Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2014/18.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS
Sumário:1. Na economia do artº 49º nº 1 CCP configuram especificações técnicas as cláusulas do caderno de encargos que definem o objecto da compra pública (obra, produto ou serviço objecto do contrato) quanto às suas características, v.g. nas vertentes do processo ou métodos especifico de produção, fabrico ou execução, de termos de desempenho ou de requisitos funcionais.
2. As soluções apresentadas nas propostas não podem, sob pena de exclusão (artº 70º nº 2 b) CCP), desviar-se das “características técnicas mínimas obrigatórias” constitutivas dos objectivos funcionais e de desempenho (artº 49º/7 a) CCP) expressamente descritos no caderno de encargos quanto aos bens a adquirir, ressalvada a prova efectiva, a cargo do concorrente e em sede de proposta, de que a diversa solução apresentada cumpre os objectivos funcionais e corresponde aos critérios de desempenho exigidos pela entidade adjudicante no caderno de encargos – cfr. artº 49º nºs 11 e 12 CCP.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:     M….., Lda., com os sinais nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

               Da nulidade do processo:
a. Pela Sentença ora recorrida, foi o presente processo de contencioso pré- contratual julgado totalmente improcedente, tendo sido condenada a A., agora Recorrente, em custas;
b. Decidiu tal Sentença proferida pelo Tribunal a quo que, não tendo existido caducidade da acção proposta, a R. Universidade Nova de Lisboa não violou qualquer norma legal ao proferir o Relatório Final que excluiu a A. como concorrente aos lotes 2,7, 8 e 28 do Concurso Público n. ...../FCM- UNL/2018 para a aquisição, por lotes, de equipamentos para novos programas de formação avançada na área da saúde da mulher, da criança e do adolescente, tendo a mesma, supostamente, actuado dentro da discricionariedade administrativa no sentido de decidir tal exclusão com base na falta das características técnicas mínimas indicadas no caderno de encargos.
c. Salvo o devido respeito, a ora recorrente não se conforma e discorda frontalmente da decisão judicial ora proferida, conforme infra se discorrerá.
d. O processo de contencioso pré-contratual obedece à tramitação estabelecida no capitulo III do título II do CPTA, com as especificidades previstas no artigo 102° do CPTA.
e. Como resulta dos autos, a Petição Inicial deu entrada em juizo no dia 01 de Novembro de 2018, através da qual a Recorrente expôs os factos que considerava essenciais à sua causa de pedir, expôs as razões de direito que serviam de fundamento à acção, formulou o pedido e juntou prova testemunhal e documental.
f. A Ré Universidade Nova de Lisboa e a contra-interessada S….., Lda deduziram contestação e, com os seus articulados, arrolaram testemunhas e juntaram documentos.
g. A Recorrente deduziu Réplica, respondendo por esta via processual às excepções deduzidas na contestação.
h. Concomitante e simultaneamente à apresentação dos articulados, foi deduzido pela Ré UNL um incidente de cancelamento da suspensão automática dos efeitos legalmente prevista no artigo 103o-A do CPTA,
i. Incidente esse ao qual a Recorrente respondeu, pugnando pela manutenção da suspensão dos efeitos prevista na Lei.
j. Como se disse e repete-se, nos seus articulados, quer a nível dos autos de contencioso pré-contratual, quer ao nível do incidente deduzido, as partes juntaram prova documental, bem como indicaram prova testemunhal a ser produzida em ambos.
k. -
l.  No dia 10 de Janeiro de 2019, o Tribunal a quo profere o seguinte Despacho: “Reqs. de 26.11.2018 e de 21.12.2018: Notifique a Autora e a Universidade Nova de Lisboa para indicarem a que factos constantes dos articulados supra enunciados pretendem a produção de prova testemunhal, sendo que a UNL deverá ainda indicar concretamente quando termina a final o período de 12 meses de execução material e financeira da operação a contar da data da celebração do contrato de financiamento, pois que, ao que parece, já havia terminado no dia 31.07.2018 tendo sido requeridos dois pedidos de prorrogação desse prazo mas desconhecendo-se qual o dia limite para poder a operação ser concluída sem perda do apoio financeiro concedido. Prazo: 5 dias”.
m. Tendo tal Despacho sido notificado às partes em 14 de Janeiro de 2019, ambas responderam indicando os factos que consideravam pertinentes para produção de prova testemunhal,
n. Posteriormente, apenas foi proferido Despacho pelo Tribunal a quo, notificado às partes em 27 de Março de 2019, no sentido de as mesmas juntarem aos autos suporte informático (editável, em CD-Rom) dos articulados apresentados e do Processo Administrativo, o que foi cumprido.
o. Tendo o processo sido concluso em 08 de Abril de 2019, certo é que apenas veio a ser proferida a Sentença de que ora se recorre, tendo a mesma sido notificada às partes em 29 de Julho de 2019, cerca de nove meses após a entrada em juizo da acção.
p. Por força do disposto no artigo 87° do CPTA, findos os articulados o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré- saneador.
q. Não havendo lugar às diligências previstas no referido artigo 87° do CPTA devia a senhora juíza ter convocado a Audiência Prévia prevista no artigo 87º- A do CPTA, nomeadamente para realizar tentativa de conciliação, e, essencialmente, para facultar às partes a discussão de facto e de direito, se porventura tencionasse conhecer imediatamente do mérito da causa.
r. A Audiência Prévia era uma fase processual obrigatória, na medida em que não se verificavam quaisquer razões legais — artigo 87°-B — para a não realização da referida Audiência Prévia.
s.  Nessa Audiência Prévia a senhora juíza podia e devia proferir de imediato despacho saneador, não só para conhecer das excepções dilatórias deduzidas (intempestividade da prática do acto processual — n° 4, alínea k) do artigo 89° ), ou conhecer  total ou parcialmente do mérito da causa alínea b) do n° 1 do CPTA.
t.  Não tendo dado cumprimento à tramitação supra referenciada, à senhora juiza não restava outra opção que não fosse a de marcar data para a realização de audiência final para, entre outros, se proceder à inquirição das testemunhas arroladas e às alegações orais pelos mandatários forenses das partes, com vista a ser proferida sentença, no prazo de quinze dias após a audiência final.
u. Com todo o devido respeito, foi uma conduta que violou ostensivamente os princípios da boa-gestão processual e da igualdade de “armas” a que o Tribunal se encontra vinculado.
v.  Acresce ainda que, como se supra se referiu, a Universidade Nova de Lisboa suscitou o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103°-A do CPTA, estando a senhora Juiza vinculada a decidir tal incidente no prazo máximo de dez dias, o que igualmente não foi objecto de qualquer decisão.
w. Também, nunca foi proferido qualquer Despacho no sentido de as partes se pronunciarem acerca de uma eventual dispensa da produção de prova testemunhal.
x. Prova essa que, num processo de contencioso pré-contratual em que existe uma matéria fáctica de extrema complexidade técnico ou científica, afigura-se como essencial na medida em que a demonstração dos factos alegados, fica inelutavelmente precludida.
y. Se tanto a Ré UNL como a Recorrente arrolaram como testemunhas conceituados professores e outros “experts” com conhecimentos específicos e técnicos sobre a matéria em apreciação no caso sub iudice, consideramos inequívoco que tal produção teria sido essencial no sentido de demonstrar que os requisitos mínimos fixados pela entidade adjudicante seriam cumpridos pela ora recorrente.
z. Destarte, impunha-se nos presentes autos a realização de audiência de discussão e julgamento, para que se pudesse realizar a produção de prova, bem como serem proclamadas as respectivas alegações.
aa. A natureza jurídica da prova testemunhal (tal como a prova pericial ou o depoimento de parte, para referir as mais comuns) obriga a que no domínio do CPTA e ressalvadas as especialidades legalmente previstas (inquirição por deprecada, produção antecipada, etc.), as instâncias de inquirição das testemunhas arroladas decorram em audiência de discussão e julgamento, conforme disposto no art° 604°, n° 3, alínea d) do CPC ex vi, do disposto no artigo Io do CPTA, na medida em que é um regime subsidiário.
ab. Efectivamente, na presente acção de contencioso pré-contratual, a seguir à fase dos articulados, foi desde logo proferida Sentença de mérito, sem se sequer ter sido convocada Audiência Prévia ou proferido Despacho Saneador.
ac. Cabe aqui citar Ihering, “a forma é a inimiga jurada do arbítrio, a irmã gémea da liberdade” mas, ainda que não se votasse pela metáfora da gémea da liberdade - a liberdade, além da forma, tem que se reportar a um conteúdo substantivo concreto ~, não se duvida de que a forma é inimiga do arbítrio, tanto mais que, como é sabido, é através da observância dos requisitos de forma estabelecidos pela lei que o direito adjectivo assegura a tutela da vontade das partes; dito de modo pertinente, “(..) a observância do formalismo estabelecido pela lei torna, se mais, o acto operativo dos efeitos que a lei lhe atribui (..)”, os efeitos são, assim, ex lege e não ex voluntate — In Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo 03029/07, de 19.12.2007, disponível em www.dgsi.pt .
ad. Assim sendo, resulta claro que o Tribunal a quo selecionou apenas per si, qual a matéria de facto dada como assente sem dar possibilidade às partes de discutirem de facto e de direito o objecto da lide, ou no caso de entender não realizar a Audiência Prévia, essa dispensa tinha obrigatoriamente de ser notificadas às partes, nos termos do artigo 87°-B do CPTA, para que, no limite legal, pudessem elas próprias requerer a Audiência Prévia.
ae. Aliás, basta ler com atenção os factos dados como provados pela Senhora Juiza para se verificar que os factos foram apenas o que constam do Processo Administrativo, ou seja Caderno de Encargos, Programa do Concurso, Relatório Preliminar e Final do Júri do Concurso, fazendo tábua rasa de tudo o que foi alegado pela Recorrente, designadamente os documentos e as brochuras técnicas em que se demonstra à saciedade que os simuladores propostos pela Recorrente têm as caracteristicas técnicas mínimas enunciadas no Caderno de Encargos e funcionalmente semelhantes aos escolhidos pelo júri do Concurso.                            
af. Ora, a preterição de todos os actos processuais — violação reiterada da tramitação do processo de contencioso pré-contratual, artigos 102°, 87° a 91° do CPTA — configura a nulidade processual prevista no artigo 195°, n° 1 do CPC, ou seja, a omissão de formalidades que o CPTA prescreve, uma vez que as irregularidades cometidas influiram objectivamente no exame e na decisão da causa.
ag. Assim sendo, deve o Douto Tribunal ad quem anular todos os actos processuais subsequentes aos articulados, repondo a tramitação processual obrigatória prevista para o processo de contencioso pré-contratual.

