Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:903/16.0BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:03/09/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PENA DISCIPLINAR V. PENA CRIMINAL
GUARDA PRISIONAL
AGRESSÃO A RECLUSO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I – A autonomia do processo disciplinar e criminal determina que um facto possa constituir uma infração penal sem ter o caráter de falta disciplinar o mesmo se passando na inversa, o que significa que a absolvição em processo-crime não obsta à punição no processo disciplinar que tenha sido instaurado com base nos mesmos factos.
Efetivamente, o processo disciplinar é independente do processo crime, dado que os fundamentos e os fins das respetivas sanções são diferentes, bem como os pressupostos em que assenta a correspondente responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que em cada tipo de processo se fazem dos mesmos factos e de idênticas circunstâncias, o que significa que a prescrição que poderá ter ocorrido criminalmente, não significa necessariamente que a mesma tenha ocorrido disciplinarmente, uma vez que os pressupostos são diversos.
II - Não é contabilizável para o prazo prescricional do procedimento disciplinar o período de tempo em que o Recorrente demandou contenciosamente.
III - A condenação disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodítica da responsabilidade do arguido., bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
J....., com os demais sinais nos autos, no âmbito de Ação Administrativa de impugnação intentada contra o Ministério da Justiça, tendente à impugnação do despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 01.07.2016, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 40 dias, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, inconformado com a decisão proferida no TAF de Almada em 18 de março de 2022, que julgou a Ação Improcedente, veio, recorrer para este TCAS da decisão proferida, apresentando as seguintes conclusões:
“1. O procedimento disciplinar encontra-se prescrito, considerando que o processo crime que correu termos contra o recorrente, prescreveu no pretérito dia 16 de abril de 2019.
2. Pelo que, por maioria de razão, o procedimento disciplinar, encontra-se de igual modo prescrito nos termos do artigo 178.º n.º 1 da LTFP/artigo 6.º do revogado EDTFP.
3. Mesmo que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, mas sem conceder, a sentença recorrida encontra-se manifestamente eivada de erro de julgamento e obscuridade.
4. Menciona o tribunal a quo que, o recorrente fez a utilização dos meios coercivos, o que quer dizer que os aceita como justos e proporcionais.
5. Porém, por outro lado, já alude que os mesmo foram desproporcionais, e por isso praticou uma infração disciplinar.
6. Sendo evidente a obscuridade da fundamentação vertida na douta sentença.
7. Mais, como quando e de que modo, era ao recorrente que competia o dever de participar a utilização dos meios coercivos, e de que forma foram os mesmos manifestamente desproporcionais e desadequados, face à atitude do recluso, que justificasse a aplicação de uma pena disciplinar de 40 dias de suspensão, como justa, proporcional e adequada?
8. É que, em momento algum, tal resulta fundamentado na sentença prolatada pelo tribunal a quo, o que legalmente se impunha, consubstanciando omissão de pronuncia, ao abrigo do artigo 608.º n.º 2 do CPC por força do artigo 1.º do CPTA.
9. Na verdade, a conduta contrária às leis e regulamentos em vigor, foi tida pelo recluso, quando se recusa a entrar na sua cela, e investe contra o Subchefe A......, com uma caneta na mão, com a manifesta intenção de o espetar com este objeto e, não pelo recorrente, como aliás decorre do procedimento administrativo disciplinar.
10. É que foi aquela conduta do recluso, que justificou a utilização dos meios coercivos.
11. E para o efeito, é curial definir o que são os meios coercivos, porquanto, o tribunal a quo entendeu que a sua utilização foi ilegal, pese embora, sem fundamentar porquê, ao contrário do manifestado e, bem, pelo procurador da república que dirigiu o inquérito em sede criminal, que os entendeu e, bem, como lícitos, assentando a convicção vertida na douta sentença recorrida, em manifesto erro de julgamento.
12. Ora, os meios coercivos, encontram-se previstos no artigo 94.º a 96.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas de liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei 115/2009 de 12 de outubro e, visam afastar um perigo atual para a ordem e segurança.
