis, que uma eventual reação apenas a posteriori, pela via da impugnação, ainda que acompanhada do eventual recurso à tutela cautelar, só dificilmente se apresente capaz de remover completamente - isto pode suceder com atos administrativos cujos efeitos, por natureza, se esgotem num prazo curto, como sucede com o ato que proíba a realização de um evento que não esteja dependente de autorização administrativa (nesta hipótese, este tipo de ação, articulado com uma providência cautelar), pode funcionar como alternativa à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, mormente em situações em que não esteja em causa o exercício de um direito fundamental); (b) quando exista o risco (ou a certeza) de que o ato que venha a ser praticado será objeto de execução material imediata - seja porque a emissão do ato, pelo seu próprio tipo legal, pressupõe que se proceda de seguida à operação material (v.g., a decisão de tomar posse administrativa), seja porque no caso se perfilem razões de urgência na execução (v.g., prédio que ameaça ruína); (c) quando a Administração tenha manifestado a intenção de praticar um ato administrativo, mas protele a concretização desse propósito, sem desencadear um procedimento (ou sem lhe dar seguimento) - neste tipo de situação, se a prática do ato for lesiva da esfera jurídica do interessado, deve ser-lhe reconhecida a possibilidade de agir judicialmente para pôr cobro à situação de incerteza.”
3.5.24 Na situação presente não estamos, ainda, no âmbito da ação inibitória, mas apenas no contexto de um processo cautelar em que se visa, (precisamente para assegurar a utilidade da ação principal destinada a obter a condenação, a título definitivo, na não emissão na prática do identificado ato administrativo) a decretação de providência cautelar de intimação para abstenção de conduta consubstanciada na abstenção da emissão daquele ato, a qual tem enquadramento na alínea f) do nº 2 do artigo 112º do CPTA, enquanto providência cautelar consubstanciada na intimação para abstenção de uma conduta por parte da Administração, precisamente a não emissão do identificado ato administrativo de concessão de utilização do domínio público da aludida parcela de terreno.
O que significa, por um lado, que a intimação pretendida se destina a valer provisoriamente, até que veja a ser emitida pronúncia definitiva pelo Tribunal na ação principal, e por outro, que ela só pode ser deferida se aferidas as condições para o seu decretamento se puder concluir pela verificação cumulativa dos requisitos necessários para a decretação de providências cautelares tal como enunciados no artigo 120º do CPTA. Como, aliás, desde logo o impõem as características da provisoriedade e da instrumentalidade, próprias das providências cautelares.
3.5.25 E porque a intimação pretendida se consubstancia numa providência cautelar de natureza antecipatória, para que seja decretada impõe-se, para além do perigo da verificação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (periculum in mora) que possam ocorrer até que a ação principal seja definitivamente decidida, se exige também que a procedência dessa ação seja provável (cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA na sua redação original, aqui temporalmente aplicável, como já se viu).
3.5.26 O Tribunal a quo deu como como verificados quer o requisito do periculum in mora quer o requisito do fumus boni iuris.