Da insindicabilidade da discricionariedade técnica na fixação das especificações do caderno de encargos
ah. A questão essencial decidida na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, foi acerca da insindicabilidade da discricionariedade técnica na fixação das especificações do caderno de encargos e na valoração das propostas, no sentido de descortinar se as especificações técnicas do caderno de encargos dos lotes 2, 7, 8 e 28 tiveram o intuito de favorecer a concorrente “S….., Lda.”
ai. No essencial, o Tribunal a quo deveria decidir se o relatório do júri viola ou não o disposto nos arts.49°, n°s 4, 7, 10 a 12 e, consequentemente, se faz ou não uma errada aplicação da alínea b) do n°2 do art.70° do CCP, bem como se foram respeitados os princípios da concorrência, da transparência, da não discriminação e da igualdade;

 Factos:
aj. O concurso público teve por objecto a aquisição de “Equipamento Para Novos Programas de Formação Avançada na área da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente” para a NMS/FCM da UNL.
ak. Como resulta do caderno de encargos e do programa do procedimento o objecto do concurso é “Aquisição de Equipamento para Novos Programas de Formação Avançada Na área da Mulher, da Criança e do Adolescente”, nomeadamente, no tocante aos Lotes 2,7,8 e 28, simulador obstétrico materno-fetal (termo) com bebé incluído; simulador para aprendizagem e treino de competências em ecografia (ginecológica, obstétrica, imagiologia geral e emergência); simulador de ecografia cardíaca e abdominal e equipamento de treino de endoscopia e broncoscopia.                              
al. O critério de adjudicação de cada um dos Lotes era o da proposta economicamente mais vantajosa, na vertente da avaliação qualidade/preço tendo em conta os seguintes factores e respectiva ponderação:

a) Preço da Proposta (PP) — 95%;

b) Prazo de fornecimento (PF) — 5% de acordo com o subfactor seguinte: Prazo de fornecimento do equipamento de acordo com o artigo 20° do Caderno de Encargos.
am. Tendo em conta a lista de concorrentes publicada na plataforma electrónica, bem como das respectivas propostas por Lote, a Recorrente M….. oferecia a melhor proposta para os Lotes 2,7,8 e 28, por aplicação objectiva dos dois critérios de adjudicação — menor preço e mais rápida entrega dos simuladores à adjudicante -, pelo que, a sua proposta era a economicamente mais vantajosa.                                                                           
an. Os simuladores propostos pela Recorrente para os Lotes 2,7,8 e 28 são simuladores de alta-fidelidade, fabricados pela CAE Healthcare, que é a lider mundial na área da simulação médica.
ao. A Recorrente apresentou na sua proposta todas as informações técnicas disponíveis internacionalmente e igualmente todas as brochuras técnicas detalhadas para cada simulador a concurso, tendo demonstrado de forma exauriente a equivalência técnica e funcional dos seus simuladores, relativa aos requisitos técnicos específicos elencados no respectivo Caderno de Encargos.
ap. A Recorrente após a publicação do Caderno de Encargos, e no período devido para suscitar Erros e Omissões, identificou, desde logo, que os equipamentos/simuladores médicos relativos aos Lotes 2,7,8 e 28 tinham correspondência directa com as características técnicas publicadas dos simuladores nos respectivos sítios da internet das marcas Gaumard e Medaphor, representadas pela contra-interessada S….., Lda  a quem os mesmos foram, obviamente, adjudicados.
aq.  Na sua proposta para o Lote 2 a M….. apresentou o simulador de alta-fidelidade modelo Lucina da marca CAE Healthcare, acompanhada da respectiva brochura técnica.
ar. O júri seleccionou para o Lote 2 o simulador da marca Gaumard representada em Portugal pelo único concorrente ao referido Lote, a sociedade S….., Lda, sendo que as características técnicas mínimas obrigatórias descritas no Caderno de Encargos, correspondem “ipsis verbis” às características comerciais da referida marca, como se alcança da simples análise do Website do simulador seleccionado https://www.gaumard.com/s2200-victoria-childbirth-simulator
as. O Caderno de Encargos impunha, especificações técnicas que, objectivamente, excluíam qualquer concorrente, com excepção, curiosamente, do detentor de marca registada (trademark) como acontece com o software UNI™ da marca Gaumard, no caso do simulador materno-fetal (lote 2): https://trademarks.justia.com/862/18/uni-86218571.html .
at. No tocante ao Lote 7 a M….. apresentou na sua proposta o modelo da marca VIMEDIX OB/GYN igualmente do fabricante CAE Healthcare, incluindo a respectiva brochura técnica.
au. O simulador VIMEDIX é utilizado regularmente em Escolas Médicas de referência mundial, tais como, entre outras, Mayo Clinic, Beth Deaconess Medicai Center, Massachusetts General Hospital e, ainda em Portugal, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
av. A reconhecida revista médica “Ultrasound Obstetric Gynecologie (2015; 46, pág. 255-263) fez uma análise comparada entre os simuladores VIMEDIX e SCANTRAINER tendo concluído pelo seu desempenho equivalente, mas realçando que o VIDEMIX é referenciado em mais estudos publicados em revistas científicas internacionais do que o SCANTRAINER MEDAPHOR.
aw. A M….. apresentou na sua proposta para o Lote 8 o simulador de ecografia cardíaca e abdominal do modelo Vimedix, enquanto que o simulador proposto pela concorrente S….. foi o modelo Heartworks do fabricante Medaphor.
ax. Basta pesquisar no site da própria Medaphor — https://www.medaphor.com/content/uploads/2018/10/Echocardiography-Simulation-%-E2%80%93-A-powerful-educational-tool.pdf  - um artigo do Dr. Nick Fletcher em que se reconhece cientificamente que o simulador Vimedix é uma das referências internacionais dos simuladores de ecografia cardíaca e abdominal, com total equivalência funcional e de desempenho educacional ao Heartworks.
ay. Quando o caderno de encargos estabelece como condição técnica mínima a “segmentação das estruturas cardíacas em mais de 130 partes independentes e vísiveis de forma a compreender a anatomia e função cardíaca de cada uma delas”, sabe de forma premeditada que tal característica é exclusiva da marca Medaphor, modelo HeartWorks, por a ter adquirido, com exclusivo, à empresa GlassWork.
az. No Anexo I do Caderno de Encargos e relativo ao Lote 28 (Treino de Endoscopia e Broncoscopia) refere-se como características técnicas mínimas obrigatórias, entre outras, alínea f) Endoscópio tipo Pentax ECS-3840F — Endoscopia Digestiva Alta e Baixa; alínea g) Endoscópio tipo Pentax ED 3440T - CPRE/Ecoendoscopia; alínea h) Endoscópio tipo Pentax EB- 1830T3 — Broncoscopia; porém na identificação do referido modelo não está referida expressamente a palavra “equivalente”; bem como, a evidente transcrição das características técnicas específicas do simulador da marca Simbionix, representada pela única concorrente aceite a já identificada S…...
ba.  M….. concorreu com o simulador EndoVR e foi excluída do concurso por não ter as características técnicas mínimas obrigatórias das alíneas h) e 1) do Lote 28 do Caderno de Encargos.
bb. Também aqui, e de acordo, com a respectiva brochura técnica, o simulador EndoVR apresentado pela M….. tem plena equivalência ou equiparação funcional com as características técnicas enunciadas no Caderno de Encargos.
bc. O simulador proposto pela Recorrente foi excluído pelo júri por o simulador EndoVR não estar acreditado pela AABIP, tal como era exigido no Caderno de Encargos.
bd. Sucede que, a referida AABIP não tem qualquer processo formal ou institucional de acreditação de simuladores ou módulos educativos na área da broncoscopia, em que é especializada.
be. A referida AABIP celebrou em 2010 um acordo de colaboração com a marca Simbionix para a concepção de um módulo designado “Bronchoscopic Essencial Skills” que, curiosamente foi traduzido para o caderno de encargos como “ módulo de Broncospia Essencial”;
bf. Esta característica serviu para excluir qualquer concorrente ao Lote 28, com excepção, claro, do simulador Simbionix, comercializado exclusivamente pela S…...
bg. E, igualmente como se provou, o “currículo padronizado do CHEST” é, mais uma vez, uma referência a uma parceria comercial da marca Simbionix estabelecida em 2016 com a CHEST — American College of Chest Physicians, e que tem como objectivo estruturar a componente educacional básica do modelo BronchMentor da marca Simbionix.
bh. A M….., como se demonstra à saciedade nos factos alegados, provou de forma adequada e suficiente que as soluções e as especificações técnicas dos seus simuladores satisfazem de modo equivalente e, nalguns casos, até ultrapassam as exigências funcionais fixadas no cadernos de encargos.                                                                                 I
bi. É facto notório e conhecido, de que existem Centros de Simulação Médica e actividades de simulação médica envolvendo simuladores/equipamentos semelhantes aos do concurso em questão há vários anos em Lisboa, Porto e Coimbra, como se comprova pelas declarações juntas aos autos.
bj. Faculdades que, com equivalente conhecimento técnico-científico e reconhecimento “Ouro” pelo Ministério da Saúde, adquiriram através dos competentes procedimentos de Contratação Pública, os simuladores médicos ora rejeitados pela FCM-UNL.
bk. Simuladores e equipamentos rejeitados pelo Júri do concurso da FCM- UNL apesar de serem as propostas com menor preço e menor prazo de entrega conforme se definia nos critérios únicos do Programa de Concurso.

