Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:675/04.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS.
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL.
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:Ocorrendo pagamentos efectuados pela entidade empregadora em favor do contribuinte através do recurso à utilização de cartão de crédito, sem qualquer intuito compensatório de despesas incorridas em nome daquela, os mesmos correspondem a rendimentos sujeitos a tributação em IRS.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

J………………….., melhor identificado nos autos, deduziu impugnação Judicial contra o acto de liquidação adicional do IRS de 1999 e juros compensatórios, peticionando a nulidade da liquidação. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 29 de Outubro de 2019, julgou procedente a Impugnação, determinando a anulação da liquidação de IRS do exercício de 1999. Desta sentença foi interposto recurso pela Fazenda Pública. Nas correspondentes conclusões, a recorrente alega em síntese nos termos seguintes:

«A. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto dos supracitados excertos da douta decisão, a qual deriva não só da incorrecta percepção e valoração da factualidade, como também da errónea interpretação e violação do artigo 2.º do CIRS e do artigo 74.º da LGT.

B. No caso das correções efetuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão e sua fundamentação, que estão na base do decaimento da Fazenda nos presentes autos impugnatórios.

C. Decidiu o douto tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que a AT não coligiu os elementos suficientes que permitissem a emissão da liquidação impugnada. É com esta conclusão e com a fundamentação expressa na sentença, de que se recorre que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir.

D. Ao contrário da decisão recorrida, considera a Fazenda Pública, que não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efectivamente estamos perante ajudas de custo, pois estas encontram-se insuficientemente justificadas, pelo Impugnante, que não apresentou provas concludentes que aqueles valores foram pagos por deslocações efetivas.

E. Acrescendo que a própria entidade patronal interpôs uma ação cível contra o Impugnante, de forma também a poder anular as contrapartidas financeiras nos termos do Acordo Revogatório assinado em 16/04/1997, entre a D………., C.R.L., titular do estabelecimento de ensino "Universidade Moderna", e o ora Impugnante, sendo atribuída ao Impugnante, a título vitalício, uma pensão de reforma, sob a forma de um cartão de crédito no valor de 200.000$00 (€997,60), catorze meses por ano (clausula 3ª), e ainda,  entre outras regalias, o pagamento de despesas telefónicas até ao limite de 240.000$00 (€1197,11), com o mesmo carácter vitalício (clausula 5ª), apenas como correspondência disponibilidade para dar pareceres ou elaborar informações, dentro da sua especialidade, quando solicitadas pelo Magnifico Reitor, ou para com este colaborar.

F. Constata-se que, nunca o tribunal a quo poderia efetuar tal correspondência entre os valores designados e as ajudas de custo, por não se referirem as deslocações efetuadas pelo recorrido, nem de qualquer modo foi feita prova que estas deslocações correspondessem a um qualquer serviço efectuado no interesse da cooperativa, ou sequer, que as mesmas tenham ocorrido, pelo que não se poderá considerar como provado o facto nos termos em que a sentença recorrida considera.

G. A inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AT, no exercício do seu poder/dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, a realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, é, no entender da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, suficiente para englobar os respectivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

H. Para que tal não sucedesse, o recorrido poderia demonstrar que tais quantitativos correspondiam, efectivamente, à compensação por despesas de deslocação que suportou, fazendo-o mesmo em substituição da sua entidade patronal, o que não ocorreu.

I. Perante a inexistência de prova que contrariasse a veracidade das correcções realizadas em sede de inspecção, a AT entendeu que o montante recebido pelo Impugnante da sua entidade patronal, era a título de remuneração.

J. No que concerne à decisão do Tribunal a quo sobre a fundamentação do ato e, em clara discordância com o decidido, reitera-se que quer no relatório de inspecção, quer na contestação apresentada, a AT sempre assentou a sua posição numa fundamentação clara, concreta e concisa, referindo sempre as razões de facto e de direito que justificam as correcções propostas e a decisão levada a cabo, permitindo aos sujeitos passivos perceberem sempre a motivação daqueles actos.

K. Afigurando-se-nos que a liquidação controvertida respeita os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, permitindo perceber a sua natureza, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e aos destinatários a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e defender-se nos termos em que o fizeram.

