Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:942/14.6BELLE
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:11/22/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENA DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÌPIO DA UNIDADE SANCIONATÓRIA
Sumário:i) Só a falta de pronúncia sobre “questões” – e não “argumentos” ou “razões” que sustentam aquelas - de que o tribunal deva conhecer, integra a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

ii) A medida concreta da pena disciplinar aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa – nomeadamente do princípio da proporcionalidade -, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes.

iii) De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, normativo que prevê e trata da unidade e pluralidade de infracções, conclui-se que as infracções acumuladas são apreciadas num único processo (princípio da unidade sancionatória), não fazendo aquele preceito qualquer referência à necessidade de proceder ao cúmulo de penas disciplinares, como sucede no Direito Penal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

João ................................................ (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pelo ora recorrente contra a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (Recorrida), na qual havia peticionado o seguinte:

I – Determinar a anulação do Acórdão objecto da presente acção, com fundamento do vício de violação de lei, por ofensa ao preceituado no art. 88.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, conjugados com o disposto nos art.ºs 118.º, 121.º, n.º 3 do C. Penal, nos termos do disposto no art.º 135.º do C.P.A. e consequentemente, declarar prescrito o procedimento disciplinar interposto contra o A., relativamente a todas as infracções que ocorreram há mais do que três anos decorridos sobre a prática dos factos que as consubstanciam, com a consequente extinção do procedimento disciplinar relativo a esses factos, ou seja, relativo a todas as infracções que constam da Acusação, com excepção das que estão elencadas no artigo 26.º da presente acção.

II – Relativamente a todas as demais infracções não prescritas:

a) Declarar a nulidade ou determinar a anulação do Acórdão objecto da presente acção, com fundamento no vício de violação de lei, consubstanciado na nulidade da própria decisão, por ofensa ao disposto no art. 20.º do Regulamento Disciplinar do OROC, art.º 77.º do C. Penal e al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do C.P.Penal, em virtude de não ter sido atribuída uma pena a cada infracção cuja prática foi considerada provada, sendo o cúmulo efectuado igualmente nulo e de nenhum efeito, dado não consistir num cumulo de diversas penas (uma por cada infracção praticada e provada).

Assim não se entendendo,

b) Determinar a anulação do Acórdão objecto da presente acção, com fundamento no vício de violação de lei, por ofensa ao preceituado conjuntamente nos art.ºs 13.º a 17.º do Regulamento Disciplinar do OROC, no art.º 77.º do C. Penal, nos termos do disposto no art.º 135.º do C.P.A., substituindo-se tal decisão por decisão que relativamente às infracções não prescritas, pela sua pouca gravidade, determine a aplicação de uma pena não superior à advertência, pena mínima prevista no art.º 13.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (RDOROC), a que deverá corresponder um cúmulo, que consista numa única pena de advertência ou no máximo de advertência registada, ou assim não se entendendo, que condena a entidade demandada a notificar a decisão disciplinar aplicada ao A. em conformidade.

No TAF de Loulé o ora Recorrente imputou à decisão disciplinar violação de lei por prescrição do procedimento disciplinar e por ser aquela nula em consequência da falta de atribuição de uma pena a cada infracção, com vista a efectuar o cúmulo de penas, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), artigo 410.º, n.º 1, artigo 133.º e artigo 135.º do Código de Processo Penal. Subsidiariamente alega a violação do princípio da proporcionalidade, pugnando pela pena de advertência (artigo 13.º, alínea a) do Regulamento Disciplinar), devido à pouco gravidada das infracções.

Na sentença recorrida entendeu-se que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar previsto não se encontrava transcorrido, que a havia sido apreciada a globalidade do comportamento do arguido, ou seja, todas as infracções cometidas pelo mesmo, e aplicada uma pena disciplinar única, conforme decorre do artigo 20.º do Regulamento Disciplinar. De igual modo se concluiu que os elementos dos autos não conduziam a que se pudesse concluir pela desproporcionalidade da pena aplicada. Com o que o tribunal recorrido julgou improcedente a acção e absolveu a Demandada do pedido.

Nas alegações de recurso do Recorrente, constam as seguintes conclusões:

1 - O Tribunal ad quo, na douta sentença proferida. ao decidir pela absolvição da Ré fez uma incorreta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis ao caso concreto, o que importa corrigir.

2 - A Douta Sentença decidiu erradamente sobre as quatro situações invocadas pelo Recorrente, a saber:

i) A prescrição ter o prazo máximo de dois anos independentemente da suspensão que possa ter lugar, nos termos do art.º 5.º do Regulamento Disciplinar da OROC.

ii) A prescrição do procedimento disciplinar por aplicação subsidiária do art. 123.º do Código Penal a que remete o art. 84.º do Regulamento Disciplinar dos ROC.;

iii) A nulidade do Acórdão do Conselho Disciplinar por falta de atribuição de uma pena a cada infração disciplinar, com vista a efetuar o cúmulo de penas nos termos do art. 77.º e 379.º e 410.º do Código de Processo Penal.

iv) A desproporcionalidade da pena aplicada, tendo em conta a pouca gravidade das infrações em causa.

3 - Paralelamente, o Tribunal ''ad quo" não se pronunciou sobre a divergência de interpretação no que ao dever de escusa dos ROC diz respeito, alegada pelo Recorrente em sede de Petição Inicial.

4 - A primeira questão que se discute nos presentes autos gira em torno de saber se existe prazo-limite para a prescrição dos procedimentos disciplinares regidos pelo Regulamento Disciplinar dos ROC e se existe, que prazo é.

5 - O Tribunal "ad quo", aplicando de forma que não se entende, o Estatuto dos Funcionários Públicos ao regulamento disciplinar dos ROC, entendeu que não existia omissão de regulamentação no Regulamento Disciplinar em apreço, e que por isso era desnecessária a aplicação das regras previstas no Código Penal, nomeadamente a estabelecida no n.º 3 do art. 121.º que estabelece que "a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu inicio e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade", podendo retirar-se desta conclusão que é entendimento da Meritíssima Juíza que um procedimento disciplinar pode ficar "ad eternum" pendente, ao arrepio dos mais elementares princípios do direito sancionatório. Ora,

6 - O Estatuto dos Trabalhadores em Funções Públicas não é aplicado subsidiariamente ao Regulamento Disciplinar pois nada existe neste último que nos dê tal indicação e, mesmo que se aplicasse analogicamente, não seria nunca de forma hierarquicamente mais válida às regras e aos princ1p1os estabelecidas nos diplomas referidos expressamente no Regulamento.

7 - A aplicação subsidiária do Código Penal decorre necessariamente do art.º 84.º do Regulamento Disciplinar em apreço que refere que em tudo o que não estiver previsto naquele são aplicáveis, subsidiariamente , os princípios consignados no Estatuto da Ordem e nos respetivos Regulamentos, no Código do Procedimento Administrativo, no Código Penal e no Código de Processo Penal.

8 - Assim, no caso em apreço em que está previsto um prazo prescricional de dois anos, conforme estipula o art. 5.º do Regulamento, ainda que o mesmo se suspenda, o prazo de prescrição passará a ter um limite máximo de três anos, a contar desde a prática em que o facto que consubstancia a infração disciplinar foi praticado.

9 - Não se entendendo que se aplica subsidiariamente o código penal, só se pode aceitar que o prazo limite para prescrição de prazo prescricional é o prazo de 2 anos previsto no art. 5.º do Regulamento Disciplinar: "O procedimento disciplinar extingue-se por prescrição, a partir do momento em que sobre a prática de facto susceptível de integrar infração disciplinar tenham decorrido dois anos. ", e nada nos pode fazer concluir pela aplicação do Estatuto dos Trabalhadores em Funções Públicas.

10 - Sobre a contagem para confirmar a prescrição ou não prescrição das infrações, a Exma. Juíza não tem em conta, no que às omissões de comunicações da celebração dos contratos diz respeito, o momento da celebração do contrato, mas o momento em que a Ordem tem conhecimento da omissão, através da comunicação do Recorrente.

11 - Fá-lo em desrespeito pela regra estabelecida no n.º 1 do art.º 5.º do Regulamento Disciplinar, sobre a prescrição do procedimento disciplinar, que estabelece que o procedimento disciplinar se extingue por prescrição, a partir do momento em que sobre a prática de facto susceptível de integrar infração disciplinar tenham decorrido dois anos.

12 - Deve entender-se: relativamente à contagem de prazos de prescrição do procedimento disciplinar: i) ou à formalidade do ato de nomeação do ROC; ii) ou à data de assinatura do contrato iii) ou, na dúvida, aos 60 dias após o início da prestação de serviços por parte do ROC (nunca no momento do conhecimento da prática da infração por parte da Ordem).

13 - Assim, se se tiver em conta o ato de nomeação do ROC e considerando o disposto nos art.ºs 53.º e 58.º do Estatuto dos ROC que estabelece que a partir da nomeação o ROC tem 45 dias para celebrar o contrato e 15 dias para comunicar o início do mesmo, deve considerar-se que o prazo prescricional. deve ser contado a partir dos 60 dias após a designação.

14 - Se se considerar que o momento da prática da infração deve ter em conta a data da assinatura dos contratos deve entender-se que é a partir da omissão de comunicação , nos 15 dias posteriores à celebração daqueles, que deve iniciar-se a contagem do prazo prescricional.

15 - Finalmente, se se considerar o momento em que o Autor começou a prestar os seus serviços, após a nomeação e antes da celebração formal do contrato escrito, deve entender-se que o momento da prática da infração deve ser contado 60 dias após a data de nomeação.

16 - A decisão do tribunal ad quo, ao não considerar a existência de omissão de regulamentação no Regulamento Disciplinar dos ROC relativamente à ausência de previsão sobre o prazo-limite para a prescrição do procedimento disciplinar, e não aplicando subsidiariamente, o n.º 3 do artº 121.º do Código Penal, mantendo a condenação do Autor pela prática de infrações prescritas, viola o preceituado no art. 84.º do Estatuto dos ROC, conjugado com o disposto no art.º 118.º. 121.º n.º 3 do Código Penal, devendo por isso ser anulada a decisão tomada e considerar-se aquelas infrações prescritas e consequente extinção do respetivo procedimento disciplinar a que dizem respeito.

17 - A segunda questão em discussão refere-se à falta de atribuição de uma pena a cada infração disciplinar imputada ao Recorrente, situação relativamente à qual o Recorrente arguiu a nulidade em sede de Petição Inicial.

18 - A Meretíssima Juíza referiu na sua decisão que não há lugar. no procedimento disciplinar, à aplicação das regras penais relativas ao cúmulo de penas, utilizando uma vez mais como justificação para a sua decisão, a aplicação subsidiária do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas ao processo disciplinar, referindo a semelhança entre os artigos 14.º e 20.º de um e de outro transcrevendo uma interpretação doutrinal do art. 14.º que defende a consagração do principio da unidade de infração.

19 - O Recorrente entende que existe efetivamente a necessidade de se determinar uma pena para cada infração disciplinar para que se possa efetuar um cúmulo que defina uma pena única, já que esta deve resultar da definição prévia das diversas penas aplicadas a cada uma das infrações, nos termos do art. 77.º do Código Penal que define as regras de punição em caso de concurso e que é aplicável subsidiariamente ao Regulamento Disciplinar dos ROC (art. 84.º).

20 - O próprio Regulamento Disciplinar obriga a esse cúmulo quando no seu art.º 20.º refere que "não pode aplicar-se ao mesmo revisor mais de uma pena disciplinar por cada infração ou pelas infrações acumuladas ...".

21 - A não atribuição de pena a cada uma das infrações no Processo Disciplinar por parte do Conselho Disciplinar da Ordem dos ROC, questão sobre a qual este não podia deixar de pronunciar-se, só pode ter como consequência a nulidade da decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 379.º do Código de Processo Penal.