Do Direito;
bl. No entendimento da ora Recorrente, é nítido que a sujeição de todos os proponentes às mesmas circunstâncias e condições técnicas do concurso, em igualdade de tratamento e de oportunidade, é a forma de promover a concorrência, e é uma regra fundamental e basilar nos procedimentos de contratação pública.
bm. Neste caso concreto, o júri, não obstante a sua larga experiência profissional e académica, sabia de forma consciente que as características técnicas mínimas obrigatórias descritas para os lotes 2,7,8 e 28 eram a forma encapotada e dissimulada para que os simuladores da concorrente S….. fossem os escolhidos, com exclusão de todos os outros concorrentes, em violação flagrante e notória do princípio do “favor participationis”.                          
bn. Aliás, o júri por ter acesso a todas as propostas apresentadas bem sabia que a proposta da M….. em relação aos Lotes referenciados era a economicamente mais vantajosa, em virtude de ter o preço mais baixo, e o melhor prazo de entrega.
bo. Ora, o que sucedeu foi que a forma como foram definidos os parâmetros base dos Lotes 2,7, 8 e 28 teve o intuito de favorecer o concorrente S….., Lda. que, com a exclusão de todos os outros, ficou como único operador económico ao fornecimento dos bens dos aludidos Lotes.
bp. O Júri reconhece no seu Relatório Final que os simuladores da M….. e da S….. eram funcionalmente equiparáveis.                                                                
bq. Aliás, é entendimento uniforme que a entidade adjudicante não pode escolher livremente as especificações técnicas do caderno de encargos, uma vez que o artigo 49º nº 4 do CCP não lhe dá essa discricionariedade.
br. Como refere Jorge Andrade e Silva “Restrições à inclusão no caderno de encargos de especificações técnicas, proibindo as que pela sua natureza, possam ter um efeito discriminatório e, portanto, impeditivo do livre acesso aos procedimentos adjudicatórios.”
bs. Também a nossa jurisprudência, tanto do Tribunal de Contas, como dos Tribunais Administrativos, tem decidido que “A existência de divergências, entre o exigido no caderno de encargos e o apresentado na proposta do adjudicatário, não constitui fundamento de exclusão da proposta, no caso de esta não apresentar atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos, se o concorrente demonstrar, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas naquela peça do procedimento relativamente às especificações técnicas, (vide TdC T Secção Processo n° 20/10 de 6 de Julho de 2010; Acórdão do TCAS de 23/02/2012, processo nº 08433/12; TCAS processo nº 7952/11 de 27 de Outubro de 2011; TACS processo n° 8648/12 de 12 de Abril de 2012.
bt. A vontade adjudicatória da Ré UNL não se confunde com “livre alvedrio do orgão adjudicante” na selecção das especificações técnicas a incluir no caderno de encargos. (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo esteves de Oliveira, in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pág. 363).
bu. Resulta à evidência que à entidade adjudicante não é atribuída liberdade plena para a fixação das especificações técnicas — Princípio da Neutralidade Concorrencial da Intervenção Pública do Mercado.
bv.  A Ré UNL de forma clara e sugestiva, decalcou os elementos descritivos e característicos dos simuladores/equipamentos da concorrente/operadora S.…., Lda. rigidificando ostensivamente as especificações técnicas do caderno de encargos, e com isto, violou de forma flagrante os princípios basilares e constitucionais da contratação pública da igualdade e da concorrência.
bw. Discorda-se, diametralmente, quando a Sentença ora recorrida afirma que: “Quanto à invocada insindicabilidade da valoração das propostas não podemos esquecer que a avaliação das propostas é considerada uma actividade que se enquadra no âmbito da actividade discricionária da administração no domínio da denominada “justiça administrativa”, e em que os limites da sua sindicabilidade contenciosa restringem-se às situações de legalidade externa, ao erro grosseiro ou manifesto ou, então, quando estejam em causa princípios gerais a que deveria obedecer qualquer procedimento administrativo. O que quer dizer que se, como regra, podemos afirmar a insindicabilidade contenciosa da decisão de avaliação e valoração das propostas por parte do júri do concurso quando ela decorre da “livre apreciação” ou de “prerrogativa de avaliação” sobretudo em domínios de especialização técnica, também podemos ter como certo que aqueles actos valorativos, bem como a actividade administrativa que lhe está a montante, são judicialmente impugnáveis desde que estejam feridos por vícios decorrentes da violação dos princípios gerais que enforma a actividade administrativa ou por erro grosseiro ou manifesto
bx.  A actividade da Entidade Adjudicante tem que ser escrutinada, independentemente da sua complexidade técnica, não apenas em situações de legalidade externa, de erro grosseiro ou manifesto, ou quando estejam em causa princípios gerais a que deveria obedecer qualquer procedimento administrativo.
by.  Face à evolução do mercado, a complexidade técnica-científica que se impõe não é tão elevada ou inovadora, que não permita que existam ou sejam desenvolvidas outras soluções.
bz. Tudo isto em respeito ao consagrado no Considerando (74) da Diretiva 2014/24/EU. ao disposto no artigo 42° da mesma Directiva.
ca. Para além destes normativos legais em apreciação e, considerando o já analisado artigo 49.° do CCP, temos que, nos termos do artigo 70°, n° 2 do CCP, alínea b) são excluídas as propostas cuja análise revele: “Que apresentem atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuizo do disposto nos nºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49º”.
cb. De acordo com os preceitos legais ressalvados na parte final da referida alínea, não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respectivos bens ou serviços com especificações técnicas de referência, fixadas no caderno de encargos, desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações, ou que a obra, o bem ou serviço cumpre normas técnicas ou cumpre exigências funcionais fixadas no caderno de encargos.
cc. Como diz Miguel Assis Raimundo, em “A formação dos contratos públicos — uma concorrência ajustada ao interesse público, AAFDL, 2013, págs 810 ss: “O caderno de encargos pode conter ainda, se se justificar, especificações técnicas autónomas (art. 49º/1 CCP). As especificações técnicas cumprem, para prestações que o requeiram, uma tarefa de definição do objecto contratual requerido pela entidade adjudicante. No entanto, também o “desenho” de especificações técnicas de forma a limitar excessivamente a concorrência sempre foi encarado como um dos modos de defraudar as exigências de concorrência e por isso cedo se procurou limitar a sua eficácia. As directivas de 2004foram mais longe do que as suas antecessoras na regulação do problema, prevendo, pela primeira vez, um princípio até aqui apenas implícito, segundo o qual as especificações técnicas não podem ter um efeito discriminatório. Têm preferência as especificações técnicas normalizadas produzidas a nível internacional ou europeu recolhidas por normas nacionais, pela sua maior amplitude, em detrimento de especificações de âmbito local ou especificamente criadas pela entidade adjudicante; e admite-se o cumprimento de especificações equivalentes. (...) As especificações técnicas também não podem ser formuladas de forma fechada e identificando particulares modelos, marcas, fabricantes, antes devem ser formuladas de modo funcional, sendo essa regra apenas excepcionada nos casos em que não seja ‘'possível” elaborar especificações técnicas suficientemente precisas e seja necessário identificar algum bem em concreto, e mesmo nesses casos é permitida a apresentação de propostas com bens onde se demonstre o cumprimento das funções desse bem (art. 49º/12 e 13 CCP).
cd. Desta forma, sinteticamente, pode dizer-se que os principais traços deste regime são a proibição expressa de “rigidificação” das especificações técnicas: as normas, as certificações, etc., valem como presunção de conformidade com as características exigidas, mas não pode afastar-se uma proposta com fundamento na circunstância de os bens em questão não se conformarem com determinadas especificações, se o concorrente demonstrar de forma adequada e suficiente que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas nas especificações.
ce. Como afirmam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública. Almedina/2011. pág.363: “A seleção das especificações técnicas a incluir no caderno de encargos não é uma tarefa do livre alvedrio do órgão adjudicante (a quem cabe a aprovação das peças do procedimento), estando juridicamente sujeita a determinados requisitos legais. Pode, por um lado, estar sujeita à observância de uma escala hierárquica de normalização técnica - ou, como diz a lei, das especificações técnicas de referência — desenhadas nas alíneas a e b) do art 49º/2 do CCP com a seguinte ordenação decrescente: - a regras técnicas nacionais que sejam obrigatórias, desde que compatíveis com o direito comunitário; (...) Assinala-se todavia que a própria lei, nas alíneas a) e b) do art° 49.2., dispõe — em defesa do princípio geral da concorrência — que as prescrições técnicas formuladas por remissão para essas regras, normas, homologações, especificações e referenciais devem ser sempre acompanhadas da menção “ou equivalente”, alternativa que deve ler-se como respeitando às características ou exigências funcionais da especificação em causa (não a esta mesma). É o que resulta claramente do facto de o n° 4 desse artº 49 permitir que o concorrente que não tenha oferecido obras, produtos ou serviços com as prescrições técnicas exigidas nas tais especificações de referência venha demonstrar que “as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações”, xis especificações técnicas do caderno de encargos podem também ser descritas — como se prevê na alínea c) do art° 49.2 do Código — por referência não a produtos ou serviços normalizados, mas ao seu desempenho ou exigências funcionais, quando tais características sejam suficientemente precisas para determinação do objeto do contrato e escolha da proposta adjudicatária. Aqui, como contrapartida do que se passa no caso anterior com a permissão de apresentação “equivalente”, permite-se aos concorrentes que ofereçam nas suas respetivas obras, bens ou serviços conformes com as especificações de referência, desde que estas respondam às exigências funcionais das prescrições técnicas do caderno de encargos, cabendo-lhe porém fazer prova adequada e suficiente  dessa correspondência. As duas referidas modalidades de seleção e descrição das especificações técnicas devem considerar-se alternativas, sem precedência de qualquer uma delas, como o inculcam a alínea d) do n° 2 do art 49 e o respetivo n° 3. Neste último, o legislador previu que pudesse usar-se simultaneamente os dois processos, definindo-se no caderno de encargos algumas características do produto ou serviço a contratar por referência a especificações normalizadas, outras através das exigências relativas ao seu desempenho funcional e ambiental.”
cf.  Neste conspecto, facilmente se conclui que mal andou a Sentença ora recorrida ao ajuizar, indevidamente, que a Entidade Adjudicante UNL actuou dentro dos limites da discricionariedade administrativa, e ao considerar que os critérios e características técnicas fixados pela mesma não estão submetidos à concorrência, uma vez que ficou claramente demonstrado e confessado que os simuladores que a ora Recorrente submeteu a Concurso possuem condições e requisitos técnicos, no mínimo, equivalentes aos dos descritos no Caderno de Encargos.                 
cg. Tal facto permitiria tirar a conclusão lógica de que a proposta apresentada pela Concorrente M……. Lda. não podia ter sido excluída do Concurso Público, concretamente no que diz respeito aos lotes 2, 7, 8 e 28,
ch. Tendo como consequência que a sua proposta, por ser a economicamente mais vantajosa, bem como com os melhores prazos de entrega dos equipamentos, teria que ser considerada como vencedora.
ci. Na verdade, a realização de procedimentos concorrenciais e não discriminatórios protege ainda o interesse financeiro de escolha das propostas que melhor e mais económica e eficientemente se ajustam às necessidades públicas, acautelando a adequada utilização da despesa pública.
cj. Igualmente a Sentença proferida pelo Tribunal a quo afirma que “Como vimos, a regra geral é a da proibição de fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinado, a um processo especifico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens (cfr. n°8 do art.49° do CCP e primeira parte do n°8 do artigo 23° da Directim 2004/18/ CE). Porém, o legislador criou, em concomitância, um regime de excepção que admite as sobreditas referências, nomeadamente, a marcas ou modelos, desde que acompanhadas da menção “ou equivalente”, no caso “de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objecto do contrato” (cfr. segunda parte do n°8 do artigo 23° da Directiva 2004/18/ CE) ou, como transposto para o n°9 do artigo 49° do CCP, “no caso de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objecto do contrato nos termos do n°7, devendo, no entanto, ser acompanhada da menção “ou equivalente”. No caso em apreço, as características técnicas obrigatórias de cada um dos equipamentos, que constituem cada um dos lotes, foram definidos pela FCM \ UNE de acordo com o seu desempenho, funcionalidade e objectivos específicos programáticos estabelecidos para o Centro de Simulação em termos funcionais e formativos no âmbito do curso de Mestrado Integrado em Medicina. Atendendo ao tipo de bens em causa no referidos lotes 2, 7, 8 e 28 e â impossibilidade de não ser possível fixar uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objecto do contrato a ED optou, quanto a um desses equipamentos, por recorrer ao mecanismo de cariz excepcional previsto no n° 9 do art.49° do CCP, conduta essa que não se vislumbra ser merecedora de censura. ”
ck. A primeira parte deste excerto até enquadra bem a questão in judice, mas parte de um pressuposto erróneo, na medida em que, se a Entidade Adjudicante “decalcar” os requisitos técnicos obrigatórios da descrição dos bens apresentados a concurso por um dos concorrentes, como aconteceu nítida e claramente com a Ré S….., Lda., ficam irremediavelmente prejudicados os princípios da concorrência, da transparência e da não discriminação.
cl. LLLL-Como tal, existe na Sentença proferida pelo Tribunal a quo uma errónea aplicação ao caso sub iudice dos preceitos previstos no CCP, nomeada e concretamente os n.°s 4, 9 e 12 do artigo 49°, bem como do previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 70° do mesmo diploma legal.
cm. O artigo 1º - A do CCP refere que “na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios gerais decorrentes da Constituição (vide artigo 266°, n° 2 da CRP e artigo 3º do CPA), dos Tratados da União Europeia e do Código do Procedimento Administrativo, em especial os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da proporcionalidade, da boa-fé. da tutela da confiança, da sustentabilidade e da responsabilidade, bem como os princípios da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação”.
cn. O artigo 132º, nº 4 do CCP (aprovado pelo Decreto-Lei n° 18/2008, 29 de janeiro), dispõe que “o programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência”.
co. “Impedir, restringir ou falsear a concorrência”, significa, essencialmente impor, com as regras específicas, ónus aos participantes do concurso que, pelo seu peso, ponham em causa a sua participação em condições de igualdade.
cp. O princípio da concorrência, ou melhor da igualdade concorrencial, visa assegurar que os procedimentos sejam organÍ2ados no sentido de garantirem a igualdade de acesso aos potenciais interessados e que as suas regras garantam a igualdade de tratamento aos vários participantes.
cq. A Directiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Fevereiro de 2014, estipula no n° 1 do artigo 18° , que “os concursos não podem ser organizados no intuito de não serem abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente directiva ou de reduzir artificialmente a concorrência. Considera-se que a concorrência foi artificialmente reduzida caso o concurso tenha sido organizado no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos”.
cr. Da análise e interpretação das normas do Programa do Concurso e fundamentalmente do Caderno de Encargos, tudo indicia que as regras específicas deles constantes têm como objectivo reduzir a concorrência entre os operadores interessados, em benefício do concorrente S….., Lda.
cs. Ao excluir as propostas da Concorrente M…..., Lda., o júri, e subsequentemente a Sentença ora recorrida, violou todos estes princípios e normativos legais acima mencionados, para além do princípio da concorrência, o qual tutela não apenas a posição dos operadores económicos mas também o interesse público, na medida em que a proposta economicamente mais vantajosa tem um inequívoco benefício financeiro para o Estado.
ct. As causas de exclusão significam uma restrição à concorrência, tal como aliás se defende no Ac. Do TCA Norte, de 5 de junho de 2015, proc. n° 475/14.0 BE VIS “ a exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível de leques de propostas. Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei ('tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica.”
cu. Aliás, sobre esta temática e, na esteira da nossa melhor jurisprudência, poderemos sempre nos socorrer da análise dos seguintes Acórdãos: Processo 07952/11, Tribunal Central Administrativo Sul [27.10.2011]; Acórdão n.° 40/2010, Tribunal de Contas [03.11.2010]; Acórdão do TJUE de 22.10.2015 (Proc. C-552/13); Troe. n.° 00223/10.4BEMDL, de 18.03.2016, TC AN; “Proc. n.° 03536/14.2BEPRT, de 18.07.2016 TC AN; Proc. n.° 03661/15.2BEBRG; TC AN de 11.02.2015, Proc. n° 00630/13.0BEVIS; Todos eles disponíveis em www.dgsi.com
cv. A sentença recorrida violou, por manifesta deficiência interpretativa, o disposto nos artigos 1°-A, artigo 49°, n°s 4, 7, e 9 a 12, artigo 70° n° 2 alínea b), 132°, n° 4 e artigo 146°, alínea o) todos do CCP e, ainda, o artigo 266°, n° 2 da CRP.

