Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1326/16.7.BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:JÚRI
SUSPEIÇÃO
Sumário:I - Em sede de conduta do júri, especialmente do seu presidente, sendo o incidente de suspeição dirigido contra todos os membros do júri, todos e cada um destes, incluindo o seu presidente, estão impedidos de o apreciar (cfr. artigo 69º/1-a) do Código do Procedimento Administrativo: “Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”), sob pena de parcialidade objetiva;

II - Também têm de cumprir o dever imposto no artigo 70º/1 do Código do Procedimento Administrativo (“Quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão ou agente da Administração Pública, deve o mesmo comunicar desde logo o facto ao respetivo superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial, consoante os casos”), para depois se dar cumprimento ao nº 4 desse artigo 70º (“ Compete ao superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial conhecer da existência do impedimento e declará-lo, ouvindo, se considerar necessário, o titular do órgão ou agente”).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

FERNANDA ………………………….., devidamente identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA processo cautelar contra

HOSPITAL PROFESSOR DOUTOR FERNANDO FONSECA, E.P.E.

Por decisão cautelar de 31-8-2016, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde decretou a suspensão do procedimento concursal aberto pelo Anúncio nº 33/2016, publicado no DR, 2ª Série, nº 22, de 02.02.2016.

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Inconformado com tal decisão, o requerido interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1) A decisão recorrida padece de vícios de vária ordem no que espeita à apreciação do Direito aplicável aos factos, ocorrendo um manifesto erro de julgamento que conduzirá, necessariamente, à sua revogação.

2) Entende o ora Recorrente que o disposto no artigo 132.º do CPTA é inaplicável a uma providência cautelar intentada no âmbito de um procedimento concursal comum conducente ao recrutamento de pessoal médico, in casu ao procedimento concursal comum conducente ao recrutamento de pessoal médico para a categoria de assistente graduado sénior, da área hospitalar da Especialidade de Medicina Interna, da carreira médica e especial médica hospitalar aberto pelo Anúncio n.º 233/2016, publicado no DR, 2ª Série, nº 22, de 02.02.2016, o qual se rege pelas disposições constantes nos Decretos-Leis n.os 176/2009 e 177/2009, ambos de 4 de agosto, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei 266-D/2012, de 31 de dezembro e pelas disposições da Portaria 207/2011, de 24 de maio, +republicada pela Portaria 229 - A/2015, de 3 de agosto.

3) O artigo 132.º do CPTA aplica-se exclusivamente a procedimentos contratuais previstos no Código dos Contratos Públicos, em cumprimento do disposto nas Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE, sendo aquela norma um dos garantes da tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares em procedimentos para a formação dos contratos públicos.

4) Ao passo que, os procedimentos concursais comuns conducente ao recrutamento de pessoal médico, como aquele a que respeitam os presentes autos, têm as suas regras e garantias autónomas espelhadas nos Decretos-Leis n.º 176/2009 e 177/2009, ambos de 4 de agosto, na redação que lhes foi dada pelo Decreto- Lei 266-D/2012, de 31 de dezembro e pelas disposições da Portaria 207/2011, de 24 de maio, republicada pela Portaria 229- A/2015, de 3 de agosto, nomeadamente no artigo 27.º da Portaria 207/2011, de 24 de maio, pelo que, ao recrutamento de pessoal médico aplica-se as regras das providências cautelares resultantes do artigo 120.º CPTA.

5) Pretende a Recorrida nos presentes autos a suspensão do concurso aberto pelo Anúncio n.º 233/2016 pelo ora recorrente no seguimento de dedução de incidente de suspeição aposta contra todos os membros do júri do concurso com o fundamento de que a decisão a tomar quanto ao incidente de suspeição compete ao Conselho de Administração do Recorrente.

6) Nos termos do disposto nos artigos 70.º n.º 4 e 5 e 75.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, as pessoas ou órgãos competentes para decidirem do mérito do incidente suscitado pela Recorrida tomaram posição,

7) pelo que, não pode o Conselho de Administração do Recorrente ultrapassar o presidente e vogais do júri relativamente ao poder decisório do incidente de suspeição, concluindo- se assim pela insusceptibilidade do Conselho de Administração do Recorrente tomar posição sobre o incidente de suspeição quando o poder para decidir do mérito do mesmo cabia a outras entidades e órgãos, pelo que, é cristalina a alegação de que a presente providência cautelar se encontra desprovida de fundamento na medida em que, tendo como fim assegurar a preservação do objeto da ação principal que visa a prática de um ato pelo Conselho de Administração da Recorrente, o qual ainda não foi “convidado” a realizá-lo em sede do procedimento concursal, logo não se encontra legalmente obrigado à prática de tal ato.