3.5.27 Invoca o recorrente no presente recurso, com vista a sustentar o erro de julgamento que assaca à sentença recorrida no que respeita ao requisito do periculum in mora, que os fundamentos invocados na sentença a tal respeito não têm qualquer tipo de relação com a existência do perigo efetivo de se vir a verificar um facto consumado, no verdadeiro sentido jurídico, com a emissão do título de ocupação do domínio público marítimo a favor do ora recorrente. Sustenta para o efeito que caso a entidade requerida emitisse o título de ocupação a favor do contrainteressado, tal consubstanciaria um facto desfavorável às recorridas mas tal situação não motivaria a consumação de um facto de modo irreversível e em termos tais que já não viesse a ser possível às recorridas, caso obtivessem provimento na ação principal, ver reintegrado na sua esfera jurídica o seu pleno direito nos mesmos moldes em que a sua expectativa (e apenas esta) existe neste momento; que se por mera hipótese viesse a ser reconhecido às recorridas o direito a qualquer título de ocupação da parcela atualmente ocupada pelo “B.......”, o título que houvesse sido emitido a favor do contrainteressado seria consequentemente revogado, até porque este seria parte contrainteressada na ação em que tal direito poderia eventualmente ser reconhecido; que, assim, a prática pela entidade requerida do ato/contrato de concessão do domínio público hídrico a favor do ora recorrente, por si só não inviabilizaria o futuro reconhecimento de qualquer direito às recorridas e o pleno exercício deste; se algum direito fosse reconhecido às recorridas após a prática do ato administrativo que agora está em causa, esse seria eliminado da ordem jurídica e substituído por aquele que eventualmente reconhecesse qualquer direito às requerentes da providência; que a efetividade do eventual direito das recorridas seria tanto mais efetivo e assegurado quanto as decisões jurisdicionais que eventualmente lhe fossem favoráveis em sede de ação principal e seriam diretamente oponíveis ao recorrente, por ser contrainteressado em tais ações e nelas ter intervenção direita; que ao contrário do entendimento do Tribunal a quo o acordo celebrado entre as requerentes e o requerido sustenta e reforça a inexistência de qualquer periculum in mora que justifique o decretamento da providência requerida por as consequências para qualquer das soluções possíveis se mostrarem ali reguladas e que não é aceitável que se considere ter efeitos de “facto consumado” a prática do ato administrativo que está em causa, não se verificando, consequente, o preenchimento do requisito do periculum in mora e que assim, ao decidir nesse sentido, o Tribunal a quo violou a alínea c) do nº 1 do
artigo 120º do CPTA.
3.5.28 A sentença justificou o juízo de verificação, que fez, do requisito do periculum in mora, nos seguintes termos:
« (…) a emissão do título, em nome do Contrainteressado, nas circunstâncias anunciadas (v.g. sem procedimento concursal e, sobretudo, sem se encontrar esclarecida a questão da dominialidade, para mais quando, entre as Requerentes e as Contrainteressadas existe estipulação do significado de tal emissão e disso tendo a Requerida conhecimento) preenche o conceito de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado para os interesses que as Requerentes pretendem defender: cfr. alínea A) a GG) supra.
Não desconhecendo que a emissão do título, em nome do Contrainteressado, nas circunstâncias anunciadas, consubstanciaria situação de facto consumado de sinal contrário, da factualidade assente sobressai, contudo, que em 1999-12-06 (cinco meses passados sobre o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora), foi solicitado à Entidade Requerida o averbamento da licença de ocupação do Domínio Público Marítimo – DPM n.º …./99/DPM, referente ao estabelecimento “B.......” para o nome do ora Contrainteressado, o qual, tendo firmado o acordo supra referenciado com as Requerentes, defendeu a sua posição: cfr. alínea A) a GG) supra.
Donde, a emissão do título, nos termos e moldes anunciados pela Entidade Requerida, sopesadas as diferentes posições e não identificados danos para os interesses públicos, e, sem que, contudo, se mostre previamente esclarecida a questão da demarcação/propriedade da parcela de terreno em questão, indicia de modo verosímil e suscetível de convencer o Tribunal de que se mostra concretizado o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado: cfr. alínea A) a GG) supra.»