L. No caso sub judice, torna-se evidente que as verbas mensais, abonadas a título de ajudas de custo, não se destinavam a reembolsar o impugnante por despesas que tivesse de efectuar em serviço e a favor da sua entidade patronal, constituindo antes uma prestação regular e periódica, quando muito um complemento, expressivo de uma forma de retribuição, sujeita a tributação em sede de IRS, de acordo com o artigo 2.º do CIRS.

M. Deste modo, para ficar afastada a incidência do imposto sobre aquele montante, seria necessário que, o mesmo, não só fosse “qualificado” como ajudas de custo pela entidade patronal, como também que preenchesse os requisitos legais indispensáveis a ser considerado como ajuda de custo, de molde a sair do campo de incidência previsto no art. 2° do CIRS.

N. A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!»

X

                        O impugnante, J........., contra-alegou, expendendo conforme segue:

«A. Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo n.º 675/04.1BELSB do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente procedente o pedido formulado pelo Impugnante, ora Alegante, que aí pugnava pela anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, referente ao período de tributação de 1999, no valor global de € 7.482,55.

B. Pretexta a Fazenda Pública que não se conforma com a douta decisão por considerar que “(…) a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto, já que a douta sentença errou nos factos considerados provados e no juízo sobre os mesmos, com base nos elementos tidos no processo, tendo valorado erradamente a prova produzida, no que tange à verdadeira natureza das verbas recebidas pelo recorrido a título de ajudas de custo.”.

C. Ao invés da posição assumida pela Representante da Fazenda Pública, entende a Recorrida ser justa, adequada e legalmente fundamentada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelo que a parte da sentença objeto de recurso não merece qualquer censura, devendo ser mantida qual tale.

D. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, designadamente, como sanciona o n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, exige-se que o Recorrente delimite o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro e por outro, que e fundamente as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.

E. Efetivamente, a Fazenda Pública não especifica criticamente os concretos meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto n.º 1, do artigo 640.ºdo CPC.

F. Ademais, da tese recursiva apresentada pela Fazenda Pública, tanto em sede de alegações, como em sede de conclusões, não se consegue concluir, quais os pontos de facto que concretamente considera erradamente julgados, o que determina tout court a rejeição imediata do recurso quanto à matéria de facto, e consequente não conhecimento do mesmo.

G. Adicionalmente e sem prescindir, esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 039405, de 19-10-2005, que “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.” De modo que, o tribunal de recurso deve limitar a modificação da decisão de facto para os casos em que a mesma seja arbitrária por não se mostrar racionalmente fundada ou em que for evidente, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência que não é razoável a solução da primeira instância.

H. Da tese recursiva apresentada pela Fazenda Pública, outra não pode ser a conclusão de que aquilo que verdadeiramente pretende é a reapreciação da matéria de facto, alegando, sem sustentabilidade alguma, que a sentença a quo enferma de erro de julgamento da matéria de facto.

I. Assim, não só a Recorrente despreza por completo a prova testemunhal produzida nos presentes autos, como não apresenta qualquer argumentação capaz de demonstrar que o tribunal a quo deveria ter concluindo num sentido diverso daquele a que chegou na decisão recorrida.

J. Não obstante, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, salvo o devido respeito, a Recorrente faz uma errada interpretação da sentença recorrida, porquanto o Tribunal a quo não considerou como provado que aqueles valores correspondiam a ajudas de custo.

K. Com efeito, o Tribunal a quo apenas a título exemplificativo se refere às ajudas de custo, por via do que que pretende demonstrar que as verbas colocadas em crise pela A.T. apenas estariam sujeitas a tributação se não assumissem uma natureza compensatória, a propósito do que conclui “(…) o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm a finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo suscetíveis de tributação, compete à Administração Fiscal”.

L. Por outro lado, também, não pode proceder o entendimento da Recorrente segundo o qual “ A inexistência de elementos de prova que permitiam concluir à AT, no exercício do seu poder/dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, a realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, é, (….) suficiente para englobar os respetivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.”.

M. Tal como se demonstrou, no caso em apreço, a A.T. não promoveu uma única diligência a fim de aferir a natureza dos montantes questionados, designadamente através da inquirição de terceiros, e, na falta de mais elementos, a A.T. sustentou a liquidação adicional de IRS, apenas com base na constatação de um valor movimentado pelo Recorrido, concluindo, sem mais, que se tratava de remunerações de trabalho dependente e, por via disso, promoveu o ato tributário de liquidação adicional, violando o principio da descoberta da verdade material.

