Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03646/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/14/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
MEIOS IMPUGNATÓRIOS.
PROCEDIMENTO DE REVISÃO.
Sumário:1.Não pode ocorrer o vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração de nulidade da sentença recorrida quando, desde logo, tal vicio surge reportado, não a questão que tenha sido suscitada pelas partes na tramitação dos autos e não tenha sido conhecida, nus sim a questão que a própria sentença avança, de princípio, como sendo de conhecer, mas que depois dela não chega a tomar conhecimento, por prejudicada;

2.Embora a lei reconheça ao responsável subsidiário os mesmos meios impugnatórios que ao devedor principal, tal abrange apenas o acto de liquidação stricto sensu, que não também os meios reconhecidos a este no procedimento de revisão, que este oportunamente não utilizou e se firmaram na ordem jurídica e onde a liquidação se findou;

3.Assim, tendo-se firmado na ordem jurídica a fixação da quantificação da matéria tributável apurada por métodos indirectos, o responsável subsidiário quando citado na execução fiscal para pagar a correspondente dívida exequenda, já não pode vir deduzir o pedido de revisão da matéria tributável para a respectiva comissão de revisão, ainda que na respectiva impugnação judicial possa vir impugnar os fundamentos dessa liquidação, mesmo quanto à errada quantificação, sem o condicionalismo da prévia reclamação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.a Secção) do
Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. António .............., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:
1a O recorrente foi citado na qualidade de executado por reversão de dívidas da sociedade I.............., Lda, como responsável subsidiário e não como devedor originário.
2.a O teor da citação do recorrente, indica expressamente como únicos caminhos a seguir, a reclamação graciosa, com base nos fundamentos do artigo 99° do CPPT e prazo do artigo 70° do CPPT, e, a impugnação judicial, com base nos fundamentos do artigo 99° do CPPT e prazo do artigo 102°. CPPT, como se transcreve: "Informa-se ainda que, nos termos do n°4 do artigo 22° da Lei Geral Tributária a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no Art° 99° e prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102°do C.P.P. T. ". (negrito e sublinhado nossos).
3.a Face ao conteúdo da citação, o recorrente apresentou inicialmente a sua reclamação graciosa, e tendo em consideração o indeferimento, apresentou a sua impugnação judicial, tudo na exacta medida em como foi citado.
4.a Verifica-se pelo referido teor da citação, que o pedido de revisão da matéria colectável previsto nos artigos 91° e 92° da LGT, se encontra expressamente excluído dos meios de defesa colocados ao dispor do recorrente.
5.a A própria Administração Tributária reconheceu recentemente a necessidade de introduzir melhoramentos nas citações dos executados por reversão, conforme decorre dos ofícios circulados n°s. 60058 e 60064, este último que se refere expressamente à matéria em discussão nestes autos, referindo que ao responsável subsidiário não é admitido desencadear o procedimento a que se referem os artigos 91°. e 92°. da LGT, pois este não tem por objecto um acto de liquidação.
6.a Mas acrescenta: o responsável pode sempre, "reclamar ou impugnar a divida, ainda que com fundamento no erróneo recurso a métodos ou em erro da sua quantificação, mesmo quando o devedor o originário não tenha desencadeado o procedimento de revisão da matéria tributável, previsto nos artigos 91.° e 92.° da LGT."
7.a A letra da lei do n°.4 do artigo 22°. da LGT, refere somente a liquidação, ou seja, a possibilidade de reclamar ou impugnar a liquidação.
8a No momento da liquidação, já o momento de recorrer ao procedimento determinado no artigo 91°. da LGT se encontra há muito ultrapassado.
9.a A "mecânica" do IRC, passa por quatro fases, a seguir indicadas:
1a- Recolha do "resultado liquido do exercício", de acordo com a contabilidade;