3.5.29 Ora, tem que começar por reconhecer-se assistir razão ao recorrente quando invoca que os fundamentos em que a sentença recorrida se suportou para dar como preenchido o requisito do periculum in mora não têm relação com a existência do perigo efetivo de se vir a verificar um facto consumado no verdadeiro sentido jurídico (vide conclusão 32ª das alegações de recurso), na aceção enunciada no artigo 120º nº 1 alínea c) do CPTA – “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal” – antes se conecta com o requisito do fumus boni iurisser “provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
3.5.30 Mas será que o circunstancialismo concreto da situação dos autos conduz a dever manter-se o juízo de verificação do requisito do periculum in mora, ainda que com fundamentos diferentes, ou pelo contrário, o mesmo não se encontra verificado, como propugna o recorrente?
3.5.31 Na situação presente as requerentes invocaram no requerimento inicial da providência que «de acordo com os ofícios enviados pela ARHA às Requerentes a emissão do título de ocupação ao contra-interessado assenta na qualificação do prédio em que se encontra construído o restaurante, como pertencendo ao domínio público marítimo»; que, porém, «a dita parcela é propriedade da Requerente San…….» e que mesmo que assim não fosse «sempre seria a titular da concessão em vigor» titulada pelo Doc. nº 4 que junta com o RI; que «a prolação da anunciada concessão constituiria uma revogação inválida da concessão de que é titular»; que «a atribuição ao contra-interessado de um qualquer título de ocupação do domínio publico viola de forma insustentável o direito de propriedade das Requerentes»; que «o ato assim praticado constituirá uma violação do conteúdo essencial de um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias»; que «se a presente intimação para abstenção de conduta não for decretada, a demora na decisão da causa principal de condenação a não praticar o ato, torná-la-á inútil, porquanto será praticado o ato que com a instauração da ação principal se pretende evitar», que assim «só o decretamento da providência cautelar, antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, poderá anular o prejuízo de demora do processo»; que «em rigor, mais do que prejuízos de difícil reparação, tem no caso concreto de admitir-se tratar-se de situação de um facto consumado, porquanto é de elevadíssima probabilidade, senão mesmo certeza, que praticado o ato, as Requerentes sejam desapossadas do seu direito de propriedade, ou, subsidariamente, da prolação do ato resultará a imediata violação de um ato constitutivo de direitos de que as Requerentes são titulares»; que «não pode deixar de ter-se por muito provável ou mesmo certo, repita-se, que a demora na decisão da causa principal a tornará inútil, porquanto caso não seja decretada a providência cautelar ora requerida, será praticado o ato – já anunciado pela ARHA – cuja prática se visa evitar com a instauração da ação principal»; que «só o decretamento da providência cautelar, antecipando, provisoriamente os efeitos da ação principal, anula o prejuízo da demora do processo»; que «como decorre do auto de delimitação, está-se em presença de uma parcela do domínio privado, já que o referido restaurante se encontra dentro da área aí definida, tendo as Requerentes feito um investimento significativo na construção e instalação do restaurante “B.......”, em funcionamento há dois anos, logrando-se o retorno dos investimentos realizados e colocando-se em causa o valor da clientela que, como é sabido, não é suscetível de qualquer reintegração específica, caso venha a ser atribuída uma “concessão” ao contra-interessado» - (vide designadamente artigos 19º, 20º, 21º, 23º, 26º, 27º, 30º, 31º, 32º, 43º, 44º e 46º do RI).
3.5.32 Perante isto, cumpre desde logo observar, nesta sede, que em face dos termos em que foi feita pelos requerentes, no requerimento inicial da providência, a alegação dos fundamentos do pedido cautelar (cfr. artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA, versão original) é que não ocorre insuficiência alegatória como sustenta o recorrente (vide conclusão 30ª das suas alegações de recurso). Sendo certo que o que efetivamente importa, em sede decisória, é aferir se o concreto circunstancialismo apurado nos autos, plasmado no respetivo probatório, conduz, ou não, à verificação do requisito do periculum in mora.
3.5.33 Impõe-se constatar que não sendo decretada a providência cautelar requerida, através da intimação na abstenção da conduta, a entidade administrativa poderá praticar o ato administrativo que as requerentes pretendem evitar, mesmo na pendência daquela ação, já que a sua instauração não tem qualquer efeito suspensivo sobre a possibilidade da sua prática.
3.5.34 Ora, se a pretensão material visada na ação principal é a de que o Tribunal condene a entidade administrativa a abster-se de emitir o identificado ato administrativo, a utilidade daquela ação só será assegurada através do decretamento de providência cautelar de que resulte, provisoriamente, e até à decisão definitiva daquela ação, a imposição da entidade administrativa não proceder à prática do ato.
Sob pena, aliás, de perante a eventualidade de o mesmo ser praticado na pendência daquela ação judicial (possibilidade que o quadro normativo admite) os interessados se verem confrontados com a extinção daquela instância, por inutilidade (e impossibilidade) superveniente da lide (cfr. artigos 277º alínea e) do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA e 27º nº 1 alínea e) do CPTA), sem prejuízo de poderem vir a impugnar o ato administrativo entretanto praticado, ou de fazerem operar a modificação objetiva da instância (cfr. artigos 45º do CPTA, versão original). Mas sempre, em qualquer caso, o efeito que o interessado pretendia evitar – a prática do ato administrativo – se encontrará, entretanto, consumado.
3.5.35 Mas será que tal circunstância bastará para que se dê como fundado o receio da constituição de uma situação de facto consumado motivadora da decretação da providência à luz do previsto no artigo 120º nº 1 alínea c) do CPTA?