N. Seguindo o itinerário da tese recursiva apresentada pela Fazenda Pública, poderá ainda constar-se que a Recorrente ignora as regras legalmente estipuladas sobre a repartição do ónus da prova, porquanto, de acordo com o disposto no artigo 74.º da LGT, competirá à A.T., em primeira instância, abalar a presunção de veracidade da declaração apresentada pelo Recorrido, com base em indícios sérios e objetivos de que tais despesas não eram justificadas e não revestiam a natureza compensatória, só depois passando a competir ao Recorrido o ónus de contrariar a veracidade das correções realizadas.

O. Acresce que a Recorrente não carreou para o processo um qualquer indício suscetível de levar o Tribunal a quo pela legalidade da liquidação adicional in questio, apresentando, somente, “um simples quadro com um valor em bruto de despesas com cartão de crédito.”, e, como referiu o Tribunal a quo “(…) o contencioso tributário não permite a fundamentação a posteriori. Quer isso dizer que o Relatório da Inspeção tem que valer por si, ou seja, da leitura do Relatório é que devemos encontrar a fundamentação para o acto tributário praticado pela AF (…)”.

P. Assim, e sem necessidade de mais considerações, ao contrário do que inculca a A.T., resultou da prova testemunhal produzida que “(…) o Impugnante possuía efectivamente um cartão de crédito em nome da D…………, CRL, através do qual eram pagas as despesas que o Impugnante realizava por conta dos trabalhos pontuais que ia fazendo em nome da Universidade”.

Q. E, verificando-se que “(…) o sujeito passivo apresentou uma explicação lógica para tais despesas (…)”, não havendo mais elementos que permitam ao Tribunal ficar convencido do caráter não compensatório daquelas prestações, era o quanto bastava para se concluir pela procedência da impugnação judicial, ao abrigo do comando legal previsto no artigo 100.º da LGT.

R. Em suma, tanto da leitura da motivação, quanto das conclusões da Recorrente resulta cristalinamente que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção do tribunal a quo.

S. Isto porque, não só a Recorrente despreza por completo a prova testemunhal produzida nos presentes autos, como não apresenta qualquer argumentação capaz de demonstrar que o tribunal a quo deveria ter concluindo num sentido diverso daquele a que chegou na decisão recorrida.

T. Isto posto, todos os argumentos que vêm de se expor são bem elucidativos da legalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo manter-se a decisão recorrida, nos precisos termos que determinou julgar totalmente procedente a impugnação judicial e, nessa medida, manter-se a anulação dos ato tributário de liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, referente ao período de tributação relativo a 1999.»

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado, tendo emitido parecer no sentido da procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) O Impugnante era cooperador (membro efectivo) da C………., CRL e foi vogal da sua direcção até meados de Novembro de 1996 – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas conjugado com a sentença constante a fls. 152 e seguintes dos Autos;

B) Em 16/04/1997, foi outorgado pela “D……………, CRL” e o Impugnante o instrumento constante a fls. 116 a 118 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, denominado de “Acordo Revogatório”, através do qual o contrato de trabalho celebrado entre as partes em 1991 foi revogado por mútuo acordo;

C) Em 24/04/1997, foi emitida pelo Banco ………….. a pedido da D…………., CRL a Garantia Bancária n.º ………… a favor do Impugnante, referente ao Acordo Revogatório referido na alínea anterior, no caso de incumprimento das obrigações assumidas;

D) Em 14/07/2003, transitou em julgado a Sentença proferida na 3ª Secção da 5ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, no âmbito do processo em que foi autor D………….., CRL, constante a fls. 145 e seguintes dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e através da qual veio condenar o Impugnante a restituir um veículo automóvel e a importância de 37.419,00€;

E) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 86602, de 25/08/2003, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa desencadearam ao Impugnante a acção de inspecção relativamente ao exercício de 1999, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributável através de correcções meramente aritméticas no valor de 14.945,64€ - cfr. fls. 13 dos Autos;

F) Em 22/10/2003, foi elaborado o Relatório de Fiscalização constante a fls. 55 a 59 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e onde consta a fundamentação para as referidas correcções, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, no qual consta o seguinte: « (…)

III Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

Na sequência de acções de inspecção, constatou-se que o sujeito passivo A supra mencionado auferiu, através da D………………., CRL, NIPC …………, rendimentos a título de "Despesas com cartão de crédito não justificadas", referidos no quadro infra, relativamente ao ano de 1999, que não foram declarados para efeitos de IRS.