2.a Determinação do "Lucro tributável", depois de efectuadas as correcções positivas e negativas ao resultado líquido - Quadro 7 da Declaração Modelo 22;
3.a- Determinação da "Matéria colectável", após a dedução dos prejuízos e benefícios fiscais ao lucro tributável - Quadro 9 da Declaração Modelo 22;
4.a - Cálculo do Imposto, liquidação do imposto a pagar, por aplicação das taxas à matéria colectável e respectivas correcções - Quadro 10 da Declaração Modelo 22.
10.a O artigo 91°. da LGT é um meio discutir a decisão administrativa de fixação do lucro tributável, fase esta anterior à determinação da matéria colectável, enquadrado na segunda fase, ou seja, é um acto administrativo que faz parte da determinação do lucro tributável.
11a A aceitar-se a necessidade prévia do recurso ao pedido de revisão da matéria colectável no caso em apreço, e tendo sempre em consideração o teor da citação, então verifica-se além de um atropelo da letra da lei, a existência flagrante de uma limitação ao direito de defesa dos contribuintes, o que vai expressamente contra os direitos, liberdades e garantias e os princípios gerais de Direito, por redução abusiva das garantias de tutela dos particulares, sendo por isso inconstitucional, o que desde já se invoca, por derrogação directa dos dispositivos contidos na Constituição da República Portuguesa.
12a. Então, a citação em apreço, por incorrecção e omissão, violaria os princípios da boa fé e os princípios: - da colaboração - previsto no artigo 59° da LGT;
- da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça e da imparcialidade - previsto no artigo 55° da LGT.
13.a Pois, dispõe o n.° 2 do artigo 266° C.R. P. que: "Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição, ..., no exercício das sua funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça da imparcialidade e da Boa-fé".
14a A entender-se de forma distinta, então encontrar-nos-emos perante uma norma inconstitucional, inconstitucionalidade esta, que aqui desde já se requer a sua apreciação.
15a A entender-se, que no âmbito da reversão em apreço, o recorrente poderia socorrer-se do pedido de revisão da matéria colectável, então a citação de que foi objecto encontra-se necessariamente ferida de nulidade insanável.
Pois,
O teor da citação por incorrecto e omisso, prejudicou a defesa do interessado, nulidade esta que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, e que caso assim se considere, se vem arguir.
16a Refere-se na douta sentença que as Questões Jurídicas a Solucionar", são "A questão a resolver nos presentes autos é a de saber se liquidações adicionais de IRC referentes a 1999, 2000 e 2001, são ou não válidas."
17a No entanto, a douta sentença nada refere sobre a validade ou não das liquidações adicionais, pronunciando-se somente sobre a questão da inadmissibilidade da presente impugnação face à inexistência do pedido de revisão da matéria colectável nos termos do artigo 91°. da LGT.
18. a Uma vez que, a sentença nada decidiu sobre as referidas "Questões Jurídicas a Solucionar", apesar de as indicar como sendo a questão a resolver nos presentes autos, verifica-se uma flagrante omissão de pronúncia, o que consubstancia uma nulidade da douta sentença.
19.° A Administração Fiscal aplicou os três anos de 1999, 2000 e 2001 o rácio de 17,39%.
20.a O valor de 17,39% foi retirado da contabilidade da I.............., Lda., do ano de 1999, apesar da Administração Fiscal ter considerado expressamente no relatório do Serviço de Inspecção Tributária, que a contabilidade daquela sociedade não merecia credibilidade, o que foi fundamento da aplicação dos métodos indirectos.
21a Compete ao impugnante, ora recorrente, a prova de que o quantum é exagerado, pelo que este pediu à Administração Tributária, os elementos necessários à comprovação do exagero do valor de 17,39%, (os rácios da actividade), os quais, aquela veio trazer ao processo, em Outubro de 2008, através do Ofício n°. 30983.
22.a Da simples leitura dos valores indicados pela Administração Tributária, construiu-se o quadro seguinte:
Média 1ºQuartil Mediana 3º Quartil
Nível Nacional