3.5.36 A dificuldade da questão está em que a própria ação principal destinada à condenação da Administração a não emitir um ato administrativo assume a natureza de uma ação preventiva, consubstanciando um ação inibitória cujo propósito é o de impedir, a título preventivo e principal, que por efeito de uma provável ou previsível atuação administrativa venha a consumar-se um facto lesivo, na esfera jurídica do autor. Em termos que a ação principal, destinada à condenação da Administração a não emitir o ato administrativo, atenta a sua natureza inibitória, assenta na necessidade da tutela preventiva (a título definitivo), dos direitos e interesses do autor, evitando a prática futura de um ato administrativo que os afetassem em termos irreversíveis.
E à luz do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, deve reconhecer-se a possibilidade do recurso à ação para condenação à não emissão de atos administrativos para as situações em que a efetividade dessa mesma tutela jurisdicional justifique o recurso à essa via preventiva principal em detrimento do uso da via reativa através da instauração de ação destinada à impugnação do ato administrativo, associada a providência cautelar adequada ao caso concreto, mormente a de suspensão de eficácia desse mesmo ato.
Pelo que a primeira tarefa que se imporá ao juiz nessa ação será a de aferir se no caso se estará perante situação que justifique o recurso àquele meio processual. E se encontrar resposta positiva a tal questão, terá, então, que aferir se o autor é titular do direito subjetivo de que se arroga que implique a abstenção da conduta da entidade administrativa.
3.5.37 Ora, se a ameaça de lesão irreversível é pressuposto da ação de condenação da Administração a não emitir um ato administrativo, a apreciação dessa questão, trazida para o campo do processo cautelar (em que se pretende que a proibição da Administração emitir o ato administrativo seja apenas provisoria e transitoriamente decretada até que a ação principal seja definitivamente decidida) coloca-se no campo da aferição do requisito do fumus boni iuris, isto é, do juízo quanto à viabilidade daquela ação, e não no domínio do requisito do periculum in mora.
E simultaneamente o periculum in mora deverá ter-se por verificado, para efeitos de decretação da providência, se a utilidade daquela ação só poderá será assegurada através do decretamento de providência cautelar de que resulte, provisoriamente, e até à decisão definitiva daquela ação, a imposição da entidade administrativa não proceder à prática do ato.
3.5.38 E por essa razão não colhe, também, nesta dimensão, a invocação feita pelo recorrente no sentido de que sempre seria possível a reintegração da esfera jurídica das requerentes até porque o âmbito e objeto da ação principal não se localiza nem incide, como se viu, sobre a impugnação de qualquer ato administrativo, cuja anulação pudesse ter como o efeito o dever de reintegração da ordem jurídica violada (cfr. artigo 173º do CPTA).
3.5.39 Nem afasta a verificação do periculum in mora nos termos supra enunciados a circunstância de entre a 1ª Requerente H.......– AT……., SA e o contra-interessado ter sido celebrado o contrato que foi junto aos autos sob Doc. com o RI, pelo qual a primeira de obrigou a proceder, por sua exclusiva custa e iniciativa, à construção do edifício destinado a estabelecimento de restauração e bebidas com esplanada, a ser implantado na Praia do Carvalhal, Município de G........., onde foi instalado o denominado “B.......”, e bem assim a ceder a exploração daquele estabelecimento ao contra-interessado, mediante o pagamento da quantia mensal ali fixada.
Ainda que aquele acordo tenha sido celebrado perante a situação de incerteza quanto à dominialidade, pública ou privada, da área em causa, onde se encontra implantado o denominado “B.......”, regulando assim, entre as partes, e de acordo com a sua autonomia da vontade as relações entre ambos no que respeita à construção do edifício e instalação do identificado estabelecimento “B.......” e respetiva exploração.
3.5.40 Atenha-se que aquele contrato foi celebrado no enquadramento circunstancial referido sob a forma de considerandos no respetivo introito, no âmbito do qual, entre o demais, se encontra o seguinte:
«(…)
III. Tendo em consideração o exposto, a H….. requereu e foi-lhe concedido pela DRAOT o Título de Ocupação de Domínio Marítimo Privado nº …./00/DH, mos termos do disposto no Decreto-Lei nº 309/93, a concessão para ocupação e exploração de um estabelecimento de restauração/bar/esplanada, em área onde se encontra parcialmente implantado o Estabelecimento denominado “B.......”;
(…)
VI. Por seu turno o Segundo Outorgante prossegue a atividade de indústria hoteleira no “B.......” que ocupa parcialmente a área onde irá ser instalado o Estabelecimento objeto deste contrato;
VII. Tais instalações, pelo seu estado de degradação, deverão ser demolidas;
(…)
X. O segundo outorgante intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, Ação Administrativa Especial, para anulação de ato administrativo, em cumulação com pedido de reconhecimento da situação jurídica subjetiva, a qual corre seus termos sob o nº …../04.4BEBJA;
XI. Com a ação referida no considerando anterior, o segundo outorgante peticiona a anulação definitiva do despacho mencionado no considerando sétimo e bem assim que lhe seja reconhecido o direito ao Título de Utilização de Domínio Público Hídrico, relativo à parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” (…) e à concessão da possibilidade de, no prazo de doía anos, cumprir todo o estatuído no POOC Sado-Sines, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 309/93, de 2 de setembro;
XII. Da perspetiva da primeira outorgante, a parcela de terreno onde se encontra implantado o “B....... é propriedade privada, sendo a sua ocupação e utilização sujeita a Título de Ocupação de Domínio Marítimo Privado;
XIII. Na perspetiva do segundo outorgante, a parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......”, apenas pode ser qualificado como Domínio Público Hídrico e a sua ocupação e utilização está sujeita à emissão do competente título;
(…)
XV. Os outorgantes têm, assim, comum interesse em que no local ocupado pelo “B.......” seja construído um novo edifício exclusivamente destinado a restaurante/bar/esplanada, com a necessária demolição das instalações onde atualmente funcionam o referido “B.......”, sem embargo da decisão judicial que venha a ser proferida sobre a questão da dominialidade»

