Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04292/08
Secção:CAº 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/25/2014
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:DISCRICIONARIEDADE DE PLANIFICAÇÃO - REQUALIFICAÇÃO DO ZONAMENTO FUNCIONAL – ARTºS. 71º RJIGT E 15º LBPOTU
Sumário:1.Declarado nulo o acto de licenciamento com fundamento na violação de norma do PDM, ainda assim, não está a Administração impedida de adoptar uma solução planificatória que altere a norma violada, permitindo, deste modo, a regularização da situação ilegalmente concretizada – cfr. artºs. 71º do RJIGT e 15º da Lei de Bases/LBPOTU.

2.BO acto de gestão urbanística (licença de construção no lote XYZ) originariamente inválido (declarado nulo por Ac. do STA por referência ao PDM/93) passou a ser considerado válido em sede de deliberação camarária tomada ao abrigo do artº 27º nº 8 RJUE com fundamento no novo quadro de pressupostos de facto e de direito introduzidos na planta de ordenamento do PDM/99, deixando o terreno de implantação do lote XYZ de estar inserido em espaço canal rodoviário (PDM/93) passando para zona edificável (PDM/99).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Município de Loures, com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dele vem recorrer, concluindo como segue:

1. Após o despacho saneador e a declaração de procedência das excepções respeitantes a vícios passíveis de conduzir à anulabilidade do acto, c objecto da acção passou a ser, em exclusivo, o conhecimento do vício de violação do PDM de Loures. Contudo,
2. O Acórdão recorrido, não se pronunciando sobre a referida violação concluiu, antes, que o acto impugnado é nulo por o licenciamento não ter sido precedido de consultas às entidades exteriores ao Município.
3. O Tribunal "a quo" conheceu, por conseguinte, de causa de invalidade não incluída no objecto da lide, nem invocada pelos AÃ., ora Recorridos, Deste modo,
4. O Acórdão violou os limites dos poderes do juiz estabelecidos no n° 2 do art° 95° do CPTA,
5. Conhecendo de questão de que não podia tomar conhecimento, assim incorrendo na causa de nulidade prevista na parte final da al. d), do n° l, do art° 668° do CPC, aplicável por força do disposto no art° 1° do CPTA.
6. Ainda que não fosse nulo, como é, mesmo então deveria o Acórdão ser revogado. Com efeito,
7. Da matéria de facto assente nos autos, não resulta que o lote se não insira em zona abrangida por plano de pormenor. Destarte,
8. Nada autoriza a invocação da tramitação prevista nos art°s 18° e segs. de RJUE para decretar a nulidade do acto impugnado. Por outro lado,
9. A construção erigida no lote há quase duas décadas, mostra-se inteiramente conforme com o PDM de Loures da sua actual versão.
10. O Acórdão sob recurso não teve em conta essa realidade, igualmente não tendo tido em conta que o Acórdão do STA ao declarar a nulidade de acto de licenciamento apenas este acto teve por objecto e não todo o conjunto de actos procedimentais praticados no processo de licenciamento. Deste modo,
11. A ser exigível a consulta a entidades exteriores, deveria a anteriormente efectuada ser dada como suficiente uma vez que nada justificaria pareceres contrários aos favoráveis anteriormente emitidos.
12. Acresce, pois, que a nulidade da licença declarada pelo STA, não prejudica, nos termos do disposto no n° 3, do art° 134° do CPA, a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos à situação de facto decorrente do enorme lapso de tempo decorrido desde a edificação da construção, sem outra oposição que não a dos Autores da presente acção.
13. 0 Acórdão recorrido violou, por conseguinte, a indicada disposição de CPA.

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Os Recorridos contra-alegaram concluindo como segue:

1. Ao contrário do que alega o Recorrente, o acórdão recorrido não é nulo, nos termos do art. 668°, ai. d), do C.P.C., por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, já que a nulidade do acto administrativo, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência e resulta da lei, é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida a todo o tempo, por qualquer tribunal (v. art. 134°, n.° 2, do C.P.A. e art. 95°, n.° 1, do C.P.T.A.).
2. Resulta da prova documental produzida nos autos, nomeadamente do processo instrutor, e da aplicação pela Câmara Municipal de Loures do art. 27° do RJ.U.E, referente a alterações à licença, que a área em questão não era abrangida por plano de pormenor e que, por isso, o procedimento a observar era o de licenciamento e não o de autorização (cfr. art. 4°, n.° 2, ai. a) do RJ.U.E.).
3. Por conseguinte, o Recorrente estava obrigado a proceder às consultas a entidades exteriores ao município exigidas por lei, nos termos do art. 19° do RJ.U.E.
4. A preterição dessas consultas acarreta a nulidade da deliberação impugnada, de acordo com o disposto no art. 68°, ai. c), do RJ.U.E., como bem decidiu o Tribunal a quo.
5. A teoria preconizada pelo Recorrente de que se manteriam válidas as consultas a entidades exteriores ao município realizadas anos antes, esbarra com o disposto na lei e é, salvo o devido respeito, despropositada e sem sentido, posto que a situação de facto e de Direito alterou-se, designadamente pela alteração ao Plano Director Municipal de Loures.
6. O Tribunal recorrido ignorou e bem o disposto no art. 134°, n.° 3 do C.P.A., porque se trata de uma questão fora do objecto da acção, não suscitada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso, porque o meio processual próprio para o efeito é a acção administrativa comum e não a acção administrativa especial, como salienta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, e porque se trata de uma nulidade "de valor reforçado" atendendo a preeminência dos valores ligados ao ordenamento do território e do urbanismo, que justificam que não sejam atribuídos quaisquer efeitos jurídicos ao acto nulo.
7. Em suma, a decisão recorrida não merece qualquer censura, não padecendo de qualquer dos vícios assacados pelo Recorrente.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Tribunal a quo foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Armando ………….. reside no lote ……… da Urbanização ………………, em Loures (por acordo).
2. Paulo ……………… reside no lote ………. da Urbanização da ……….., em Loures (por acordo).
3. O lote ……. situa-se ao lado do lote 199, encostando a este e junto ao lote 207, todos na Urbanização …………, em Loures (cf. planta a fls. 26 dos autos e a fls 8 do PA).
4. O lote 179 situa-se junto ao lote 207, ambos na Urbanização ………, em Loures (cf. planta a fls. 26 dos autos e a fls. 8 do PA).
5. No âmbito do processo camarário n.° ……./0.C.P em 24.02.1997 e em 04.08.1997o Vereador Rui ……….. da CML aprovou o projecto de arquitectura e em 13.07.1998 aprovou os projectos de especialidades relativos à construção do lote 207 (acordo).
6. Através do alvará n.° 6/90 a CML titulou a constituição do lote n.° 207, com 3.233 m2 de área, destinado à construção de um edifício com 4 pisos mais cave, com 6750 m2 de área de construção, conforme doe. de fls. 19a 24 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido (acordo).
7. Tal construção no lote 207 ficava condicionada à serventia de passagem pedonal pública no prolongamento da separação entre os lotes 174 e 199 (acordo; cf. doe. de fls. 19 a 24).
8. Os Autores recorreram contenciosamente dos despachos do Senhor Vereador Rui ……………, da CML de 24.02.1997, de 04.08.1997 e de 13.07.1998, que aprovaram o projecto de arquitectura c os projectos de especialidade relativos à construção do lote 207, recurso que correu termos na 2° secção (posteriormente 3° secção) do TAC de Lisboa, sob o n.° 814/98, tendo por sentença de 18.01.2002 sido negado provimento ao recurso, sentença que veio a ser revogada por Ac. do STA de 04.07.2002, tendo o STA julgado nulos os despachos do Senhor Vereador Rui …………., da CML de 24.02.1997 de 04.08.1997 e de 13.07.1998, designadamente por violação do PDM de Loures que qualificava a área onde se situa o lote 207 como inserida em Espaço Canal Rodoviário, por admitirem mais um piso de garagens além do previsto e não observarem uma serventia de passagem no prolongamento entre os lotes 174 e 199, conforme correspondentes documentos no PA, proc. 27578/OPC/OR, 6° e 10° vol., não numerados.
9. Em 29.01.2003 foi elaborada a seguinte informação e proposta por Teresa …….., Técnica do Município de Loures: (...) PRETENSÂO: PROJECTO DE ALTERACÃO À LICENÇA DE LOTEAMENTO
1. Sumário da Pretensão:
1.1. O presente processo refere-se ao pedido de alteração ao Alvará de Loteamento da Urbanização …………, no sentido de regularizar a situação em que se encontram as construções dos lotes (...) 207 face às decisões emitidas pelo Tribunal, e é apresentado pelos proprietários dos referidos lotes.
1.2. Consistem as mesmas do seguinte: (...)b) introdução de mais um piso em cave para estacionamento com a área de 2061,80 m2 e redefinição do traçado da passagem pedonal pública que faz a serventia referida na cláusula quarta do Alvará de Loteamento n" 6/90, no lote 207
2. Fundamentação:
2.1. Relativamente à introdução de um piso em cave para estacionamento a afectar aos fogos, verifica-se que não vem alterar parâmetros urbanísticos constantes do PDM atendendo a que o mesmo não limita o número de pisos em cave e exclui a área de construção para parqueamento afecto aos fogos para efeitos de aferição do índice de construção (artº 12° do RPDM). A ocupação em causa vem beneficiar do ponto de vista urbanístico o loca! onde se insere, uma vez que vem criar mais lugares de estacionamento do que os previstos aquando da aprovação do loteamento, desonerando o espaço público deste tipo de ocupação e vindo ao encontro das carências sentidas nesta Freguesia.
2.2. Relativamente à introdução de mais um piso em cave para estacionamento no lote 207, quanto ao número de pisos, não vem alterar o PDM, conforme já exposto: no entanto, no que diz respeito à área de construção, e atendendo a que uma pequena parte da sua ocupação (cerca de 80 m2, conforme se afere pela Certidão da Conservatória junta ao processo, ou seja, 1,2% da área de construção atribuída para o lote pelo Alvará de Loteamento) se encontra constituída em fracções autónomas para parqueamento e não foram constituídas como sendo afectas aos fogos a mesma é contabilizada para efeitos de índice de construção. Assim, propõe-se também que seja aumentada a área de construção do lote para mais 2061,80 m2, coincidente com a área desse piso em cave, para a constituição de mais um piso em cave, o que se traduz num aumento de 0,3% da área de construção total do loteamento (667511 m2 de acordo com o quadro urbanimétrico), que se julga não alterar os parâmetros urbanísticos do PDM se considerarmos a excepção aberta no nº 4º do art. 52º do RPDM uma vez que se trata de uma situação preexistente à data da entrada em vigor desse regulamento, na redacção actual.
2.3. Por impossibilidade física de passagem entre os lotes 174 e 199, originária desde a sua concepção em virtude de os mesmos encostarem, sendo o percurso pedonal em redor dos lotes efectuado a nascente do lote 199 e poente do lote 174, propõe-se que a passagem no interior do lote a partir de metade do percurso não continue no enfiamento atrás referido (uma vez que não existe qualquer possibilidade de atravessamento entre os dois lotes) mas sim que vá desembocar a nascente onde comunica com o passeio que vem desde o lote 199 dando continuidade aos percursos que actualmente se efectuam em redor de todos estes lotes. Com a construção do edifício do lote 207 verifica-se ainda que, paralelamente, foi criado um espaço alternativo de circulação pedonal. que rodeia os lotes 207, J 74 e 199 e os arruamentos circundantes, complementares à referida passagem entre os lotes 199 e 174, a qual nunca existiu.
2.4. As alterações agora propostas para a construção dos lotes (...) 207 enquadram-se no actual zonamento do PDM, não interferindo com quaisquer condicionantes existentes na zona,
2.5. Julga-se que as alterações propostas se enquadram "nas alterações à licença de loteamento que se traduzem na variação das áreas de implantação e construção até 3%, desde que não impliquem aumento do n° de fogos ou alteração dos parâmetros urbanísticos constantes de plano municipal de ordenamento do território ", conforme está definido no nº 8 do artº 27º do DL 555/99 de 16 de Dezembro.
3. Proposta:
Em face do exposto, coloca-se à consideração superior a fundamentação constante do ponto 2. e a aprovação das alterações por simples deliberação da Câmara Municipal, com dispensa de qualquer outras formalidades, ao abrigo do n° 8 do artº 27º do DL 555/99 de 16 de Dezembro, na redacção actual (..)” - (acordo).
10. Em 18.02.2003 foi deliberado pela CML introduzir as seguintes alterações ao alvará n.° 6/90: «introdução de uma cave que se destina a estacionamentos nos lotes 207, 205 e 207;
- rectificação da implantação da serventia de passagem pedonal pública do lote 207;
- A cláusula QUARTA do Alvará de Loteamento 6/90 que passa a ter ao seguinte teor: " A máxima capacidade de construção para o lote 207 é de 8.811.80m2 (oito mil oitocentos e onze vírgula oitenta metros quadrados), condicionada ao cumprimento da legislação e regulamentos construtivos em vigor e à existência de uma serventia de passagem pedonal de acordo com a implantação representada no lote, na planta síntese anexa ao presente aditamento e identificada como Anexo A» (acordo: cf. o referido aditamento a fls. 159 e 160 do PA).
11. A citada deliberação de 18.02.2003 foi publicada no Boletim de Deliberações e Despachos n.° 4 de 19.02.2003 e no Edital n.° 8, de 19.02.2003 (cf. doe. de fls. 73 a 81 e de fls. 116 do Boletim de Deliberações e Despachos da CML, em apenso aos autos).
12. Após a deliberação da CML de 18.02.2003 a construção no lote 207 passou a ter 36 fogos com área total de 5.387,00 m2, no piso l a 4: 17 estacionamentos autónomos, com área total de 190,00, no piso cave e 0: 66 estacionamentos afectos/fracção, com área de 3.219,00 m2 no piso cave e 0; 36 arrecadações afectas/fracção, com área total de 1.253,00m2, no piso sótão, com uma área total de construção de 8.811.80 m2 (hab.5387,00m2); uma volumetria de 23.590,00 m2: com 4 pisos acima da cota soleira: e 2 abaixo da cota soleira; com uma cércea de 14,15/13,60m; com existência de uma serventia de passagem pedonal, conforme correspondentes documentos no PA, proc. 27578/OPC/OR. 10 vol.. não numerado.
13. Em 26.05.2004, por sentença do TAC de Lisboa, 3a Secção, no processo de execução nº 814/98/B, foi declarada a existência de causa legítima de inexecução relativamente ao Acórdão do STA de 04.07.2002, acima referido, conforme doe. de fls. 28 a 38 dos autos .