8) Acresce ainda que, nos termos do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA são impugnáveis os atos administrativos que “ainda que não ponham termo a um procedimento”, “visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos”, pelo que, assim, no contexto de um procedimento concursal, o ato que decide da suspeição de membros do júri de concurso, afigura-se meramente instrumental, sem autonomia jurídica, pelo que, manifestamente, não é um ato essencial ao andamento do procedimento administrativo e, no limite, simplesmente se dirá que é insuscetível de impugnação judicial o que, aliás, vem sendo decidido de forma unanime pela jurisprudência.

9) Nesse sentido, e não sendo suscetível de impugnação judicial, jamais poderá constituir fundamento para o decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia.

10) Pois que o facto de não ser suscetível de impugnação judicial direta não a possibilidade de impugnação do ato que, a final, vier a ser prejudicado com fundamento na eventual parcialidade do júri do procedimento.

11) Consequentemente, o ora recorrente não pode deixar de discordar com a Sentença na análise que a mesma faz aos pressupostos de decretamento da providência cautelar pois que, quer se recorra ao n.º 1 do artigo 120.º, quer se recorra ao n.º 1 e n.º 5 do artigo 132.º do CPTA, será necessário concluir no sentido de que se deverá, sempre, apreciar o mérito da pretensão principal para decidir da concessão da providência.

12) Com efeito, quer pela remissão (para a totalidade do título IV) do n.º 1 do artigo 132.º, quer pela apreciação do mérito da pretensão prevista no n.º 5 do artigo 132.º. parece evidente que tal ponderação (do mérito) deve ser efetuada em sede de processos cautelares.

13) E tendo tal apreciação de ser efetuada, não poderia, atenta a matéria de facto carreada para os autos, ter sido decretada a providência solicitada.

14) Com efeito, e em primeiro lugar, o ato que fundamenta a alegada ilegalidade (pedido de suspensão nos presentes autos), consiste na decisão de um incidente de suspeição, sendo que tal ato não pode ser judicialmente impugnado conforme vem decidindo, de forma unânime, a jurisprudência.

15) Em segundo lugar, é evidente, segundo as regras que regulam a decisão dos incidentes de suspeição (que não se confundem com os impedimentos) que o órgão competente para decidir um incidente de suspeição num órgão colegial não será, em momento algum, o Conselho de Administração de tal entidade, mas sim, um ou mais elementos dentro do órgão (consoante o visado);

16) Por último, a Recorrida poderia, querendo, apresentar recurso hierárquico da decisão, assegurando a intervenção do Conselho de Administração do Recorrente. Não o tendo feito… sibi imputet.

17) Atento o supra exposto, não se encontram reunidos os pressupostos necessários para o decretamento da providência cautelar requerida pela Recorrida ao abrigo do artigo 132.º do CPTA, pelo que, deverá ser o correspondente pedido ser julgado improcedente, com a consequente revogação da Sentença recorrida.

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A recorrida contra-alegou, concluindo:

1) O procedimento cautelar presente cabe no âmbito e alcance do art. 132. do CPTA, porque "onde o legislador não distingue, não é legítimo nem lícito ao intérprete e aplicador distinguir".

2) Fumus boni iuris, demonstra-o claramente a sentença recorrida: a competência para decidir o incidente de suspeição é do recorrente, nos termos do disposto nos arts 69.º/1/a, 70. /2/4/5, 75. /1, 76.º/2, todos do CPA, e art. 266 .2 da CRP.

3) Periculum in mora, do mesmo modo: "... [respeito da] boa ordem do procedimento de modo a evitar a Prática dos ulteriores atos do concurso, sem que o incidente de suspeição (que foi oposto a todos os membros do Júri) esteja decidido pela entidade competente para o efeito", enquanto "a recorrente e os contrainteressados não vieram invocar qualquer interesse específico no não decretamento da providência, nem apontar qualquer prejuízo causado pelo seu decretamento " ( vd. sentença recorrida p. 11).