Nestes termos e nos melhores de Direito, tendo em consideração o supra alegado, deve ser o presente Recurso de Apelação ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência:

a) Ser julgada procedente a invocada nulidade prevista nos n°s 1 e 2 do artigo 195° do CPC, aplicável ex vi artigo l.° do CPTA, por omissão da normal tramitação processual do processo de contencioso pré-contratual, anulando-se todos os actos practicados após a apresentação dos articulados em juízo, retomando-se a normal tramitação dos autos;

b) Caso assim não se entenda, e sem prescindir, deverá dar-se provimento ao Recurso, revogando a Sentença recorrida no sentido de ser admitida a proposta da Recorrente M…..,LDA, aos lotes 2, 7, 8 e 28 do Concurso Público n°0009/FCM-UNL/2018, por errónea interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis dos artigos  , artigo 49°, n°s 4, 7, e 9 a 12, artigo 70° n° 2 alinea b), 132°, n° 4 e artigo 146°, alínea o) todos do CCP, e, ainda, o artigo 266°, n° 2 da CRP, bem como por violação manifesta dos Princípios da Concorrência, da Igualdade de Tratamento e da Transparência e demais princípios vigentes na Justiça Administrativa, considerando a proposta como não excluída e avaliada em primeiro lugar por se tratar objectivamente da proposta economicamente mais vantajosa, como resulta dos elementos constantes do Processo Administrativo. Assim fazendo V. Ex.as a sã e costumada Justiça.


*

  A contra-interessada S….. Lda. contra-alegou, concluindo como segue:


1. A A. veio interpor recurso de apelação da douta sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, o e com efeito suspensivo, mas Tribunal de Recurso territorialmente competente é o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos dos n.°2 do artigo 31.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais(Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro, última versão dada pelo DL n.° 214- G/2015, de 02/10), e do n.°2 artigo 2.° do DL n.° 325/2003, de 29 de Dezembro (Sede, Organização e Área de Jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais), com a última versão do DL n.° 190/2009, de 17/08).
2. Verifica-se assim uma incompetência do tribunal de recurso, que constitui uma incompetência relativa, de acordo com os artigos 102.° e 108.° do CPC, aplicáveis ex vi artigo l.° do CPTA.
3. Neste sentido, a ser admitido o recurso pelo Tribunal a quo, o Tribunal de Recurso competente para a sua apreciação é o Tribunal Central Administrativo Sul.
4. Quanto ao efeito do recurso deverá ser atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do n.° 3 do artigo 143.° do CPTA, atendendo ao interesse público em presença.
5. Está aqui em causa a candidatura da entidade pública a financiamentos comunitários (programa PORTUGAL 2020) essenciais à subsistência do projecto do centro de simulação da Ré Universidade Nova, e financiamentos que obedecem a cumprimento de prazos, pelo que a suspensão dos efeitos da sentença é assim inevitavelmente passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos em causa.
6. Também estão em causa interesses privados da contra-interessada (já outorgou o contrato com a entidade pública no dia 2 de Novembro de 2018, e que inclui os Lotes 2, 7, 8 e 28,) que procedeu já, no cumprimento do contrato, à encomenda dos equipamentos cujo valor contratual total ascende a € 901.966,96, e prestou há muito caução no valor de 45.098,35€.
7. A. A. vem alegar a nulidade do processo, mas não existe qualquer fundamento.
8. A Apelante vem alegar em sede de recurso a inexistência de audiência prévia mas a mesma não tinha de se verificar no processo.
9. A audiência prévia no âmbito do CPTA, ao contrário do CPC, é facultativa, como decorre do n.° 1 do artigo 87.°-A do CPTA.
10. Não houve também a invocação pelas partes de qualquer excepção dilatória.
11. As partes invocaram sim a caducidade do direito de impugnação das peças do procedimento, ao qual a A. respondeu na Réplica.
12. A tentativa de conciliação também não ocorreu, não só porque o Juiz a teria de considerar oportuna, ou as partes conjuntamente o terem requerido, o que em nenhum dos casos se verificou.
13. A produção de prova testemunhal pretendida pela A. visava a emissão de opiniões subjectivas das suas testemunhas que mantêm estreitas relações com a A.
14. As testemunhas não podem estabelecer os objectivos pretendidos e nem definir o padrão exigido pela entidade pública Universidade Nova de Lisboa para a sua formação, nem qual o material que deveria adquirir ou indicar características mínimas que cumpram as suas necessidades formativas.
15. Os equipamentos da A. teriam de estar aptos para determinadas funções exigíveis e necessárias para o tipo de formação que a Ré Universidade Nova pretende ministrar e não quaisquer outras.
16. A própria A. contribuiu para atrasos do processo, através de expedientes dilatórios com requerimentos inúteis que deturpavam a realidade dos factos e visavam criar confusão quanto ao entendimento claro sobre os prazos de candidatura.
17. Tal conduta ilegítima e abusiva da A, está plasmada no seu Requerimento do dia 21/01/2019 no qual se pronuncia, mal, sobre o terrminus do período de 12 meses de execução material e financeira da operação de financiamento dos Fundos Comunitários,
18. E no seu Requerimento de 18 de Fevereiro de 2019, sem qualquer fundamento ao abrigo exercício do contraditório, pois discorreu comentários sobre o visto do Tribunal de Contas, que não lhe competia, nem estava aqui em análise nos autos.
19. Neste último requerimento a A. aproveitou também para novamente tentar confundir o Tribunal a quo sobre os prazos da candidatura da entidade pública a financiamentos comunitários, e de retirar a notória lesão do interesse público em presença.
20. Pelo exposto, também inexiste ou inexistiu qualquer preterição de actos processuais, sendo que tais actos alegados pela A. eram facultativos, tendo sido cumprida a tramitação do processo de contencioso pré-contratual, não se verificando consequentemente qualquer nulidade, mormente a do disposto no n° 1 do artigo 195° do CPC.
21. Na questão suscitada da insindicabilididade da discricionariedade da entidade pública a douta sentença concluiu também bem, determinando que a regra era a insindicabilidade contenciosa da decisão de avaliação e valoração das propostas por parte do júri do concurso quando ela decorre da "livre apreciação" ou de "prerrogativa de avaliação" sobretudo em domínios de especialização técnica.                                
22. Concluiu ainda o Tribunal a quo que "inexistiram os vícios alegados pela A. respeitantes a aspectos legalmente vinculados do procedimento - designadamente, o desrespeito dos requisitos exigidos na fixação das especificações técnicas do caderno de encargos (com o intuito de favorecer a concorrente "S….., LDA."), bem como o desrespeito pelos princípios da concorrência, da não discriminação e da igualdade."
23. Atendendo ao tipo de bens em causa no referidos lotes 2, 7, 8 e 28 e à impossibilidade de não ser possível fixar uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objecto do contrato a ED optou, quanto a um desses equipamentos, por recorrer ao mecanismo de cariz excepcional previsto no nº 9 do art. 49º do CCP, conduta essa que não se vislumbra ser merecedora de censura.
24. No concurso público a entidade também fixou para os 37 lotes as respectivas características técnicas mínimas obrigatórias (as especificações técnicas e exigências funcionais mínimas de cada equipamento), de forma aberta e acordo com aquilo que pretende para o desempenho funcional de cada equipamento
25. e visando sempre o objectivo de uma formação completa, rigorosa e adequada/ igual a realidade vivida no exercício da profissão.
26. Os requisitos mínimos enunciados pela entidade pública são os que se coadunam ao correcto desempenho e objectivos de aprendizagem visada pela formação da entidade pública, e em conformidade com o artigo 49.° do C.C.P.
27. No caso em apreço, as características técnicas obrigatórias de cada um dos equipamentos, que constituem cada um dos lotes, foram definidos pela FCM' UNL de acordo com o seu desempenho, funcionalidade e objectivos específicos programáticos estabelecidos para o Centro de Simulação em termos funcionais e formativos no âmbito do curso de Mestrado Integrado em Medicina.
28. A contra-interessada, ora recorrida, cumpriu esses requisitos e a A. não.
29. De facto, para o lote 2 a A. não apresentou um simulador obstétrico materno-fetal com a característica mínima de "Tecnologia de comunicação Teatherless por radiofrequência (não WIFI) sem interferências WIFI e possibilidade de controlo até 30 metros" mas a contra-interessada sim.
30. A exigência de comunicação por cabo do equipamento (simulador obstétrico materno-fetal da A.) e não wi-fi reside no facto de, como é natural numa sala de formação onde vão estar equipamentos a funcionar em simultâneo, quer sejam estes ou outros, haverá interferência se funcionarem por WIFI
31. e de a sua utilização também em ambiente real (bloco de partos) pode comprometer dispositivos periféricos pondo em causa a segurança de pacientes reais, pelo que o seu desempenho é posto em causa.
32. O manequim de grávida exigido também no lote 2 tinha de ter, de acordo com os requisitos técnicos, uma pele ultra realista, suave e flexível com articulações sem costura, como apresenta o da contra-interessada.
33. Estas características ilustram a durabilidade que se pretende num manequim destes, que será alvo de variadíssimos manuseamentos pelos formandos.
34. O realismo é um dos pilares basilares de um ensino baseado em simulação: http://nursingeducation.lww.com/bIog.entry.html/2018/09/19/increasing_fidelity-zEj0.html
35. O manequim Lucina apresentando pela A. apresenta características que em nada contribuem para a durabilidade do mesmo, pois tem uma pele realista, que é sensível, susceptível de deterioração nas zonas de flexão com os sucessivos manuseamentos a que estará sujeita, para além das costuras desnecessárias para o efeito pretendido por um manequim, pois a sua existência implica o seu óbvio rompimento.                                             
36. Por outro lado, só o simulador da contra-interessada para este lote 2 faz o reconhecimento automático dos fármacos na verdadeira acepção do conceito e com autonomia, diferentemente do que acontece com o simulador Lucina da A..                  
37. Tal ausência de reconhecimento automático dos fármacos condiciona a aprendizagem correta, pois o formando terá sempre de indicar qual o medicamento que vai injectar e o simulador aceita sempre essa indicação, podendo estar a indicar erradamente, comprometendo o procedimento.
38. O simulador da A. não faz também verdadeiramente o pretendido pela entidade pública no requisito de integração com equipamento clínico real.
39. A característica presente no do simulador da A. faz com que haja necessidade sempre de se recorrer a mecanismos para obter o objectivo de medição com esfigmomanómetro real, como seja ligação ou adaptação dos equipamentos periféricos, pondo em causa o seu correto desempenho.
40. O simulador apresentado pela A. para o lote 7 para aprendizagem e treino de competências em ecografia (ginecológica, obstétrica, imagiologia geral e emergência) da A. (o simulador Videmix), e contrariamente ao do contrainteressado, não recorre verdadeiramente a imagens reais, pois sintetiza-as (imagens de bonecos animados ou gerada por 3D).
41. No lote 8 o simulador apresentado pela contrainteressada não foi o modelo Heartworks mas o modelo BodyWorks Eve, que cumpre todos os requisitos mínimos exigidos pela entidade pública, contrariamente ao simulador da A, o simulador Vimedix.
42. O artigo citado pela A. do Dr. Nick Fletcher explica que ambos os simuladores (o da A. e o Heartworks) são uma referência internacional: "The most widely used commercially available models are Heartworks (Inventive Medicai, London, UK) and Vimedix (CAE Healthcare, Quebec, Canada)", mas mais à frente o mesmo autor deste artigo(Dr. Nick Fletcher) esclarece a superioridade do simulador Heartworks face ao simulador Vimedix da A.: "A recent study has gone further and demonstrated that in the same context, the Heartworks simulator is superior to in-theatre clinical echocardiography teachíng for the acquisition of basic TEE knowledge(4)
43. Ora funcionalmente é perfeitamente apreensível que não seja pretendido por uma entidade formadora, a utilização do mesmo equipamento para diferentes tipos de imagiologia, a ginecológica por um lado, e cardíaca por outro, pois estamos perante duas especialidades distintas da medicina, que requerem aparelhos imagiológicos diferentes e com especificidades adequadas à especialidade, e assim será também requisito para os aparelhos que os simulam.
44. No lote 28 o simulador GI Mentor proposto pela contra-interessada cumpre todos os requisitos mínimos exigidos, sendo utilizado e reconhecido como de excelência pela Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, conforme documento nº l junto aos autos.
45. A A. neste lote foi excluída, por não ter cumprido os requisitos de acreditação da Associação Americana de Broncologia e Pneumologia Intervencionista, a AABPI (alínea 4 h) do lote 28), e de falta de currículo padronizado do Chest (alínea 4 1) do lote 28).
46.  A A. invoca o favorecimento da contra-interessada, alegando que aquelas especificações técnicas, por se tratarem da reprodução literal das publicações comerciais dos simuladores médicos representados pela contra-interessada foram definidas com o intuito de favorecer esta, com a exclusão de todos os outros.                                                                      
47. Ora a A. manifestamente venceu nos outros lotes onde a exigência de requisitos mínimos pela entidade assentou em requisitos que apenas os equipamentos apresentados pela A. cumpriam, por características que apenas as marcas, dos representantes da A. detinham.           
48. E assim manifestamente abusivo e inaceitável tal invocação de favorecimento da contrainteressada, que é falso.
49.  Atenta a boa decisão do Tribunal a quo "Ora, na fixação das especificações técnicas, a entidade contratante goza de uma certa margem de discricionariedade, tal como decorre do previsto no citado artigo 49º do CCP, que evidentemente se enquadra nos parâmetros legais que aí se encontram definidos.
50. A este propósito vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19/06/2014, processo n.° 11153/14, in http://www.dgsi.pt/
51. A fixação das especificações técnicas pela entidade pública assenta num conjunto de características, que entende, de acordo com a sua experiência, conhecimento técnico e científico, acreditações e reconhecimentos comprovados de entidades internacionais, serem essenciais no desempenho funcional dos equipamentos, e para o fim a que se destinam: uma formação de excelência e aproximada dos cenários reais.
52. A entidade pública não pode ser condicionada e obrigada a optar por equipamentos com base naquilo que outra entidade pública portuguesa possa ter de equipamentos, ou definir os seus padrões de escolha e métodos de ensino, com base naquilo que a A. considera, na sua perspectiva, ser o melhor (porque servem os interesses da A.).
53. Tal como é sufragado no Acórdão do TCAN de 09/09/2016, processo 00034/15.0BEAVR: "À entidade adjudicante pertence, para prossecução das suas atribuições, a definição do que melhor se possa adequar à satisfação das suas necessidades - posto que aípresida racionalidade, e não arbitrariedade - , não ficando inibida na contratação por no mercado, e no momento, um único operador económico poder cumprir com a especificação técnica definida'', (., ,)Todavia, não deixa de pertencer-lhe, para prossecução das suas atribuições, a definição do que melhor se vossa adequar à satisfação das suas necessidades.(..) O que não se pode pedir é que aquela prescinda da prerrogativa de escolha do que entenda que melhor se possa adequar à satisfação das suas necessidades, por só um único operador actuar no mercado em condições de as satis fazer  e que este apresente proposta para satisfação dessa necessidade.
54. O que significa que pode prever especificações técnicas como as agora em causa, exigindo características técnicas e funcionais mínimas obrigatórias, sem que sequer haja qualquer indicação quanto a elementos de fabricante e modelo, com excepção da referência a «Endoscópio tipo Pentax», sendo que ao expressamente «tipo Pentax», o mesmo é dizer «ou equivalente».
55. Tal como decido pelo Tribunal a quo "No caso em apreço, as características técnicas obrigatórias de cada um dos equipamentos, que constituem cada um dos lotes, foram definidos pela FCM | UNL de acordo com o seu desempenho, funcionalidade e objectivos específicos programáticos estabelecidos para o Centro de Simulação em termos funcionais e formativos no âmbito do curso de Mestrado Integrado em Medicina. Atendendo ao tipo de bens em causa no referidos lotes 2, 7, 8 e 28 e à impossibilidade de não ser possível fixar uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objecto do contrato a ED optou, quanto a um desses equipamentos, por recorrer ao mecanismo de cariz excepcional previsto no n° 9 do art.49° do CCP, conduta essa que não se vislumbra ser merecedora de censura.
56. A entidade pública também em momento algum do procedimento restringiu a concorrência ou violou princípios da concorrência, da não discriminação e da igualdade , como ficou decidido, e bem, na douta sentença.
57. Por conseguinte, não existe qualquer nulidade processual, mormente a prevista nos n°s 1 e 2 do artigo 195° do CPC, aplicável ex vi artigo l.° do CPTA,
58.  nem a douta sentença violou o disposto nos artigos 1º-A, artigo 49°, n°s 4, 7, e 9 a 12, artigo 70° n° 2 alinea b), 132°, n° 4 e artigo 146°, alínea o) todos do CCP e, ainda, o artigo 266°, n° 2 da CRP.
59. Caso o entendimento deste Tribunal seja outro, procedendo o alegado pela Apelante no seu recurso, o que só por mera hipótese se afigura, sempre se dirá que quanto à questão da caducidade do direito de impugnação das peças do procedimento, a que a A. também se pronuncia no seu recurso (primeiro parágrafo da página 11 do seu recurso), a mesma não foi, no nosso entendimento, bem decidida pelo Tribunal a quo.
60. Ora a A. intentou o presente acção no dia 1 de Novembro de 2018, dia feriado, e antes dessa data, tanto a A,, adjudicatária de alguns lotes, como a contrainteressada foram notificadas da data da celebração do contrato, dia 2 de Novembro de 2018.
61. Decorre da leitura da acção da A. que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, aA. impugnou o caderno de encargos, com fundamento na existência de vício no que concerne à fixação das características técnicas mínimas obrigatórias nos lotes 2,7,8 e 28.
62. Nos termos do artigo 103.° n.° 3 do CPTA, e segundo o Tribunal a quo, o momento até quando as peças procedimentais poderão ser impugnadas é o até à data da (notificação da) celebração do contrato.
63. Assim, no dia 1 de Novembro de 2018, data da propositura da acção, e data posterior à da data da (notificação da.) celebração do contrato, estava efectivamente precludido o direito da A. impugnar as peças do procedimento,
64. Pelo exposto, o Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a caducidade do direito de impugnação das peças do procedimento.