DO DIREITO


1. excesso de pronúncia; nulidade do acto administrativo;


A nulidade do acto administrativo é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida a todo o tempo, por qualquer tribunal – cfr. artºs. 134° nº 2 CPA e 95° nº1 CPTA.
Neste sentido improcede a questão trazida a recurso nos itens 1 a 5 das conclusões.


2. alterações à licença de operação de loteamento - artº 27º nº 8 RJUE;

Nos termos do artº 77º nº 1 e) RJUE, tanto na versão à data dos factos do caso em apreço como presentemente, as especificações do alvará de operação do loteamento referem obrigatóriamente “o número de lotes e indicação da área, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados, quando previstos.”
Deste modo, as especificações do alvará de loteamento, regime aplicável aos restantes alvarás, “(..) vinculam a câmara municipal, o proprietário do prédio e os adquirentes dos lotes. Tal decorre de estarmos perante actos reais, no sentido de que são emitidos para os terrenos onde tais operações se implantarão e nos termos das normas aplicáveis, abstraindo das circunstâncias pessoais de quem as requer. Por este motivo, os alvarás, sendo eros títulos de eficácia daqueles actos, também vinculam necessariamente todos os titulares de direitos reais sobre os terrenos em causa, sejam eles os proprietários dos lotes aquando da emissão do alvará ou futuros adquirentes dos mesmos.(..)” (1)
Quanto à inaplicabilidade do regime de alterações à licença de loteamento plasmado no artº 27º nº 8 do RJUE, o acórdão recorrido fundamentou-se no Ac. do STA de 09.07.1996, P.31321.
Todavia, precisamente a propósito deste Ac. do STA de 09.07.1996 em comentário ao Ac. do STA de 20.10.1999, P.44470, quanto à questão das alterações ao alvará de loteamento por iniciativa de interessado particular no tocante às especificações das cedências obrigatórias das parcelas a integrar no domínio público municipal, diz-nos a doutrina que “(..) Importante também para a solução da questão aqui colocada é o que decorre do Ac. do STA de 09.07.1996, P. 31321 … ao determinar que o pedido de alteração de alvará de loteamento pelo interessado dá lugar a uma nova apreciação e reponderação de toda a solução urbanística de modo que a aprovação deste novo loteamento não é acto sobre acto, mas um acto sucessivo que vem tomar o lugar do primeiro.
Isto significa que estamos perante uma nova pretensão, diferente da anterior, e que é sujeita a uma nova apreciação administrativa. Por se tratar de uma nova pretensão e por se tratar de um acto novo acto administrativo que vem tomar o lugar do anterior, compreende-se que não tenha de se estar dependente das limitações que decorrem do primeiro acto. A decisão sobre a nova pretensão tem de ser apreciada segundo as normas em vigor no momento da nova decisão, o que prova que a nova aprovação é autónoma da anterior.
Pode, pois, o acto de alteração permitir que sejam retiradas do domínio público parcelas de terrenos que, de acordo com a concepção urbanística da operação de loteamento inicial, aí haviam sido integradas. (..)” (2)
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Voltando ao caso em apreço e na senda da doutrina do Ac. do STA de 09.07.1996 cabe saber do complexo normativo vigente aquando da alteração das especificações da licença de loteamento no tocante ao lote 207 por deliberação de 18.02.2003, levadas ao alvará nº 6/90 conforme alínea 10 do probatório.
Dito de outro modo, saber das condições de edificabilidade definidas de forma precisa para o lote 207 aquando do licenciamento do loteamento e consequente emissão do alvará nº 6/90 que foram objecto de alterações por via da deliberação da CM/Loures de 18.02.2003 tomada à luz do regime do artº 27º nº 8 do RJUE na redacção do DL 177/2001 de 4.6 – vd. alíneas 6 e 12 do probatório.