22 - Deveria assim o Tribunal ad quo ter declarado a respetiva nulidade do Acórdão em causa ou determinar a sua anulação nos termos previstos, nos art.º 379.º do Código de Processo Penal.

23 - Finalmente, a última das questões que se discute nos presentes autos refere-se à desproporcionalidade da pena aplicada ao Recorrente em sede de procedimento disciplinar, no valor de €. 8.000,00 (oito mil euros), prevista na alínea e) do art.0 81.º do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas e na alínea e) do art.º 13.º do Regulamento Disciplinar.

24 - Entendeu a Exma. Juíza que a pena aplicada não é desproporcional referindo na sua decisão que "Ficou demonstrado que o Autor violou normas de auditoria, no desempenho da sua atividade de interesse público, para além de não ter procedido à comunicação do inicio e cessação de todos os contratos de prestação de serviço relativos ao exercício de funções de interesse publico, o que não se traduz em faltas leves no exercício de atividade de interesse público, ou seja, em meras faltas de diligência ou zelo"

25 - Com esta decisão não pode o Recorrente concordar, já que entende que a pena aplicada é desproporcionada face às infrações disciplinares com que foi acusado:

g) "O dever de comunicar à Ordem, no prazo de 15 dias, o início e a cessação de todos os contratos de prestação de serviços relativos ao exercício de funções de interesse público, consagrado no n.º 1 do artigo 58.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e na alínea d) do n.º 3 do artigo 10.º do Código de Ética e Deontologia Profissional, em vigor à data da prática dos atos, e a que corresponde a alínea e) do ponto 3.2. 11 do atual Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficias de Contas;

h) O dever de observar as normas, avisos e determinações emanados da Ordem, designadamente as normas de auditoria, no desempenho da sua atividade de interesse público, previsto nas disposições conjugadas no n.º 1 do artigo 64.º e dos n.ºs 1, 2, 3 e 11 do artigo 44.º do EOROC e no n.º 1 do artigo 2.º. do n.º 1 do artigo 5.º do artigo 7.º e do n.º 5 do artigo 12.º, todos do Código de Ética e Deontologia Profissional, em vigor à data em que foram praticados os atos, e a que correspondem os parágrafos 2.4.1, 2.6.1, alínea b), e 2.8.1, do atual Código de ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas; e

i) O dever de desempenhar com zelo e competência as suas funções, constante do n.º 1 do artigo 62.º do EOROC e do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Ética e Deontologia Profissional, em vigor à data em que foram praticados os atos, e a que correspondem os parágrafos 2.4. 1, 2.6. 1, 2.6.4 e 2.8.1, do atual Código de Ética da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas."

26 - Quanto à violação do primeiro dos deveres desrespeitados, referido na aliena a) do número anterior, e sobre a sua gravidade cumpre dizer nunca houve qualquer intenção de omitir a existência dos mesmos. Prova disso é o facto de o Recorrente ter sempre comunicado todas as situações anualmente através do mapa de atualização profissional, documento que permite à Ordem verificar a existência da prestação de serviços, independentemente da comunicação prevista no art. 58.º do EROC. Acresce que,

27 - Estamos aqui perante um mero atraso na comunicação e não perante uma não comunicação/situação de incumprimento.

28 - Importa também, que em bastantes situações houve atraso na comunicação da celebração dos contratos porque apenas após a receção dos contratos anteriormente enviados aos clientes, devidamente assinados pelos mesmos, é que se poderiam preparar e enviar as comunicações à Ordem.

29 - De dizer também no que à "gravidade" da infração em causa diz respeito, que houve um atraso de apenas 24 dias na comunicação de 13 contratos, ou seja, dos que foram objeto das comunicações efetuadas à OROC em 08.03.2012.

30 - Verifica-se que a acusação de ter emitido em 21.01.2011 Certificação Legal de Contas relativa ao exercício de 2009 da Sociedade M........................................................................, S.A (onde existia uma discrepância entre a introdução que referia por um lado terem sido examinadas as demonstrações financeiras da sociedade, que compreendia o balanço, a demonstração de resultados e o correspondente anexo, e por outro lado o parágrafo 14.1 onde foi colocada um enfâse a chamar a atenção para o facto de não terem sido preparados o anexo ao balanço e demonstração de resultados, o relatório de gestão bem como a demonstração fluxos de caixa, razão pela qual não puderam ser examinados e que por isso foram excluídos da opinião expressa) não passa um lapso, que não foi feito de forma propositada, não tendo existido qualquer intenção de emitir um documento de opinião que escondesse ou camuflasse qualquer omissão das demonstrações financeiras.

31 - Igualmente, os factos consubstanciados a igual acusação mas relativamente à Certificação Legal de Contas ao exercício de 2009 da Sociedade A............................................................... SA., emitida em 22.06.2011 (em que o Recorrente foi acusado de por um lado de referir ter examinado as demonstrações financeiras da sociedade, que compreendem o balanço e demonstração de resultados, não mencionado o Anexo e por outro, no parágrafo 8, ter incluindo uma reserva em que refere que não lhes foram apresentados o anexo ao balanço e demonstração de resultados, o relatório de gestão e as demonstrações de fluxos de caixa) não passam um lapso, que não foi feito de forma propositada, não tendo existido qualquer intenção de emitir um documento de opinião que escondessem ou camuflassem qualquer omissão das demonstrações financeiras.

32 - Deve referir-se que tais "lapsos" se prendem com o facto de serem normalmente utilizadas minutas que são mais tarde adaptadas ao caso em concreto, sendo que naquelas duas situações não foram eliminadas da introdução a menção aos elementos em falta.

33 - Sobre o alegado incumprimento do dever de emitir escusa de opinião nos casos referidos acima, e sem prejuízo do que se dirá nos artigos seguintes sobre a não pronúncia do tribunal ad quo sobre esta matéria, importa referir que na altura era convicção do Recorrente que as reservas e enfâses relatadas seriam suficientes para acautelaram os interesses de terceiros, considerando por isso adequado emitir aquelas Certificações.

34 - Não pode assim considerar-se que dos atos praticados resulta uma violação de deveres profissionais e uma qualquer diminuição da dignidade para a profissão que mereça tão pesada pena. Acresce que,

35 - Não só os atos e omissões em causa não prejudicam a profissão pela sua pouca gravidade, como deveria ter sido tido em conta na medida da pena o facto de o Recorrente ter sempre desempenhado a sua função com dignidade, nos seus 26 anos de profissão, nunca tendo sido objeto de qualquer procedimento ou tenha sido referenciado como não cumpridor de qualquer situação.

36 - A isso obriga o art. 21.º do Regulamento Disciplinar que estabelece que "são atenuantes todos os factos ou circunstâncias atinentes ao agente ou à infração de que resulte diminuição da responsabilidade do arguido", como por exemplo a circunstância de prestar mais de dois anos de serviço com exemplar comportamento (alínea a) do n.º 2 daquele artigo).

37 - Bem como o art.º 17.º que estabelece que "na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infração, à situação económica do arguido e a todas as demais circunstâncias agravantes ou atenuantes. 'Ora,

38 - A aplicação de uma multa de €. 8.000, perto do limite máximo da pena de multa, que é de €. 10.000, prevista no art. 13.º do Regulamento Disciplinar, é claramente excessiva e desproporcional tendo a conta as infrações em causa e a falta de consequências das mesmas e não teve em conta as circunstâncias atenuantes presentes no caso em concreto relativamente ao desempenho da profissão por parte do Recorrente.

39 - Não deveria assim ter sido atribuída pena superior à pena mínima, que é a pena de advertência prevista na alínea a) do art. 13.º do Regulamento, ou no máximo a pena de advertência registada e no limite a aplicação de uma multa de montante razoável, perto do limite mínimo.

40 - Por fim, sobre a omissão de pronúncia mencionada no artigo 3.º desta peça, relativamente à divergência de interpretação sobre o dever de escusa em determinadas situações, deve referir-se que em ambas as Certificações emitidas pelo Recorrente existiam reservas bastantes e sobre um grande conjunto de situações que levou ao entendimento de que todos os riscos relativos à situação das contas do exercício anterior tinham sido devidamente acautelados, não tendo havido qualquer omissão ou ocultação da realidade financeira daquelas empresas.

41 - O entendimento por parte da Ré de que houve incumprimento de emitir uma escusa de opinião nos casos daquelas auditorias é discutível já que a perceção do limite em que se deve passar a emitir uma escusa de opinião e não uma certificação de contas com reservas não é sempre evidente e varia de situação para situação referindo a DRA 700 no entanto, que a escusa de opinião apenas deve ser utilizada em casos extremos

42 - Está-se assim perante um mero "desentendimento" técnico que não reveste qualquer gravidade ou relevância e como tal não pode recair sobre o Recorrente a acusação de uma infração disciplinar ou, mesmo que assim se considerasse deve entender-se que a esta não cabe pena maior do que a mera advertência nos termos da alínea a) do art.º 13.º do Regulamento Disciplinar dos ROC.

43 - Acresce que, por vezes as emissões de reservas são preferíveis a simples escusas de opinião, que podem ter como fundamento o simples facto de não terem sido fornecidos para análise determinados documentos e que não permitem ao público ter conhecimento da situação real das contas das empresas.

44 - Sobre esta questão a Exma. Juíza não se pronunciou, pecando a sentença ora recorrida pela total omissão de pronúncia sobre esta questão, ignorando tudo o alegado em sede de Petição Inicial.Ora,

45 - Nos termos do art. 615.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art. 1.º do CPTA, é causa de nulidade da sentença a não pronúncia por parte do juiz sobre questões que devesse apreciar (n.º 1, alínea d)).

46 - Assim, a sentença recorrida:

a) Interpretou e aplicou incorretamente o art. 84.º do Regulamento Disciplinar dos ROC que estabelece a aplicação subsidiária do Código Penal ao entender não existir omissão de regulamentação sobre o prazo-limite do procedimento disciplinar, não aplicando o previsto no artigo 123.º do Código Penal;

b) Interpretou e aplicou incorretamente a regra estabelecida no artigo 5.º do Regulamento Disciplinar que refere que o procedimento disciplinar se extingue por prescrição, a partir do momento em que sobre a prática de facto susceptível de integrar infração disciplinar tenham decorrido dois anos, por entender, no caso das omissões de comunicações de celebração dos contratos, que o momento da prática do facto é o momento em que a OROC recebe a comunicação por parte do Recorrente;

c) Interpretou e aplicou incorretamente os artigos 20.º e 84.º do Regulamento ao entender que não se aplica subsidiariamente as regras penais relativas ao cúmulo de penas ao processo disciplinar;

d) Interpretou e aplicou incorretamente os artigos 13.º, 17.º e 21.º do Regulamento ao entender que a pena aplicada de €. 8.000 ao Recorrente é proporcional às infrações disciplinares que lhe são imputadas;

e) Não se pronunciou sobre a divergência de interpretação no que ao dever de escusa dos ROC diz respeito, alegada pelo Recorrente em sede de Petição Inicial;

Termina o requerimento de recurso pedindo:

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deverão Vossas Excelências:

I) Determinar a nulidade de sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art. 1.º do CPTA. Assim não se entendendo,

II) Determinar a anulação do Acórdão objeto do presente recurso com fundamento do vício de violação da lei, por ofensa ao preceituado no art. 88.º do antigo Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (atual art.º 105.º . conjugados com o disposto nos art.ºs 118.º, 121.º n.º 3 do C. Penal, nos termos do disposto no art. 135.º do C.P.A. e consequentemente, declarar prescrito o procedimento disciplinar interposto contra o Recorrente. relativamente a todas as infrações que ocorreram há mais do que três anos decorridos sobre a prática dos factos que as consubstanciam, com a consequente extinção do procedimento disciplinar relativo a esses factos.