4) Trata-se de ato imediatamente recorrível, precisamente no âmbito e alcance da diretiva constitucional já citada, do art. 266. º/2 da CRP: "os órgãos... administrativos estão subordinados... [ao] princípio da imparcialidade ...", a que acrescem no ordenamento Fundamental os art. ºs 17., 18. / 1 e 268. /4.

5) E nenhuma norma legal impunha à recorrida que in casu interpusesse recurso hierárquico.

6) O entendimento de se não tratar, neste caso, de impugnação direta e imediata jurisdicional, torna os preceitos legais invocáveis com esta interpretação, nomeadamente o disposto no art. 51. /1/2 do CPTA, ou o art27.º da Port.ª n.º 207/2011, de 24/05, feridos de inconstitucionalidade, por serem contrários ao disposto nos art. ºs 20/1, já citados 266/2, in fine, e 268/4 da CRP.

7) Improcedem, pois, todas as conclusões formuladas pelo recorrente, com vista à revogação da sentença recorrida.

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O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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Para decidir, este tribunal tem omnipresente a nossa Constituição, como (i) síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo (ii) modelo político é de natureza ético-humanista e cujo (iii) modelo económico é o da economia social de mercado, amparado no Direito.

Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático - por referência à ação humana e ao dever-ser inspirador das leis -, quais sejam, (i) a dimensão factual social - que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um sistema jurídico uno e real, (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos - que influenciam o direito objetivo também através das janelas do sistema jurídico - e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos.

As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

O tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) A Requerente é oponente ao concurso conducente ao recrutamento de pessoal médico para a categoria de assistente graduado sénior da área hospitalar – Medicina Interna – da carreira médica e especial médica hospitalar do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca aberto pelo Anúncio nº 33/2016, publicado no DR, 2ª Série, nº 22, de 02.02.2016.

2) Foi nomeado Presidente do júri: Luis ………………… – Assistente Graduado Sénior de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E.; foi nomeado 1º Vogal efetivo: Carlos ………………….. - Assistente Graduado Sénior de Medicina Interna do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; foi nomeado 2º Vogal efetivo: Francisco ……………… - Assistente Graduado Sénior de Medicina Interna do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. (cfr. aviso suprarreferido).

3) Foi a Requerente notificada do projeto de lista de classificação final, tendo ficado posicionada em último lugar.

4) Em 16 de maio de 2016, a Requerente dirigiu ao “Senhor Presidente e Vogais do Júri do Concurso de Provimento na Categoria de Assistente Graduado Sénior do Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca aberto pelo Anúncio nº 33/2016”, o requerimento, sob doc. nº 4, junto com o r.i., o qual se dá por integralmente reproduzido, no qual deduz incidente de suspeição relativamente a todos os membros do júri, terminando da seguinte forma:

“São todos estes argumentos que o oponente traz ao debate, perante V. Ex.ªs, Exmº Júri e Exmos. Vogais do Júri, em ordem a que, tomados em boa conta, possam levar a um assentimento, sem mais, ou ao despacho, pela entidade que lançou o concurso, de uma substituição arbitral dos Senhores Dr. Luis …….., Dr. Jorge ……….e Dr. Francisco …………. Requer, portanto, a oponente, seguidos os demais trâmites que são de lei, que esta suspeição seja objeto de rigoroso exame e amparo, se necessário, com a subida hierárquica superior do expediente.” (cfr. doc nº 4 junto com o r.i. e PA)

5) Em 08.06.2016 foi comunicado à Requerente o teor do despacho de indeferimento do requerimento de suspeição referido em 4., despacho subscrito pelo Presidente do Júri, Dr. Luis …………., datado de 06.06.2016, junto sob doc. nº 15 ao r.i.., o qual se dá por integralmente reproduzido, o qual conclui da seguinte forma: “independentemente de ainda poderem ser atendidos alguns ajustes à classificação, em sede de audiência prévia, em função das observações dos candidatos, o Júri está convicto da sua isenção, seriedade e sentido de justiça na classificação atribuída.”

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Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem o objeto deste recurso.

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II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter presentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade administrativas, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas; e (iv) tutela jurisdicional efetiva.

Em consequência, este tribunal utiliza um método jurídico adequado à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, através de um processo decisório teleologicamente orientado apenas (i) à concretização dos valores da Constituição e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso.