Estabelecendo a Cláusula 17ª do contrato que o nele disposto «…não prejudica os direitos que venhas a ser reconhecidos a qualquer das partes aqui Outorgantes, sobre a utilização da parcela de terreno onde se encontra atualmente implantado o Estabelecimento Industrial denominado “B.......” e onde será parcialmente implantada a construção (…)»; que «(…) as partes aceitam, portanto, que continuarão a aguardar e respeitarão quaisquer decisões judiciais que venham a ser proferidas quanto ao direito que qualquer uma delas possa ter ao Título de Ocupação da parcela de terreno em apreço e, nomeadamente, quanto ao reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma»; que «(…)na eventualidade de não vir, ou até que não venha a ser reconhecido ao segundo outorgante, pelas autoridades competentes, o direito ao Título de Utilização da parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......”, o Contrato de Cessão de Exploração aqui prometido será cumprido nos seus precisos termos»; que «(…) se vier a ser reconhecido que ao segundo outorgante cabe o direito ao Título de Utilização da parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” e que está prevista no POOC Sado-Sines como área de ocupação, as partes observarão o seguinte:
5.1) O contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento outorgado entre as partes caducará imediatamente.
5.2) A primeira outorgante cederá de imediato ao segundo outorgante todos os direitos sobre o edifício que tenha construído (…) bem como todo o equipamento nele instalado.
5.3) A primeira outorgante cederá ao segundo outorgante a sua posição em todas as licenças, autorização, títulos concessões ou direito, em que haja sido investida, por força do acordado no presente contrato.
5.4) O segundo outorgante ficará, portanto, exclusivamente investido – com as legais limitações – em todos os direitos relativos à parcela de terreno onde se encontra implantado o “B.......” e onde será implantada a construção (…).
5.5) O segundo outorgante pagará à primeira outorgante, como compensação, o montante por esta despendido com a elaboração dos projetos, licenciamentos administrativos, construção e equipamentos, acrescido de uma quantia equivalente à da aplicação da taxa de juros Euribor a um ano em vigor na data do pagamento e por todo o período de tempo decorrido entre o início da cessão de exploração e o trânsito em julgado da decisão judicial, deduzindo todos os montantes que o primeiro outorgante lhe tenha pago a título de prestações devidas pela Cessão de Exploração.
5.6) Se o direito sobre a parcela de terreno vier a ser reconhecido ao segundo outorgante enquanto a construção (…) estiver em curso, a direção a obra será imediatamente assumida pelo segundo outorgante, que custeará as despesas com a sua continuação e que pagará à primeira outorgante, a título de compensação, os montantes que, até à data, hajam sido por esta despendidos, atendendo ao estado da obra e à correspondente previsão no plano de trabalhos e pagamentos (…)»
3.5.41 Ora a previdência requerida não bule com o estabelecido naquele acordo, já que as consequências nele previstas estão condicionadas e decorrerão das decisões judiciais que venham a ser proferidas quanto ao direito que qualquer uma delas possa ter quanto à ocupação da parcela de terreno em causa por efeito do reconhecimento da dominialidade pública ou privada da mesma.
Pelo que também não colhe, neste aspeto, a invocação do recorrente.
3.5.42 Aqui chegados tem, pois, que considerar-se verificado, pelos fundamentos expostos, o requisito do periculum in mora necessário para a decretação da providência requerida.
3.5.43 Passemos agora a atentar no invocado erro de julgamento quanto ao requisito do fumus boni iuris.
3.5.44 A respeito de tal requisito a sentença recorrida, após assumir que porque se está perante uma providência cautelar antecipatória se deve aplicar o enunciado na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (na sua versão original), considerou que as requerentes fizeram «…prova perfunctória do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal a intentar» assentando tal conclusão na seguinte fundamentação, ali assim discorrida:
«(..)Para tanto, as Requerentes assacam ao ato/ contrato de concessão de utilização do domínio público hídrico cuja prolação pretendem obstar, vício de violação de lei, quer por violação do seu direito de propriedade, quer por violação das normas legais e regulamentares que sempre obrigariam à emissão de titulo precedido por procedimento concursal, para mais, considerando serem elas próprias ainda titulares do Titulo de Ocupação de DMP n.º …./00/DH para Restaurante “B.......”.