Tipo de rendimentos  S . Passivo A

Cat. A

Desp. com cartão crédito      € 14 9 4 5 ,6 4

Tais rendimentos por serem considerados rendimentos de trabalho dependente, nos termos dos n°s2 e 3 do art° 2º do código do IR5, serão objecto de englobamento para efeitos de liquidação adicional a processar pela Administração fiscal, tendo em atenção o disposto nos artigos 89° e 76° n° 1, alínea c), todos do mesmo diploma legal.

Em face do exposto, propomos, de acordo com a referida disposição legal, que o rendimento global relativamente ao exercício de 1999, seja alterado do seguinte modo:

DESCRIÇÃO 1999

Rendimento global declarado € 88 418,58

Valores corrigidos € 14 945,64

Rendimento global corrigido € 103 364,22 //  (…)»;

G) Em 19/11/2003, foi emitida pela Administração Fiscal em nome do Impugnante, a liquidação adicional n.º …………… referente ao IRS de 1999 no valor de 7.462,55€ - cfr. fls. 10 dos Autos;

H) A Universidade Moderna tinha celebrado vários protocolos com Universidades Brasileiras e, por causa desses protocolos havia a necessidade de efectuar despesas – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas;

I) Em 1999, o Impugnante assessorava, ainda que pontualmente, a Universidade Moderna em vários projectos, nomeadamente num projecto de fusão entre várias Universidades privadas – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas;

J) Os membros da direcção da Universidade Moderna possuíam cartões de crédito para pagamento de despesas efectuadas em nome da Universidade – cfr. depoimentos das testemunhas arroladas;

K) O Impugnante tinha um cartão de crédito da D…………. e estava autorizado a fazer despesas por conta da Universidade - cfr. depoimentos das testemunhas arroladas;

L) O Impugnante durante 1999 realizou vários almoços de trabalho referente a assuntos da Universidade Moderna - cfr. depoimentos das testemunhas arroladas;

M) Em 30/03/2004, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 12 a presente impugnação - cfr. fls. 4 dos Autos.


*

Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar  a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum, bem como, nos depoimentos das testemunhas arroladas, tais como o Sr. Juiz Conselheiro J……………, o Dr. L…………. e a Dra. M………………., cujos depoimentos, em geral, foram claros, congruentes e isentos de contradições, demonstrando conhecimento directo dos factos sobre os quais recaiu, convencendo o Tribunal da sua veracidade. // Todas as testemunhas foram unânimes ao afirmar que o Impugnante exerceu funções na direcção da Universidade Moderna até meados de 1997, passando após esta data a continuar a assessorar a mesma em vários assuntos pontuais, e em consequência passou a possuir um cartão de crédito da D……….. para pagamento das despesas que ia suportando por nome e por conta da Universidade. // Ora, a conclusão que devemos retirar destes depoimentos é a de que, face às regras da experiência, o Impugnante possuía efectivamente um cartão de crédito em nome da D………., CRL, através do qual eram pagas as despesas que o Impugnante realizava por conta dos trabalhos pontuais que ia fazendo em nome da Universidade. // Aliás, este é mais um momento da fundamentação em que entram em jogo as regras da experiência, o bom senso, e a livre apreciação do Julgador e por isso o Tribunal entende, conjugando todos os meios de prova obtidos nos Autos, que as explicações apresentadas pelo Impugnante são verossímeis, e se a Inspecção Tributária entendia que tais despesas era na verdade rendimentos acessórios, teria que apresentar mais do que um lacónico relatório de inspecção referindo que “constatou-se que o sujeito passivo A supra mencionado auferiu, através da D…………………., CRL, (…) rendimentos a título de "Despesas com cartão de crédito não justificadas", referidos no quadro infra (…) que não foram declarados para efeitos de IRS”. // Ora, na verdade isso é muito pouco. //

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»


X

Ao abrigo do artigo 662.º/1), do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