Nesta conformidade e com o douto suprimento de V.Ex.as., deve o recurso ser julgado improcedente mantendo-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou improcedente a acção.

Caso assim não se entenda, deverá dar-se como improcedente a acção pela caducidade do direito de impugnação das peças do procedimento e assim se fazendo JUSTIÇA.


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A Universidade Nova de Lisboa, entidade adjudicante, contra-alegou, concluindo como segue:


A. Apesar de o recurso ser erradamente dirigido a tribunal territoríalmente incompetente, deve o Tribunal a quo conhecer oficiosamente o vício e, nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do CPC, aplicável ex vi artigo l.° do CPTA, notificar a recorrente para retificar o lapso, a fim de se remeter o recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul;
B. Concomitantemente, deve a Secretaria, oficiosamente, notificar a recorrente para liquidar e pagar a multa devida pela entrega do requerimento de recurso no 3.° dia após o decurso do prazo, sujeitando a recorrente à cominação legal;
C. Ao recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo tendo em conta a justa ponderação dos interesses, que não foi feita em 1ª instância por preclusão da decisão do incidente autónomo de levantamento do efeito suspensivo, cuja fundamentação aqui se reproduz.                   
D. Sinteticamente, deve reconhecer-se que a manutenção da suspensão da execução do contrato assinado com a contra-interessada S….. Lda resultará na impossibilidade de qualificar, na área materno-infantil, a oferta formativa da UNL no ano letivo de 2019/2020 e a sua "acreditação" no contexto internacional, além do cerceamento de promover iniciativas de investigação e prática clínicas avançadas, que resultariam em benefícios sociais de enorme relevância.
E. A estas situações de facto consumado, acresceria a perda de receita para a UNL no valor 705.703,50€, correspondente ao financiamento comunitário para a constituição do centro materno infantil de referência, o que se traduz num avultado prejuízo que a UNL não pode cobrir com receitas próprias por indisponibilidade orçamental.
F. Estes efeitos nocivos do impedimento da execução do contrato são, sobejamente, superiores aos da Recorrente, que se cingem à obtenção de uma margem de lucro, nos lotes em causa (1, 2,7, 8 e 28), calculada, após dedução dos custos, sobre o valor de €463.000,00 acrescido de IVA, e que se estima poder oscilar entre 10 e 20% do referido valor.
G. A eventual perda da Recorrente, em caso de revogação da sentença recorrida, seria sempre enquadrável numa compensação que não deixaria por ressarcir os supostos prejuízos emergentes da execução do contrato.
H. Nestes termos, desenvolvidos nas alegações e no requerimento do incidente autónomo não julgado, apela-se à atribuição a este recurso de efeito meramente devolutivo, nos termos do n.° 3 do artigo 143.° do CPTA.
I. A sentença não enferma de nulidade por preterição de alegações e audição pública para produção de prova, porquanto a matéria de facto foi decidida com base no processo administrativo remetido aos autos.
J. A tramitação do processo obedeceu ao regime do processo urgente, previsto nos artigos 100.° a 103.° do CPTA, o que afasta aplicação das normas invocadas pela Recorrente subjacentes à tramitação da ação administrativa especial.
K. A suficiência da decisão quanto à matéria de facto também decorre do incumprimento, pela Recorrente, do ónus previsto no artigo 640º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi artigo lº e 140º do CPTA.
L. Destaca-se, particularmente, o silêncio da Recorrente relativamente à prova do incumprimento da sua proposta com o disposto nas especificações técnicas dos lotes 1, 2, 7, 8, e 28 do caderno de encargos.
M. Por fim, não merece reparo o juízo quanto ao direito aplicável, porquanto a sentença reconheceu e validou a intenção da Recorrida de contratar a aquisição de bens, respeitando a formulação de especificações técnicas, em cumprimento do artigo 49.° do CCP.
N. A redação baseou-se no desempenho funcional dos equipamentos necessários ao funcionamento da entidade adjudicante, não se provando qualquer intuito de restringir a concorrência, ou qualquer outro princípio de contratação pública.
O. As valências requeridas apresentam-se alinhadas com o objeto do contrato e com a finalidade de constituir um centro materno-infantil de referência internacional, que suporte a formação clínica, a melhoria dos cuidados de saúde nas instituições de saúde parceiras da entidade adjudicante, com mitigação de riscos para grupos vulneráveis (mulheres grávidas, crianças e adolescentes) e aprofundamento da investigação médica.
P. Estes objetivos encontram-se perfeitamente explicitados na memória descritiva de suporte à candidatura ao financiamento comunitário que beneficiaria a aquisição, se o contrato fosse executado.


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               Com dispensa legal de vistos substituídos pela entrega das competentes cópias aos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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  Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

                                                                                                                     DO   DIREITO

1. nulidades processuais – nulidades de sentença;

Em sede de conclusões de recurso nos itens a. a gg. vêm suscitadas nulidades de processo por omissão de tramitação subsequente aos articulados geradora de nulidade de todos os actos processuais subsequentes por influir no exame e decisão da causa.

Para tanto alega que os factos levados ao probatório em sede de sentença

 “(..) foram apenas o que constam do Processo Administrativo, ou seja Caderno de Encargos, Programa do Concurso, Relatório Preliminar e Final do Júri do Concurso, fazendo tábua rasa de tudo o que foi alegado pela Recorrente, designadamente os documentos e as brochuras técnicas em que se demonstra à saciedade que os simuladores propostos pela Recorrente têm as características técnicas mínimas enunciadas no Caderno de Encargos e funcionalmente semelhantes aos escolhidos pelo júri do Concurso. Ora, a preterição de todos os actos processuais -  violação reiterada da tramitação do processo de contencioso pré-contratual, artigos 102°, 87° a 91° do CPTA - configura a nulidade processual prevista no artigo 195°, n° 1 do CPC, ou seja, a omissão de formalidades que o CPTA prescreve, uma vez que as irregularidades cometidas influíram objectivamente no exame e na decisão da causa(..)”,

 isto é, na sua instrução, discussão e julgamento, cfr. artº 195º nº 1 in fine CPC.