III) Relativamente a todas as demais infrações não prescritas:

a) Declarar a nulidade ou determinar a anulação do Acórdão objeto do presente recurso. com fundamento no vício de violação da lei, consubstanciado na nulidade da própria decisão, por ofensa ao disposto no art. 20.º do Regulamento Disciplinar do OROC, art.º 77.º do C. Penal e al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do C. P. Penal, em virtude de não ter sido atribuída uma pena a cada infração cuja prática foi considerada provada, sendo o cúmulo efetuado igualmente nulo e de nenhum efeito, dado não consistir num cúmulo de diversas penas (uma por cada por cada infração praticada e provada).

Assim não se entendendo,

b) Determinar a anulação do Acórdão objeto do presente recurso, com fundamento no vício de violação de lei, por ofensa ao preceituado conjuntamente nos art.ºs 13.º e 17.º do Regulamento Disciplinar do OROC, no art.º 77.º do C. Penal, nos termos do disposto no art.º 135.º do C.P.A .. substituindo-se tal decisão por decisão que relativamente às infrações não prescritas, pela sua pouca gravidade, determine a aplicação de uma pena não superior à advertência, pena mínima prevista no art. 13° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, a que deverá corresponder um cúmulo, que consista numa única pena de advertência ou no máximo de advertência registada, ou no limite numa pena de multa perto do limite mínimo.

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões:

1. Vem o ora Recorrente interpor o presente recurso da douta sentença, de 09/0512017. do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou a açao a margem referenciada improcedente, por não provada, e em consequência, absolveu a Requerida dos pedidos;

2. Atendendo às alegações do Recorrente, sempre se dirá, desde logo, que não merece provimento o presente recurso;

3. Não se verifica a prescrição do procedimento disciplinar instaurado contra o Recorrente, não padecendo a decisão do tribunal "ad quo" do vício de violação de lei, por ofensa do disposto no artigo 84.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficial de Contas, conjugado com o disposto nos artigos 118.º 121.º. do Código Penal;

4.º De facto, a instauração do Processo Disciplinar n.º 4/2012, em 24 de janeiro de 2012, suspendeu o prazo prescricional. nos termos das disposições conjugadas constantes do n.º 1 do artigo 88.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e dos n.ºs 1 e 4 do artigo 5.º do Regulamento Disciplinar;

5. Acresce que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do mencionado artigo 5.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, iniciado o procedimento disciplinar dentro do limite temporal previsto nos seus nºs. 1 e 2, o prazo prescricional suspende-se e só reinicia o seu curso a partir da data em que nele se praticou o último ato instrutório com efetiva incidência na marcha do processo;

6. Assim, atendendo a que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, constante do n.º 1 do artigo 88.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e do n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento Disciplinar de Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, é de dois anos, contado do momento da pratica de facto suscetível de integrar infração disciplinar;

7. E que o processo disciplinar foi aberto pelo Conselho Disciplinar a 24 de janeiro de 2012;

8. Tendo o ora Recorrente emitido, com data de 21 de janeiro de 2011, a Certificação Legal das Contas relativa ao exercício de 2009 da Sociedade M.........................................................SA. e com data de 22 de junho de 2011 a Certificação Legal das Contas relativa ao exercício de 2009 da sociedade A..............................................................................., SA, resulta que, a data da instauração do processo disciplinar, haviam decorrido, respetivamente, um ano e três dias e sete meses e dois dias, sobre as datas em que o ora Recorrente subscreveu as referidas certificações;

9. Sabendo-se que entre a prática do último ato instrutório com incidência na marcha do processo, em 19 de junho de 2014 (audição do Prof. Doutor José .........................................., testemunha apresentada pelo ora Recorrente na sua defesa), e a notificação ao arguido da decisão final sancionatória do Conselho Disciplinar, em 25 de julho de 2014, decorreu um mês e seis dias:

10. Claramente se conclui que não se perfizeram dois anos contados da emissão das mencionadas certificações legais das contas, pelo que não se verifica qualquer prescrição quanto às infrações a elas atinentes:

11.Acresce que, no que respeita à omissão da realização das comunicações dos contratos de prestação de serviços, tratando-se de infrações permanentes ou duradouras (ou seja. uma omissão duradoura do cumprimento de um dever de restaurar a situação de legalidade perturbada por um acto ilícito inicial do mesmo agente), só com a cessação da conduta do ora Recorrente -a efetivação das comunicações devidas –tem lugar o início do computo do prazo de prescrição do procedimento disciplinar:

12. Assim, tendo ocorrido a maior parte das comunicações dos referidos contratos já após a instauração do Processo Disciplinar n.º …/2012 (27janeiro, 9 de março, 27 de março e 4 de maio de 2012) e as restantes um dia antes da instauração do mesmo (20 de janeiro), não se verifica, também, pelos mesmos motivos acabados de expor, relativamente às restantes infracções disciplinares imputadas ao ora Recorrente, a prescrição das infrações decorrentes da falha das comunicações referidas:

13. Do exposto resulta, igualmente, que o Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas contém, em si, toda a regulamentação atinente ao instituto de prescrição das infrações disciplinares, não se verificando, desse modo, qualquer lacuna que fundamente a aplicação a título subsidiário do regime previsto no Código Penal, ao contrário do que detende o Recorrente.

14. Ainda que assim não se entenda e sem conceder, sempre se dirá que da eventual aplicação subsidiária do preceituado no n.º 3 do art. 121.º do Código Penal também não resultaria a prescrição do procedimento disciplinar, diferentemente do que defende o ora Recorrente, porquanto, em conformidade com a letra da lei ("do seu início"), o prazo de prescrição aqui estabelecido devera contar se do início do procedimento criminal e não da prática da infração criminal objeto do mesmo processo.

15. No caso sub judice aplicação subsidiária do citado preceito determinaria a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar a partir da data da sua instauração e não a partir da data da prática das infrações disciplinares objeto desse procedimento como pretende o Recorrente;

16. Desse modo, tendo o Processo Disciplinar n.º …/2012 sido instaurado em 24 de janeiro de 2012, o respetivo procedimento teria de estar concluído em 24 de janeiro de 2015, atendendo a que o prazo normal de prescrição é de 2 anos, nos termos do n.º 1do artigo 88.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e do n.º 1 do Regulamento Disciplinar da Ordem, e que acresceria mais um ano, por força do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal;

17. O procedimento disciplinar apenas prescreveria, se o ora A. não tivesse sido notificado da decisão final no prazo de três anos, contado desde a data em que o procedimento disciplinar foi instaurado. O que, como vimos, não se verificou, uma vez que aquela notificação ocorreu em 23.07.2014;

18. Acresce que, além da forma de contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar em conformidade com o previsto na lei penal afastar, desde logo, a prescrição do mesmo procedimento, o mesmo normativo ressalva o tempo de suspensão;

19. Este tempo de suspensão, tal como explicitado anteriormente, pode variar de processo pare processo dependendo da prática do último ato com efetiva incidência na marcha do processo;

20. Assim, a aplicação do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal traduzir-se-ia num regime mais gravoso para o ora Recorrente do que aquele que resulta diretamente do artigo 5.º do Regulamento Disciplinar da Ordem;

21. O Acórdão proferido no âmbito do Processo Disciplinar n.º …/2012 não padece, também, de qualquer vício de violação de lei, consubstanciado na sua alegada nulidade, pelo facto de não ter havido uma atribuição de pena a cada uma das infrações e de na decisão apenas se ter referido um cúmulo de penas, uma vez que, precisamente em conformidade com o disposto na lei, nomeadamente no artigo 20.º do Regulamento Disciplinar, o mesmo Acórdão mandou aplicar uma única pena disciplinar ao ora A. como resultado da apreciação global do seu comportamento que envolveu a prática de múltiplas infrações disciplinares;

22. Sufraga-se o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04/12/1997. BMJ; 472. pág. 542, segundo o qual do exposto decorre que, sendo unitária a pena a aplicar, unitária ou globalizante há-de ser também a avaliação feita pela entidade competente sobre e conduta do agente, tendo em conta os diversos factos e as diferentes infrações disciplinares cometidas pelo arguido. O ato punitivo por diversas infrações não é divisível em tantas penas quantas as que, abstrata e individualmente, correspondam a cada uma das infrações nele consideradas.";

23. Acresce que o processo disciplinar caracteriza-se pela sua simplicidade, informalidade e descoberta da verdade material (cfr. artigos 27.º e 28.º do Regulamento Disciplinar da Ordem);

24. Além disso, constituem nulidades insupríveis apenas a falta de audiência do arguido, a omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade e a falta do número de votos necessários para o vencimento nos acórdãos (cfr artigo 31.º do Regulamento Disciplinar da Ordem);

24. Mais uma vez, não há lugar à aplicação de qualquer disposição do Código Penal a título subsidiário, já que não se verifica qualquer lacuna;

25. O Regulamento Disciplinar prevê especificamente o regime aplicável na matéria, regime esse que não ê compatível com o regime previsto no Código Penal, uma vez que enquanto este impõe o cúmulo jurídico das penas precedido da atribuição de uma pena a cada crime ou infração (portanto, quase um cálculo aritmético), a nível disciplinar a lei impõe uma ponderação global do comportamento do arguido na aplicação de uma única pena disciplinar:

26. E, como bem se sabe, o regime especial afaste o regime geral;

27. Ainda que se verificasse omissão no que respeita à regulamentação da matéria em causa, o que não se concede, a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que veio estabelecer o Regime Jurídico de Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais, revogou tacitamente o artigo 84.º do Regulamento Disciplinar da Ordem, ao mandar aplicar nos casos omissos as normas procedimentais previstas no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (cfr. artigo 18.º. n.º 8).

28. A pena aplicada mostra-se, de forma evidente, adequada e proporcionada face às circunstâncias do caso, mormente à gravidade doa factos tidos por provados, ao grau de ilicitude e de culpa, às consequências e à amplitude dos danos gerados com a conduta adotada e aos antecedentes disciplinares do Requerente, pelo que não se verifica a Invocada desproporcionalidade e excesso da medida da pena aplicada;

29. Em conformidade com o princípio da unicidade da infração disciplinar, em sede disciplinar o comportamento do arguido é apreciado como um todo, englobando todas as infrações disciplinares por ele praticadas, com vista à ponderação da medida da pena;

30. No caso em apreço, o Recorrente não contesta os factos considerados provados;

31. Acresce que os fundamentos invocados para o seu comportamento são imputáveis, única e exclusivamente, ao próprio, nomeadamente "os atrasos nas comunicações à Ordem do início dos contratos serem atribuídos ao facto dos clientes não devolverem atempadamente os respetivos contratos assinados, sendo certo que a maior parte dos mencionados "atrasos”·aproximaram-se ou excederam um ano, tendo, inclusivamente, em alguns casos, ultrapassado os dois anos e que cabe ao ROC diligenciar junto das empresas no sentido de proceder a assinatura atempada dos respetivos contratos, bem como os alegados lapsos de datilografía e conferência decorrentes da utilização de minutas, no que se refere às restantes infrações disciplinares relacionadas com as oertificações legais das contas do exercício de 2009 das sociedades M....................... S.A. e A...............,S.A.;

32. Assim, é bom de ver que o grave comportamento do ora Recorrente, que envolveu a acumulação de infrações bastante significativa, a prática reiterada do mesmo tipo de infrações e a sua continuidade no tempo (infrações permanentes), além das graves violações das normas de revisão/auditoria, constituem um quadro gravoso que justifica plenamente a aplicação da pena de multa graduada em E: 8.000,00 (oito mil euros);

33. Efetivamente, a pena de muita é a terceira na ordem de gravidade das penas disciplinares, antecedida da pena de advertência simples e da pena de advertência registada e seguida de mais três, a pena de censura, a pena de suspensão e a pena de expulsão. E ainda dentro da pena de multa não foi aplicada ao ora Recorrente o montante máximo previsto (cfr. artigos 81.º e 13.º do Regulamento Disciplinar);

34. Inexiste , de igual modo, qualquer vicio de violação de lei gerador de nulidade da sentença objeto do presente recursoo, por alegada omissão de pronúncia, nos termos do artigo 616.º do Cód. De Processo Civil aplicável por remissão do n.º 1 do CPTA;

35. A sentença trata a matéria em causa no ponto 3 da parte IV. O Direito;

36. A sentença aprecia de forma exaustiva o invocado excesso da medida da pena, nomeadamente, explicitando os normativos aplicáveis, a jurisprudência pertinente na matéria, enumerando os factos provados, salientando que o Autor os não colocou em causa e considerando que "Assim, face à gravidade da violação de vários deveres profissionais a que o Autor se encontrava adstrito, a mesma não se coaduna com a pena mais leve.";

37. E conclui pela inexistência de desproporcionalidade da pena aplicada, afirmando que "(...) ficou demonstrado que o Autor violou normas de auditoria, no desempenho da sua atividade de interesse público, pare além de não ter procedido a comunicação do início e cessação de todos os contratos de prestação de serviço relativos ao exercício de funções de interesse público, o que não se traduz em faltas leves no exercício de atividade de interesse público, ou seja, em meras feitas de diligência ou zelo.