Assim, a resolução de litígios através do tribunal, num Estado democrático de Direito, implica: (i) um rigoroso respeito pelas normas materialmente constitucionais inseridas nos artigos 9º e 10º do Código Civil, na busca do pensamento legislativo da fonte de direito, dentro do sistema jurídico atual e com respeito pela máxima constitucional da sujeição dos juizes às leis e aos artigos 111º e 112º da Constituição da República Portuguesa; (ii) e, nos casos “difíceis” e excecionais em que tal for lícito ao juiz, implica ainda a metodologia racional-justificativa consistente no sopesamento ou ponderação de bens, interesses e valores eventualmente colidentes na situação concreta, sob a égide da máxima metódica da proporcionalidade, mas sempre sem prejuízo, quer dos cits. quatro princípios jurídicos fundamentais, quer do princípio constitucional da sujeição da atividade jurisdicional às leis.

Ora, o presente recurso de apelação demanda que conheçamos do seguinte:

- errada utilização do artigo 132º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em vez do artigo 120º;

- inimpugnabilidade autónoma da decisão do incidente de suspeição.

Vejamos.

A)

As medidas ou providências cautelares referidas no art. 112º CPTA (umas típicas (1), outras não) visam

× assegurar que o tempo do julgamento do processo principal não determine a inutilidade da sentença nele proferida (“periculum in mora”; prejuízo específico e particular) e, consequentemente,

× impedir que o Requerente, aquando do fim do processo principal, fique numa situação de facto consumado (situação em que se tornará depois impossível, no caso de o processo principal proceder, operar a reintegração factual da situação conforme à legalidade) ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter à situação que existiria se a ilegalidade (por ora, meramente aparente) não tivesse sido cometida, com base num julgamento muito sumário da questão de direito donde se conclua pela aparência do direito invocado (“fumus boni iuris”).

Têm, afinal, o propósito de evitar a deterioração do equilíbrio de interesses existente à partida, procurando que ele se mantenha, a título provisório, até que a questão de fundo seja dirimida no processo principal. O prejuízo decorrente para o direito que se visa acautelar da demora normal do processo principal é, pois, o thema-regra de qualquer processo cautelar (ISABEL FONSECA, Processo Temporalmente Justo…, p. 1013).

São 3 as características essenciais da tutela cautelar:

1ª) A sua instrumentalidade em relação a um processo principal (v. arts. 112º-1, 113º-1 e 123º CPTA), pelo que a tutela cautelar só se justifica se for condição “sine qua non” da utilidade e da eficácia da decisão a proferir no processo principal;

2ª) A sumariedade da apreciação jurisdicional, i.e., o tribunal deve proceder a apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, quer para efeitos de apreciação do “fumus boni iuris”, quer de apreciação do “periculum in mora”, sendo por isso um processo urgente (2); portanto, o juiz não pode fazer apreciações ou análises exaustivas;

3ª) A provisoriedade das providências cautelares decretadas (v. art. 124º CPTA), ou seja, a sua duração é provisória e o seu conteúdo é provisório, sendo proibido antecipar a resolução definitiva do litígio ou prejudicar o sentido da decisão principal e o interesse no julgamento da causa principal (i.e., a decisão cautelar não pode ter efeitos de direito irreversíveis).

Os requisitos para a decretação no CPTA (art. 120º) são:

1. O perigo de inutilidade da sentença na ação principal, o “periculum in mora”, ou perigo na demora normal do processo principal, com base num juízo de prognose: fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado (ou perigo da infrutuosidade) ou fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal (ou perigo do retardamento) (3);

2. A aparência do direito, a probabilidade de procedência da ação principal ou “fumus boni iuris” (ou ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente);

3. A proporcionalidade da decisão cautelar, com a ponderação global dos interesses específicos e concretos apurados e dos danos específicos e concretos apurados, num mesmo patamar, alcançando uma decisão justa, proporcional e equilibrada. Deve fazer-se uma comparação do peso relativo dos interesses em presença, comparação a fazer à luz do circunstancialismo fáctico do caso concreto, cumprindo assegurar que, entre dois prejuízos, a decisão cautelar seja aquela que objetivamente provoque prejuízos em menor grau. Por isso, limitando-se eventualmente o requerente a alegar meros juízos ou conclusões, recorrendo a generalidades e a conceitos indeterminados, sem concretizar através de factos e exemplos da vida corrente os específicos prejuízos que advirão da execução do ato, não está preenchido o requisito referido. Esta ponderação judicial é feita com referência direta aos danos ou prejuízos em jogo e não com referência direta aos interesses;