Todavia não lhe assiste razão na medida em que as situações de nulidade de sentença, legalmente tipificadas no artº 615º nº 1 CPC, se reportam a causas de dois tipos, uma de carácter formal e as restantes atinentes ao conteúdo da decisão e, uma vez que são de enumeração taxativa, tal significa que não se submetem ao regime geral das nulidades processuais determinado no artº 195º CPC.


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     Por outro lado, a abertura da fase de instrução do processo depende da existência de factos controvertidos ou necessitados de prova em conjugação com o requerimento probatório carreado pelas partes para o processo.

 A questão da essencialidade da produção de prova julgada dispensada por os autos permitirem o conhecimento imediato do pedido, configura matéria passível de integrar o objecto de recurso único que a parte interessada eventualmente venha a interpor da sentença ao impugnar o elenco da matéria de facto levada ao probatório em 1ª Instância fundada apenas em meio probatório documental, por insuficiência de fundamentação de facto, o que é o caso.

Na medida em que o juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos e de todas as causas de pedir e excepções invocadas (além do conhecimento oficioso que lhe cumpra observar) tal insuficiência afere-se a partir do conteúdo concreto dos articulados das partes em sede de alegação de factos, v.g. do articulado do recorrente, na hipótese de ocorrer por parte do juiz o incumprimento do regime de direito adjectivo que, como estatuído antes da reforma adjectiva de 2013, determina a selecção da “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito” presentes no caso concreto – como se determinava nos artºs. 511º e 512º CPC/2007.

Efectivamente, como nos diz a doutrina da especialidade, é através da prova que é “(..) feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida (..)”- vd. artº 608º nº 2 CPC/2013 (ex 660º nº 2 CPC). ([1])

 Sob pena de a sentença incorrer em erro de julgamento por deficiência de selecção da matéria de facto a levar ao probatório.

Ou seja, o elenco de soluções plausíveis em direito - expresso na organização específica da base instrutória e dos factos assentes (ex questionário e especificação) como se exprimia o CPC anterior à Reforma de 2013 - define-se a partir da selecção dos factos articulados pelas partes, factos controvertidos pertinentes à causa e indispensáveis não só para resolver o litígio como, em juízo jurídico antecedente, para decidir qual a norma que compete ao caso concreto.

Hoje, tal elenco de soluções plausíveis em direito tem que estar presente nos temas da prova, abertos, nomeadamente, à inquirição testemunhal e valoração pericial – cfr. artº 596º nº 1 CPC/2013.

Em síntese, a constatação da existência de erro de julgamento por violação primária de direito adjectivo no tocante aos tais temas da prova (artº 596º nº 1 CPC) constitui um vício de processo que apenas se confirma perante a concreta selecção da matéria de facto expressa no probatório da sentença de 1ª Instância.

Consequentemente, o Tribunal de recurso estará em condições de analisar as questões da insuficiência de selecção de matéria de prova levada às conclusões de recurso, se, no caso concreto, nem todos os pedidos ou nem todas as causas de pedir e excepções invocadas pelas partes nos articulados foram conhecidas pelo Tribunal a quo, devendo tê-lo sido.

Se for caso de impossibilidade de suprir em 2ª Instância a insuficiência de probatório, o Tribunal de recurso há-de determinar a anulação da sentença e ordenar o reenvio do processo para o Tribunal a quo em ordem à ampliação dos tais temas da prova nos termos especificados no aresto de recurso, que no caso traduzam uma insuficiência de meio probatório testemunhal ou depoimento/declaração de parte e consequente falha de determinação da fase de audiência de julgamento – artºs. 662º nº 2 b) e 665º nº 2 CPC/2013.  ([2])

          Pelas razões expostas improcedem as questões trazidas a recurso nos itens a. a gg. das conclusões.

2. impugnação da matéria de facto;

Nos itens jj. a kkk. das conclusões a ora Recorrente enumera um elenco de matéria de facto que, todavia, não pode ser considerado como configurando a impugnação da factualidade fixada em sede de sentença pelo Tribunal a quo.

Na hipótese de o Recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, impõe-se-lhe, desde logo, explicitar em sede de conclusões essa finalidade impugnatória do probatório consignado na sentença, atendendo a que, por um lado, o objecto do recurso resulta das conclusões, vd. artº 640ª nºs. 1 a), b) e c) CPC (ex 684º nº 3 e 685º-A nº 1) e, por outro, o erro de julgamento em matéria de facto tem um leque de causas muito vasto e nem todas implicam a observância do ónus estabelecido no artº 640º CPC.

Ou seja, se a resposta à matéria de facto alegada pela parte recorrente e levada ao probatório em sede de sentença for objecto de impugnação no recurso, recai sobre o recorrente o ónus de “(..) especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada pela decisão recorrida (..)”, ónus que se impõe em igual medida sobre o recorrido quando exerça esta faculdade  - vd. artº 640º nº 3 CPC (ex s. 684º-A nº 2 e 685-B nº 5)

Mais. A lei é de tal modo detalhada nesta matéria que, seguindo a doutrina especializada, na circunstância de ter ocorrido a gravação da prova testemunhal produzida, por disposição expressa do artº 640º nº 2 CPC (ex 685º -B nº 2) impõe-se, ainda, “(..) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda a impugnação da decisão de facto (..) o não cumprimento deste ónus implica a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto (..)”.  ([3])

      De modo que a factualidade elencada nos itens jj. a kkk. das conclusões não configura um efeito impugnatório da matéria de facto julgada provada em sede de sentença pelo Tribunal a quo, sendo, como tal, irrelevante na economia do presente recurso.

3. objecto do recurso;

Nos autos, a tipologia procedimental reporta ao concurso público com publicação no Jornal Oficial da União Europeia para “Aquisição de Equipamento para Novos Programas de Formação Avançada na Área da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente para a NMS/FCM da UNL” mediante adjudicação por lotes no âmbito do mesmo procedimento – o chamado fraccionamento interno -, regendo-se a determinação da melhor proposta relativamente a cada um dos 37 lotes pelo critério da melhor relação qualidade preço, tendo sido fixado o preço-base como limite máximo para cada um dos lotes – cfr. artºs. 46º-A nº 1, 47º nº 1 74º nº 1 a) CCP; alíneas A, B, C e D do probatório.


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O modelo de avaliação é constituído por dois factores elementares: o preço da proposta (95%) e o prazo de fornecimento proposto (5%) – vd. artºs. 42º nºs 3, 4, 5 e 11, 132º nº 1 n) e 139º nº 3 CCP; alínea B do probatório e artº 13º do caderno de encargos (CE).

Ou seja, o caderno de encargos define todos os restantes aspectos da execução do contrato a celebrar posto que tão só submete à concorrência o prazo de entrega dos bens (tendo como parâmetro-base o limite máximo de 60 dias fixado no artº 20º do CE, artº 42º nºs 3 e 4 CCP) e o preço a pagar pela entidade adjudicante pelos bens descritos nos 37 lotes (preço base por lote fixado no artº 6º do CE, artº 42º nºs 3 e 4 CCP); dito de outro modo, a entidade adjudicante ora Recorrida levou ao mercado a título de atributos o prazo de fornecimento e os preços dos bens descritos nos 37 lotes (artº 6º CE).

Consequentemente, assumem a natureza jurídica de termos ou condições todos os demais factores relacionados com a execução do contrato mas não submetidos à concorrência – por isso mesmo, não integrados no critério de adjudicação  -  aspectos que, na previsão da lei, devem ser configurados segundo um modo de descrição em termos fixos ou por reporte a limites qualitativos ou quantitativos de mínimos ou máximos, aspectos de observância vinculada sob cominação de exclusão da proposta  – vd. artºs. 42º nºs. 5 e 6 e 70º nº 2 als. a) e b) CCP.

O que significa que na elaboração das propostas os concorrentes devem dar resposta aos termos e condições no exacto modo de apresentação determinado pela entidade adjudicante no programa do procedimento (PP), a saber, no contexto da própria proposta ou em documento autónomo de apresentação obrigatória posto que constitutivo daquela, vd. artº 57º nº 1 al. c) CCP.

4. termos ou condições - aspectos vinculativos da execução do contrato;

O efeito jurídico sancionatório consagrado no artº 70º nº 2 b) CCP decorrente da inobservância de aspectos de execução do contrato subtraídos à concorrência mas descritos e, portanto, regulados no caderno de encargos, é explicável em via de coerência com a natureza jurídica que esta peça do procedimento assume no modo de formação dos preceitos negociais que vão exteriorizar o comportamento negocial declarativo das partes, nos termos gerais da teoria do negócio jurídico.

De facto, o caderno de encargo constitui, sempre, parte integrante do contrato, a par dos esclarecimentos e rectificações a ele respeitantes e dos esclarecimentos prestados pelo adjudicatário sobre a proposta adjudicada, cfr. artºs 42º nº 1, 96º nº 2 als. b), c) e e), CCP.

O que significa que os termos ou condições são irrelevantes apenas do ponto de vista adjudicatório, mas não do ponto de vista do interesse público presente no objecto do contrato.

Como nos diz a doutrina especializada, “(..) Sabemos já que o atributo é algo adjudicatóriamente relevante e que o termo ou condição é adjudicatóriamente irrelevante e sabemos também que, apesar disso, ambos versam sobre aspectos tidos por relevantes para os interesses ou objectivos prosseguidos pela entidade adjudicante com o contrato em causa, pois, se não fosse assim, não se teria ela preocupado e pronunciado sobre os mesmos no caderno de encargos – donde qualificarmo-los como termos ou condições procedimentais .(..)” da proposta. ([4])

No tocante a estes aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência “(..) previstos no caderno de encargos a que o concorrente se limita a aderir (por estarem estritamente definidos no caderno de encargos, não há qualquer actividade concretizadora por parte do concorrente) ou cuja concretização não é relevada ao nível adjudicatório (não há aí uma disputa entre os concorrentes).

Trata-se, portanto, de uma distinção que, mais do que atender à existência/inexistência de um labor do concorrente na concretização do projecto contratual contido no caderno de encargos, olha para a relevância/irrelevância dessa concretização para efeitos de escolha da melhor proposta. (..)” ([5])


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Como dito, em razão desta relevância para o interesse público presente no objecto do contrato, é cominada a exclusão das propostas que “apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele [o caderno de encargos] não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs. 10, 11 e 12 do artº 49º ” – vd. artº 70º nº 2 b), in fine CCP, devidamente corrigida para os actuais números 10 a 12 a errónea manutenção pelo legislador no CCP/2017 da redacção vigente no CCP/2008 (4 a 6 e 8 a 11).

   A ressalva estabelecida no artº 70º nº 2 b), in fine CCP quanto ao regime excludente das proposta nos termos determinados no artº 49º nºs. 10 a 12 CCP constitui o aspecto central da matéria sob recurso.

5. especificações técnicas – requisitos funcionais e de desempenho (49º/7a) /11/12)

Na economia do artº 49º nº 1 CCP configuram especificações técnicas as cláusulas do caderno de encargos que definem o objecto da compra pública (obra, produto ou serviço objecto do contrato) quanto às suas características, v.g. nas vertentes do processo ou métodos especifico de produção, fabrico ou execução, de termos de desempenho ou de requisitos funcionais.  ([6])

O segmento constante do artº 70º nº 2 b) in fine CCP  “sem prejuízo do disposto nos nºs. 10, 11 e 12 do artº 49º” configura uma ressalva ex lege ao efeito excludente da proposta que incumpra com as condições contratuais inscritas no caderno de encargos.

Prevê-se que o efeito excludente seja afastado mediante prova efectiva  – ónus de prova a cargo do concorrente – de que a proposta levada ao procedimento compensa pela suficiência das soluções por si apresentadas o incumprimento das condições definidas no caderno de encargos em matéria de especificações técnicas, sejam essas condições reportadas (atributos), ou não (termos ou condições), à concorrência.

No caso trazido a recurso o artº 20º do Caderno de Encargos prevê e o Anexo I ao caderno de encargos descreve as especificações técnicas relativamente aos bens constitutivos de cada um dos 37 Lotes.

Ao caso importam os Lotes 2, 7, 8 e 28, na medida da exclusão da proposta apresentada quanto a estes pela ora Recorrente, com fundamento em que “(..) os equipamentos propostos pela M….. aos supra mencionados lotes não possuem as características técnicas mínimas seguintes e já indicadas no Relatório Preliminar, a saber (..)” – vd. alíneas D, E, F, J e L do probatório.


