Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00993/05
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:09/22/2005
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
Sumário:1 - Tendo o recorrente na petição inicial se limitado a alegar que "nunca foi levado em onsideração os arts. 7.º, 8.º, 13.º, 24.º e 25.º da CRP", sem fornecer qualquer justificação que permitisse ao Tribunal averiguar da sua razão, não pode pretender minuciosa fundamentação da análise do vício de falta de fundamentação.
2 - A mera invocação de preceitos legais pretensamente violados, desacompanhada de alegação das específicas razões que demonstram tal violação, impede que o Tribunal possa analisar essas razões para fundamentar a sua decisão.
3 - Resulta do art.8.º, n.º 1 da Lei n.º 15/98, que a autorização de residência por razões humanitárias depende de o requerente estar impossibilitado de regressar ao país de que é nacional "por motivos de grave insegurança devido a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verificam".
4 - Sendo o Brasil um Estado de Direito Democrático, com estabilidade política, onde funcionam regularmente as instituições democráticas e que, apesar de alguns problemas relacionados com a criminalidade, não tem conflitos armados nem conhece uma situação de sistemática violação dos direitos humanos, entendemos que não se verificam os requisitos de que o mencionado artigo faz depender a concessão da autorização de residência por razões humanitárias.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1. Roberto ...., de nacionalidade Brasileira, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, inconformado com a decisão do T.A.F. de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação do despacho, de 28/5/2004, do Comissário Nacional Para os Refugiados que não admitiu o seu pedido de asilo e lhe recusou a autorização de residência por razões humanitárias , dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“I - O art. 8º. da Lei nº. 15/98, de 26/3, está devidamente preenchido, pois é claro ao afirmar que a autorização de residência deve ser concedida àqueles que se sintam impossibilitados de regressar ao seu país de origem por razões de grave insegurança, ou devido às violações sistemáticas dos direitos humanos, situação essa concretamente vivida na actualidade pelo Brasil e comprovadamente demonstrada nos artigos supra. A guerra apenas não foi declarada, entretanto os números falam por si;
II - O formalismo a que se atém o julgador, ao considerar o Brasil um país democrático, é um risco demasiado grande a onerar a sentença, já que, dada a especificidade do espaço territorial brasileiro, milhões de cidadãos vivem “esquecidos” pela sociedade brasileira, vivendo à mercê de qualquer consideração de ordem democrática, estando na realidade a viver em condições sub-humanas e degradantes, o que através dos dados apresentados no decorrer da petição, não deixam a menor dúvida de que em concreto a situação de uma enorme maioria de brasileiros não pactua com as considerações deduzidas pelo juízo “a quo”;
III - A sentença proferida pelo douto juízo “a quo” é inconstitucional, não tendo sido elaborada com fundamento nos preceitos constitucionais balizadores de toda e qualquer decisão emanadas pela ordem jurídica portuguesa e que vinculam de modo inexorável o entendimento e aplicação das normas jurídicas;
IV - Ao não tomar em conta a “lex maxima”, nomeadamente os artigos suscitados pelo recorrente, arts. 7º, 8º, 13º., 24º e 25º. da CRP, analisando dessa forma vaga e subjectivamente os pedidos formulados pelo autor, toma como verdadeiros alguns preceitos que se objectivamente tivessem sido analisados à luz da Constituição, reverteriam em prol da concessão do pedido de asilo por razões humanitárias, violando ademais as normas dos arts. 659º. nº 3 e 668º., nº 1, do CPC, o que reveste a decisão de nulidade;
V - O pedido de asilo efectuado não pode ser interpretado como intempestivo, por atender aos preceitos do art. 11º. nº 2 da Lei 15/98, de 26/3, não devendo ser aplicado o art. 13º., nº 1, al. d), da mesma Lei ao caso concreto;
VI - E ainda que assim não se entenda, a referida al. d) apresenta-se como um requisito de ordem indicativa, não merecendo ser interpretada como um prazo peremptório. O requisito meramente formal constante da lei não deve, jamais, se sobrepor ao conteúdo material constante na mesma. Uma análise axiológica cuidada e que não se atém estritamente a requisitos de ordem formal, leva a que as considerações de admissibilidade do pedido por razões humanitárias sejam consideradas, já que ao fim e ao cabo a lei que regula os pedidos de asilo é objectivamente uma lei que visa garantir direitos e não a sua supressão;
VII - Quanto a interpretação da al. e), nº 1, do art. 13º., é manifestamente ilegal, pois a decisão de expulsão, por um lado, pode ser causa de inadmissibilidade do pedido, entretanto jamais será eficaz enquanto não dado o conhecimento do facto ao destinatário da decisão;