N) Do RIT consta o seguinte:
«Nos termos dos artigos 60° da LGT e RCPIT, foi o sujeito passivo notificado em 03/09/2003 do projecto de conclusões de relatório, para no prazo de 15 dias contados da data daquela notificação exercer o direito de audição prévia previsto na citada disposição legal.
Reportando-se o registo ao dia 03/09/2003, nos termos do n° l do art° 39° do CPPT a notificação presume-se efectuada no dia 08/09/2003. Assim sendo, o prazo de 15 dias para exercer o direito à audição terminou no dia 23/09/2003.
Aquele prazo foi cumprido, pois o direito de audição foi exercido por escrito em 19/09/2003, cuja petição foi entregue nesta Direcção dê Finanças, na Av. Marquês de Tomar, 21, tendo dado entrada neste serviço em 24/09/2003.
Na sequência deste direito vem o contribuinte alegar, nomeadamente, o seguinte:
a) O valor que a Administração Fiscal se propõe acrescer aos rendimentos da categoria A do IRS, não é rendimento e muito menos rendimento de trabalho;
b) Os montantes em causa, auferidos através de cartão de crédito referem-se e complementam entre si a pensão de aposentação negociada com a entidade patronal, conforme consta das respectivas cláusulas contratuais, em especial da cláusula 3a, pelo que a serem enquadradas para efeitos de IRS seria na categoria H e nunca na categoria A:
c) Por outro lado, afirma que tais importâncias não são efectivamente rendimentos de trabalho, ter, antes a natureza indemnizatória pela rescisão do contrato de trabalho, pelo que não podem ser tributadas por força de não haver fundamento legal para a tributação;
d) Refere, ainda que, não obstante os argumentos atrás referidos, os valores em causa devem ser restituídos, por a eles não ter direito, conforme fotocópia da sentença judicial, com trânsito em julgado, que junta à presente petição;
e) Assim, face ao referido entende que o procedimento de inspecção deve ser arquivado.
3. Conforme já citado, o direito de audição prévia foi exercido dentro do prazo. Apreciada a informação agora apresentada, não foi a mesma susceptível de alterar o sentido do referido no projecto de conclusões de relatório, pelos seguintes motivos: // i. Os argumentos agora invocados pelo sujeito passivo são incongruentes, na medidü em que por um lado afirma que os rendimentos em questão respeitam a pensão de aposentação, por outro esses mesmos rendimentos têm a natureza indemnizatória pela rescisão do contrato de trabalho, para de seguida afirmar que tanto numa como noutra situação não serem sujeitos a tributação por não ter direito a eles, de acordo com sentença judicial; ii. Entendemos que o montante em causa não tem a natureza indemnizatória pela rescisão do contrato de trabalho, dado que, conforme é referido pelo contribuinte baseado em sentença judicial, o contrato que revogou o Contrato de Trabalho foi declarado nulo e de nenhum efeito; iii. Por outro lado, admitindo-se a situação preconizada pelo obrigado tributário ao referir que tais rendimentos se devem a pensão de reforma, entendemos que os mesmos têm pleno enquadramento na alínea d) do n.° l do art.° 2o do Código do IRS, e como tal considerados rendimentos da categoria A, logo sujeito a Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares; iv. Por último o sujeito passivo alega que os valores em causa devem ser restituídos por a eles não ter direito conforme sentença judicial. Entendemos que, quando tal acontecer, isto é, quando as importâncias em questão forem restituídas à D………., poderá nessa altura, através de reclamação graciosa, requerer a respectiva rectificação. v. Em face do exposto, e porque o sujeito passivo não acarreou novos elementos susceptíveis de alteração do projecto de conclusões de relatório, pelo que em face dos presentes os factos e fundamentos invocados projecto de conclusões de relatório propõe-se que o mesmo se convole em definitivo».
O) Do Acordo referido em B), consta na cláusula 4.ª que o impugnante «mantém-se disponível para dar pareceres ou elaborar informações, dentro da sua especialidade, quando solicitados pelo Magnifico reitor, ou para com este colaborar em conformidade com eventual acordo a estabelecer» – fls. 116/119, do p.a.
P) Como contrapartida pela prestação referida na alínea anterior, a D………… colocava à disposição deste, em regime de locação financeira, uma viatura da marca Mercedes, garantia o pagamento do seguro do veículo, a manutenção do mesmo, cheques combustível, despesas com telemóvel, seguro de saúde para o impugnante e cônjuge, bem como financiamento até ao montante de 10.000.000$00 – cláusulas 5ª a a 7.ª do Acordo referido.