1999 -19,86 1,29 4,22 8,74
2000 -4,69 0,73 3,81 8,73
2001 -4,13 -2,58 3,09 6,05

Nível Unidade Orgânica
1999 -22,42 1,64 5,45 9,56
2000 -5,90 0,53 3,81 9,07
2001 0,89 1,39 4,04 8,00
O que prova o exagero do valor de 17,39%.
23.a Verifica-se existir, na situação em apreço, uma errónea quantificação das realidades factológicas em causa pelos Serviços de Fiscalização, motivada pela não aplicação das medidas estatísticas disponibilizadas que consequentemente originaram uma quantificação excessiva das três matérias colectáveis.
24.a O despacho de fixação dos Lucros Tributáveis de 1999, 2000 e 2001 deverá ser declarado nulo, com a consequente anulação total das liquidações referentes ao IRC daqueles anos, no valor, respectivamente de 21.830,88 Euros, de 41.839,82 Euros e de 36.639,13 Euros.
25.a Se, ainda por hipótese e por razões não admitidas, não for o acto anteriormente referido declarado nulo, e nos termos pedidos, as liquidações anuladas na totalidade, que sejam fixados os Lucros Tributáveis de acordo com o proposta constante da Reclamação Graciosa de 5.981,47 € em 1999, 11.277,99 € em 2000 e de 9.968,43 € em 2001, devendo o IRC e os juros de compensatórios serem calculados de conformidade.
(aplicação do rácio RFV ao volume de negócios real)
1999 2000 2001
Total Proveitos 369.226,46 € 696.171,95 € 615.335,35 €
Custos Presumidos 363.244,99 € 684.893,96 6.05.366,92 €
Lucro Tributável 5.981,47 € 11.277,99 € 9.968,43 €

Face ao exposto, nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem dar provimento ao recurso, mandando revogar a douta sentença, por errónea qualificação das realidades factológicas em causa, e consequente aplicação do Direito, sendo ainda, a mesma declarada nula, devido à omissão de pronúncia da questão a resolver nos presentes autos, como a própria sentença assim o indica, sendo considerada procedente a impugnação judicial, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA

Foi admitido o recurso para subir imediatamente, próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (IMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, ainda que por razões diferentes das acolhidas na sentença recorrida, não tendo acorrido a invocada omissão de pronúncia, devendo ser conhecida da questão de fundo, qual seja a da errónea quantificação, que deve ser julgada improcedente, admitindo-se contado o ora recorrente a discutir tal questão ainda que não tenha sido deduzida prévia revisão para a respectiva comissão, sob pena de a norma do art.°22.°, n.°4 da LGT, ser inconstitucional, por violação da norma do art.°20.°, n.°l da CRP.

Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.

B. A fundamentação.

2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; Não padecendo, se o responsável subsidiário pelo pagamento do imposto, quando citado na execução fiscal, pode reclamar ou impugnar a dívida exequenda, apurada por métodos indirectos, colocando em causa a sua errada quantificação, sem que tenha sido deduzida e nem tenha de deduzir reclamação para a comissão de revisão, quanto à sua matéria tributável; E se este Tribunal pode conhecer em substituição, da matéria do mérito da causa, quando o Tribunal "a quo" não tenha efectuado qualquer julgamento da correspondente matéria de facto.