No que respeita a este último argumento e atenta a factualidade assente, importa, desde logo, desconsidera-lo, dado que à data de interposição da presente ação (em 2010-12-02) o Titulo de Ocupação de DMP n.º …./00/DH, de 2001-04-17, titulado pela Requerente e com a validade de 2 anos, há muito que já não se encontrava em vigor: cfr. alínea A) a GG) supra.

Como aduzido a propósito do disposto no 120º n.º1 al. a) do CPTA, no caso sub judice, não se verifica manifesta a aparência de bom direito, contudo, tal não inviabiliza a possibilidade de procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório que, perfunctoriamente, resulta dos autos: cfr. alínea A) a GG) supra.

Na verdade, existindo dúvidas nas confrontações (v.g. face ao teor do autos de demarcação, confrontado com o teor das escrituras e do registo, com o auto de inspeção e com a localização dos marcos e do estabelecimento) e, consequentemente, na dominialidade daquela parcela de terreno onde se situa o “B.......”, existe questão prejudicial à decisão da Entidade Requerida, que sempre teria que ter sido resolvida à luz do disposto no art. 31º do Código de Procedimento Administrativo – CPA, na redação ao tempo aplicável: cfr. alínea A) a GG) supra.

Ora, não constando dos autos ter sido cumprido o citado art. 31º do CPA, ao menos para a aplicação expressa ao caso concreto do disposto no seu n.º 3, mostram-se fundados os receios de que a decisão da Requerida a que as Requerentes pretendem obstar produza, objetivamente, efeitos fora do procedimento onde seria proferida: cfr. alínea A) a GG) supra.

Para mais, indiciariamente decorrendo dos autos poder, em teoria, a questão da dominialidade vir a ser resolvida (em sede própria, que é, recorde-se, a dos tribunais judiciais: cfr. art. 15º n.º 1 e art. 17º n.º 7 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro e cfr. Do reconhecimento de propriedade privada sobre terrenos do domínio público marítimo – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2012-01-12, processo n.º1224/08.8TBSCR.L1-2, anotado por Ana Raquel Gonçalves Moniz, in CJA, 102, novembro/dezembro de 2013, fls. 60 a 76) a favor das Requerentes (atente-se, novamente, no teor dos supra citados documentos referentes à demarcação e propriedade e, bem assim no facto de nenhum deles ter sido declarado nulo, anulado ou revogado), mostra-se pois admissível considerar a procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório: cfr. alínea A) a GG) supra.

Por outro lado, assiste razão às Requerentes quando invocam, no caso, a exigência de prévia realização de procedimento concursal estabelecido na Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro e no DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio e DL n.º 309/93, de 02 de setembro.

Na exata medida, em que a Licença de Ocupação do DPM n.º ………../99/DPM, de 1999-07-15, titulada por V………, era válida até 2000-07-15, deste modo, com a publicação do POOC Sado-Sines (RCM nº 136/99, de 29 de outubro), tinha o titular da licença (no caso, já o seu adquirente, ora Contrainteressado), o prazo de 2 anos, ou seja, até finais de 2001, para proceder à renovação da licença: cfr. art. 39º e 42º da RCM nº 136/99, de 29 de outubro e cfr. 17.º do DL n.º 309/93, de 2 de Setembro, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 218/94, de 20 de Agosto.

O que não fez: cfr. alínea A) a GG) supra.

Ressaltando, da factualidade assente que, pese embora, em 2000-11-13, o Contrainteressado tenha sido notificado pela Entidade Requerida, para: “… no prazo de 10 dias, enviar a este serviço documento comprovativo da autorização do proprietário do terreno para a referida ocupação…”, o facto é que não só não consta que o tenha feito como resulta ainda dos autos que, em 2001-04-17, a Entidade Requerida emitiu à H……. (ainda com a denominação social de The Atlantic Company, Limited), e não ao ora Contrainteressado, o Titulo de Ocupação de DMP n.º ……./00/DH para o mesmo estabelecimento, no mesmo local, com validade de 2 anos, ou seja, até 2003-04-17: cfr. alínea A) a GG) supra.

Destarte, o Contrainteressado, na qualidade de titular da Licença de Ocupação do DPM n.º …../99/DPM, de 1999-07-15, tinha direito a que lhe fosse emitida concessão, desde que tivesse procedido à renovação da licença no prazo de 2 anos, o que, objetivamente, e como supra aduzido não fez, por causa a ele imputável, dado que não logrou preencher as condições procedimentais exigidas pela Entidade Requerida, nem constando dos autos que (aliás, diversamente da conduta que adotou em 2004 e em 2006) tenha oportunamente, e em sede própria, atuado relativamente a conduta obstrutiva, eventualmente, prosseguida pelas Requerentes e/ou pela Entidade Requerida: cfr. alínea A) a GG) supra.