4. A suficiência (e necessidade) da providência concreta relativamente ao fim a que legalmente se destina.

O fundado receio referido há de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que as consequências das eventuais providências são suficientemente prováveis para que se possa considerar "compreensível ou justificada" a cautela que é solicitada, não bastando ao Tribunal, para a formulação do tal juízo de prognose ou a mera alegação vaga e abstrata dos prejuízos, devendo os autos conter razões, isto é, factos que fundamentem o pedido, para que se possa concluir pelo deferimento da pretensão.

Funcionam no processo cautelar administrativo as regras gerais do ónus da prova (arts. 342º ss CC, 112º-2-a, 114º-3-f-g, 118º e 120º CPTA, e 514º CPC). Pelo que o requerente, além da aparência do bom direito, tem de descrever detalhadamente os factos consubstanciadores do periculum in mora.

Sobre o ónus da prova, cfr. CARLOS CADILHA, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 69; e MÁRIO AROSO…, Manual…, 2010, pp. 85-86.

Logicamente, o processo cautelar deverá improceder se o juiz cautelar concluir que é evidente que o processo principal irá improceder.

A urgência própria destes processos exclui logicamente os incidentes de intervenção de terceiros em casos de litisconsórcio voluntário. O TCAS, no entanto, tem ido mais longe: considera que, conforme resulta do art. 1º. do CPTA, a aplicação da lei de processo civil é supletiva, ou seja, está dependente da inexistência de um regime especial estabelecido nas leis do contencioso administrativo. Estabelecendo o CPTA um regime especial sobre a citação dos contrainteressados nos processos cautelares (art. 114º., nº 3, al. d)) e sobre a regularização do requerimento inicial, nomeadamente por falta de indicação dos contrainteressados a quem a adoção da providência possa diretamente prejudicar (arts. 114º., nº 4 e 116º., nº 2, al. a)), não tem lugar a aplicação do C. P. Civil em matéria de incidente de intervenção de terceiros como forma de correção do requerimento inicial. Assim, após ter sido proferido despacho a ordenar a citação dos requeridos e estes terem apresentado a sua oposição, não se pode utilizar, em processo cautelar, o incidente de intervenção principal para regularizar o requerimento inicial.

B)

O Código do Procedimento Administrativo prevê o seguinte, aqui pertinente:

Artigo 13º

1 - Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.

2 - Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.

3 - Os órgãos da Administração Pública podem decidir sobre coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exija.

Artigo 41º

1 - Quando seja apresentado requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, o documento recebido é enviado oficiosamente ao órgão titular da competência, disso se notificando o particular.

2 - Nos casos previstos no número anterior, vale a data da apresentação inicial do requerimento para efeitos da sua tempestividade.

Artigo 69º

1 - Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, nos seguintes casos:

a) Quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa (…)

Artigo 70º

1 - Quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão ou agente da Administração Pública, deve o mesmo comunicar desde logo o facto ao respetivo superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial, consoante os casos.

2 - Quando a causa de impedimento incidir sobre outras entidades que, sem a natureza daquelas a quem se refere o n.º 1, se encontrem no exercício de poderes públicos, devem as mesmas comunicar desde logo o facto a quem tenha o poder de proceder à respetiva substituição.

3 - Até ser proferida a decisão definitiva ou praticado o ato, qualquer interessado pode requerer a declaração do impedimento, especificando as circunstâncias de facto que constituam a sua causa.

4 - Compete ao superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial conhecer da existência do impedimento e declará-lo, ouvindo, se considerar necessário, o titular do órgão ou agente.

5 - Tratando-se do impedimento do presidente do órgão colegial, a decisão do incidente compete ao próprio órgão, sem intervenção do presidente.

6 - O disposto nos n.os 3 a 5 aplica-se, com as necessárias adaptações, às situações referidas no n.º 2.