38. Acresce que todos os motivos justificantes para a sua conduta referidos pelo aqui Autor são imputáveis ao mesmo, enquanto responsável pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.

39. O Acórdão do Conselho Disciplinar não enferma, igualmente, do vício de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 17.º e 21.º do Regulamento Disciplinar, já que os elementos constantes desses dispositivos foram devidamente ponderados na medida da pena;

40. Da materialidade vertida no Relatório Final do Processo Disciplinar e das circunstâncias que rodearam a sua pratica exaustivamente tratadas no mesmo Relatório, resulta por demais evidente o percurso seguido pelo Conselho Disciplinar para aplicar ao Recorrente a pena de multa graduada em € 8.000,00 (oito mil euros), bem como os elementos ponderados para fundamentar a aplicação daquela medida sancionatória;

41. Como claramente resulta dos factos e respetivas circunstâncias que rodearam a sua prática vertidos no Relatório Final do Processo Disciplinar, o Conselho Disciplinar considerou que o Recorrente adotou um comportamento que para além de revelar um grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, também atenta gravemente contra a dignidade e prestígio do próprio e da profissão. sendo de considerar doloso pois atuou de forma livre e voluntariamente, bem sabendo que o seu comportamento era reprovável e punido por lei;

42. Assim sendo, a graduação da sanção atendeu, necessariamente. a culpa (grave) do Recorrente, à gravidade dos factos apurados e dos danos causados, e afigura-se ajustada aos mesmos, não podendo afirmar-se que haja violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 13.º e 17.º do Regulamento Disciplinar:

43. Não foram consideradas quaisquer circunstâncias atenuantes por não se verificarem, nomeadamente a circunstância atenuante consubstanciada na prestação de mais de dois anos de serviço com exemplar comportamento, já que não basta o exercício de funções por mais de dois anos sem que tenha cometido outras infrações disciplinares, uma vez que esse será o comportamento esperado de qualquer trabalhador, devendo demonstrar que tais funções foram desempenhadas com exemplar comportamento e com zelo (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.de 30/0512013, proferido no âmbito do Processo n.º 0658112).



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia ao não ter conhecido da questão da divergência de interpretação no que ao dever de escusa dos ROC diz respeito que havia sido alegada na p.i.;

- Se a sentença recorrida errou ao não ter concluído pela prescrição do procedimento disciplinar;

- Se a sentença recorrida errou ao não ter considerado que a ausência de indicação da concreta pena para cada ilícito disciplinar para efeitos de realização do posterior cúmulo jurídico, constituía motivo de nulidade da sanção disciplinar; e

- Se a sentença recorrida errou ao não ter concluído pela violação do princípio da proporcionalidade, por referência às infracções praticadas e à concreta pena disciplinar aplicada.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto pertinente, a qual não é sujeita a impugnação, é a constante da sentença recorrida e que se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC ex vi do art. 1.º do CPTA.



II.2. De direito

O Recorrente invoca a prescrição do procedimento disciplinar como fundamento do recurso interposto, sem deixar de suscitar a omissão de pronúncia do tribunal a quo relativamente à alegada divergência de interpretação no que ao dever de escusa dos ROC diz respeito, bem como da existência de erro de julgamento a propósito da não verificação da violação do princípio da proporcionalidade na determinação e aplicação da pena disciplinar.

Comecemos pela suscitada nulidade por omissão de pronúncia.

Nos termos do nº 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, a sentença é nula, nos casos previstos nas suas alíneas a) a d): “não contenha a assinatura do juiz” (al. a)), quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al. b)), “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” (al. c)), quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (al. d)) e “quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido” (al. e)). As nulidades da sentença (ou do acórdão) são típicas e únicas e não se confundem com o erro de julgamento; as primeiras contendem com a validade intrínseca da decisão, o segundo com o mérito da decisão.

No caso, a nulidade invocada, prevista no art. 615.º, nº 1, al. d), do CPC, ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade decisória por omissão de pronúncia, está directamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (correspondente ao artigo 660.º do CPC antigo) de acordo com o qual o tribunal “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.

A questão jurídica de fundo que foi colocada ao tribunal a quo e cuja apreciação o Recorrente entende ter sido omitida, consistia em saber, tal como o tribunal a quo a identificou, se a sanção disciplinar aplicada padecia de vício de violação de lei (artigo 80.º do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, conjugado com o artigo 118.º e artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal), estando prescrita a infracção, de vício de violação de lei por falta de atribuição de uma pena a cada infracção, com vista a efectuar o cúmulo de penas do artigo (379.º, n.º 1, alínea c), artigo 410.º, n.º 1, artigo 133.º e artigo 135.º do Código de Processo Penal), e se se verificava existir violação do princípio da proporcionalidade na graduação da pena disciplinar (pena excessiva).

Relativamente à assinalada questão jurídica – admitindo que efectivamente estamos perante uma verdadeira “questão” jurídica - atinente à divergência de interpretação no que ao dever de escusa dos ROC diz respeito o TAF de Loulé não deixou de responder à mesma. Com efeito, fê-lo de modo conjunto quando tratou da questão – essa sim a questão jurídica de fundo - da proporcionalidade da pena disciplinar aplicada. Nesse ponto afirmou:

“(…)

Alega o Autor que a pena aplicada é excessiva, devendo ter sido aplicada a pena de advertência (artigo 13.º, alínea a) do Regulamento Disciplinar), devido à pouca gravidada do atraso nas comunicações (que se deve ao factos de os clientes não devolverem atempadamente os respectivos contratos assinados e ao facto de a identidade dos clientes ter sempre integrado o mapa anula apresentado pelo Autor) das certificações (que se deve à utilização de minutas, que se consubstancia num erro material) e da não emissão de escusa de opinião (que se deve a um mero desentendimento de ordem técnica, dado que as reservas emitidas acautelaram suficientemente os terceiros em geral, que é o interesse fundamental que deve presidir à Certificação de Contas).

Por sua vez, a Entidade Demandada aduz que, em relação à pena disciplinar ser excessiva, o mesmo não sucede, dado que não parece justificativo da aplicação da pena de advertência o facto dos atrasos se deverem ao facto de muitas vezes os diversos clientes não devolverem atempadamente os respectivos contratos assinados, uma vez que cabe ao ROC diligenciar junto das empresas no sentido de proceder à assinatura atempada dos respectivos contratos, não procede o argumento de a identidade desses clientes ter sempre integrado o mapa anual apresentado pelo Autor, dado que cada contrato tem uma data que impõe a respectiva comunicação num determinado prazo, não servindo, por isso, o mapa anual de instrumento de comunicação por não permitir o cumprimento daqueles prazos, e o ROC exerce funções de interesse público e a certificação legal das contas que emite na decorrência de uma dessas funções (a revisão legal das contas) é dotada de fé pública, pelo que não são admissíveis lapsos que comprometem a inteligibilidade e a credibilidade do mesmo documento, do próprio ROC ou mesmo da própria profissão, e exige-se que actue com competência, zelo e diligência de acordo com as normas técnicas aplicáveis.

Vejamos.

O Autor alega, em síntese, que a escolha da pena é desproporcionada face às infracções disciplinares em causa.

O artigo 13.º do Regulamento Disciplinar dispõe que as penas são as seguintes: “a) advertência, b) advertência registada, c) multa de 1.000 a 10.000; d) censura; e) suspensão de 30 dias até cinco anos; f) expulsão.”

O artigo 17.º do Regulamento Disciplinar dispõe o seguinte:


Artigo 17.º

Graduação


Na aplicação das penas deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção, à situação económica do arguido e a todas as demais circunstâncias agravantes ou atenuantes.”

Apenas é sindicável pelo Tribunal, no tocante à escolha e medida da pena disciplinar, por se incluir na discricionariedade técnica da Entidade Administrativa, a situação de erro grosseiro, desvio de poder ou violação de princípios administrativos e constitucionais, nomeadamente o princípio da proporcionalidade.

Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.11.1991, Processo n.º 28206, disponível em www.dgsi.pt, Relator: Rui Pinheiro:

“I - A qualificação jurídica da infracção é, em príncipio, insidicável em juízo porquanto a Administração move-se, nesse campo, no âmbito de poderes discricionários, não podendo, em geral, o Tribunal controlá-los por não estar apetrechado para tal, visto não dispor dos critérios abrangentes da relação de serviço operada entre a Administração e o seu funcionário.

II - A excepção residirá tão só no caso de vícios da aplicação que superem tal relação e apreensíveis pelo julgador.

Desde logo o desvio de poder,mas também o erro, seja por divergência dos pressupostos, seja o erro grosseiro na aplicação que, dada a sua indesculpabilidade manifesta, ultrapasse os limites restritivos de cognição em obediência à satisfação de princípios fundamentais plasmados na Constituição da República, como sejam o da justiça e da proporcionalidade.”

(…)”.

Acompanha-se, a propósito, o sentido do Acórdão do TCA Sul, Processo nº 10792/01, de 2007.05.10, in www.dgsi.pt, Relator: Rui Pereira, que defende: “o tribunal apenas aprecia a legalidade do acto, anulando-o se estiver em desconformidade com a lei ou os princípios jurídicos, não podendo ele próprio, lançando mão do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, analisar os factos fornecidos pelo processo e o direito aplicável e definir a situação jurídica individual, o que consistiria em fazer administração activa, o que lhe está vedado, posto que essa actividade só pela Administração pode ser levada a cabo [Neste sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 14-10-2003, da 2ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 0586/03].

De resto, e no caso concreto, envolvendo a determinação, quer da medida da pena quer da sua eventual suspensão, o exercício de um poder discricionário por parte da Administração, o mesmo é contenciosamente insindicável, salvo se for invocado desvio de poder, erro grosseiro ou violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade (…) [Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA, de 1-7-97, da 2ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 41.177, e de 16-2-2006, da 1ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 0412/05]”.

O princípio da proporcionalidade encontra-se previsto no nº 2 do artigo 5º do CPA na redacção anterior à Revisão de 2015, o qual determina que as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar as suas posições jurídicas em termos adequados e proporcionados aos objectivos a realizar.

O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: o princípio da adequação, o princípio da necessidade ou exigibilidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que se passam a densificar.