3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal '"a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na integra se reproduz:
1. Por ofício de 07/02/2003, foi a sociedade I..............- Sociedade de ............................, Lda. notificada para exercer o seu direito de audição sobre o projecto de Relatório de Inspecção tributária (cfr. doc. de fls. 86 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
2.Em 27/02/2003, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual resultou o apuramento da matéria tributável da impugnante por recurso a métodos indirectos de tributação em sede de IRC do exercício de 1999, 2000 e 2001 (cfr. doc. junto a fls. 45 a 75 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
3. Em 21/05/2003 foi efectuada a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1999 no montante de € 28.639,06 da sociedade I.............. - Sociedade de .................................., Lda. (cfr. doc. junto a fls. 22 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
4. Em 21/05/2003 foi efectuada a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2000 no montante de €51.637,44 da sociedade I.......... - Sociedade de ........................, Lda. (cfr. doc. junto a fls.23 do processo administrativo referente à reclamação de recurso hierárquico);
5. Em 21/05/2003 foi efectuada a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2001 no montante de € 42.397.69 da sociedade I............ - Sociedade de ......................................,Lda. (cfr. doc. junto a fls.24 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
6. Por ofício de 24/03/2005, o ora impugnante foi citado por reversão no âmbito do processo executivo n° ...................... e apensos por dívidas de IVA e IRC que contra si reverteram da sociedade I............- Sociedade de .............................., Lda. (cfr. doc. junto a fls. 14 a 17 e 35 a 40 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
7. Em 17/06/2005, o ora impugnante apresentou uma reclamação graciosa das liquidações adicionais de IVA e IRC dos exercícios de 1999, 2000 e 2001 (cfr. doc. junto a fls. 9 e segs. do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico) ;
8. A reclamação identificada no ponto anterior indeferida por despacho do Chefe de Divisão por delegação de competências do Director de Finanças de ......... (cfr. doc. junto a fls. 100 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
9. O impugnante foi notificado do indeferimento (cfr. doc. junto a fls. 104 a 106 do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
10. Em 05/11/2005 o ora impugnante apresentou um recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
11. Por despacho de 31/05/2007, foi o recurso deferido tendo sido decidido que o impugnante deveria ser convidado a apresentar duas reclamações separadas (cfr. doc. junto a fls. não numeradas do processo administrativo referente à reclamação e recurso hierárquico);
12. Em 17/03/2006, foi remetido pelo Serviço de Finanças da .......... um ofício ao Tribunal Judicial da ........ do qual consta que o montante de € 84.268,61 foi aplicado para pagar parcialmente dois processos executivos com os números ................. de IVA dos exercícios de 1999, 2000 e 2002, no montante global de 52.834,39 e ......................referente a IVA de 2001 no montante global de € 33.434,22 e no âmbito deste último processo procedeu-se ainda à penhora da quantia de € 7.398,14 de créditos detidos pela devedora originária relativamente à L............, S. A. tendo sido os montante aplicados para pagamento das dívidas mais antigas (cfr. doc. junto a fls. 357 a 360 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
13. Em 15/05/2008, deu entrada na Direcção de Finanças de ...... - Serviços de Inspecção Tributária - um requerimento denominado "Pedido de Revisão" que teve por objecto as liquidações de IRC e IVA de 1999, 2000 e 2001 (cfr. doc. junto a fls. 293 e segs. dos autos);
14. Por despacho de 08/09/2008, foi indeferido o pedido de revisão da matéria colectável identificado no ponto anterior por o mesmo ser considerado extemporâneo (cfr. doc. junto a fls. 331 a 337 dos autos);
15. Em 18/11/2008, o ora impugnante apresentou um recurso hierárquico do indeferimento identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 338 a 346 dos autos);
16. Por ofício de 12/03/2009 da Direcção de Serviços de IRC, foi o impugnante notificado, na pessoa da sua mandatária, da intenção de indeferir o recurso hierárquico apresentado (cfr. doc. junto a fls. 347 a 350 dos autos);
17. O impugnante era o gerente da sociedade I......... -Sociedade de ....................................., Lda. (admitido).

***
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
***
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

4. Na matéria das suas conclusões 16a a 18a, veio o ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade - conforme cujo pedido expresso veio a formular a final, ainda que em segundo lugar - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.°s 668.° n.°l alínea d), 660.° n.°2 e 713.-n.°2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.° e 144.° do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.°s 124.º e 125.° do CPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Esta nulidade só ocorre, nos termos daquelas normas: citadas, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante (1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis -Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.° período da 2.ª alínea do art.° 660.°. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras... .
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, o recorrente, tal omissão de pronúncia, segundo se consegue apreender da matéria das referidas conclusões dos pontos 16a a 18a, das alegações do recurso, por a M. Juiz do Tribunal "a quo", não obstante ter eleito, no início da mesma sentença, como questões jurídicas a solucionar, a de saber se tais liquidações de IRC referentes a 1999, 2000 e 2001, eram ou não válidas, o certo é de tal validade não chegou a conhecer, donde faz residir tal omissão, sendo apenas nesta dimensão que o mesmo aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida, ou seja, não faz reportar tal omissão a qualquer questão que por si tenha articulada na respectiva petição inicial de impugnação judicial em causa, e que esta não tenha conhecido, sendo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, nos termos do disposto no art.° 660.° n.°2 do CPC, pelo que é manifesto que tal omissão de pronúncia não pode ter tido lugar, tanto mais que, face ao respectivo discurso fundamentador de tal sentença, facilmente se apreende porque não se conheceu do mérito da causa, ou seja, do excesso de quantificação da matéria tributável articulado, por falta de oportuna reclamação para a comissão de revisão, desta forma, na tese da sentença recorrida, prejudicada ficava o conhecimento do seu mérito, como encontra abrigo jurídico na mesma norma do art.º660.°, n.°2 do CPC.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.° 668.° n.°l d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, entendendo-se por "questões" as concretas controvérsias a dirimir (2), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º738/05, tendo como relator o do presente.

