Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2954/15.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:CADUCIDADE DO ARRESTO POR PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA
Sumário:1) O arresto consiste na apreensão judicial de bens do devedor capaz de antecipar os efeitos derivados da penhora e de garantir o efeito útil que o credor procura através da sentença condenatória ou dos meios de cumprimento coercivo das obrigações.
2) No caso, a dívida exequenda que a providência de arresto decretada tem em vista garantir não se mostra paga na totalidade, pelo que não se verifica o pressuposto do pagamento da dívida garantida como fundamento da caducidade do arresto, o qual, por este motivo, não pode ser levantado.
3) Os contribuintes ou terceiros que efectuem o pagamento devem indicar os tributos e os períodos de tributação a que se referem (artigo 40.º/3, da LGT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
Por meio de despacho de fls. 453/461, foi indeferido o pedido deduzido por P... de levantamento do arresto decretado nos presentes autos, incidente, entre o mais, sobre imóveis e depósitos bancários, de que é proprietário.
Não se conformando, o arrestado interpõe, junto do TCAS, o presente recurso jurisdicional, formulando a final as conclusões seguintes:
1- A sentença de arresto fixou a responsabilidade subsidiária do Recorrente em 63.809,436, com o limite temporal de 2013 para créditos fiscais vencidos até essa data.
2 - Posteriormente à sentença de arresto o Recorrente foi citado, no âmbito de execução fiscal n° ..., de que o presente incidente é dependente, para pagar a quantia de 62.373,976. O Recorrente não recebeu qualquer outra citação.
3 - O Recorrente pagou a quantia exequenda em 13 de Maio de 2016.
4 - Ao contrário do determinado na sentença de arresto, a AT, por sua iniciativa, depois de ter recebido do Recorrente €62.373,976, imputou parte desta quantia a créditos fiscais vencidos em 2014 e 2015, relativamente aos quais o Recorrente não é responsável subsidiário.
5 - A AT, com uma mão, cobra os créditos garantidos pelo arresto e, com a outra mão, pretende cobrar créditos da responsabilidade de terceiro valendo-se, indevidamente, dos efeitos judiciais do presente incidente. Quanto ao pagamento feito pelo Recorrente a AT vem dizer que falta dinheiro, relativo a responsabilidades de 2011 (que nem sequer demonstra nem explica) porque, precisamente, de forma indevida, tal dinheiro foi por si imputado em responsabilidades de terceiro correspondentes a 2014 e 2015.
6 - O despacho recorrido (embora se pense que de forma não intencional, pois o juiz a quo não se terá apercebido) permite assim que a AT cobre 88.359,556, ao invés dos 63.809,43€ fixados na sentença de arresto como limite do crédito tributário que a AT logrou provar, bem como que sejam cobrados, à custa do Recorrente, responsabilidades fiscais de terceiro, vencidas em 2014 e 2015, quando a sentença de arresto fixou o ano de 2013 como limite temporal das responsabilidades fiscais do Recorrente.
7 - A AT não pode aproveitar-se do arresto decretado para, depois de recebido o crédito referido na sentença, com recurso a imputações divergentes, receber, do Recorrente, mais do que teria direito. O Recorrente já pagou o crédito fiscal que lhe é imputável e que deu causa ao arresto, pelo que não há razão para que este se mantenha.
8 - O despacho recorrido, ao dar cobertura a esta actuação da AT, permite uma clara injustiça e um comportamento que é de verdadeiro "terrorismo fiscal", em violação das normas contidas no art°. 31°, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária; art°. 136° do CPPT; 391°; 392°, n° l e 393°, n° 2 do CPC, violando, ainda, os princípios da justeza e proporcionalidade do arresto bem como da segurança jurídica.
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso com as legais consequências.

Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 242/244), no sentido da improcedência do recurso.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.°s. …, a sociedade S..., Lda. foi objeto de ação inspetiva aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014 - cfr. Anexo II, junto aos autos;
2. Das conclusões expressas no Relatório Final de Inspeção aos exercícios de IVA dos anos de 2011,2012,2013 e 2014, sobressai o seguinte com interesse para os presentes autos "A S... foi devidamente notificada para apresentação da contabilidade dos anos de 2011,2012,2013 e 2014, o que não fez nos prazos estabelecidos nem até à presente data. Nos anos de 2011,2012,2013 e 2014 foram contabilizados subcontratos, suportados por operações simuladas nos montantes de€ 86.400,00, 78.200,00, 65.000,00 e 32.700,00, respetivamente. Nao foi possível obter qualquer documento do ano de 2011 relacionado com as deduções de IVA evidenciadas nas declarações periódicas (DP) de IVA entregues pelo sujeito passivo. Nos anos de 2012, 2013 e 2014 foi indevidamente deduzido IVA, por infração ao disposto no n° 3 do art. 19° CIVA, relacionado com operações simuladas nos montantes de €17.986,00,14.950,00e 7.521,00. Nos termos do n° 2 do art. 19° do CIVA só confere o direito à dedução o imposto mencionado em documentos em nome e na posse do sujeito passivo. Assim, as deduções mencionadas nas DP de IVA cuja documentação de suporte não foi exibida infringem o disposto nesta disposição legal. Nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 foi indevidamente deduzido IVA por infração ao n° 2 do CIVA, nos montantes, respetivamente, de € 24.073,41; € 22.066,65; € 17.669,37 e € 9.153,93"- cfr. Anexo II junto aos autos;
3. Por sentença proferida nos presentes autos, em 17/11/2015, já transitada em julgado, foi decretado o arresto i) dos valores depositados em contas bancárias na titularidade da sociedade, S..., Lda., NIPC …; ii) dos bens imóveis na titularidade de P..., NIF …, e; iii) dos valores depositados em contas bancárias na titularidade de P..., NIF … - cfr. fls. 251 a 271do SITAF;
4. Da sentença proferida nos autos, considerou-se que "(..) resulta indiciariamente provado que P..., foi gerente de facto e portanto responsável subsidiário da S..., Lda., nos anos de 2011, 2012 e 2013, sendo-lhe imputável a dívida de imposto (IVA) no valo de € 63.809,43 (...)" - cfr. fls. 166 dos autos;
5. Em 11/04/2016, através do Oficio n° 2464 de 11/04/2016, o Serviço de Finanças de ..., através de carta registada com A/R, remete a P..., ora requerente, "Citação (Reversão)" no âmbito do processo de execução fiscal n° ... e apensos, na qualidade de responsável subsidiário para este proceder ao pagamento do valor de €. 62.373,97, onde se incluem dívidas de IVA dos anos de 2011,2012,2013 e 2014, IRS, IUC, IRC, Coimas e respectivos juros, no valor total de € 62.373,97 - cfr. fls. 418 a 423 do SITAF;
6. Em 13/05/2016, através do doc. n° ..., o requerente procedeu ao pagamento do valor de € 62.373,97, referente à dívida exequenda no âmbito do PEF n° ... e apensos - cfr. fls. 418 a 423 do SITAF;
7. O processo de execução fiscal n°..., a que se reporta o ponto anterior, diz respeito, entre outros, aos seguintes períodos e valores de 2011,2012 e 2013:
Processo de execução fiscal
Período de tributação
Natureza
Montante pago
01.10.2011 a 31.12.2011
Imposto (IVA)
€5.239,76
01.10.2011 a 31.12.2011
Juros (IVA)
€760,26
01.01.2012 a 31.03.2012
Imposto (IVA)
€4.987,05
01.01.2012 a 31.03.2012
Juros (IVA)
€674,41
01.04.2012 a 30.06.2012
Imposto (IVA)
€4.630,11
01.04.2012 a 30.06.2012
Juros (IVA)
€578,95
01.07.2012 a 30.09.2012
Imposto (IVA)
€6.325,91
01.07.2012 a 30.09.2012
Juros (IVA)
€727,91
01.10.2012 a 31.12.2012
Imposto (IVA)
€5.693,19
01.10.2012 a 31.12.2012
Juros (IVA)
€597,70
01.01.2013 a 31.03.2013
Imposto (IVA)
€4.655,13
01.01.2013 a 31.03.2013
Juros (IVA)
€443,32
01.04.2013 a 30.06.2013
Imposto (IVA)
€4.352,58
01.04.2013 a 30.06.2013
Juros (IVA)
€370,14
01.07.2013 a 30.09.2013
Imposto (IVA)
€4.575,58
01.07.2013 a 30.09.2013
Juros (IVA)
€343,48
01.10.2013 a 31.12.2013
Imposto (IVA)
€4.516,47
01.10.2013 a 31.12.2013
Juros (IVA)
€292,99
Total
€49.764,94

8. Encontra-se pendente de pagamento o PEF n.º , instaurado em 22.02.2016, relativo a IVA/2011, no valor total de €22.558,15 – cfr. Fls. 432 do SITAF.