Q) Nos termos da cláusula 3.º do Acordo referido em B),
«1. Em reconhecimento pelos relevantes serviços prestados a primeira outorgante atribui ao segundo outorgante, vitaliciamente, de forma definitiva e irrevogável, uma pensão de reforma sob a forma de um cartão de crédito no valor de 200.000$00 (duzentos mil escudos), 14 (catorze) meses por ano. (…) // 4- O cartão de crédito pode ser utilizado na realização de despesas elegíveis tais como: reparação e manutenção de viaturas, refeições, alojamento, viagens, combustível, roupas, brindes para oferta e outros de idêntica índole que possam legalmente ser contabilizadas pela primeira outorgante. Neste caso os documentos que suportam a despesa devem ser emitidos, quando for caso disso, em nome da primeira outorgante».

R) O impugnante não restituiu à D……… os montantes referidos na alínea D.
S) Por meio de despacho de 16.06.2003, o Director de Finanças de Lisboa delegou na Directora de Finanças Adjunta, O………………, a competência para a alteração dos elementos declarados pelos sujeitos passivos para efeitos de IRS, nos termos do artigo 65.º, n.º 4, do Código do IRS, até ao limite de Euro 1 000 000 // (…) Sancionar os relatórios de acções inspectivas, nos termos do artigo 62.º/5, do RCPIT» - Aviso n.º 8116/2003, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 175, de 31-07-2003.
T) Em 27.10.2003, a Directora de Finanças Adjunta, O......... apôs no RIT despacho de concordância– fls. 52 do p.a.
U) O ofício de notificação da decisão referida na alínea anterior foi subscrito pela Directora de Finanças Adjunta, O........., sem indicação da qualidade de órgão delegado – fls. 11.
V) O acto de liquidação referido em G) foi subscrito pelo Director-Geral de Finanças – fls. 10.


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida no que respeita à apreciação da matéria de facto assente.

2.2.2. Para julgar procedente a impugnação, a sentença estruturou em síntese, a argumentação seguinte:
«Ora, da análise dos factos provados, não é possível concluirmos com segurança, tal como a Inspecção Tributária concluiu, que as despesas pagas pelo Impugnante com o cartão de crédito da Cooperativa tinham um carácter remuneratório.
Como já referimos, característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações por exemplo, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho. // Porém, o Relatório da Inspecção nada nos diz que tais despesas não tivessem um carácter compensatório. // Importa também recordar que o contencioso tributário não permite a fundamentação a posteriori. Quer isso dizer que o Relatório da Inspecção tem que valer por si, ou seja, da leitura do Relatório é que devemos encontrar a fundamentação para o acto tributário praticado pela AF, neste caso, a liquidação adicional de IRS de 1999. // Por último, tal como já referimos supra, o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória compete à Administração Fiscal. // Ora, retomando o caso concreto, com base na factualidade provada, o sujeito passivo apresentou uma explicação lógica para tais despesas, ainda que na fase administrativa, possa ter apresentado algumas incongruências. // Mas ainda assim, tendo em conta a factualidade provada, percebemos que as despesas em causa foram efectuadas ao serviço da D………, sendo que a Fazenda Pública deveria ter aprofundado a sua inspecção no sentido de apresentar factos que pudessem levar à conclusão que tais despesas não eram justificadas».

2.2.2. A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto assente. Invoca que «… não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efectivamente estamos perante ajudas de custo, pois estas encontram-se insuficientemente justificadas, pelo Impugnante, que não apresentou provas concludentes que aqueles valores foram pagos por deslocações efetivas; nunca o tribunal a quo poderia efetuar tal correspondência entre os valores designados e as ajudas de custo, por não se referirem as deslocações efetuadas pelo recorrido, nem de qualquer modo foi feita prova que estas deslocações correspondessem a um qualquer serviço efectuado no interesse da cooperativa, ou sequer, que as mesmas tenham ocorrido, pelo que não se poderá considerar como provado o facto nos termos em que a sentença recorrida considera».

Apreciação. Está em causa a correcção cuja fundamentação, constante da alínea F), do probatório, se centra sobre a ocorrência da percepção de rendimento através de despesas com cartão de crédito, não justificadas. A fundamentação da correcção em exame resulta também da alínea n), do probatório. Do probatório resultam também os elementos seguintes (alíneas H) a L):
a) A Universidade Moderna tinha celebrado vários protocolos com Universidades Brasileiras e, por causa desses protocolos havia a necessidade de efectuar despesas;
b) Em 1999, o Impugnante assessorava, ainda que pontualmente, a Universidade Moderna em vários projectos, nomeadamente num projecto de fusão entre várias Universidades privadas;
c) Os membros da direcção da Universidade Moderna possuíam cartões de crédito para pagamento de despesas efectuadas em nome da Universidade;
d) O Impugnante tinha um cartão de crédito da D……….. e estava autorizado a fazer despesas por conta da Universidade;
e) O Impugnante durante 1999 realizou vários almoços de trabalho referente a assuntos da Universidade Moderna.