O princípio da adequação impõe que as medidas adoptadas sejam aptas a realizar o fim ou fins que têm em vista alcançar.

O princípio da necessidade ou exigibilidade significa que, de entre todos os meios idóneos e de igual modo aptos a prosseguir o fim visado, deve-se escolher aquele que produza um efeito menos restritivo.

De acordo o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também denominado princípio da justa medida, não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos.

Ora, o Autor entende que a pena aplicada é excessiva, ou seja, viola o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

Vejamos.

Nas palavras de Jorge Reis Novais in Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, 2011, reimpressão, p 181, trata-se agora de “apreciar o desvalor do sacrifício imposto à liberdade quando comparado com o valor do bem que se pretende atingir. Assim, ao contrário do que acontecia nos controlos de idoneidade e de indispensabilidade – exclusivamente centrados no apreciação do meio e dando, à partida, como bom, ou pelo menos, inquestionável o fim visado –, na proporcionalidade faz-se necessariamente uma valoração das duas grandezas ou termos da relação em causa, apreciando-se a gravidade da restrição em associação à importância e imperatividade das razões que a justificam”.

In casu decorre da Deliberação impugnada que o Autor, enquanto responsável pela Sociedade de Revisores em causa, violou o dever de comunicar à Ordem o início de cessação de todos os contratos de prestação de serviços relativos ao exercício de funções de interesse público, violou o dever de observar as normas, avisos e determinações emanadas, designadamente as normas de auditoria, no desempenho da sua actividade de interesse público e o dever de desempenhar com zelo e competência as suas funções, o que determinou a aplicação de uma pena de multa de €8000, próxima do limite máximo da pena de multa (€10.000).

Tendo ficado provados os seguintes factos (que o Autor não coloca em causa):

a) Não comunicou à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), no prazo de 15 dias a contar da data do contrato, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 58.º do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (EOROC), o início de Contratos de Prestação de serviços de Revisão Legal das Contas celebrados com as sociedades clientes;

b) Emitiu a Certificação Legal das Contas relativo ao exercício de 2009 da sociedade M................................................................................, SA, em cuja introdução refere ter examinado as demonstrações financeiras da sociedade, que compreendem o Balanço, a Demonstração dos Resultados e correspondente Anexo, apesar de não terem sido preparados o Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados, o Relatório de Gestão bem como a Demonstração dos Fluxos de Caixa;

c) Na mesma Certificação Legal de Contas relativa ao exercício de 2009 da sociedade M......................, não incluiu nenhuma qualificação sobre a falta de informação acerca dos comparativos com o ano de 2008, nem sobre a inexistência das Certificações Legais das Contas dos exercícios anteriores (de 2004 a 2008 inclusive), o que contraria o disposto na DRA 720 – Demonstrações Financeiras que incluam Comparativos, designadamente no parágrafo 23;

d) Emitiu com dade de 22 de Junho de 2011 a Certificação Legal das Contas relativa ao exercício de 2009 da Sociedade A........................................................................, SA, em cuja introdução refere ter examinado as demonstrações financeiras da sociedade que compreendem o Balanço e a Demonstração de Resultados, não mencionando o Anexo. No entanto, não foram apresentados o Anexo ao Balanço e Demonstração de Resultados, o Relatório de Gestão, bem como a Demonstração dos Fluxos de Caixa;

e) Na mesma Certificação Legal de Contas relativa ao exercício de 2009 da sociedade A..............., não incluiu nenhuma qualificação sobre a falta de informação acerca dos comparativos com o ano de 2008, nem sobre a inexistência das Certificações Legais de Contas dos exercícios anteriores (de 2004 a 2008 inclusive), o que contraria o disposto no DRA 720 – Demonstrações Financeiras que incluam Comparativos, designadamente no seu parágrafo 23.

Assim, face à gravidade da violação de vários deveres profissionais a que o Autor se encontrava adstrito, a mesma não se coaduna com a pena mais leve.

Aliás, a pena de reprensão escrita está associada a faltas leves de serviço – “que são aquelas que não oferecem sensível perturbação nos serviços, nem revelam especial falta de diligência ou zelo por banda do funcionário ou agente infractor, mas mesmo assim não devem ficar sem reparo.” – in pág. 164, “Procedimento Disicplinar”, M. Leal Henriques, 5.ª Edição, 2007 – anotação ao artigo 22.º do Estatuto Disciplinar acima referido).

Ora, ficou demonstrado que o Autor violou normas de auditoria, no desempenho da sua actividade de interesse público, para além de não ter procedido a comunicação do início e cessação de todos os contratos de prestação de serviço relativos ao exercício de funções de interesse público, o que não se traduz em faltas leves no exercício de actividade de interesse público, ou seja, em meras faltas de diligência ou zelo.

Acresce que todos os motivos justificantes para a sua conduta referidos pelo aqui Autor são imputáveis ao mesmo, enquanto responsável pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.

Pelo que, os motivos apontados não conduzem a que se possa concluir pela desproporcionalidade da pena aplicada.

Como se vê o Tribunal a quo abordou os pontos essenciais na discussão sobre se a medida disciplinar aplicada ao ora Recorrente era violadora do princípio da proporcionalidade, quer na vertente da sua exigibilidade, quer na vertente da sua adequação. Ao tratar dessa questão, que era a que reivindicava a resposta do tribunal a quo, a Mma. Juiz do TAF de Loulé evidenciou as faltas cometidas pelo arguido e o referencial jurídico constante do Estatuto Disciplinar, concluindo pela adequação – rectius, pela não manifesta desadequação – da pena disciplinar concretamente aplicada. Tratou, pois, a questão.

De resto, constitui jurisprudência pacífica e reiterada que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões – como seria o caso. Sendo que, como ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que eles se apoiam para sustentar a sua pretensão”. A doutrina e a jurisprudência distinguem, pois, as “questões” dos “argumentos” ou “razões”, para concluir que só a falta de pronúncia sobre questões de que o tribunal deva conhecer integra a nulidade prevista no actual artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC (na jurisprudência, v., por todos, o Acórdão do STA de 21.05.2008, proc. n.º 437/07).

Como referia aquele Professor: “São, na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (idem, ob. cit.).

Improcede, pois, o recurso nesta parte, não ocorrendo a suscitada nulidade por omissão de pronúncia.

De igual modo, e de acordo com a supra transcrita fundamentação da sentença recorrida, improcede o vício de violação de lei por ofensa do princípio da proporcionalidade (cuja apreciação sequencial face ao que ficou dito se justifica neste momento por comodidade na análise).

Neste ponto, concluiu o Ministério Público:

Quanto à desproporcionalidade da pena que lhe foi aplicada, devido à alegada pouca gravidade da sua conduta. Ao ora Recorrente foi aplicada a pena única de multa de 8.000,00 €.

A Entidade Demanda considera que a fundamentação do Autor não lhe parece justificativa da aplicação da pena de advertência aos factos em questão, porquanto o ROC exerce funções de interesse público e a certificação legal das contas que emite na decorrência de uma dessas funções (a revisão legal das contas) é dotada de fé pública, pelo que não são admissíveis lapsos que comprometem a inteligibilidade e a credibilidade do mesmo documento, do próprio ROC ou mesmo da própria profissão, e exige-se que actue com competência, zelo e diligência de acordo com as normas técnicas aplicáveis.

A Entidade Demandada considerou as concretas circunstâncias em que as infracções se verificaram e a punição foi aplicada, mediante justificação e concretização suficientes.

As penas disciplinares aplicáveis constam do art. 13.º do Regulamento Disciplinar, o qual dispõe que são as seguintes: "a) advertência, b) advertência registada, c) multa de 1.000 a 10.000 euros; d) censura; e) suspensão de 30 dias até cinco anos; f) expulsão.".

E do art. 17.º do mesmo diploma decorrem as circunstâncias a atender para a graduação da pena.

Para além do exposto, o ordenamento punitivo disciplinar em causa parte de conceitos gerais e indeterminados, atribuindo à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar, uma vez definidos quais os factos provados, uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto, no que respeita à validade do ato e, nomeadamente, quanto à existência material dos pressupostos de facto necessários à sua integração (vício de violação de lei em caso contrário).

E, a menos que se verifique erro nos pressupostos da aplicação da pena disciplinar, por não se poderem enquadrar os factos na violação do dever invocado (violação de lei), ou por erro grosseiro, desproporção ou abuso de direito na sua aplicação, não é possível afastar a "discricionariedade técnica ou administrativa" (…).”

Esta posição, coincidente com o referido pelo tribunal a quo, é de subscrever.

Não pode deixar de se relembrar, como se fez, i.a., no ac. deste TCAS de 1.06.2017, proc. nº 57/17.5BECLSB, que a medida concreta da pena disciplinar aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa – nomeadamente do princípio da proporcionalidade -, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes. Como nesse acórdão se escreveu e que aqui se reitera:

“(…) Neste sentido, entre outros, Acs. do STA de 3.11.2004, proc. n.º 329/04 [em cujo sumario consta o seguinte: “I - A graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação. II - Nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu”; neste aresto escreveu-se o seguinte: “Como se disse, por exemplo, no Acórdão de 6-3-97 – Rec 41112, seguindo jurisprudência uniforme “os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que a graduação da pena disciplinar, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infracções, não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, ou seja, se a medida da pena for ostensivamente desproporcionada, uma vez que tal actividade se insere na chamada actividade discricionária da Administração”], 16.2.2006, proc. n.º 412/05 [no qual se escreveu designadamente o seguinte: “Em todo o caso, sempre anuiremos que a graduação da sanção disciplinar de suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação (Ac. do STA, de 3/11/2004, Proc. nº 0329/04)./Contudo, nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a Administração se serviu (Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo Administrativo anotado, pags. 1904/105; tb. cit. Ac. do STA de 3/11/2004).”], 29.3.2007 (Pleno), proc. nº 412/05, 7.9.2010, proc. n.º 1012/09, 23.9.2010, proc. n.º 58/10, 15.11.2012 (Pleno), proc. n.º 622/11 [“V - Os tribunais não podem sindicar a proporcionalidade da medida concreta da pena, salvo havendo erro grosseiro ou manifesto”], 20.11.2014, proc. n.º 475/14 [“V - Na fixação concreta da pena disciplinar, a Administração goza de prerrogativas de avaliação e de decisão só judicialmente sindicáveis em caso de erro manifesto.”], 12.3.2015, proc. n.º 245/14 [“I - Muito embora seja certo caber dentro dos poderes judiciais analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem a infracção disciplinar que a determinou já lhe escapa, salvo em casos de erro manifesto e grosseiro, a competência para apreciar se a medida concreta da pena foi bem doseada por esta ser uma tarefa da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários.”], 3.11.2016, proc. n.º 548/16, e 17.11.2016 (Pleno), proc. n.º 131/13.

Conforme esclarecem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotado, Volume I, 2006, págs. 121 a 126:

“I. Vêm reguladas neste artigo 3.° do CPTA algumas das questões nucleares que o julgamento da Administração Pública pelos Tribunais, do Poder Administrativo pelo Poder Judicial, suscita em sede de separação e interdependência de poderes e funções do Estado.

(…)

O reflexo mais nítido dessa separação (e também dessa interdependência) da função judicial e da função administrativa está na distinção feita no n.° 1 entre aquilo que, sendo embora próprio desta última, é passível de apreciação e sanção judicial e aquilo que, constituindo reserva do poder administrativo, não pode ser judicialmente fiscalizado.

(…)

A insindicabilidade judicial do mérito das medidas e opções administrativas ou, se se preferir, a reserva de discricionariedade da Administração representa, assim, um dos limites funcionais da justiça administrativa (cf. Barbosa de Melo, Direito Administrativo, 11, p. 72) e, ao mesmo tempo, um dos corolários do princípio constitucional da separação de poderes, um domínio da responsabilidade exclusiva dos titulares da função administrativa e, por isso, um fundamento da autonomia do poder administrativo no contexto dos vários poderes do Estado.