Acresce que, a exigência de procedimento concursal não se mostra excecionada face ao disposto no art. 89.º do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio, porquanto o fax que o I. Mandatário Forense do Contrainteressado dirigiu à Entidade Requerida em 2009-04-14, não só não consubstancia requerimento para emissão de licença em situação não titulada, como não inclui os elementos exigidos pelo citado art. 89º, não condicionando assim a Entidade Requerida ao procedimento descrito na mencionada disposição legal: cfr. alínea A) a GG) supra.

Mais, dos autos não resulta pois ter sido efetuada fiscalização, nem adotado o procedimento subsequente para emissão de tal licença, nem consta que se assim o tivesse entendido e pretendido o Contrainteressado, tivesse o mesmo, em tempo e sede própria, atuado face a tal omissão por banda da Requerida: vide art. 89.º do DL n.º 226-A/2007, de 31 de maio e alínea A) a GG) supra.

Aqui chegados, mostram-se, no caso, preenchidos os requisitos contidos no art. 120º n.º 1 al. c) e do n.º 2 do CPTA ex vi art. 15º do DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, pelo que, deve pois proceder a requerida intimação para a abstenção de conduta.»

3.5.45 Ora, não pode subscrever-se este entendimento.
E assim é porque, desde logo, o enfoque na tarefa de aferição requisito do fumus bonis iuris deve, no presente caso, incidir sobre a viabilidade da ação inibitória, em termos que o mesmo só pode ter-se por verificado se, primeiramente, for de considerar como legítimo (justificado) o recurso à ação para condenação da Administração a abster-se de emitir o identificado ato administrativo, e se, em caso afirmativo, for de concluir perfuntoriamente que o autor é titular do direito subjetivo de que se arroga que implique a abstenção na emissão do ato por parte da Administração.
Ora, só poderá ter-se como viável a ação principal destinada à condenação da Administração a não emitir o ato administrativo, se for de concluir que o recurso àquela ação, de natureza inibitória, se encontra justificado pela necessidade, no caso, da tutela preventiva a título definitivo dos direitos e interesses do autor, evitando a prática futura de um ato administrativo, se esse mesmo ato for apto a lesá-lo em termos irreversíveis.
3.5.45 Na situação presente, não resulta, todavia, que o ato de emissão da licença de utilização do domínio público marítimo a favor do contra-interessado seja de molde a causar, logo que praticado, danos irreversíveis, que uma eventual reação apenas a posterior, pela via da impugnação, associada à tutela cautelar, seja incapaz de remover; como também não é de configurar que o ato de concessão da licença, logo que praticado, seja objeto de execução material imediata que afete de modo irreversível o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, de que as requerentes se arrogam, ou a fruição que dela neste momento fazem.
3.5.46 Por outro lado, e ainda, o objeto da ação de condenação à não emissão de ato administrativo não deverá incidir sobre a apreciação de causas de ilegalidade do futuro ato administrativo a emitir, numa espécie de antecipação de ação impugnatória sobre o futuro (e eventual) ato administrativo, como já se disse supra. O que deve ser objeto de apreciação em sede da uma ação de condenação à abstenção da emissão de ato administrativo é saber se o autor é titular do direito subjetivo de que se arroga que implique a abstenção da conduta da entidade administrativa.
3.5.47 Na situação presente temos que a entidade requerida, suportando-se no julgamento feito na ação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de G......... sob Proc. n.º 147/93, cuja sentença, de 14/09/1998 veio a ser confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01/07/1999 (vide F), G) e H) do probatório), apoiando-se na Informação nº …./2008, de 2005/2008, que mereceu o despacho de concordância do Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, de 28/05/2008, que entendeu ser clara a dominialidade pública da parcela de terreno em causa, prosseguiu com os procedimentos tendentes à emissão do título de ocupação da parcela, que considerou ser do Domínio Público Hídrico, tendo por titular o contra-interessado (vide V),W), X), Z) e AA) do probatório).
3.5.48 Não se trata assim, como invocado pelo recorrente, da existência de um ato administrativo já inimpugnável (por decurso do prazo de impugnação) que tenha definido a emissão do ato de concessão a favor da interessada, em termos que se estaria perante a situação prevista no artigo 38º nº 2 do CPTA (vide designadamente, conclusões 39ª e 41ª das alegações de recurso).
3.5.49 O que sucede é que, como entendeu a sentença recorrida, foram colocadas dúvidas sobre a dominialidade, pública ou privada, da parcela de tereno em causa, resultante das concretas confrontações entre a reconhecida propriedade privada da requerente SAN........ e o domínio público marítimo.
Mas o que a resolução dessa questão implica é a interpretação do que já foi decidido no processo judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de G..........
3.5.50 A entidade requerida, interpretando os arestos proferidos naquela ação, e apoiando-se nos atos de instrução que levou a cabo, considerou que a área em causa está integrada no domínio público marítimo. E é isso que é posto em causa pelas requerentes, defendendo que a área se integra dentro das extremas da sua propriedade privada.