A liquidação sob escrutínio tem subjacente a aplicação do disposto no artigo 2.º/3/d), do CIRS. De acordo com esta norma, são rendimentos do trabalho dependente as «ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedem os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido apresentadas contas até ao termo do exercício». Sobre o inciso em apreço da jurisprudência e da doutrina fiscais colhem-se os ensinamentos seguintes:
i) «A não sujeição a imposto de verbas atribuídas ao trabalhador justifica-se pelo facto de aquelas não consubstanciarem um verdadeiro rendimento, mas apenas o reembolso ou compensação de despesas incorridas pelo trabalhador em prol da entidade patronal. É o caso, por exemplo, das ajudas de custo»[1].
ii) «A não sujeição a imposto justifica-se por não estarmos perante um rendimento efectivo, mas sim perante um reembolso ou um adiantamento relativo a despesas suportadas pelo trabalhador no interesse da entidade patronal: assim as ajudas de custo e as verbas atribuídas ao trabalhador para despesas de deslocação, viagens ou representação. Em qualquer destas hipóteses, a não sujeição é sempre condicionada (al. d), n.º 3, do art.º 2º), de forma a evitar práticas abusivas»[2].
iii) «Em termos conceituais, as ajudas de custo, quando atribuídas pela entidade patronal, ou seja, pela entidade pagadora do rendimento do trabalho dependente, constituem valores pagos por causa do trabalho, mas não o remuneram, ela tem outros fins, designadamente, a compensação pelos gastos a que o trabalhador careça de encarar, por causa do trabalho e em beneficio deste»[3].
iv) «As ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS, e o ónus de prova de tal excesso, bem como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT»[4].
v) «Concretamente, nos termos do artº.2, nº.3, al.d), do C.I.R.S. (na redacção em vigor no ano de 2008 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), o legislador considera rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo, bem como as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em proveito da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais, ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. E recorde-se que as ajudas de custo são, pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador, mas a favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função e passarem a constituir verdadeira "vantagem económica»[5].

A correcção em exame assenta na percepção de quantias por parte do impugnante relativas a despesas com cartão de crédito não justificadas. Trata-se de quantias percebidas pelo impugnante no quadro de relação de laboral mantida pelo próprio com a D………. [«Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta» - artigo 1152.º do CC e alíneas O) a Q) do probatório].

Nos termos do artigo 82.º da Lei do contrato de trabalho (“Da retribuição. Princípios gerais”), vigente à data (aprovada pelo Decreto-lei n.º 49408, de 24.11.1969), «Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. // A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. // Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador».

No caso, a AT comprova a ocorrência da percepção de quantias no âmbito de relação laboral do impugnante mantida com a D........., as quais não têm justificação para além da contrapartida pela prestação efectuada pelo próprio no quadro da relação laboral em referência. Recorde-se que «Constituem rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de: // a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro legalmente equiparado» (artigo 2.º/1/a), do CIRS).

No caso, a AT coligiu elementos que comprovam a percepção pelo impugnante das quantias em causa não tem qualquer respaldo em deslocações ou custos incorridos pelo próprio por conta daquela, pelo que o carácter compensatório das mesmas não se comprova. Seja atendendo à natureza da prestação laboral do impugnante (emissão de pareceres, assessoria), seja pela falta de comprovação das deslocações concretas realizadas em que o impugnante teve de enfrentar despesas por conta da entidade empregadora, não se vê como afastar o carácter remuneratório das quantias em exame. O mesmo se diga do instrumento por meio do qual foi atribuído o referido cartão do crédito, no qual o mesmo é previsto como contrapartida pelos serviços prestados. (alínea Q), do probatório). Trata-se de pagamentos efectuados pela entidade empregadora como contrapartida pela prestação efectuada pelo impugnante em seu benefício, pelo que tais rendimentos são sujeitos a tributação nos termos do artigo 2.º/1/a), do CIRS. Como se decidiu na liquidação impugnada. A mesma não enferma de erro ou vício, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que não julgue procedente a impugnação com base no erro na qualificação do facto tributário, o qual não se comprova nos autos.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.3. Havendo elementos nos autos e observado o contraditório prévio, impõe-se conhecer dos demais fundamentos da impugnação.