II. A chave da distinção feita no art. 3.°/1 do CPTA - justamente porque não opõe legalidade a discricionariedade, mas juridicidade a mérito - não passa pela afirmação de que o uso de poderes discricionários se encontra fora do domínio do jurídico (out of law), de que a Administração estaria aí submetida apenas a regras de boa administração e que portanto as suas decisões discricionárias, não encontrando quaisquer parâmetros normativos de controlo, também não seriam passíveis, em absoluto, em quaisquer circunstâncias, de censura judicial. Não é nada disso, claro.

O poder discricionário é, com efeito, tanto como o poder vinculado, um poder jurídico. Basta ver que, além de pressupor uma concessão legislativa - uma norma de competência (em sentido estrito) - e de se encontrar sempre teleologicamente ordenado (por uma norma jurídica, também) à prossecução de um certo e determinado interesse, o exercício de poderes discricionários conhece limites jurídicos internos, que funcionam irremediavelmente como parâmetro da validade das respectivas decisões administrativas.

O que sucede é que - ao contrário do poder vinculado - a opção em que se manifesta ou concretiza o exercício desses poderes, tendo sido cometida pelo legislador à responsabilidade da Administração, só em certas circunstâncias pode ser judicialmente sindicável. Não porque se trate de um «resto» menosprezado pelos tribunais, não porque a complexidade (a «tecnicidade») da questão iniba totalmente o juiz, mas, repete-se, porque o legislador, intencionalmente, quis atribuir à Administração, em última instância, uma competência decisiva nessa matéria, confiante em que ela saberá fazer um uso correcto dos conhecimentos (administrativos, financeiros, técnicos, etc.) de que dispõe para escolher a decisão concreta que melhor realiza o interesse em vista do qual essa competência lhe foi atribuída.

Sendo que tudo o que nessa opção ou escolha só for confrontável com juízos de mérito, com regras de boa administração, com esta ou aquela arte ou técnica, escapa por natureza à função judicial, à iurisdictio - à qual compete (apenas) declarar e fixar o Direito para uma dada hipótese.

E portanto de duas, uma: ou há (invoca-se que há) vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a actuação da Administração no caso em apreço, e pede-se ao tribunal que averigue da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efectivos, ou não há vínculos desses e o Tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspectos em que as decisões concretas da Administração relevam de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma, os tribunais administrativos - não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável - ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas.

Um exemplo demonstra bem o cerne da distinção: se, num concurso de uma empreitada de obra pública, a proposta de realização da obra segundo o projecto de um concorrente é classificada tecnicamente, pelo júri, com 18 valores, e outra com 10 valores, não é dado ao concorrente que apresentou esta arguir, nem ao tribunal averiguar, que (se) a diferença entre ambas não é dessa monta, que é antes de 16 para 12 ou de 14 para 13, porque se trata de uma questão de conveniência ou mérito da respectiva opção administrativa, em suma, de um caso de discricionariedade técnica, de a Administração entender que com os materiais ou os processos construtivos da primeira proposta a obra ficará «a valer» tecnicamente 18 valores, e com os do outro concorrente só 10 - do mesmo modo que um aluno não pode arguir judicialmente com fundamento apenas num juízo diverso daquele que o seu examinador formulou (salvo em casos de erro grosseiro, claro) que a prova escrita de exame que prestou era merecedora de uma nota positiva, em vez daquela negativa que lhe foi atribuída.

(…) Do mesmo modo que não se pode reconhecer que uma prova de exame é certeira na maior parte e nas mais importantes das questões postas, sem padecer de erros graves, e atribuir-lhe uma nota negativa, porque aí também já são regras ou princípios jurídicos - como os da racionalidade ou da proporcionalidade - que são violados, e não meras opções técnicas (ou de mérito) tomadas pela Administração.

III. A judicial restraint decretada pelo legislador no art. 3.°/1 do CPTA, impondo ao tribunal que circunscreva os seus juízos à interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos, vale para todas as formas por que se revela a actividade administrativa, desde o acto administrativo até à mera operação material (ou acto jurídico), passando pelo contrato e também pela actividade de produção normativa da Administração Pública, em especial, pela chamada actividade de planeamento (e a sua célebre «cláusula de ponderação de interesses»). Em todos estas formas ou manifestações da actividade administrativa há ou pode haver momentos de discricionariedade (tudo depende do caso), para os quais valem, então, as determinações deste art. 3. °/1 do CPTA.

Por outro lado, a hetero-contenção judicial aí consagrada é, por nós, alheia ou indiferente às várias posições doutrinais sobre o conceito (e âmbito) da discricionariedade. Há, de facto, quem distinga discricionariedade em sentido próprio ou estrito, figuras afins ou próximas da discricionariedade, interpretação ou aplicação de conceitos jurídicos indeterminados ou de conceitos técnicos, e há também quem englobe todas as situações referidas num conceito amplo de discricionariedade.

Seja porém qual for o entendimento que se tenha sobre tão complicado problema, o que releva para efeitos da constrição judicial estabelecida neste preceito legal, e da distinção aí inscrita, é que (por interpretação da norma em causa) se possa descortinar uma intenção legislativa de reconhecer à Administração um campo próprio e autónomo de apreciação e valoração, típico e específico do exercício da função administrativa, confiado à responsabilidade e entregue aos juízos do agente administrativo. Acontecendo isso, o juiz deverá respeitar a lei, abstendo-se de (des)valorizar, ele próprio, a opção feita pela Administração.

(…)

IV. O juiz não pode opor às opções discricionárias da Administração os seus próprios juízos de oportunidade ou conveniência, do tipo «se fosse eu, não teria mandado construir a estrada ou a ponte naquele local, mas noutro, bem melhor do ponto de vista urbanístico, rodoviário ou ambiental», ou coisa similar.

Mas pode e deve opor-lhe os «seus» juízos jurídicos, o paradigma de juridicidade que haja elaborado a partir das regras e princípios aplicáveis ao caso, e anular as decisões administrativas discricionárias que se não conformem com ele.

O que acontecerá sempre que (mas apenas quando) seja desrespeitado um dos pressupostos ou limites jurídicos do tal poder discricionário, permitindo detectar ou assinalar um vício jurídico à opção em que ele se haja materializado.

É o caso, entre outros:

i) do abuso do poder discricionário, mais conhecido entre nós por desvio de poder (que tem lugar quando o motivo principalmente determinante da actuação administrativa não condiga com "le but de Ia loi");

ii) do chamado erro de facto (quando se dão como verificados factos ou circunstâncias que não ocorreram, pelo menos como descritos, e se assumem como fundamento da opção administrativa);

iii) do erro manifesto de apreciação, resultante de um muito deficiente juízo técnico ou de valor, abrangendo as situações de «atrofia do poder discricionário» ou de redução de discricionariedade a zero (ver Hartmut Maurer, Droit Administratif Allemand, 1994, p. 135 e s.);

iv) da violação (que, em princípio, deverá ser flagrante e ostensiva) dos princípios gerais da actividade administrativa, da justiça, imparcialidade, proporcionalidade, racionalidade, igualdade, razoabilidade e boa fé ;

(…)

Basta ver o que se passa com a entrada galopante do princípio da proporcionalidade no seio do Direito Administrativo (erigido em parâmetro da validade jurídica da actividade administrativa pelo art. 266.°/2 da CRP e pelo art. 5.°/2 do CPA), cujas proposições jurídicas acabam, em parte, por sobrepor-se ou equiparar-se a outras tipicamente administrativas, associadas ao mérito ou demérito da opção do agente administrativo.

Assim, para averiguar se uma conduta da Administração é (des)proporcionada, o tribunal tem que ajuizar, sucessivamente, se a opção da Administração serve objectivamente, na prática, para realizar o interesse público em causa - portanto, se é adequada, conveniente e oportuna -, se, servindo, ela é necessária para o efeito (ou se havia outras opções menos drásticas, mas igualmente eficientes para realizar o interesse público em causa) e, em terceiro lugar, se as vantagens para o interesse público da medida escolhida são proporcionais à «carga coactiva» (Gomes Canotilho) que a mesma representa - ou, numa outra perspectiva, raramente lembrada, se «carga» dessa medida para o interesse público é proporcionada à utilidade social ou individual da mesma. E se, no termo disso, o tribunal chegar à conclusão que não se verifica qualquer uma das referidas premissas anula o acto administrativo em causa por violação do princípio da proporcionalidade.

Não é pouco, como se vê, o que sobre o «mérito» da actividade administrativa vai envolvido no juízo do tribunal a tal propósito.

Justamente por isso, para evitar que o teste da proporcionalidade acabe por transformar-se numa espécie de «cavalo de Tróia», por onde os tribunais facilmente invadiriam a «cidade» do mérito da Administração, há-de exigir-se que a violação desse princípio (e doutros, afins) só constitua fundamento jurídico da invalidação dos actos administrativos, em geral, quando seja concretamente ostensiva ou manifesta (…).” [sublinhado nosso].

E como ainda a este propósito explicitam Fernanda Paula Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2016, 4ª Edição:

- A págs. 126 e 127, “Do ponto de vista teórico, há dois princípios jurídicos fundamentais que se contrapõem no sentido de reconhecer uma menor ou maior extensão ao poder discricionário da Administração: o princípio do Estado de Direito e o princípio da separação de poderes.

(…)

De acordo com o princípio da separação de poderes a ideia é precisamente a oposta: proclama-se uma maior autonomia e uma responsabilidade própria da Administração (não se pode pretender que ela seja o que nunca foi: totalmente executiva), uma vez que o poder administrativo tem legitimidade e autonomia próprias em face dos outros dois tradicionais poderes do Estado: o legislativo e o judicial.

Realça-se, assim, a necessidade de reconhecer a legitimidade da Administração em face do poder legislativo: este exprime os seus comandos através de regras gerais e abstratas, ao passo que a Administração está em contacto com os casos concretos, devendo ser-lhe reservada a aplicação das finalidades gerais aos casos concretos.

Relativamente ao poder judicial, sublinha-se a necessidade de evitar uma “dupla Administração” que existiria se o juiz estivesse sempre em condições de anular as escolhas administrativas, substituindo pelos seus próprios critérios aqueles que foram utilizados pela Administração. Neste sentido, entende-se que a Administração é também responsável pela realização da ideia de Direito, pela realização e concretização deste.

A Administração tem perante a Constituição uma dignidade igual à do poder legislativo e à do poder judicial. Da mesma forma que ela não pode assumir um poder constitucionalmente atribuído aos outros poderes estaduais, estes também não podem intervir na esfera reservada à Administração.

O princípio da separação dos poderes acaba por ser o grande fundamento do poder discricionário: a Administração é responsável pela prossecução do interesse público, devendo fazer as escolhas e tomar as decisões nesse sentido, estando o juiz responsabilizado pelo controlo (atenuado, como veremos) da juridicidade dessas decisões.