Se tal juízo formulado pela M. Juiz do Tribunal "a quo", sobre tal falta de pressuposto para o ora recorrente impugnar se encontra certo ou não, já não pode consubstanciar tal omissão de pronúncia, mas sim eventual erro de julgamento, até porque, como é sabido, o juiz não tem que se pronunciar sobre todas as razões, raciocínios ou argumentos que enformam a sua causa de pedir e pedido, conquanto que tenha decidido as questões colocadas, ou que tenha conhecido de outra/s que obste/m a que conheça do mérito da causa, como no caso não deixou de acontecer.

Nestes termos, não pode deixar de improceder a matéria relativa à apontada omissão de pronúncia da sentença recorrida.

4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial, ainda que não tenha conhecido do mérito da causa, considerou a M. Juiz do Tribunal "a quo", em síntese, que no caso de liquidações estribadas em matéria colectável apurada através de métodos indirectos, a sua impugnabilidade quanto aos pressupostos para tal apuramento assim como a errada quantificação, dependem de ter deduzido prévio procedimento de revisão para a respectiva comissão, que no caso não teve lugar, quer pela devedora originária, quer pelo ora recorrente, já que este tinha ao seu dispor os mesmos meios impugnatórios que aquela contra tais actos, e que este os não tendo utilizado, inviabilizou que pudesse vir agora a impugnar a errada quantificação dessa matéria colectável por falta da verificação de tal pressuposto, invocando como apoio jurisprudencial, desta sua posição, o acórdão do STA de 16.1.2008, recurso n.º885/07, que no mesmo sentido terá decidido.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além do vicio formal de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já antes conhecido, se bem se consegue o seu total sentido e alcance, vem insurgir-se contra tal entendimento, por no acto de citação apenas ter sido informado que podia deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial, mas não que podia reclamar para a comissão de revisão, e que esta reclamação da matéria tributável ocorre no procedimento de liquidação em momento anterior à própria liquidação, sendo tal citação violadora de diversos princípios que enuncia, estando perante norma inconstitucional (que não indica qual), sendo tal acto de citação nulo, enquanto que na restante matéria pretende que tal quantificação padeça de excesso, ao terem sido aplicados os rácios extraídos da sua própria contabilidade, pretendendo que antes sejam aplicados os rácios médios oficiais, juntos pela AT, de valores bem inferiores, donde resultaria o exagero dos constantes na mesma contabilidade e que foram acolhidos nas liquidações em causa, tal como articulara na sua petição inicial de impugnação.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.°22º,n.°4 da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo art.°1.° do Dec-Lei n.°398/98, de 17 de Dezembro, as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.

O entendimento vazado na fundamentação da sentença recorrida assenta, justamente, em atribuir ao ora recorrente os mesmos direitos que o devedor principal no que aos meios impugnatórios tange, mas quanto ao acto de liquidação, a que se reporta tal norma, pelo que entendeu que o mesmo poderia/deveria ser estendido ao procedimento de revisão da matéria colectável para a comissão de revisão, ao abrigo do disposto no art. ° 91.° da mesma LGT, que a devedora originária não fizera, e que este também não tendo utilizado tal meio procedimental, impossibilitou que na presente impugnação pudesse ser apreciado o vício das liquidações do IRC em causa, da invocada errada quantificação, tudo de acordo com os ditames legais dos invocados n.°5 do art.° 86.° da mesma LGT e 111º, n.°l do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) .