O impugnante invoca que a decisão de alteração da matéria colectável é nula dado que foi tomada por órgão desprovido de competência para o efeito.

Apreciação.
Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) Por meio de despacho de 16.06.2003, o Director de Finanças de Lisboa delegou na Directora de Finanças Adjunta, O........., a competência para a «alteração dos elementos declarados pelos sujeitos passivos para efeitos de IRS, nos termos do artigo 65.º, n.º 4, do Código do IRS, até ao limite de Euro 1 000 000; e para «[s]ancionar os relatórios de acções inspectivas, nos termos do artigo 62.º/5, do RCPIT» - Aviso n.º 8116/2003, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 175, de 31-07-2003 (alínea S).
ii) Em 27.10.2003, a Directora de Finanças Adjunta, O......... apôs no RIT despacho de concordância (alínea T)).
iii) O ofício de notificação da decisão referida na alínea anterior foi subscrito pela Directora de Finanças Adjunta, O........., sem indicação da qualidade de órgão delegado (alínea U).
iv) O acto de liquidação referido em G) foi subscrito pelo Director-Geral de Finanças (alínea V).

Vejamos. O acto tributário em exame foi praticado pelo Director-Geral de Finanças (alínea V). O acto de aprovação do relatório inspectivo foi praticado pela Directora de Finanças Adjunta, ao abrigo de delegação de poderes e nos termos do artigo 62.º/5, do RCPIT (alínea T). Nos termos do artigo 65.º/4, do CIRS, «[a] Direcção-Geral dos Impostos procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devem ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência na qualificação dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto». O n.º 5 do mesmo artigo estabelece que a «competência para a prática dos actos de apuramento, fixação ou alteração referidos no presente artigo é exercida pelo director de finanças em cuja área se situe o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, podendo ser delegada noutros funcionários sempre que o elevado número daqueles o justifique».

«O relatório de inspecção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como o sancionamento superior das suas conclusões» (artigo 62.º/5, do RCPIT).

«Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria» (artigo 35.º/1, do CPA, versão então vigente, ex vi artigo 2.º/2, do CPPT). O acto de aprovação das correcções contidas no RIT, praticado pela Directora de Finanças Adjunta não enferma do vício de incompetência, dado que foi praticado ao abrigo do disposto no artigo 62.º/5, do RCPIT, e com base na delegação de competências do Director de Finanças de Lisboa.

No que respeita ao acto de liquidação do imposto, cumpre referir o seguinte. Nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 366/99, de 18.09, diploma que estabelecia à data a orgânica da DGCI, «Ao director-geral compete a direcção superior dos serviços da DGCI. // Incumbe em especial ao director-geral: // b) Promover a correcta execução da política e das leis tributárias; // 3 - Ao director-geral incumbe, ainda, exercer as competências que os códigos e demais legislação tributária lhe atribuírem, as que nele forem delegadas ou subdelegadas, bem como o exercício dos poderes fixados na lei geral para os directores-gerais». Por seu turno, os Directores de Finanças, são órgãos de direcção das Direcções de Finanças (serviços regionais da DGCI), na dependência hierárquica do Director-Geral da DGCI (artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 366/99, de 18.09).

A liquidação oficiosa de IRS é realizada com base na declaração anual de rendimentos e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha – artigo 65.º/1, do CIRS. No caso, o acto tributário foi praticado pelo Director-Geral de Finanças, superior hierárquico do Director de Finanças de Lisboa, pelo que o mesmo não enferma do alegado vício de incompetência. A norma do n.º 5 do artigo 65.º do CIRS não preclude a competência concorrente do Diretor-Geral.

Em face do exposto, à míngua de outros fundamentos, impõe-se julgar improcedente a presente impugnação.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação improcedente.

Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)


_________________


[1] Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, Almedina, 2019, p. 98.
[2] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2008, p. 54.
[3] Acórdão do TCAS, 04-06-2020, P. 15/14.1BEALM.

[4]Acórdão do TCAS,20.02.2020, 212/07.6BEALM.
[5]Acórdão do TCAS, 08-05-2019, 581/13.9BEALM.