3. discricionariedade de planificação; requalificação do zonamento funcional do PDM – artºs. 71º RJIGT e 15º LBPOTU;

Por Ac. do STA de 04.07.2002 o acto de licenciamento da operação urbanística de construção no lote 207 foi declarado nulo com fundamento na violação do PDM/1993/Loures (vd. DR, nº 161, I Série-B, 14.07.1994), cfr. artº 68º a) RJUE, sendo que a norma concretamente infringida resulta do exercício da competência discricionariedade de planificação, isto é, decorrente de opções discricionárias da autoridade planificadora na fixação do chamado zonamento funcional – vd . alínea 8 do probatório.
Ora o zonamento funcional é uma das matérias que sinalizam o núcleo fundamental da decisão discricionária de planeamento no tocante à “(..) estruturação espacial do território municipal, função que é alcançada pela referenciação espacial dos vários usos e actividades neles [nos planos] admitidos, ou seja, pela afectação de porções do território ao desempenho de determinadas finalidades (..) zonamento funcional que procede à definição dos destinos e vocações de cada uma das parcelas do território (..) É isso, efectivamente, que decorre do artº 71º do RJIGT (que repete o disposto no artº 15º da LBPOTU) ao determinar que “o regime do uso do dolo é definido pelos planos municipais de ordenamento do território através da classificação e da qualificação do solo” … O artº 15º da Lei de Bases determina, efectivamente, que esta é uma função dos planos territoriais, designação que reserva para os planos municipais de ordenamento do território (cfr. nº 2 do artº 9º) (..)
É na definição deste zonamento funcional, isto é, na opção concreta quanto à distribuição e localização das actividades humanas no território e à estruturação espacial, ou seja, é nas concretas tarefas de classificação e de qualificação dos solos – que se apresentam como fim último da actividade de planeamento – que a doutrina afirma existir o grau máximo de discricionariedade envolvida nesta actividade. (..)”(3)
Discricionariedade de planeamento bem visível aquando da deliberação de 18.02.2003 na vigência do PDM/1999 cujas alterações introduzidas nos parâmetros de edificabilidade do lote 207 “(..) já se enquadram no novo zonamento do PDM, não interferindo com quaisquer condicionantes existentes na zona, (..)” – vd. alínea 9 do probatório, na parte final.
Ou seja, o acto de gestão urbanística (licença de construção no lote 207) originariamente inválido (declarado nulo por Ac. do STA de 04.07.2002) passou a ser considerado válido em sede de deliberação de 18.02.2003 com fundamento na alteração dos pressupostos de facto e de direito introduzidos na planta de ordenamento do PDM/99/Loures (vd. DR, II Série, 12.04.200, pág. 6836) deixando o terreno de implantação do lote 207 de estar inserido em espaço canal rodoviário (PDM/93) passando para zona edificável (PDM/99).