É certo que este entendimento cria algum entorse no procedimento de liquidação, já que esta só tem lugar depois de decidido o pedido de revisão da matéria tributável, ou seja, depois de firmada na ordem jurídica a respectiva quantificação da matéria colectável (3), no âmbito do respectivo procedimento de revisão, tendo efeito suspensivo dessa liquidação até à respectiva decisão, o que no caso implicaria que se tivesse de voltar a um momento procedimental anterior desse procedimento de liquidação e ir discutir a respectiva matéria colectável que já fora considerada firmada nessa liquidação, para, ou a manter e efectuar nova liquidação igual à anterior, ou, se alterada aquela, efectuar uma nova liquidação correspondente, o que a lei expressamente não contempla, mas a legal equiparação do revertido subsidiário ao devedor principal, pelo menos em termos literais, no que aos meios impugnatórios tange, do acto de liquidação exequendo, pareceria não poder deixar de conduzir a este desiderato, o qual, aliás, teve acolhimento não só no acórdão do STA de 16/01/2008, recurso n.° 885/07, citado na sentença recorrida, como também no acórdão do mesmo Tribunal de 17/03/2010, no recurso n.°999/09, para além de também ter o assentimento do Cons. Jorge Lopes de Sousa, na sua edição do Código de Procedimento e de Processo Tributário (4).

Porém, e mais recentemente, foi tal questão de novo expressamente colocada à apreciação do mesmo STA, por cujo acórdão de 28/04/2010, recurso n.°876/09 (5), foi afastado o entendimento supra, apesar da valia e de reconhecer que se tratava de questão controversa, tendo vindo colocar a questão em termos que também iremos sufragar, face à sua valia argumentava e às questões a que a anterior posição acabava por colocar, e que não vemos como, legalmente, no quadro do nosso direito fiscal vigente, se poderiam ultrapassar.

É desde logo a questão da reabertura e prolongamento de um procedimento de revisão já findo, por falta de oportuna reacção contra tal fixação da matéria colectável pelo devedor originário que assim o deixou firmar na ordem jurídica e que por tal admissão desse pedido pelo revertido se iria violar -cfr. art.° 91da LGT - por outro lado, o que a lei, na norma do n.°4 do art.° 22.° da mesma LGT, equipara, entre o devedor originário e o responsável subsidiário, de que poderão reclamar ou impugnar, é da divida cuja responsabilidade lhes for atribuída, sendo no mínimo duvidosa que em tal dívida, também a lei, tenha querido incluir o próprio procedimento de revisão, que, como se sabe, não tem por objecto o acto de liquidação stricto sensu, mas sim características especiais e destina-se à apreciação da correcção da aplicação dos critérios de base técnico-científica em que deve assentar a avaliação da matéria colectável.

Por outro lado, tendo em conta que o pedido de revisão da matéria colectável surge, certamente, já em fase de execução fiscal dessa dívida, quando o mesmo seja citado, os prazos de caducidade do direito à liquidação poderão ter já ocorrido, e em que o responsável subsidiário possa vir colocar em causa um acto que resulta firmado na ordem jurídica e que tal pedido iria violar, pelo que, sempre seria apenas de aceitar tal pedido de revisão pelo responsável subsidiário enquanto o mesmo se encontrasse a decorrer e aquela matéria tributável se não encontrasse definitivamente fixada, com aceitação da fase em que o procedimento se encontrasse nesse momento da intervenção, não podendo atribuir-se ao pedido do responsável subsidiário efeitos suspensivos da liquidação, com a abertura de tal procedimento de revisão, uma vez que ela já foi efectuada.