Na linha deste raciocínio é comum sublinhar-se a legitimidade democrática dos órgãos administrativos (muito mais marcada do que aquela de que gozam os tribunais), a capacidade técnica desses mesmos órgãos, fundamental para tomar decisões com fortes componentes técnicas e ainda a irrepetibilidade das decisões administrativas, a responsabilidade pelas suas opções e a maior proximidade da Administração à realidade dos factos” (sublinhados nossos);

- A pág. 137, “a) A posição que defendemos (na linha da conceção preconizada entre nós por Rogério Soares) é a de um conceito unitário e amplo de discricionariedade como um espaço de decisão da responsabilidade da Administração, decorrente de uma indeterminação legal, o que abrange não apenas as situações de indeterminação estrutural mas também as de indeterminação conceitual, englobando quer as faculdades (diretas) de ação (que decorrem de normas autorizativas e de normas de decisão alternativa) quer os espaços de apreciação na aplicação de conceitos indeterminados - quer estes se encontrem na hipótese (discricionariedade de apreciação) quer na estatuição da norma (discricionariedade de decisão) -, quer ainda as prerrogativas de avaliação (juízos sobre aptidões pessoais ou avaliações técnicas especializadas, decisões com elementos de prognose, ponderação de interesses complexos e decisões com consequências políticas).” (sublinhados nossos);

- E a págs. 140 a 142, “a) Se é clara a juricidade do poder discricionário, importa contudo perguntar pela sua justiciabilidade, isto é, pela suscetibilidade do seu controlo jurisdicional. Ora, não há dúvida de que, ao contrário do que defendem algumas teorias, o exercício de poderes discricionários é suscetível de fiscalização pelo juiz. A questão está em saber até onde podem ir os tribunais administrativos quando estão em causa os poderes discricionários da Administração.

É frequente falar-se de duas formas de controlo a exercer pelos tribunais.

No contexto de um controlo externo, tendo em conta que nenhum ato é absolutamente discricionário, contendo sempre alguns aspetos vinculados, será sempre possível controlá-lo no que toca aos fins e competências estipulados na forma legal. O controlo desses momentos vinculados da atuação administrativa quando está em causa a prática de um ato discricionário não tem contornos especiais relativamente aos atos vinculados. Assim, se o órgão que atuou não era competente ou não dispunha de legitimação para agir, o tribunal administrativo anulará o ato praticado, por vício de incompetência, exactamente nos mesmos termos em que o anularia se o órgão estivesse a agir ao abrigo de poderes vinculados. Também se se demonstrar que a Administração se serviu dos poderes discricionários para prosseguir interesses (públicos ou privados) diferentes daqueles que a lei tinha em vista ao conceder-lhe tal competência discricionária, o tribunal anulará o ato praticado por desvio de poder subjetivo. (…)

Já no que concerne ao chamado controlo intrínseco, onde se coloca à prova o próprio uso dos poderes discricionários, a dificuldade é maior. Naturalmente que o parâmetro de controlo não pode agora ser a lei, pois ela é aqui, como já dissemos, deliberadamente lacunosa. O critério de controlo é mais vago e ao mesmo tempo mais abrangente, sendo constituído pelos princípios jurídicos que, como dissemos, devem nortear a Administração ao decidir com base em poderes discricionários, sendo necessário analisar todo o processo que antecede os atos administrativos, bem como a fundamentação que os justifica. Todavia, só a violação ostensiva ou intolerável destes princípios (desvio de poder objetivo) poderá basear a anulação jurisdicional dos atos praticados ao abrigo de poderes discricionários, sob pena de os tribunais administrativos praticarem uma “dupla administração” ao pronunciarem-se sobre o mérito das decisões administrativas. A intolerabilidade da violação de tais princípios variará na medida da densidade do princípio em causa e dos circunstancialismos concretos em presença.

Deve, em todo o caso, relembrar-se que grande parte dos “princípios gerais de direito administrativo” tem hoje expressa consagração constitucional (artigo 266º, nº 2) e/ou legal (artigos 3º a 19º do CPA), o que facilita a tarefa do julgador.

Para além disso, os atos praticados ao abrigo de poderes discricionários podem ser anulados com base em erro de facto, se a Administração baseou a sua decisão em factos inexistentes ou falseados, ou em erro manifesto de apreciação, quando se toma evidente que a Administração avaliou ou qualificou mal a realidade (está aqui em causa um “juízo valorativo”), embora se tenha baseado em factos verdadeiros, correspondentes à realidade. Não compete aos tribunais substituírem-se à Administração na avaliação da situação, mas compete-lhes anular o ato quando verificarem que a avaliação feita pela Administração é manifestamente desacertada e inaceitável, quando o erro é ostensivo e notório, percetível a uma pessoa sem os conhecimentos da Administração, O campo de eleição para o erro manifesto de apreciação é o do preenchimento de conceitos indeterminados típicos.

O exercício de poderes discricionários por parte da Administração é, pois, suscetível de fiscalização por parte do juiz, mas não de reexame: a maior flexibilidade dos parâmetros usados leva a que se caracterize o controlo judicial dos atos administrativos discricionários como um controlo atenuado. Pode-se, portanto, dizer que os poderes discricionários da Administração implicam uma repartição de competências entre a mesma e os tribunais. Assim, se à Administração cabe a adoção da solução mais adequada a um dado caso concreto, recaindo sobre si a responsabilidade de prosseguir o interesse público, aos tribunais caberá a fiscalização da atuação administrativa, tendo em conta os vários limites que lhe são impostos, mas abstendo-se de se pronunciar sobre a conveniência dessa atuação.

(…)

b) Não se pode, contudo, confundir juridicidade com justiciabilidade: o mundo jurídico é sempre mais vasto do que o justiciável. Toda a actividade administrativa está sujeita ao princípio da juridicidade mas nem toda ela é justiciável: não existe por isso, como vimos, um controlo total da atividade administrativa pelos tribunais.” (sublinhados e sombreados nossos).

Ora, no caso em apreciação não se pode considerar que a aplicação da pena única de multa de EUR 8.000,00, não consubstancia uma violação ostensiva do princípio da proporcionalidade, estando em causa a prática de múltiplas infracções disciplinares.

Com efeito, tendo em conta que o arguido e ora Recorrente violou, com a sua conduta, normas de auditoria, no desempenho da sua actividade de interesse público, e que não efectuou a comunicação do início e cessação dos identificados contratos de prestação de serviço, o que não se traduz em faltas leves no exercício de actividade de interesse público, ou seja, em meras faltas de diligência ou zelo, e tendo presente a moldura disciplinar da sanção entendida como a aplicável, que era de multa até EUR 10.000,00, não se pode concluir que a aplicação da pena de multa de EUR 8.000,00 seja intolerável, por desadequada. Evidencie-se que a pena de muita é a terceira na ordem de gravidade das penas disciplinares, antecedida da pena de advertência simples e da pena de advertência registada e seguida de mais três, a pena de censura, a pena de suspensão e a pena de expulsão.

Acresce que, como equacionado no tribunal recorrido, todos os motivos justificantes para a sua conduta referidos pelo Autor e aqui Recorrido, são imputáveis ao mesmo, enquanto responsável pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.

Donde, improcede o recurso nesta parte.

Entrando agora na questão da prescrição.

Na sentença recorrida escreveu-se neste capítulo o seguinte:

O Autor alega que as infracções disciplinares encontram-se prescritas, e por isso, o acto impugnado viola do artigo 80.º do Estatuto dos Revisores Oficiais de Contas, conjugado com o artigo 118.º e artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal, devendo ser anulado. Com efeito, a instrução do processo disciplinar suspende o prazo de prescrição de dois anos (artigo 5.º, n.º 1 e 4 do Regulamento Disciplinar), contudo, não se trata de uma suspensão que se mantenha indefinidamente. O artigo 84.º do Regulamente Disciplinar remete para o artigo 121.º do Código Penal que determina que o prazo de prescrição tem o limite máximo de 3 anos contados desde a prática do facto que consubstancia infracção disciplinar. Em 22.07.2014, data do acto impugnado, ainda não estavam prescritas as seguintes infracções: comunicação efectuada à Ordem em 24.01.2012, comunicação efectuada à Ordem em 08.03.2012, comunicação efectuada à Ordem em 23.03.2012 e comunicação efectuada à Ordem em 30.04.2012, as restantes infracções encontravam-se prescritas.

A Entidade Demandada aduziu que inexiste prescrição do procedimento disciplinar, dado que o prazo de prescrição é de 2 anos (artigo 5.º, n.º 1 e n.º 4 do Regulamento Disciplinar – Regulamento n.º 88/2010, publicado no Diário da República de 09.02.2010, II Série), e o mesmo prazo se suspende e só reinicia o seu curso a partir da data em que nele se praticou o último acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, sendo este regime inspirado no artigo 4.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, cujo entendimento sufragado por M. Leal Henriques e Acórdão do STA, de 09.03.1989, DR 14.11.1994, Acórdão STA de 22.05.1990, DR de 31.01.1995. Os actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo encontram-se, nomeadamente, referidos no artigo 44.º, artigo 59.º, n.º 3 e artigo 60.º do Regulamento Disciplinar. E, por isso, não há qualquer lacuna que fundamente a aplicação a título subsidiário da CP e o prazo de prescrição de dois anos contados desde o momento da prática do facto susceptível de integrar infracção disciplinar não tinha decorrido à data da prática do acto impugnado. Sem conceder, mesmo que se aplicasse o artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal também não resultaria a prescrição do procedimento disciplinar, sendo um prazo que se conta desde o início do procedimento e não da prática da infracção e aquele artigo trata da prescrição do procedimento criminal e não da prescrição da infracção.

Cumpre apreciar.

O artigo 5.º do Regulamento Disciplinar acima referido dispõe o seguinte:


“Artigo 5.º

Prescrições


1. O procedimento disciplinar extingue-se por prescrição, a partir do momento em que sobre a prática de facto susceptível de integrar infracção disciplinar tenham decorrido dois anos.

2.O procedimento disciplinar deverá ser instaurado no prazo de 90 dias, a contar do conhecimento de facto susceptível de integrar infracção disciplinar, pelo Conselho Disciplinar, mas, se as infracções também constituírem crimes, prescreve no mesmo prazo que o procedimento criminal, caso este seja superior àquele.

3. Se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infracção, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último acto.

4. Suspende o prazo prescricional a instauração de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o membro da Ordem a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.

5. A prescrição é de conhecimento oficioso, podendo, contudo, o membro da Ordem arguido, requerer a continuação do processo.”

Donde se retira que o procedimento disciplinar prescreve decorridos dois anos contados desde o momento da prática do facto susceptível de integrar infracção disciplinar, salvo se for instaurado processo disciplinar no decurso de tal prazo, caso em que o prazo de dois anos se suspende e retoma o seu curso com a prática do último acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo.

De referir que, não obstante o Estatuto Disciplinar dos trabalhadores em funções públicas ser aplicado subsidiariamente ao processo disciplinar dos revisores oficiais de contas, o artigo 5.º do Regulamento Disciplinar aplicável a estes tem uma redacção em tudo semelhante ao artigo 4.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro.

O artigo 4.º daquele Estatuto Disciplinar era interpretado do seguinte modo: “o prazo prescricional que tinha ficado suspenso com a respectiva instauração, verificadas as condições da lei (n.º5), reinicia o seu curso a partir da data em que nele se praticou o último acto instrutório que teve incidência na marcha do processo.” (in pág. 63 do “Procedimento Disciplinar”, de M. Leal Henriques, 5.ª edição, 2007, Rei dos Livros), ou seja, no mesmo sentido da interpretação acima expressa do artigo 5.º do Regulamento Disciplinar.

De realçar que tanto o artigo 5.º do Regulamento Disciplinar como o artigo 4.º do Estatuto Disciplinar, acima mencionados, são normas de direito público sancionatório.

Considerando a interpretação acima conferida ao artigo 5.º do Regulamento Disciplina torna-se desnecessário recorrer ao direito subsidiário previsto no artigo 84.º do Regulamento Disciplinar (“Em tudo o que estiver previsto no presente Regulamento são aplicáveis, subsidiariamente e pela mencionada ordem, os princípios consignados nos: a) Estatuto da Ordem e nos respectivos Regulamentos; b) Código de Procedimento Administrativo; c) Código Penal; d) Código de Processo Penal”), nomeadamente ao artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal (“3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”), como pretendia o Autor, por não existir omissão de regulamentação.