3.5.51 Nesta medida é irrelevante o referido na sentença recorrida a propósito das anteriores licenças de ocupação n.º …./99/DPM e n.º …./00/DH, e bem assim a circunstância de o contra-interessado não ter juntado no procedimento «documento comprovativo da autorização do proprietário do terreno para a referida ocupação» (do que havia sido notificado por ofício de 13/11/2000) já que, como é bom de ver, se trata de pressuposto que foi abandonado pela entidade administrativa face à conclusão, a que posteriormente chegou, de se estar perante área integrante do domínio público marítimo e não perante área integrada na propriedade da requerente SAN…….. .
3.5.52 A discussão tem, pois, que ser recentrada na questão da dúvida sobre a dominialidade, pública ou privada.
E essa dúvida deve ser resolvida na situação presente, em desfavor das requerentes, atenta ademais a natureza antecipatória da providência, em termos de não se poder considerar, em termos perfuntórios, na presente sede cautelar, como provável a procedência da ação de condenação da Administração a não emitir, em nome do contra-interessado, o identificado ato de concessão de domínio público, com o fundamento invocado de que a área em questão estar integrada na propriedade privada da requerente SAN…. .
Porque, na verdade, e como é invocado pelo recorrente (vide designadamente conclusão 44ª) nada aponta nos autos para que os limites (estremas) da propriedade privada da requerente se situe para além dos medos arenosos (dunas primárias), abrangendo a margem das águas do mar, como é reivindicado pela requerente SAN........ (e que terá motivado, também, a instauração, em 09/05/2014, no Tribunal Judicial de Setúbal, da ação declarativa de simples apreciação positiva - nº …../14.1T2STC - para reconhecimento de propriedade privada de áreas, incluídas na margem das águas do mar, integradas em prédio abrangido pelo regime jurídico do domínio hídrico, a que alude nas conclusões das suas XC. e XCI. das suas ontra-alegações de recurso).
Indicando em sentido contrário o decidido, com trânsito em julgado, pelo tribunal judicial na supra citada ação que culminou com o identificado acórdão do Tribunal da Relação de Évora (cfr. F), G) e H) do probatório). Conjugada com a existência do Auto de Delimitação publicado na III série do Diário do Governo (cfr. D) do probatório).
3.5.53 E as demais questões em torno da aventada ilegalidade do futuro (e eventual) ato de concessão da licença de ocupação de domínio público marítimo em nome do contra-interessado deverão ser resolvidas em sede de impugnação de tal ato, que é, como se viu, o meio e local próprio para a sua discussão. O que aliás, as recorridas não deixam de reconhecer nas suas contra-alegações de recurso.
3.5.54 Por tudo, tem que concluir-se ter a sentença recorrida feito errada interpretação e aplicação da alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (redação original) no que tange ao requisito do fumus boni iuris.
E nessa medida deve ser revogada a sentença recorrida, e julgado improcedente o pedido cautelar de decretação de providência cautelar de intimzação da entidade requerida a não emitir o ato de concessão de ocupação do domínio público marítimo em nome do contra-interessado.
O que se decide.
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3.5.55 Em face do supra decidido, e atendendo à natureza cumulativa dos requisitos para a decretação da providência, fica concomitantemente prejudicado o conhecimento do invocado erro de julgamento quanto à ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA, de que, assim, nos abstemos de conhecer.

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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida, e indeferindo o pedido de decretação da providência cautelar.
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Custas pelas recorridas (requerentes no processo cautelar) – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 14 de junho de 2018

Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho (DECLARAÇÃO DE VOTO)

Voto a decisão, mas não voto todos os seus fundamentos, pela seguinte ordem de razões.

Entendo que a questão da exceção da caducidade do direito de ação do meio principal reflecte-se na presente instância cautelar, devendo ser apreciada, antes de mais na fase de saneamento da lide cautelar, por em caso de procedência constituir fundamento da caducidade da providência, não devendo ser relegada e conhecida apenas na fase de apreciação dos critérios de decretamento da providência cautelar, nos termos do artigo 120.º do CPTA, no âmbito do fumus malus.

Divirjo ainda quanto ao julgamento do critério de decretamento da providência do periculum in mora, por entender que, em face da configuração do litígio, não é possível dar por verificado tal requisito, por não ser possível afirmar que o não decretamento da providência será apto a criar uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, por os prejuízos em causa, a existir, serem totalmente reparáveis.

Neste sentido, sem sufragar todos os fundamentos, concordo com a decisão de não decretamento da providência cautelar requerida.


(Ana Celeste Carvalho)