Assim, face ao disposto nos art.°s 86.°, n.°5 da LGT e 117º, n.°l do CPPT, que condicionam no processo de impugnação judicial deduzido contra o acto de liquidação, à discussão da quantificação e dos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável à prévia revisão dessa matéria, e tendo em conta a necessidade de garantir a impugnação dos actos tributários lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, por força do disposto no n.°4 do art.°268.° da CRP, numa interpretação consentânea com as disposições das referidas normas legais, a posição que melhor se coadunará com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos legalmente protegidos dos cidadãos, é a de não abrir o procedimento de revisão ao responsáveis subsidiários, quando a mesma se encontre já firmada na ordem jurídica e sobre ela tenha repousado a correspondente liquidação, embora sem deixar de conhecer dos condicionamentos de tal pedido, como seja o da falta de pressupostos para a matéria tributável ser apurada por métodos indirectos e da sua errada quantificação, no que à impugnação do revertido diz respeito.

A sentença recorrida que assim não entendeu e decidiu não se pode manter, sendo de a revogar, ainda que por fundamentação diversa da contida nas conclusões das alegações do recurso, como bem se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, cuja fundamentação, ainda que em parte, se move no âmbito das razões ora expendidas, para no mesmo sentido termos entendido.

5. Revogada a sentença recorrida e não havendo esta conhecido do fundo da causa, nos termos do disposto no n.°l do art.° 753.° do CPC, caberia a este Tribunal dela conhecer, se os autos fornecessem os necessários elementos para o efeito, designadamente, desde que a sentença recorrida tivesse efectuado o julgamento da matéria de facto quanto a tal matéria do fundo da causa, já que este Tribunal, nos termos do disposto no art.° 712.° do mesmo CPC, apenas tem poderes de alteração da matéria de facto fixada no julgamento efectuado no Tribunal recorrido, mas não tem poderes de substituição total nesse julgamento, como constitui jurisprudência corrente(6).

No caso, não tendo a sentença recorrida efectuado qualquer julgamento da matéria de facto quanto à Invocada questão de substância, de erro ou excesso de quantificação da matéria tributável apurada e onde assentaram as liquidações em causa, como da matéria dos seus pontos 1. a 17. do probatório fixado na mesma sentença se pode ler, nada tendo sido dado como provado ou não provado quanto a tal factualidade, têm os autos de baixar à l.a Instância a fim de proceder a tal julgamento da matéria de facto e proferir nova sentença em conformidade, caso outro motivo obstativo a tal não sobrevenha.

É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida, ainda que por fundamentação jurídica distinta da avançada pelo recorrente, e de não conhecer dos demais fundamentos do recurso por prejudicados (art.c 660.°, n.°2, ex vi do art.° 713.°, n.°l, ambos do CPC) e de ordenar a baixa dos autos, para proceder ao julgamento da matéria de facto quanto ao fundo da causa e de ser proferida nova sentença em conformidade.

C. DECISÃO.

Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos para ser efectuado o julgamento da matéria de facto quanto ao fundo da causa e ser proferida nova decisão em conformidade.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Julho de 2010
Eugénio Sequeira
Rogério Martins
Lucas Martins (Vencido – Sem prejuízo do surgimento de novos e convincentes argumentos, em sentido contrário, dada a controvérsia da questão, negava provimento ao recurso por considerar que o que a lei faculta ao responsável subsidiário, é o direito a reagirem nos precisos termos em que o possa fazer o devedor originário, em cada situação concreta).

(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.°s 20472 e 20491.
(2)Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.° 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.°s 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.° 480/03, Rec. Agravo, 7ª Secção.
(3)Ainda que, por força do princípio da impugnação unitária contido na norma do art.° 54.º do CPPT, tal fixação não seja susceptível de impugnação ou reclamação graciosa autónomas, mas apenas do respectivo acto final - a liquidação - onde podem ser conhecidos todos os vícios do procedimento anteriores a tal liquidação e que em si, não sejam desde logo lesivos - cfr. art.°97.°, n.°l, alínea b) do mesmo CPFT.
(4)Na sua 5." Edição, anotação 13, pág. 846.
(5)E cuja fundamentação, por nos convencer da sua bondade, aqui seguimos de perto.
(6) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 17/10/2001, recurso n.° 26.193.