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Quanto aos Lotes 2, 7 e 8 a entidade adjudicante ora Recorrida determinou os bens a adquirir que constituem o objecto do contrato  -  o  simulador obstétrico materno-fetal (termo) com bebé incluído (Lote 2), simulador para aprendizagem e treino de competências em ecografia (Lote 7) e o simulador de ecografia cardíaca e abdominal (Lote 8)   -   mediante o elenco das especificações técnicas levadas ao Anexo I do caderno de encargos, seguindo o modelo legal definido no artº 49º nº 7 a) CCP, modelo descritivo das características técnicas pretendidas relativas aos “termos de desempenho ou de requisitos funcionais”, expressamente consideradas como “características técnicas mínimas obrigatórias”, ou seja, imperativas.

Na economia do procedimento concursal, tal significa que as soluções apresentadas nas propostas não podem, sob pena de exclusão (artº 70º nº 2 b) CCP), desviar-se das “características técnicas mínimas obrigatórias” constitutivas dos objectivos funcionais e de desempenho (artº 49º/7 a) CCP) expressamente descritos no caderno de encargos quanto aos bens a adquirir, ressalvada a prova efectiva, a cargo do concorrente e em sede de proposta, de que a diversa solução apresentada cumpre os objectivos funcionais e corresponde aos critérios de desempenho exigidos pela entidade adjudicante no caderno de encargos – vd. artº 49º nºs 11 e 12 CCP. ([7])


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               De modo que, no caso dos Lotes 2, 7 e 8, em razão da proposta da ora Recorrente não apresentar as concretas especificações técnicas enumeradas no caderno de encargos por recurso a objectivos funcionais e de desempenho (artº 49º/7a) CCP), recai sobre si o ónus de demonstrar, por qualquer meio adequado, que a solução apresentada na proposta cumpre alguma das especificações técnicas descritas no artº 49º nº 7 b) CCP, isto é, que a sua solução proposta está em conformidade com uma norma nacional ou internacional e corresponde aos critérios de desempenho ou cumpre os requisitos funcionais elencados nas especificações técnicas do caderno de encargos – vd. artº 49º nºs 11 e 12 CCP([8])

Como nos diz a doutrina da especialidade “(..) a lei apenas admite o desvio resultante da permissão para apresentação de soluções diversas das especificações técnicas previstas no caderno de encargos, nos termos autorizados nos nºs. 10 a 12 do artigo 49º do CCP (..)” e

 “(..) quando a opção da entidade adjudicante verse pelo recurso a requisitos funcionais ou de desempenho, pode então o concorrente demonstrar o cumprimento e alguma das  especificações técnicas descritas na alínea b) do nº 7 do artigo 49º para confirmar a suficiência das soluções por si propostas evitando igualmente a exclusão da proposta (nº 11 do artigo 49º)    ([9])


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               Nesta situação em que o caderno de encargos formula as especificações técnicas em termos de exigências de desempenho ou de requisitos funcionais (49º/7 a) CCP) “(..) o concorrente demonstra que a solução proposta, em conformidade com uma norma nacional ou internacional, corresponde aos critérios de desempenho ou cumpre os requisitos funcionais definidos nas especificações técnicas. A prova … da correspondência aos critérios de desempenho ou do cumprimento dos requisitos funcionais compete, assim, ao concorrente, devendo a mesma ser feita na própria proposta.

Se esta prova for feita, deve entender-se que os termos ou condições não violam os aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, não podendo, como tal, a proposta ser excluída com fundamento no disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 70º do CCP (..)”   ([10])

              Vejamos agora a situação relativamente ao Lote 28.

6. especificações técnicas – referência a fabricante e modelo do mercado (49º/8/9/10)

Quanto ao Lote 28 a entidade adjudicante ora Recorrida além de enunciar as especificações técnicas recorrendo a termos de desempenho e exigências funcionais optou também por definir quatro elementos recorrendo à denominação do fabricante e modelo do mercado, como expressamente reconhece na resposta ao pedido de esclarecimentos da ora Recorrente, a saber,

“Endoscópio tipo Pentax ECS-384OF – Endoscopia digestiva alta e baixa”,

“Endoscópio tipo Pentax ED-344OT – CPRE/Ecoendoscopia” e

“Endoscópio tipo Pentax EB-183OT3 – Broncoscopia” –  alínea F do probatório.


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No Lote 28 não se trata da combinação dos dois modelos previstos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 49º CCP para definir as especificações técnicas no caderno de encargos, possibilidade de combinação expressamente prevista nas alíneas c) e d) do citado nº 2 do artº 49º CCP. ([11])

No caso do Lote 28 a entidade adjudicante lançou mão da hipótese do artº 49º nºs 8 e 9 CCP.

Pelo primeiro comando (49º/8 CCP) são proibidas as referências específicas a fabricantes, marcas e comercializadores que “tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos”.

Porém, no segundo comando (49º/9 CCP) a lei descreve os pressupostos do modo autorizado a título excepcional em que é possível levar ao procedimento referências específicas a fabricantes, marcas e comercializadores.

(i) primeiro, que “não se(ja) possível uma descrição precisa e inteligível do objecto” da compra pública segundo os termos enunciados no 49º nº 7 alíneas a) e b) CCP;

(ii) segundo, a referência expressa no caderno de encargos a fabricante, marca ou comercializador deve ser acompanhada da expressão “ou equivalente”.

Se o caderno de encargos identificar nas especificações técnicas um determinado produto pela denominação existente no mercado (49º/9) ou por referência a normas nacionais ou internacionais [49º/7/b)], tanto no nº 9 como no 7º b) do artº 49º CCP a lei é expressa no sentido da obrigatoriedade de ser dada a indicação logo nas peças do procedimento, de que são admitidas (e não excluídas) propostas com soluções diversas do produto identificado pelo nome do fabricante, da marca, da patente, do comercializador existente no mercado ou por referência a normas nacionais ou internacionais.

E essa identificação clara e inequívoca de que são admitidas propostas com soluções diversas do produto identificado pelo nome de mercado decorre imperativamente da menção “ou equivalente” que deve, no caderno de encargos, ser subsequente à identificação de mercado do dito produto ou à referência das normas nacionais ou internacionais.

Na hipótese trazida a recurso resulta clara a ausência da menção “ou equivalente” que foi substituída pela palavra “tipo” antes da identificação da marca e modelo descritos.

Efectivamente, quanto ao Lote 28 e no tocante às especificações técnicas referentes aos três endoscópios, o que consta expressamente do Anexo I ao caderno de encargos é a menção da palavra “tipo” antecedendo a marca Pentax para cada modelo descrito, a saber,

“Endoscópio tipo Pentax ECS-384OF – Endoscopia digestiva alta e baixa”,

“Endoscópio tipo Pentax ED-344OT – CPRE/Ecoendoscopia” e

“Endoscópio tipo Pentax EB-183OT3 – Broncoscopia” –  alínea F do probatório.


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     Diversamente da situação em que as especificações técnicas no caderno de encargos são definidas mediante termos de desempenho e exigências funcionais  (49º/7a) CCP), caso a opção da entidade adjudicante seja de recorrer à denominação do fabricante e modelo do mercado (49º/9CCP) a técnica legislativa para garantir a concorrência (49º/4 CCP) é exactamente a mesma da seguida para a hipótese de a entidade adjudicante impor normas e homologações (49º/7b) CCP) que é exigir a menção “ou equivalente”, de modo a que, inequivocamente, o concorrente que apresente solução diversa das especificações técnicas previstas no caderno de encargos, saiba que lhe é possível obviar ao efeito excludente (70º/2b) CCP) se  “demonstrar  na sua proposta por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo seguinte (49ºA) que as soluções propostas satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas” – cfr. artº 49º nº 10 CCP

Seja por via de referência a normas seja pela via de referência a marca conhecida no mercado, a lei além de assegurar que essa referência seja acompanhada da menção “ou equivalente”, consagra a faculdade de o concorrente demonstrar que as soluções por si propostas, embora distintas das levadas ao caderno de encargos, satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas – cfr. artº 49º nº 10 CCP.

  Solução legal aplicável ao caso referido no Anexo I descritivo do Lote 28 quanto aos elementos

“Endoscópio tipo Pentax ECS-384OF – Endoscopia digestiva alta e baixa”,

“Endoscópio tipo Pentax ED-344OT – CPRE/Ecoendoscopia” e

“Endoscópio tipo Pentax EB-183OT3 – Broncoscopia”

na medida em que a entidade adjudicante ora Recorrida antecedeu a referência expressa a marca existente no mercado pela palavra “tipo”, em vez de “ou equivalente”

        Feito o enquadramento do caso trazido a recurso no bloco normativo aplicável em função da enumeração das especificações técnicas por termos de desempenho e exigências funcionais  (49º/7a) CCP) e por denominação do fabricante e modelo do mercado (49º/9CCP), vejamos agora a matéria relativa à exclusão da proposta.

7. discricionariedade administrativa;

 

  No Relatório Preliminar e Relatório Final a entidade adjudicante ora Recorrida explicitou que a proposta do ora Recorrente não cumpria as características técnicas mínimas obrigatórias dos equipamentos, mediante a discriminação do que estava em falta e mantendo a proposta de exclusão, nos termos levados às alíneas J e L do Probatório.

No item ffff das conclusões de recurso vem assacada a sentença de erro de julgamento, 

a. “ao ajuizar, indevidamente, que a Entidade Adjudicante UNL actuou dentro dos limites da discricionariedade administrativa,

b. “e ao considerar que os critérios e características técnicas fixados pela mesma não estão submetidos à concorrência,

c. “uma vez que ficou claramente demonstrado e confessado que os simuladores que a ora Recorrente submeteu a Concurso possuem condições e requisitos técnicos, no mínimo, equivalentes aos dos descritos no Caderno de Encargos.”

Todavia, não lhe assiste razão.

A discricionariedade administrativa consiste na “(..) liberdade de escolha da Administração Pública quanto a partes do conteúdo (envolvendo a própria necessidade e o momento da conduta), do objecto, das formalidades e da forma de actos seus de gestão pública unilaterais, [e, pese embora se saiba que] alguma doutrina e jurisprudência recente questiona a definição da discricionariedade administrativa como liberdade de escolha, dizendo que há sempre uma e uma só solução administrativa condizente com o interesse público concreto prosseguido, ou seja, condizente com o fim do acto, [todavia] não tem razão.

Pode haver mais do que uma solução administrativa para prosseguir um certo interesse público concreto – quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao objecto, quer quanto à forma. Ponto é que o legislador tenha querido atribuir a liberdade de escolha à Administração Pública e que o exercício dessa liberdade não colida com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa. (..)” ([12]).


 *

Ora, a conformação das prestações contratuais faz parte das valorações próprias da actividade administrativa no domínio do mérito da actuação, o que significa que a liberdade competencial das entidades adjudicantes para estruturação do procedimento adjudicatório tem base normativa expressa.

No que respeita ao programa do concurso no artº 132º nº 4 CCP, permitindo que nele sejam incorporadas “quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.”.

No tocante ao caderno de encargos no artº 42º nº 4 CCP, concedendo abertura a que no tocante aos aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência “os parâmetros base .. podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato .. e devem ser definidos através de limites mínimos e máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.

Neste quadro, importa analisar em que medida e até que ponto a entidade adjudicante pode ir na liberdade de decisão no tocante à estipulação do conteúdo do contrato administrativo.  ([13])

A medida é dada, necessariamente, pelo interesse público posto a cargo da entidade adjudicante na decorrência das funções legalmente cometidas à pessoa colectiva pública, isto é, das atribuições fixadas por lei para cuja prossecução, a cargo dos respectivos órgãos, a lei necessariamente concede um elenco expresso de competências traduzidas nos meios jurídicos necessários ao concreto desempenho daquelas atribuições.

Quanto ao alcance da liberdade de modelação do conteúdo contratual nas peças procedimentais no uso da margem de livre decisão conferida por lei no quadro da autonomia pública em matéria de contratação, maxime, no CCP, cabe à Administração observar os limites internos do poder discricionário ou, noutra formulação, os limites imanentes da margem de livre decisão, decorrentes dos princípios constitucionais: além do já referido dever de prossecução do interesse público, o princípio da proporcionalidade na vertente da racionalização dos meios a utilizar pelos serviços, cfr. artºs. 266º nºs. 1 e 2 e 267º nº 5 CRP. 