X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem interposto recurso jurisdicional contra o despacho de fls. 453/461, foi indeferido o pedido deduzido por P... de levantamento do arresto decretado nos presentes autos, incidente, entre o mais, sobre imóveis e depósitos bancários, de que é proprietário.
2.2.2. Para julgar improcedente o pedido de levantamento do arresto decretado nos autos, o despacho recorrido estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«Da sentença proferida nos autos, em 17/11/2015, o arresto incidiu sobre os bens do devedor originário e sobre os bens do devedor subsidiário, ora requerente (ponto 3 do probatório). // E, daquela sentença resulta, ainda, que o ora requerente é responsável pelo IVA/2011, 2012 e 2013 (...) nos anos de 2011, 2012 e 2013, sendo-lhe imputável a dívida de imposto (IVA) no valor de € 63.809,43(..)" (ponto 4 do probatório). // O que significa que relativamente ao requerente, o arresto decretado visou garantir as dívidas de IVA dos anos de 2011, 2012 e 2013. // Conforme transcorre dos autos, no âmbito do PEF n° ..., o requerente pagou as dívidas de IVA dos anos de 2012 e 2013, sendo certo que apenas procedeu ao pagamento, do IVA e juros de mora do período 01/10/2011 a 2011/12/31, no valor de € 5.693,19 e € 727,91, respectivamente (ponto 7 do probatório). Daí a existência da dívida exequenda do resto do ano de 2011, exigida coercivamente no âmbito do PEF n° no valor total de € 22.558,15 (ponto 8 do probatório). // Assim, tendo por referência os períodos de imposto a que respeita o arresto, apenas se encontram parcialmente pagas as dívidas de IVA que aquela medida cautelar pretendia garantir. // Tal circunstancialismo significa que o remanescente do valor de €49.764,94 (€62.373,97-€ 49.764,94) pago pelo requerente no âmbito do processo executivo, respeita a outros impostos e períodos e acréscimos legais. // Nestes termos, havendo ainda valores de IVA do exercício de 2011, a serem exigidos coercivamente ao requerente, nomeadamente através do PEF n° , o arresto terá de manter-se por se manterem os pressupostos do mesmo. // Concluindo-se não existir base legal para o levantamento do arresto, vai indeferido o pedido».
2.2.3. O recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, porquanto já terá pago a totalidade da dívida exequenda que lhe é imputável.
O arresto em apreço incide, entre o mais, sobre depósitos bancários e bens imóveis do recorrente e tem em vista garantir o cumprimento das dívidas relativas a IVA de 2011, 2012 e 2013.
«O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora» (artigo 391.º/2, do CPC). «[Traduz-se numa] apreensão judicial de bens do devedor capaz de antecipar os efeitos derivados da penhora e de garantir o efeito útil que o credor procura através da sentença condenatória ou dos meios de cumprimento coercivo das obrigações»(1). V. também artigos 619.º a 622.º do Código Civil.
Os fundamentos de caducidade do arresto são os que constam de forma taxativa do preceito do artigo 137.º do CPPT(2).
Nos termos do preceito citado, o arresto fica sem efeito com o pagamento da dívida.
No caso, o arresto decretado em relação ao recorrente tem vista garantir dívidas de IVA dos exercícios de 2011, 2012 e 2013.
Como resulta do probatório, não questionado pelo recorrente, «[ocorre a existência de] dívida exequenda do resto do ano de 2011, exigida coercivamente no âmbito do PEF n° no valor total de € 22.558,15 (ponto 8 do probatório). // Assim, tendo por referência os períodos de imposto a que respeita o arresto, apenas se encontram parcialmente pagas as dívidas de IVA que aquela medida cautelar pretendia garantir»(3).
Donde resulta que a dívida exequenda que a providência de arresto decretada tem em vista garantir não se mostra paga na totalidade, pelo que não se verifica o pressuposto do pagamento da dívida garantida como fundamento da caducidade do arresto, o qual, por este motivo, não pode ser levantado. Como se refere na decisão recorrida, «no âmbito do PEF n° ..., o requerente pagou as dívidas de IVA dos anos de 2012 e 2013, sendo certo que apenas procedeu ao pagamento, do IVA e juros de mora do período 01/10/2011 a 2011/12/31, no valor de € 5.693,19 e € 727,91, respectivamente (ponto 7 do probatório). Daí a existência da dívida exequenda do resto do ano de 2011, exigida coercivamente no âmbito do PEF n° no valor total de € 22.558,15 (ponto 8 do probatório)».
A invocação de que o recorrente pagou tributos que não lhe são imputáveis não aproveita à tese de que as dívidas exequendas garantidas pelo arresto se encontram pagas. O pagamento efectuado pelo recorrente respeita, em parte às dívidas exequendas, e em parte a outros tributos que extravasam o perímetro dos garantidos pelo arresto em causa(4), sem que o mesmo tenha logrado satisfazer na totalidade a dívida de imposto do exercício de 2011(5) e sem que tenha exercido a faculdade de imputação discriminada do pagamento das dívidas tributárias (artigo 40.º/3, da LGT). O pagamento efectuado por terceiro de dívidas tributárias é admitido como válido pelo ordenamento jurídico, sem prejuízo dos direitos que a lei lhe confere (artigo 41.º/1 da LGT(6)) e sem prejuízo da necessidade do pagamento das dívidas fiscais que são imputáveis ao recorrente.
Ao decidir no sentido apontado, o despacho recorrido não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser mantido na ordem jurídica.
Termos que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)


(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)


(1) António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4.º Edição, Almedina, 2010, pp, 178/179.

(2) Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado, Vol. II, 6.º Edição, Áreas Editores, 6.º Edição, 2011, p. 460.

(3) V. fundamentação do despacho recorrido.

(4) N.º 5 do probatório.

(5) N.ºs 7 e 8 do probatório.

(6) «O terceiro que proceda ao pagamento das dívidas tributárias após o termo do prazo do pagamento voluntário fica sub-rogado nos direitos da administração tributária, desde que tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação e obtido autorização do devedor ou prove interesse legítimo.