Artigo 73º

1 - Os titulares de órgãos da Administração Pública e respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos devem pedir dispensa de intervir no procedimento ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública quando ocorra circunstância pela qual se possa com razoabilidade duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão e, designadamente:

d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do órgão ou agente, ou o seu cônjuge ou pessoa com quem viva em condições análogas às dos cônjuges, e a pessoa com interesse direto no procedimento, ato ou contrato.

2 - Com fundamento semelhante, pode qualquer interessado na relação jurídica procedimental deduzir suspeição quanto a titulares de órgãos da Administração Pública, respetivos agentes ou outras entidades no exercício de poderes públicos que intervenham no procedimento, ato ou contrato.

Artigo 75º

1 - A competência para decidir da escusa ou suspeição é deferida nos termos referidos nos n.os 4 a 6 do artigo 70.º

2 - A decisão deve ser proferida no prazo de oito dias.

3 - Sendo reconhecida procedência ao pedido, é observado o disposto nos artigos 71.º e 72.º

Artigo 76º

1 - São anuláveis nos termos gerais os atos ou contratos em que tenham intervindo titulares de órgãos ou agentes impedidos ou em cuja preparação tenha ocorrido prestação de serviços à Administração Pública em violação do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 69.º

2 - A omissão do dever de comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 70.º constitui falta grave para efeitos disciplinares.

3 - A prestação de serviços em violação do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 69.º constitui o prestador no dever de indemnizar a Administração Pública e terceiros de boa-fé pelos danos resultantes da anulação do ato ou contrato.

4 - A falta ou decisão negativa sobre a dedução da suspeição não prejudica a invocação da anulabilidade dos atos praticados ou dos contratos celebrados, quando do conjunto das circunstâncias do caso concreto resulte a razoabilidade de dúvida séria sobre a imparcialidade da atuação do órgão, revelada na direção do procedimento, na prática de atos preparatórios relevantes para o sentido da decisão ou na própria tomada da decisão.

Artigo 129º

Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 13.º e no artigo seguinte, a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.

C)

A aqui requerente afirma no R.I. pretender, a final, na ação principal, que o C.A. da E.R. aprecie o incidente de suspeição deduzido pela requerente contra todos os membros do júri (cfr. artigos 70º/4/5/6, 73º/1-d)/2 e 75º/2 do atual Código do Procedimento Administrativo), uma vez que tal incidente foi apreciado, no procedimento concursal, por um dos visados no incidente, o presidente do júri (cfr. Decreto-Lei nº 176/2009, Decreto-Lei nº 177/2009, Decreto-Lei nº 266-D/2011 e Portaria nº 229-A/2015).

Também diz que visa, com a ação principal, a anulação do resultado do concurso (se este prosseguir).

D)

O Tribunal Administrativo de Círculo, com base naqueles factos provados, decretou a citada providência cautelar (suspendeu o procedimento concursal), invocando o artigo 132º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Disse o Tribunal Administrativo de Círculo algo de obscuro:

“A Entidade Requerida e os contrainteressados que se opuseram ao decretamento da providência não vieram invocar qualquer interesse específico no não decretamento da providência nem apontar qualquer prejuízo causado pelo seu decretamento. Assim, em face do exposto, temos de concluir que não sendo invocados pelos interessados danos na adoção da providência, sempre será de atender ao interesse da Requerente no sentido da boa ordem do procedimento, aguardando-se por uma decisão jurisdicional que resolva o litígio, evitando-se, caso venha a ser dada razão à Requerente na causa principal, a prática de eventuais atos inúteis no procedimento concursal”.

E)

Sobre a errada utilização do artigo 132º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

É manifesto que o Tribunal Administrativo de Círculo errou ao se socorrer aqui do artigo 132º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, relativo aos processos cautelares relativos a procedimentos de formação de contratos da A.P. não referidos nos artigos 100º a 103º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Tal dispositivo legal refere-se a procedimentos pré-contratuais e não a procedimentos concursais, como o presente, de pessoal da Administração Pública, incluindo a empresarial.

Ao presente caso aplica-se, pois, o artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (critérios de decisão nos processos cautelares em geral) e não o artigo 132º.