VIII - O art. 1-F da Convenção de Genebra, não se aplica ao caso concreto, o recorrente presume-se inocente até que seja transitada em julgado sentença condenatória em que sejam asseguradas todas as garantias de defesa, o que objectivamente não se aplica à situação ora analisada;
IX - O Brasil é um país que apresenta grave crise de insegurança e onde é apontado como violador sistemático dos direitos do Homem, por vários organismos de renome internacional. Na acepção do art. 13º, nº 3, al. a), não podemos em sã consciência considerar o Brasil como “País seguro”, na acepção objectiva do termo;
X - O Estado brasileiro não possui minimamente as condições de assegurar que a vida e a integridade física do recorrente sejam garantidas de forma plena;
XI - O recorrente faz jus à concessão do pedido de asilo por razões humanitárias previsto pela Convenção de Genebra e protocolo de Nova Iorque, devendo pois o Estado Português concedê-lo como forma de obstar que a vida e a integridade física do recorrente sejam lesadas;
XII - O pedido formulado pelo autor não constitui fraude, nem tão pouco está a ser utilizado de forma abusiva;
XIII - O recorrente possui razões significativas para temer pela sua vida, nomeadamente por razões que se prendem à sua actuação como policial, em que agia na luta pela manutenção da ordem pública e em defesa dos direitos, garantias e liberdades da pessoa humana e preenche dessa maneira todos os requisitos objectivos fixados pelos nºs 1 e 2 do art. 1º. da Lei 15/98 de 26/3;
XIV - As ameaças de morte que sofreu e que incidiam sobre a sua família configuram-se como provas inequívocas do seu receio de ser perseguido em virtude da sua anterior actuação como policial no Brasil;
XV - O art. 33º. da Convenção de Genebra e art. 3º. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, proíbem a expulsão de indivíduos para países onde a vida ou a liberdade desses sejam ameaçadas. A Constituição da República Portuguesa, em seu art. 8º, recepciona os referidos preceitos, vinculando o Estado Português e as normas internas a esses mandamentos devidamente ratificados por Portugal;
XVI - Ademais, o recorrente não oferece qualquer risco para a segurança interna de Portugal, não tendo cometido qualquer crime de delito grave na acepção do art. 33º. da Convenção de Genebra, devendo pois ser concedido o pedido de asilo;
XVII - A interpretação da Lei nº. 15/98, de 26/3, deve ser interpretada à luz dos preceitos constitucionais emanados pela Constituição da República Portuguesa e os conteúdos formais colhidos na lei não devem, e não podem, obstar ao reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos, devendo o bem maior a ser tutelado ser considerado como tal;
XVIII - Assim, por conter a respeitosa decisão causa de nulidade e por estar eivada de vícios e interpretações não merecedoras de prosperar e por restar de forma inequívoca e comprovada a admissibilidade do pedido, requer o recorrente que sejam reformadas as decisões que negaram as suas pretensões, admitindo-se o presente recurso e concedendo-se afinal o pedido de asilo, nos termos da Lei nº 15/98, de 26/3”.
O recorrido não contraalegou.
O digno Magistrado do M.P. emitiu parecer, onde se pronunciou pela improcedência do recurso.
Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº 6 do art. 713º. do C.P. Civil.
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2.2. A decisão recorrida julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo ora recorrente, por considerar que o despacho, de 28/5/2004, do Comissário Nacional Para os Refugiados, que confirmou a decisão de não admissão do seu pedido de asilo e de recusa de autorização de residência por razões humanitárias, não enfermava dos vícios de violação dos arts. 1º., 3º nº 2, 11º., nº 2 e 13º., nº 1, als. d) e e), da Lei nº 15/98, de 26/3, do art. 33º., da Convenção de Genebra e dos arts. 33º nos 4 e 6, 7º, 8º., 13º., 24º e 25º. da C.R.P.
Nas conclusões III e IV, o recorrente imputa à sentença um vício de inconstitucionalidade e de nulidade, com violação dos arts. 659º. nº 3 e 668º., nº 1, ambos do C.P. Civil, em virtude de se ter examinado “vaga e subjectivamente” as suas pretensões quanto às invocadas violações dos arts. 7º, 8º, 13º, 24º e 25º da C.R.P.
Embora de forma pouco clara, parece que a nulidade que é imputada à sentença é a da falta de fundamentação a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 668º. do C.P. Civil.
Mas essa nulidade não se verifica.
Efectivamente, tendo o recorrente, na petição inicial, se limitado a alegar que “nunca foi levado em consideração os arts. 7º, 8º, 13º., 24º e 25º da CRP” (cfr. art. 16º. da petição), sem fornecer qualquer justificação que permitisse ao Tribunal averiguar da sua razão, não pode pretender uma minuciosa fundamentação da análise desse vício. Assim, a mera invocação de preceitos legais pretensamente violados desacompanhada de alegação das específicas razões que demonstram tal violação, impede que o Tribunal possa analisar essas razões para fundamentar a sua decisão.