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Neste sentido, perde relevância chamar à colação o Ac. do STA de 04.07.2002 na medida em que este acórdão apreciou o acto de licenciamento por referência ao enquadramento normativo do PDM/1993/Loures dado à área de inserção do lote 207 como espaço canal rodoviário, completamente distinto da qualificação de uso do solo como zona edificável de acordo com as novas disposições regulamentares do PDM/1999/Loures aquando da deliberação de 18.02.2003.
Esta perda de relevância explica-se com fundamento nos citados artºs. 71º do RJIGT e 15º da Lei de Bases/LBPOTU (4) porque “(..) ainda que a comunicação da sentença judicial crie na Administração um particular dever de consideração dos interesses públicos subjacentes à norma do plano que foi violada pelo acto de licenciamento, que, por esse motivo, foi declarado nulo, ainda assim, não está a Administração impedida de adoptar uma solução planificatória que permita aquela operação, solução essa que terá de ser devidamente fundamentada de modo a demonstrar a prevalência de outros interesses, públicos ou privados, sobre aquele ou aqueles que se encontravam subjacentes à norma que foi violada.
A limitação decorrente daquela decisão judicial traduzir-se-á,assim, não numa impossibilidade de adopção de uma solução de planeamento que altere a norma violada, permitindo, deste modo, a regularização da situação ilegalmente concretizada, mas apenas um dever de particular consideração da situação em causa (…) Em todo o caso, se da ponderação de interesses surgirem relevantes interesses privados ou públicos, que devam prevalecer sobre aqueles que se encontravam subjacentes à norma violada, prevalência esta que deverá ser devidamente motivada, aquela modificação poderá ser validamente promovida. (..)
Com efeito, pode dizer-se que, de um modo geral, a chamada execução das sentenças de anulação (ou de declaração de nulidade) dos actos administrativos se concretiza num dever de conteúdo complexo que, dependendo das concretas circunstâncias de cada caso, pode exigir “a realização no plano dos factos, de operações de execução por parte da Administração, sem prejuízo de novas redefinições que, no plano jurídico, ela possa vir a introduzir, no respeito pelos limites impostos pelo caso julgado, e que possam vir a sobrepor à definição resultante” da sentença. (..)
A Administração, que à partida se encontrava obrigada a remover a situação de facto ilegitimamente constituída ao abrigo de um acto inválido, vê-se exonerada desse dever a partir do momento em que a dita situação de facto seja (re)qualificada como legítima. (..)”(5)

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Aplicando a doutrina exposta ao caso presente conclui-se que a deliberação de 18.02.2003 configura um acto sucessivo que, tomando o lugar do primeiro, fá-lo em conformidade com o novo quadro de pressupostos de facto e de direito introduzidos na planta de ordenamento do PDM/99/Loures (vd. DR, II Série, 12.04.200, pág. 6836) pelo qual o terreno de implantação do lote 207 deixou de estar inserido em espaço canal rodoviário (PDM/93) para, de acordo com a nova estruturação espacial, se integrar na zona edificável (PDM/99).
O acórdão recorrido fundamentou a inaplicabilidade à deliberação de 18.02.2003 do regime do artº 27º nº 8 RJUE precisamente na declaração de nulidade proferida pelo Ac. do STA de 04.07.2002 no tocante ao acto anterior, concluindo que “(..) no caso dos autos não há que invocar o artigo 27°n.° 8, do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16.12, para a alteração à licença de loteamento, porque essa licença é nula e como tal não pôde produzir quaisquer efeitos jurídicos (cf. artigo 134° do CPA). O acto impugnado não se traduz, portanto, numa alteração da anterior licença - que era nula e não produziu quaisquer efeitos jurídicos - mas configurará, sim, um novo processo de loteamento. Em consequência, a deliberação ora impugnada teria de ser sujeita a toda a tramitação prevista nos artigos 18° e ss. do Decreto-Lei nº 555/99 de 16.12, com consulta às entidades exteriores ao município e prévia discussão pública.(..)”.
Fundamentação que, pelas razões expostas, não se acompanha, na medida em que a CM/Loures por título normativo assente nos artºs. 71º do RJIGT e 15º da LBPOTU mantém a competência discricionária em sede de adopção de uma solução de planeamento que altere a norma violada, competência que exerceu no PDM/99, sendo certo que o citado Ac. do STA de 04.07.2002 anulou o acto de licenciamento da operação urbanística no lote 207 tendo por referência o zonamento funcional do PDM/93 (espaço canal rodoviário) e a deliberação de 18.02.2003 tem por referente de conformidade jurídica o PDM/99 (zona edificável) relativamente à zona de implantação do lote 207.
De modo que no quadro de apreciação da validade do acto sucessivo, tem prevalência não o acórdão anulatório tirado no domínio do PDM/93, mas o PDM/99 que coloca o lote 207 em zona edificável, e, consequentemente, se traduz na validade da deliberação de 18.02.2003.