F)

Sobre a inimpugnabilidade autónoma da decisão do incidente de suspeição:

Como resulta do R.I., o que está em causa é a falta de decisão do incidente de suspeição pelo órgão hierarquicamente superior ao júri (órgão superior a quem o incidente foi dirigido, para o caso - verificado - de o júri não se afastar), todo ele objeto do incidente, e o dever de remessa do incidente de suspeição, por parte do júri visado (cujos membros, todos, são objeto do incidente), ao Cons. de Adm. da E.R. como única entidade “superior” ao júri (incluindo o seu presidente) legalmente disponível para apreciar o incidente, em decorrência dos cits. artigos 70º/4/6 e 75º/2 do Código do Procedimento Administrativo.

Há já uma decisão sobre o incidente. Foi tomada por um dos visados, o presidente do júri.

O recorrente parece entender o seguinte:

-embora o objeto da ação principal seja a decisão do incidente pelo conselho de administração da E.R. (órgão superior a quem o incidente foi dirigido, para o caso - verificado - de o júri não se afastar) e a anulação do resultado do concurso, conforme se diz no r.i., temos que, como a autora não se preocupa com a decisão existente da autoria de um dos visados no incidente, o presidente do júri, já nada mais a autora poderá fazer;

-a decisão do incidente (parece que a existente) será impugnável só a final, por não ser um “ato destacável para efeitos contenciosos” do procedimento concursal, mas sim mero ato instrumental ou preparatório (apesar dos Acs. do STA de 4-3-1992, Processo nº 025660, e de 16-2-1989, Processo nº 023476: “O ato de resolução do incidente de suspeição contra membro do júri - embora surgindo na fase preparatória do concurso - constitui ato destacável ou prejudicial para efeitos de impugnação contenciosa autónoma).

Ora, tendo presente que

(i) a decisão do incidente pelo presidente do júri é obviamente ilegal, por violação do “princípio da imparcialidade objetiva”, por violação do dever de fazer a comunicação prevista no cit. artigo 70º do Código do Procedimento Administrativo e, quanto ao incidente, por violação do cit. artigo 41º do Código do Procedimento Administrativo - decisão assim anulável, também por violar claramente o artigo 69º/1-a) e o artigo 70º/4, este ex vi artigo 75º/1 do Código do Procedimento Administrativo, sem esquecer o artigo 71º/1 - e

(ii) como continua por cumprir o imposto ao júri nos cits. artigos 70º/1 e 41º do Código do Procedimento Administrativo,

bem como, ainda, (iii) continua por cumprir pela E.R. (seu Cons. de Adm.) o seu dever de decidir o incidente de suspeição contra o júri (cfr. artigos 70º/3 e 75º/1/2 do Código do Procedimento Administrativo), conclui-se o seguinte:

a requerente não perdeu nenhum dos seus direitos, processuais ou substantivos, relativamente ao incidente de suspeição e ao procedimento concursal (sobre este, vd. o cit. artigo 76º/1 do Código do Procedimento Administrativo).

Quer dizer:

- (em sede de conduta ilegal do júri, especialmente do seu presidente, por impedimento) sendo o incidente de suspeição dirigido contra todos os membros do júri, todos estes, incluindo o seu presidente, estavam impedidos de o apreciar (artigo 69º/1-a)), sob pena de parcialidade objetiva; também tinham de cumprir o dever imposto no artigo 70º/1, que não foi cumprido, para depois se dar cumprimento ao nº 4 desse artigo 70º; também tinham de cumprir o dever imposto no artigo 41º do Código do Procedimento Administrativo;

- já em sede da suspeição (aqui com base no cit. artigo 73º/1-d)/2 do Código do Procedimento Administrativo), ainda falta cumprir ao Cons. de Adm. da E.R. o dever urgente de decidir sob a égide dos cits. artigos 13º, 75º/1/2, 70º/4 e 129º do Código do Procedimento Administrativo.

Aliás, há uma contradição na tese do recorrente: a decisão existente pelo presidente do júri seria inimpugnável autonomamente, mas a requerente teria perdido o direito de a atacar, bem como o direito de atacar o resultado do concurso.

Portanto, não tem sentido, nem é juridicamente aceitável, que esta conduta (impedida) do presidente do júri impeça, só por si, a atuação direta contra o essencial: a suspeição contra todo o júri e a legalidade ou ilegalidade no procedimento e sua decisão final (o objeto da ação principal, de que este processo é instrumental).

Passemos agora à aplicação do artigo 120º/1-2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aos factos provados.