Quanto à alegada inconstitucionalidade, não há que dela conhecer, quer porque não é apresentado qualquer fundamento desse vício, nem a norma ao princípio constitucional infringido, quer porque nem sequer se identifica a norma aplicada pela sentença que dela padeceria (cfr., neste sentido, o Ac. do T.C. de 22/5/96 in B.M.J. 457º-95).
Nas conclusões V e VI o recorrente contesta que se verifique a causa de inadmissibilidade do pedido de asilo prevista na al. d) do nº 1 do art. 13º. da Lei nº 15/98 – apresentação fora do prazo previsto no art. 11º..
Mas não tem razão.
Na verdade, tendo o recorrente chegado a Lisboa, vindo de São Paulo, em 11/12/98 e só tendo formulado o pedido de asilo em 20/4/2004 e não havendo dúvidas que quando veio para Portugal já tinha perfeito conhecimento dos factos que serviram de fundamento ao pedido, é evidente a intempestividade desse pedido em face do que dispõem os nos 1 e 2 do art. 11º da Lei nº 15/98. E não se pode afirmar que esse prazo não é peremptório, quando resulta claramente do citado art. 13º., nº 1, al. d), que o pedido terá de ser considerado inadmissível se for apresentado injustificadamente fora do prazo legal.
Assim sendo, improcedem as conclusões V e VI da alegação do recorrente.
Ocorrendo a referida causa de inadmissibilidade do pedido de asilo, torna-se desnecessário averiguar se se verifica mais alguma, pois basta a ocorrência de alguma delas para que esse pedido seja obrigatoriamente considerado inadmissível. E também não se mostra necessário apreciar se, no caso, estavam preenchidos os requisitos dos nos 1 e 2 do art. 1º. da Lei nº 15/98, pois ainda que estes se verificassem sempre o pedido teria que ser considerado inadmissível, nos termos do art. 13º nº 1 al. d). Deste modo, não há que conhecer das conclusões VII a XIV da alegação do recorrente.
Nas conclusões XV e XVI, o recorrente invoca que os arts. 3º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 33º., da Convenção de Genebra, recepcionados pelo art. 8º., da C.R.P., obstariam à sua expulsão para um país onde a sua vida e liberdade fosse ameaçada, parecendo, assim, entender que a não concessão do pedido de asilo violaria aqueles preceitos.
Mas essa violação é insusceptível de se verificar no caso em apreço, quer porque não se está perante um acto de expulsão, quer porque a eventual ameaça da vida ou da liberdade do recorrente não decorria da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, conforme exigia o citado art. 33º., nº 1, mas de ter praticado um crime.
Improcedem, pois, as referidas conclusões da alegação do recorrente
Finalmente, nas conclusões I e II da sua alegação, referentes à recusa da autorização de residência, o recorrente considera que se mostram preenchidos os requisitos previstos no nº 1 do art. 8º. da Lei nº 15/98, dado que, no Brasil, se vive actualmente uma situação de grave insegurança e de sistemáticas violações dos direitos humanos.
Vejamos se lhe assiste razão.
O citado art. 8º., nº 1, estabelece que “é concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a que não sejam aplicáveis as disposições do art. 1º. e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, por motivos de grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifiquem”.
Resulta deste preceito que a autorização de residência por razões humanitárias depende de o requerente estar impossibilitado de regressar ao país de que é nacional “por motivos de grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verificam”.
Conforme resulta das declarações prestadas pelo recorrente (cfr. al. E) dos factos provados), este não foi impedido de regressar ao Brasil, nem se sente impossibilitado de regressar, por razões que tenham a ver com conflitos armados ou com a sistemática violação dos direitos humanos, não tendo sido também por estes motivos que ele abandonou esse país. A saída do Brasil deveu-se a ter sido acusado da morte de dois presumíveis traficantes de droga, tendo passado a receber ameaças de morte de indivíduos ligados aqueles presumíveis traficantes, pelo que alega existir risco para a sua integridade física se lá voltar.
Sendo o Brasil um Estado de Direito Democrático, com estabilidade política, onde funcionam regularmente as instituições democráticas e que, apesar de alguns problemas relacionados com a criminalidade, não tem conflitos armados nem conhece uma situação de sistemática violação dos direitos humanos, entendemos que não se verificam os requisitos de que o mencionado art. 8º., nº 1, faz depender a concessão da autorização de residência por razões humanitárias.
Aliás, nem nas declarações que prestou no S.E.F., nem na petição inicial, o recorrente alega que seja a insegurança causada por conflitos armados ou pela sistemática violação dos direitos humanos que o impedem de regressar ao Brasil.
Assim, a sentença recorrida, ao concluír que não fora feita prova da verificação dos requisitos do citado art. 8º., nº 1, não merece qualquer censura, motivo por que também improcedem as conclusões I e II da alegação do recorrente.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem Custas, por isenção (cfr. art. 62º., da Lei nº 15/98)

Lisboa, 22 de Setembro de 2005

as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos
Magda Espinho Geraldes