In casu os factos susceptíveis de integrarem infracção disciplinar foram praticados em 21.01.2011, 22.06.2011, 20.01.2012, 27.01.2012, 09.03.2012, 27.03.2012 e 04.05.2012 (Cf. Nota de Culpa e Relatório constantes do Probatório), os prazos de dois anos para a prescrição dos respectivos procedimentos disciplinares iniciaram-se nessas datas.

O prazo de prescrição do procedimento disciplinar pelos factos praticados em 21.01.2011 e 22.06.2011 suspendeu-se com a instauração do procedimento disciplinar único em 24.01.2012, sendo que em relação aos restantes factos, à data da instauração do procedimento disciplinar único, ainda não tinham sido praticados. Ou seja, desde a data da prática dos dois primeiros factos até à data da instauração do procedimento tinham decorrido 1 ano e 3 dias e 7 meses e 2 dias, respectivamente.

Em relação àqueles dois primeiros factos, o prazo de prescrição apenas retomou o seu curso com a prática do último acto de instrução com relevância na marcha do procedimento, ou seja, com a prestação de declarações pela testemunha, José .........................................., indicada na defesa pelo Autor, em 19.06.2014 (Cf. Probatório).

De 19.06.2014 até à data da decisão de aplicação da pena disciplinar, tomada em 22.07.2014, decorreram 1 mês e 3 dias.

Assim, 1 ano e 3 dias, somado com 1 mês meses e 3 dias, (quanto ao facto praticado em 21.01.2011), ou 7 meses e dois dias, somado com 1 mês meses e 3 dias (quanto ao facto praticado em 22.06.2011), não perfazem os dois anos para se operar a prescrição do procedimento.

Pelo que, não ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar.

E também como salientado pelo Ministério Público nesta instância:

À data da prática dos factos sancionados disciplinarmente a matéria disciplinar dos Revisores Oficiais de Contas era regida pelo Regulamento n.2 88/2010, publicado no Diário da República n.º 27, de 09.02.2010, aprovado de acordo com o artigo 91.º do Decreto-lei n.º 487/99, de 16 de Novembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 224/2008, de 20 de Novembro - Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.

Por ação e omissão são imputados ao ora Recorrente no procedimento disciplinar factos que se traduzem na violação de deveres consagrados no seu Estatuto (EOROC), e que a Entidade Demandada considera integrarem ofensa e com referência aos art.ºs 58.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, 44.º, n.ºs 1 a 3, e 11, 64.-º, n.º 1, 80.º, e 82.º do mesmo Estatuto, 7.º, 12.º, 10.º, n.º 3, al. d), e 16.º, do Código de Ética e Deontologia Profissional, 2.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 7.º, 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 5, do respetivo Regulamento Disciplinar.

Os factos que lhes são imputados ocorreram durante os anos de 2011 e 2012.

O art.-º 121.º do Código Penal (aplicável nos termos do art. 84.º do Regulamento Disciplinar) dispõe que o prazo de prescrição tem o limite máximo de 3 anos, contados desde a prática do facto que consubstancia infracção disciplinar.

Porém, de acordo com o Regulamento Disciplinar aqui aplicável, o prazo de prescrição das infracções em causa é de dois anos, suspendendo-se com a instauração de inquérito ou processo disciplinar (art. 5.º, n.º 1 e 4 do Regulamento Disciplinar, Regulamento n.º 88/2010, publicado no Diário da República de 09.02.2010, II Série), e só reinicia o seu decurso a partir da data em que se praticou o último ato instrutório com efectiva incidência na marcha do processo (art.ºs 44.º, 59.º, n.º 3 e 60.º do Regulamento Disciplinar), entendimento que tem apoio em jurisprudência do STA citada na douta sentença recorrida.

O Tribunal apenas chamou à colação os art.s 4.º e 14.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, porquanto o mesmo, aplicável subsidiariamente, tem uma redacção semelhante à do citado art. 5.º do Regulamento Disciplinar aplicável a estes autos. Mas tratou-se, apenas, de uma menção irrelevante para apreciação da questão, servindo para reforçar o seu entendimento.

O procedimento disciplinar foi instaurado em 19.06.2014 e, conforme consignado na sentença em apreço, o último ato de instrução com relevância na marcha do procedimento, verificou-se com a prestação de declarações da testemunha, José .........................................., indicada na defesa pelo Autor, em 19.06.2014 — cf. al. L), do probatório.

Assim, até à data da decisão de aplicação da pena disciplinar, tomada em 22.07.2014, decorreu 1 mês e 3 dias desde 19.06.2014.

Acrescem, respectivamente, a este prazo 1 mês e 3 dias, (quanto ao facto praticado em 21.01.2011), e 7 meses e dois dias, quanto ao facto praticado em 22.06.2011, os quais somados àquele período (1 mês meses e 3 dias), não perfazem os dois anos para se operar a prescrição do procedimento disciplinar.

Pelo que, a mesma não decorreu, nem mesmo relativamente às restantes infracções, cujo procedimento não foi considerado prescrito pelo Tribunal (art.º 25.º da PI).

Prazo de prescrição que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, tem um limite (o de 2 anos), mas que só inicia a contagem nos termos expostos.

Razões estas que determinam a improcedência do recurso, também, nesta parte.

Vejamos agora do erro de julgamento quanto à ausência de indicação da concreta pena para cada ilícito disciplinar para efeitos de realização do posterior cúmulo jurídico. Concluiu o Recorrente que a ausência dessa indicação para efeitos de realização de cúmulo jurídico, constituía motivo de nulidade da sanção disciplinar.

Na sentença recorrida, sobre este tema, escreveu-se o seguinte:

“(…)

O Autor afirma ainda que o acto impugnado padece de nulidade em consequência da falta de atribuição de uma pena a cada infracção, com vista a efectuar o cúmulo de penas, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), artigo 410.º, n.º 1, artigo 133.º e artigo 135.º do Código de Processo Penal.

A Entidade Demandada alega, quanto à alegada falta de atribuição de uma pena a cada infracção disciplinar, que tal não ocorre uma vez que não há lugar à aplicação de qualquer disposição do Código Penal a título subsidiário, dado que o Regulamento Disciplinar prevê especificamente o regime aplicado na matéria, regime esse que não é compatível com o regime previsto no Código Penal, considerando que a nível disciplinar a lei impõe uma ponderação global do comportamento do arguido na aplicação de uma única pena disciplinar.

Vejamos.

O artigo 20.º do Regulamento Disciplinar dispõe o seguinte:


“Artigo 20.º

Unidade e acumulação de infracções


1. Não pode aplicar-se ao mesmo revisor mais de uma pena disciplinar por cada infracção ou pelas infracções acumuladas que sejam apreciadas num só processo.

2. O disposto no número anterior é de observar mesmo no caso de infracções apreciadas em mais de um processo, quando apensados.”

Donde decorre que as infracções acumuladas são apreciadas num único processo, não fazendo aquele preceito qualquer referência à necessidade de proceder ao cúmulo de penas disciplinares, como sucede no Direito Penal.

De referir que, não obstante o Estatuto Disciplinar dos trabalhadores em funções públicas ser aplicado subsidiariamente ao processo disciplinar dos revisores oficiais de contas, o artigo 20.º do Regulamento Disciplinar aplicável a estes tem uma redacção em tudo semelhante ao artigo 14.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, pelo que a respectiva interpretação deverá ser semelhante.

O artigo 14.º do Estatuto Disciplinar determinava o seguinte:


“Artigo 14.º

(Unidade e acumulação de infracções)


1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 27.º, não pode aplicar-se ao mesmo funcionário ou agente mais de uma pena disciplinar por cada infracção ou pelas infracções acumuladas que sejam apreciadas num só processo.

2 - O disposto no número anterior é de observar mesmo no caso de infracções apreciadas em mais de um processo, quando apensados, nos termos do artigo 48.º”

Sendo que M. Leal Henriques, em anotação ao referido artigo 14.º, refere o seguinte: “o preceito consagra o princípio da unidade da infracção disciplinar, pois que «o juízo disciplinar reporta-se à globalidade do comportamento do agente administrativo», fundamentando-se no «respectivo fim de protecção da capacidade funcional da Administração, o qual impõe a consideração global das diferentes violação dos deveres cometidos por um agente administrativo» (L. Vasconcelos Abreu, op. Cit., 45 e 46). Ou, se se quiser, dir-se-á que se prescreve aqui a regra da unidade sancionatória, regulando a aplicação da medida disciplinar ao funcionário ou agente arguido de uma única infracção, ou de infracções acumuladas e apreciadas num só processo ou em processos apensados. Em qualquer situação aplicar-se-á uma só pena disciplinar.” (in pág. 139, de “Procedimento Disciplinar”, de M. Leal Henriques, 5.ª Edição, 2007, Rei dos Livros).

Pelo que, não há lugar, no procedimento disciplinar, à aplicação das regras penais relativas ao cúmulo de penas, ao invés do pretendido pelo Autor.

In casu resulta do Probatório (da Relatório Final e da Deliberação impugnada) que não foi efectuada a aplicação de uma pena disciplinar a cada infracção e feito o posterior cúmulo de infracções, tendo sido apreciada a globalidade do comportamento do arguido, ou seja, todas as infracções cometidas pelo mesmo, e aplicada uma pena disciplinar única, conforme decorre do artigo 20.º do Regulamento Disciplinar”.

Tal como refere o Ministério Público nesta instância:

Conforme resulta do art. 20.º do Regulamento Disciplinar, norma que prevê e trata da unidade e pluralidade de infracções, da qual se conclui que as infracções acumuladas são apreciadas num único processo, não fazendo aquele preceito qualquer referência à necessidade de proceder ao cúmulo de penas disciplinares, como sucede no Direito Penal.

Entendimento do Tribunal a quo que se mostra correto e que se fundamenta em doutrina, não merecendo censura, no sentido de que a razão de ser de tal divergência de regime resultar do facto de «o juízo disciplinar se reportar à globalidade do comportamento do agente administrativo», fundamentando-se no «respectivo fim de protecção da capacidade funcional da Administração, o qual impõe a consideração global das diferentes violação dos deveres cometidos por um agente administrativo».

Acresce que se as normas especiais que regulam esta matéria a prevêem nenhum fundamento existe para que o intérprete se socorra de normas de aplicação subsidiária que só o devem ser para preenchimento das respectivas lacunas na lei, quando estas se verifiquem, o que não é o caso.”.

A posição do Ministério Público é de subscrever, prevendo o Regulamento Disciplinar especificamente o regime aplicável na matéria, impondo-se uma ponderação global do comportamento do arguido na aplicação de uma única pena disciplinar, como sucedeu. Ou seja, naquele art. 20.º, nºs 1 e 2, consagra-se o princípio da unidade da infracção disciplinar, visando a apreciação da globalidade do comportamento do arguido.

Razões que determinam a improcedência do recurso, também, nesta parte e assim deste na sua totalidade.

Nada mais importando apreciar, terá que negar-se provimento ao recurso, com a manutenção da sentença recorrida.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Só a falta de pronúncia sobre “questões” – e não “argumentos” ou “razões” que sustentam aquelas - de que o tribunal deva conhecer, integra a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

ii) A medida concreta da pena disciplinar aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa – nomeadamente do princípio da proporcionalidade -, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes.

iii) De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, normativo que prevê e trata da unidade e pluralidade de infracções, concluiu-se que as infracções acumuladas são apreciadas num único processo (princípio da unidade sancionatória), não fazendo aquele preceito qualquer referência à necessidade de proceder ao cúmulo de penas disciplinares, como sucede no Direito Penal.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste tribunal central administrativo sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 22 de Novembro de 2018



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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Cristina Santos