G)

Pelo acabado de expor, sublinhando-se que o futuro ato administrativo (urgente) da E.R. sobre a suspeição é um ato (i) autonomamente impugnável (cfr. assim o artigo 51º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o artigo 76º/4 do Código do Procedimento Administrativo) e (ii) perfeitamente distinto do ato final do procedimento concursal e imediatamente lesivo (assim os cits. Acs. do STA de 4-3-1992, Processo nº 025660, e de 16-2-1989, Processo nº 023476), já se vê que há aqui “fumus boni iuris” (é provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente).

Com efeito, como vimos, tudo indicia que a requerente (i) tem o direito a ver o seu req. de suspeição, deduzido contra todo o júri, apreciado pelo órgão legalmente competente (necessariamente diferente do impedido presidente do júri, cfr. artigo 75º/1/2 do Código do Procedimento Administrativo) a quem, aliás, dirigiu o requerimento de suspeição, sob pena de tal falta e de o impedimento óbvio do presidente do júri desembocarem (ii) na anulação do ato administrativo final.

Passemos, agora, ao “periculum in mora”, ou seja, apuremos se há ou não aqui um fundado receio (i) da constituição de uma situação de facto consumado (isto é, situação em que se tornará depois impossível, no caso de o processo principal proceder, operar a reintegração factual da situação conforme à legalidade) ou (ii) da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente (isto é, os factos alegados e provados permitem ao juiz concluir que, sem a providência cautelar, a reintegração da legalidade no plano dos factos se perspetiva difícil ou que os prejuízos que sempre se produzirão ao longo do tempo não serão integralmente reparáveis com tal reintegração), no caso de o processo principal proceder.

Ora, sem a providência cautelar decretada, dirigida a obter a apreciação do incidente de suspeição por entidade superior à entidade visada, mostra-se difícil para a requerente reintegrar a legalidade no plano dos factos, já que, com o preenchimento consequente da vaga a concurso, haverá muito provavelmente o recurso ao mecanismo ora moroso, ora denegador de uma perfeita reintegração da legalidade no preenchimento de vagas de emprego público, previsto nos artigos 173º/4/1ª parte do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“Quando à reintegração ou recolocação de um trabalhador que tenha obtido a anulação de um ato administrativo se oponha a existência de terceiros interessados na manutenção de situações incompatíveis, constituídas em seu favor por ato administrativo praticado há mais de um ano, o trabalhador que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado, ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro até à integração neste “).

Isso significa que, além de ter de atacar todo o procedimento, a requerente terá menos tempo no cargo a concurso, acesso ao cargo que ocorrerá, definitivamente e sem reparação integral, mais tarde do que o normal.

Portanto, há “periculum in mora”, com o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida com esta diferente fundamentação de direito.

Custas a cargo do recorrente.

Para os efeitos disciplinares previstos no artigo 76º/2 do Código do Procedimento Administrativo, atenta a conduta do presidente do júri, remeta-se cópia deste acórdão ao Cons. de Adm. da E.R. como “participação de infração disciplinar grave, ao abrigo dos artigos 69º/1-a), 70º e 76º/2 do Código do Procedimento Administrativo”.

Lisboa, 15-12-2016


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)



(1)Por exemplo, entre outros (suspensão de eficácia), o pedido cautelar de intimação de alguém para que provisoriamente se abstenha de um certo comportamento, alegadamente violador de normas de direito administrativo, supõe que haja um vazio decisório, isto é, que não exista ou subsista uma qualquer pronúncia justificativa de tal comportamento (Ac. do STA de 10.1.2008, Rec. nº 0675/07).
Sobre este tema, ver: FREITAS DO AMARAL, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 43, e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA et al., Comentário ao CPTA, 3ª ed., notas ao art. 112º.

(2)Não obstante, o CPTA admite todos os meios de prova estritamente necessários e úteis ao esclarecimento sumário do caso concreto objeto de tutela cautelar. O CPC (v. arts. 384º-3 e 303º) e o CPTA (arts. 1º, 114º-3-g e 118º-2) não parecem permitir a aplicabilidade do art. 523º-2 CPC.

(3) Por exemplo, constituem prejuízos de difícil reparação os danos morais cuja especial intensidade desaconselhe que o lesado os sofra, podendo ser deles livrado, bem como aqueles cuja indemnização só seja atingível por um processo de cálculo mais árduo, problemático e controverso do que é usual nos danos dessa espécie.