13. E, no dia dos factos, foi imprescindível o recorrente recorrer a esses meios, dentro do estritamente necessário e adequado, face à conduta do recluso F....., que ameaçou a sua integridade física e dos colegas no exercício das suas funções enquanto força de segurança em meio institucional (artigos 3.º e 4.º Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo D. L 3/2014 de 9 de janeiro).
14. Inserindo-se no leque de situações que consubstanciam em sede criminal a exclusão da ilicitude e culpa e em sede disciplinar uma circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, que decorre aliás do previsto no artigo 190.º n.º 1 alínea a), c), d) e e) da LTFP, excluindo desta forma a responsabilidade disciplinar.
15. O recorrente nunca agrediu o recluso F....., sendo a origem das suas lesões físicas única e exclusivamente da utilização dos meios coercivos pelo Guarda B..... no Hospital de S. José.
16. E, quanto à lesão no nariz, após o uso dos meios coercivos no EP Montijo, o recluso F....., sempre referiu perentoriamente ter caído do seu beliche.
17. O que o recorrente acreditou, tendo o recluso sido de imediato encaminhado para os serviços clínicos em cumprimento com as normas e regulamentos em vigor, não tendo a partir deste momento, o recorrente mais nenhum contacto direto com o recluso.
18. O recluso F....., esteve nos serviços clínicos e, daqui foi encaminhado para o Hospital do Barreiro e deste para o Hospital de S. José.
19. E, nos serviços clínicos, a única lesão que o recluso apresentava era no nariz, conforme o respetivo relatório clinico elaborado e, que consta no procedimento administrativo disciplinar, tendo o recluso afirmado também à Sra. Enfermeira, que aquela lesão derivava de uma queda do beliche.
20. Pese embora, o recorrente não tenha praticado os factos pelos quais foi punido com a pesada pena de 40 dias de suspensão, no limite, face à prova constante no procedimento, há que concluir a existência de um non liquet e, sobre esta matéria, diz o douto Acórdão do TCA Norte, processo 3188/11.1BEPRT, 28.03.2014 que “(…) na certeza de que um “non liquet” em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do “in dubio pro reo. A condenação deve estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura, que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados. No processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas. Mostrando-se abalado o acervo probatório em que se havia sustentado a decisão disciplinar punitiva e não havendo tal realidade sido devidamente ponderada/avaliada pela decisão de revisão que confirmou aquela decisão disciplinar enferma o mesmo ato de ilegalidade, porquanto o quadro probatório apurado não nos permite fundar ou formular, para além de toda a dúvida razoável, uma convicção segura/certeza apodítica da prática dos factos que eram imputados ao ali arguido”.
21. Tendo os meios coercivos utilizados no EP Montijo sido os justificados, adequados e proporcionais para afastar o perigo iminente inerente à conduta do recluso F....., que passou apenas por uma manobra de imobilização e, nada mais.
22. Este meio coercivo, pelos dados da experiência, não é suficiente para provocar os danos físicos elencados e descritos no procedimento administrativo, porém, a utilização de um bastão, que o Guarda B..... teve que fazer uso no Hospital de S. José, já o é.
23. Aqui chegados, é de concluir ainda que, inexistia qualquer fundamento para existir um conluio para ocultar factos, quando o recorrente nunca agiu de forma a que houvesse factos que tivessem que ser ocultados, tendo sempre prestado declarações assentes na verdade, inexistindo qualquer contradição nos depoimentos por si prestados, quer em sede disciplinar quer criminal..
24. O recorrente sempre acreditou na versão do recluso, que a lesão no nariz era causa direta de uma queda do beliche, tendo sido cumpridos todos os regulamentos e normas em vigor aplicáveis ao caso em concreto, perante a forma como os mesmos haviam acontecido, nomeadamente o seu encaminhamento imediato para os serviços clínicos.
25. Mais, foi com base nas declarações prestadas pelo recluso F..... ao subchefe R....., graduado de serviço, é que foi elaborada a participação pelo Guarda F....., não tendo o arguido qualquer intervenção na elaboração da mesma.