8. discricionariedade técnica – conceitos técnicos;

Outros são os parâmetros do problema no que respeita à chamada “discricionariedade técnica”, seja porque os pressupostos que integram a previsão da norma configuram conceitos jurídicos indeterminados em ordem à valoração do elemento da situação concreta sobre que há-de recair a decisão administrativa, seja porque configuram conceitos técnicos reportados a factos apenas verificáveis ou valoráveis com base em conhecimentos e instrumentos próprios de ciências que não a ciência jurídica.

Estamos, portanto, a referir uma actividade administrativa traduzida em juízos técnicos de existência, juízos técnicos valorativos ou juízos técnicos de probabilidade, pelos quais a lei confere à Administração “(..) um poder de valoração técnica, que, não implicando ponderação comparativa de interesses secundários, envolve valoração de factos e circunstâncias  de carácter técnico (..) Os autores sublinham que este tipo de juízo se formula sobre os pressupostos, ou seja, a hipótese ou previsão da norma.

A atribuição, pela parte de previsão da norma, do poder de emitir tal juízo não contende com a natureza vinculativa da estatuição também ela contida, embora coexista por vezes com a discricionariedade, sobre o conteúdo da decisão.

Neste último caso, fala-se, ainda que impropriamente, de discricionariedade mista porque à liberdade de valoração de pressupostos corresponde a liberdade de fixação do conteúdo do acto. (..)”  ([14])

Sendo certo que no tocante aos conceitos técnicos, regem os conhecimentos e regras próprios do domínio técnico, específicos do caso concreto e, consequentemente, a vinculação a normas extra-jurídicas e quanto aos conceitos jurídicos indeterminados, têm lugar as regras próprias da interpretação jurídica em via de aplicação puramente subsuntiva e, portanto, passível de controlo jurisdicional.


*

Acresce que “(..) Não é fácil encontrar na doutrina quem defenda que a determinação do conteúdo dos conceitos técnicos possa ficar na dependência do poder discricionário da Administração, embora este fenómeno seja conhecido, generalizadamente, por discricionariedade técnica (..)

(..) as questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos da ciência e optar por qualquer outro. (..)

(..) Posta a questão nestes termos, rejeitando que a utilização de um conceito técnico seja por si só tradução duma vontade legislativa de conferir à Administração o poder de optar discricionariamente por um qualquer conteúdo ou comportamento, dir-se-á que, também aqui, tudo passa pela mesma interpretação da lei.

Assim, há conceitos técnicos cuja utilização deve ter-se como significando a imposição de uma vinculação à Administração: é o que acontecerá sempre que a remissão da lei administrativa seja feita para conceitos ou noções exactas de outros ramos da ciência e da técnica. (..)

(..) Quando o legislador se serve de conceitos ou noções não exactas haverá, segundo A. Queiró que distinguir conforme sobre eles existe ou não um consenso generalizado ou, pelo menos, prevalecente: em caso afirmativo, tudo se deverá passar como se se tratasse dum conceito técnico exacto; no caso negativo, é que o legislador terá querido deixar à Administração, de forma incontrolável pelo tribunal, a possibilidade de formular com liberdade os juízos técnicos correspondentes [sem prejuízo de] no caso de a interpretação do conceito técnico não exacto, ou de a correspondente qualificação dos factos da vida real padecer de erro manifesto, o tribunal deverá controlar e, consequentemente, anular o acto em que se reflectiu esse erro. (..)

(..) Há, porém, outros casos, em que a aplicação da lei passa, não só pela qualificação técnica duma situação da vida real, como também pela sua valoração ou qualificação com base em critérios ou juízos administrativos de natureza discricionária (..) Ali [ruína - critério de ordem técnica], há, segundo a posição que aqui adoptámos, vinculação; aqui [segurança – ponderação do interesse público administrativo], discricionariedade. (..)

(..) naquelas hipóteses, mais raras, em que o critério técnico esteja estreitamente ligado ao critério discricionário administrativo, em que, portanto,  não é possível cindir no tempo os dois juízos que o órgão administrativo tem que formular: se, por exemplo, no regulamento dum concurso de empreitada para a construção de uma estrada se dispõe que “a adjudicação deverá ser feita ao concorrente cuja proposta seja a que, do ponto de vista técnico, melhor satisfaz ao interesse público da segurança da construção então, aqui sim, o controlo da qualificação técnica pelo tribunal implicaria já uma apreciação da própria discricionariedade administrativa, pelo que deve ser rejeitado. (..)”  ([15])

9. especificações técnicas – prova pericial - exclusão de proposta;

Aplicando a doutrina exposta ao caso trazido a recurso, em primeiro lugar e contrariamente ao afirmado pela ora Recorrente nos itens ppp. e ffff. das conclusões, decorre do teor seja do Relatório Preliminar seja do Relatório Final que a entidade adjudicante ora Recorrida não reconhece que “os simuladores da M….. e da S….. eram funcionalmente equiparáveis” – vd. alíneas I e L do probatório.


*

Em segundo lugar, conforme decorre do acima exposto no tocante às disposições normativas e doutrina citadas, o juízo de valoração que a lei explicita que deve ser feito é no domínio da prova da equivalência aos requisitos definidos (49º/10 CCP) da correspondência aos critérios de desempenho ou do cumprimento dos requisitos funcionais (49º/11/12 CCP) sendo os termos da equação de valoração constituídos (i) pelas especificações técnicas levadas ao Anexo I do caderno de encargos e (ii) pelas características técnicas apresentadas na proposta da ora Recorrente em divergência do elenco discriminado no citado Anexo I do caderno de encargos. 

No caso trazido a recurso, a concreta divergência entre as especificações técnicas do caderno de encargos e a solução proposta pela ora Recorrente é objecto de discriminação detalhada relativamente a cada um dos Lotes  2, 7, 8 e 28 quer no Relatório Preliminar quer no Relatório Final.

Neste sentido, cabia à ora Recorrente, nos termos do artº 49º nº 10, 11 e 12 CCP, consoante a situação da hipótese legal do artº 49º nº 7 a) e nº 9 CCP nos termos já acima expostos, fazer a prova da equivalência aos requisitos definidos, da correspondência aos critérios de desempenho ou do cumprimento dos requisitos funcionais.

Sendo que o meio de prova em causa é o elenco de meios prescritos no artº 49º-A CCP ou a prova pericial e não a prova testemunhal.

Basta ler a discriminação das especificações técnicas para perceber que o juízo de valoração envolve conhecimentos que extravasam a ciência do direito.


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             Consigna a lei no tocante à prova pericial que esta “tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devem ser objecto de inspecção judicial.” – Código Civil, artº 388º.

     O que significa, como esclarece a doutrina especializada, que este meio de prova “(..) Tem, assim, uma dupla finalidade – fornecer ao tribunal a percepção dos factos susceptíveis de apreensão por qualquer dos sentidos – maxime a apreensão ocular – e a sua apreciação, ou tão só a sua apreciação à luz das regras da experiência; - portanto prova posta ao serviço da utilização destas regras. (..) diversamente do anterior direito … passou a poder limitar-se tão só à apreciação dos factos quando de ordem a exigir conhecimentos especiais que os julgadores não possuam (..)” ([16])

         Diz impressivamente     que “(..) o juiz é técnico do direito … há-de desembrulhar-se pelos seus próprios meios (..)”; a função do perito é de habilitar o juiz a apreciar o facto, sendo exactamente por isso que o traço diferencial da perícia face às demais provas pessoais, maxime, a prova por testemunhas, reside em que “(..) a declaração do perito é consequência de actos processuais que ele realiza previamente … O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem. (..)”  ([17])

Neste quadro é uma evidência que o âmbito da prova pericial apenas se define no processo em concreto, através do elenco de factos articulados seja pelo requerente seja pela parte contrária (577º/2, hoje 475º/2), anteriormente levados ao questionário ou base instrutória (artº 511º nº 1) e no regime adjectivo cível vigente, enunciados nos temas da prova (artºs. 410º e 596º).

Sendo os meios probatórios uma incumbência das partes, a lei coloca a cargo do requerente o ónus de circunscrever o objecto da perícia mediante indicação dos quesitos (577º/1), hoje, questões de facto (475º/1).

De modo que relativamente à prova testemunhal, cuja função é, única e simplesmente, narrar factos sobre a matéria dos temas da prova, factos de que tomou conhecimento por ver ou ouvir dizer, cabendo-lhe indicar a razão de ciência justificativa do conhecimento que invoca, a lei não permite que a testemunha ao depor emita juízo ou opinião sobre os factos observados – cfr. artº 516º nº 1 CPC.


*

Tendo em conta a impugnação do acto de exclusão da proposta apresentada pela ora Recorrente com fundamento em que “(..) os equipamentos propostos pela M….. aos supra mencionados lotes não possuem as características técnicas mínimas seguintes e já indicadas no Relatório Preliminar, a saber (..)” – vd. alínea L do probatório – cabia à ora Recorrente  produzir prova pericial em ordem a inverter o juízo de valoração que fundamenta o acto de exclusão da proposta nos termos do artº 70º nº 2 b) CCP no domínio da prova da equivalência aos requisitos definidos (49º/10 CCP) da correspondência aos critérios de desempenho ou do cumprimento dos requisitos funcionais (49º/11/12 CCP).

Dito de outro modo, tomando em linha de conta as concretas características explicitados pela entidade adjudicante ora Recorrida quanto aos Lotes 2, 7, 8 e 28 que a solução técnica da proposta da ora Recorrente não inclui em violação das especificações técnicas definidas nos termos e condições levados ao Anexo I do caderno de encargos quanto a estes Lotes, cabia à ora Recorrente alegar e demonstrar em concreto na própria proposta (artº 49º/10/12 CCP) que as características da sua proposta na solução por si apresentada correspondem aos termos de desempenho e exigências funcionais, o que não foi observado.

Consequentemente o acto de exclusão da proposta da ora Recorrente no tocante aos Lotes Lotes 2, 7, 8 e 28 ao abrigo do regime do artº 70º nº 2 b) CCP por violação de termos e condições do caderno de encargos em matéria de especificações técnicas mínimas obrigatórias constantes do Anexo I não se mostra eivado de vício de violação de lei.

Nestes termos improcedem as questões trazidas a recurso nos itens hh. a ii. e lll. a vvvv. das conclusões.


 ***

  Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

               Custas a cargo da Recorrente.

                                                                                                                                 Lisboa, 27.FEV.2020,


(Cristina dos Santos) ……………………………………

(Sofia David) ……....................…………………………

(Dora Lucas Neto) ……………………………………….

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[1] Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora/2008, pág.680.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, págs. 240/241 e 261.
[3] Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 3º Tomo I, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, págs. 61/62,45/65/124.
[4] Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/2011, pág. 588.
[5] Luís Verde de Sousa, A negociação nos procedimentos de adjudicação – uma análise do Código dos Contratos Públicos, Almedina/2010, pág.186.
[6] Pedro Costa GonçalvesDireito dos contratos públicos, 2ª ed. Almedina/2018, págs. 550, 559 e 831
[7] Pedro Fernández Sánchez, Direito da contratação pública, Vol. I, AAFDL Editora/2010, págs. 671-672;
[8] Pedro Costa GonçalvesDireito dos contratos públicos, 2ª ed. págs.552-554.
[9] Pedro Fernández Sánchez, Direito da contratação pública, Vol. II, pág. 256 e Vol. I, pág. 676.
[10] Luís Verde de Sousa, Uma análise das causas de exclusão respeitantes a termos ou condições da proposta, AAFDL Editora, Revista de Direito Administrativo (RDA) nº 7, págs.20-21.
[11] Pedro Fernández Sánchez, Direito da contratação pública, Vol. I, págs. 673-674.
[12] Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Lex, 1999, págs. 107-108.
[13] Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina/2013 (reimpressão da ed./1987), págs. 124, 479, 655, 666 a 670.
[14] Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual, págs.171-172, 321, 476-477.
[15] Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo, 1980, págs. 349, 352-355.
[16] Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol III, Almedina/1982, págs. 332/333
[17] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil – anotado, Vol. IV, Coimbra Editora/1962, págs. 181, 168 a 171.