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Chegados aqui, importa ao objecto do recurso saber se a deliberação da CM/Loures de 18.02.2003 está em relação de conformidade com o regime do artº 27º nº 8 RJUE na redacção introduzida pelo DL 177/2001 de 4.6.
Como decorre das alíneas 9, 10 e 12 do probatório, a informação dos serviços do Município de Loures que fundamenta a deliberação camarária de 18.02.2003 aprecia os requisitos expresso no artº 27º nº 8 do RJUE, na redacção dada pelo DL 177/2001 de 4.6, a saber, que as alterações à licença de loteamento que se traduzam na variação das áreas de implantação até 3%, desde que não impliquem aumento do número de fogos ou alteração dos parâmetros urbanísticos constantes de plano municipal de ordenamento do território “(..) correspondem a verdadeiras alterações das licenças de loteamento que o legislador distingue das restantes alterações por questões procedimentais.
Efectivamente, enquanto as alterações às licenças de loteamento estão sujeitas a um particular regime procedimental que impõe, como regra, a sua discussão pública (apenas dispensada nas situações em que houver consentimento escrito dos proprietários de todos os lotes constantes do alvará) e que apenas podem ser promovidas se não ocorrer oposição escrita dos proprietários da maioria dos lotes, desde que nela esteja incluída a maioria dos proprietários abrangidos pela alteração - regras que têm como intuito principal a salvaguarda da confiança dos adquirentes dos lotes, das construções erigidas nos lotes ou respectivas fracções autónomas – já as alterações que implicam uma simples variação de 3% da área de implantação são aprovadas por mera deliberação da câmara municipal, sem prejuízo das demais disposições legais e regulamentares aplicáveis. (..)” (6)

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É o caso, na medida da fundamentação no ponto 2.2 da informação levada à alínea 9 do probatório, em que se diz que “(..)Assim, propõe-se também que seja aumentada a área de construção do lote para mais 2061,80 m2, coincidente com a área desse piso em cave, para a constituição de mais um piso em cave, o que se traduz num aumento de 0,3% da área de construção total do loteamento (667511 m2 de acordo com o quadro urbanimétrico), que se julga não alterar os parâmetros urbanísticos do PDM se considerarmos a excepção aberta no nº 4º do art. 52º do RPDM uma vez que se trata de uma situação preexistente à data da entrada em vigor desse regulamento, na redacção actual. (..)”.

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Neste sentido assiste razão ao Recorrente no tocante à questão trazida a recurso nos itens 8 e 9 das conclusões.




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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso e revogar o acórdão proferido.
Custas a cargo dos Recorridos, nos mínimos legais.

Lisboa, 25.SET.2014,



(Cristina dos Santos) .............................................................................................

(Paulo Gouveia) ...................................................................................................

(Catarina Jarmela) .................................................................................................


(1) Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, RJUE – Comentado, 3ª ed. Almedina/2011, pág.567.
(2) Fernanda Paula Oliveira, Cedências para o domínio público e alterações ao loteamento: como conciliar?, CJA-21, pág.50;
(3) Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade de planeamento urbanístico municipal na dogmática geral da discricionariedade administrativa, Almedina/2011, págs. 388/389 cit. Fernando Alves Correia, Manual de direito de urbanismo, Vol. I, 4ªed. Almedina/2008, pág. 646.
(4) RJIT – DL 380/99 de 22.9, com as respectivas alterações; Lei de Bases ou LBPOTU – Lei 48/98 de 11.8 alterada pela Lei 54/2007, 31.8.
(5) Fernanda Paula Oliveira, A discricionariedade de planeamento …, págs. 593/595 cit.Mário Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina – Teses/2002, págs. 584, 586, 587 a 589 e 601 a 608.
(6) Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, RJUE – Comentado, 3ª ed. Almedina/2011, pág. 333.