26. E, no que diz respeito ao preenchimento do formulário de utilização de meios coercivos, o recorrente sempre acreditou que o mesmo havia sido preenchido e entregue à Sra. Diretora do Estabelecimento Prisional, designadamente pelo superior hierárquico, Subchefe A......, interveniente também na utilização dos meios coercivos e pelo Subchefe R....., em cumprimento com o que decorre da lei e regulamentos em vigor.
27. Errando de facto e de direito o tribunal a quo, fazendo uma errada aplicação do direito, quando decide que a conduta do recorrente, visou a ocultação dos verdadeiros factos que terão ocorrido no dia 20.03.2013.
28. Ora, perante a conduta do recorrente, justificada, proporcional e adequada, nada havia a ocultar, inexistindo qualquer violação de deveres profissionais sendo evidente que a pena de 40 dias de suspensão é manifestamente desproporcional e desadequada.
29. Impondo-se decisão diversa, nomeadamente o arquivamento dos autos disciplinares, porquanto nenhuma infração disciplinar foi praticada pelo recorrente.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas, deve a sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências,
Com o que se fará a adequada aplicação do direito e a costumada e sã JUSTIÇA!”.

O Recorrido/MJ veio a apresentar as suas Contra-alegações de recurso em 27 de maio de 2022, concluindo:
“A. A sentença em recurso, além de se ter pronunciado acerca da alegada questão da prescrição do procedimento disciplinar consequente da prescrição do processo crime instaurado contra o recorrente, decidiu de acordo com a lei e com o entendimento que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência, nomeadamente do STA, nesta matéria;
B. Tem, assim, entendido o STA que o processo disciplinar é autónomo do processo criminal, uma vez que são diversos os fundamentos e fins das respetivas penas, bem como os pressupostos da respetiva responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias, pelo que, ao contrário do alegado pelo recorrente, a prescrição do processo crime em nada contende com a prescrição do procedimento disciplinar, cujas regras são as previstas no artigo 178.º da LTFP;
C. Quanto ao alegado erro de julgamento da sentença em recurso acerca da questão da utilização de meios coercivos também carece inteiramente de razão o recorrente, isto porque, a referida sentença decidiu de acordo com a lei e com os elementos dados como provados no processo disciplinar, nomeadamente a prova testemunhal que o recorrente não pode, nesta fase, contrariar. Isto é, a sentença em recurso não incorre no alegado erro de julgamento pelo facto de ter decidido de acordo com a prova produzida no processo disciplinar e não de acordo com a versão do recorrente do ocorrido;
D. Como se referiu na douta sentença, “…ainda que a utilização de meios coercivos, atendendo ao concreto comportamento do Recluso, pudesse ser permitida, o certo é que o Autor se encontrava vinculado às normas e regulamentos que lhe são aplicáveis, devendo utilizar esses meios coercivos de uma forma adequada e proporcional e participar ao seu superior hierárquico, com objetividade e prontidão, as ocorrências verificadas em serviço, o que não sucedeu”;
E. Sendo, também, evidente não haver qualquer obscuridade na fundamentação da referida sentença que se mostra, além de bem fundamentada, clara e congruente;
F. Tendo em conta os elementos probatórios que decorrem do processo disciplinar, a Mma. Juíza a quo não teve qualquer dúvida acerca da não verificação de circunstâncias dirimentes e atenuantes da responsabilidade disciplinar, mormente a prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 190.º da LTFP (“a não exigibilidade de conduta diversa”), decidindo da seguinte forma: “tendo sido invocada a circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar prevista no artigo 190.º, n.º 1, alínea d), da LGTFP (a que corresponde o artigo 21.º, alínea d), do EDTFP então aplicável), mas resultando dos autos que tal circunstância dirimente não se verifica, não se mostra excluída a culpa do Autor, e, assim, a sua responsabilidade pela prática das infrações que lhe foram imputadas”;
G. A Mma. Juíza a quo ao analisar este ponto já tinha concluído anteriormente que, “contrariamente ao sustentado pelo Autor, era-lhe exigível uma conduta diversa da que adotou”, pelo que, a circunstância dirimente prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 190.º da LTFP foi considerada não verificada e bem.
H. Quanto às restantes circunstâncias dirimentes ora invocadas no recurso em apreço (alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 190.º da LTFP), diremos não caber aqui a sua análise, uma vez que as mesmas não foram objeto de apreciação na sentença recorrida por não terem sido invocadas na petição inicial, daí que nenhum vício poderá ser assacado à referida sentença com fundamento nas alegadas circunstâncias dirimentes (n.º 2 do artigo 144.º do CPTA);
I. Do processo disciplinar resulta prova suficiente para sustentar a veracidade dos factos pelos quais o recorrente foi acusado e condenado, circunstância que este teima em não aceitar, mantendo a sua versão do ocorrido. Mas, como diz o brocardo, “contra provas não há argumentos”;
J. Decorre da sentença em recurso que, em face da prova documental e testemunhal produzida nos autos, não havendo fundamentos que a descredibilizem, não se vislumbram razões que permitam concluir pela existência de dúvidas acerca dos factos imputados ao recorrente. E a isso não obsta, como aquele pretende fazer crer, o facto de ter sido arquivado o processo crime contra si instaurado, sendo certo que o processo disciplinar é distinto e autónomo do processo penal, assentando essa autonomia, fundamentalmente, na diversidade de pressupostos da responsabilidade criminal e disciplinar, bem como na diferente natureza e finalidade das penas nesses processos aplicáveis;
K. Perante a prova produzida no processo disciplinar, a sentença recorrida tal como a entidade demandada não tiveram qualquer dúvida acerca da prática dos factos pelo recorrente, pelo que não se verifica o alegado non liquet nem, consequentemente, a violação do princípio in dúbio pro reo. Assim decidiu a sentença em recurso, a qual não merece qualquer reparo;
L. A versão dos factos que o recorrente mantém nestes autos não corresponde àquela que ficou provada no processo disciplinar, nomeadamente através dos depoimentos de diversas testemunhas, entre elas, o guarda principal J....., o subchefe principal M....., a Diretora do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo e até o próprio recorrente, como, aliás, decorre demonstrado a fls. 73 e 74 da sentença recorrida, que transcreve parte dos depoimentos das referidas testemunhas, e para a qual se remete, nesta parte;
M. Pelo que, e muito embora o recorrente mantenha a sua versão do ocorrido, é por demais evidente que tal versão não pode prevalecer por contrariar a prova produzida no processo disciplinar;
N. Por outro lado, e como bem decidiu a sentença em recurso, tendo presente os fundamentos vertidos no relatório final e os critérios legalmente previstos para determinação da medida da pena, não se evidencia que a sanção disciplinar concretamente aplicada ao recorrente seja manifestamente desproporcional ou desadequada;
O. Ao invés, a pena aplicada ao recorrente, de suspensão por 40 dias, mostra-se conforme o princípio da proporcionalidade e adequação das penas, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP e do artigo 7.º do CPA;
P. Decidiu ainda a douta sentença que, pelos mesmos motivos, também não se vislumbra que a pena concretamente aplicada ao recorrente seja «injusta e pouco razoável», porquanto não resultou demonstrado dos autos ter sido adotada uma solução «manifestamente desrazoável ou incompatível com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa», nos termos do disposto no artigo 8.º do CPA;
Q. Não se mostrando desproporcional, injusta ou desrazoável, a concreta pena aplicada ao recorrente, decai o alegado vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade;
R. Diremos, por fim, que a sentença recorrida fez uma correta interpretação do quadro legal aplicável, não padece de nenhum dos alegados vícios e está bem fundamentada, não merecendo, por isso, ser revogada.
Com o douto suprimento de V. Exas., deve o recurso em análise ser julgado totalmente improcedente e manter-se a decisão recorrida com as devidas consequências legais.”

Em 6 de junho de 2022 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.

O Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 20 de junho de 2022, veio a emitir Parecer em 22 de junho de 2022, concluindo no sentido da inverificação da suscitada prescrição, mais referindo que quanto “ao recurso interposto deve ser negado provimento, mantendo-se o decidido em toda a sua extensão.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, nas quais se suscitou, nomeadamente, a prescrição do procedimento disciplinar e que “a sentença recorrida encontra-se manifestamente eivada de erro de julgamento e obscuridade.”

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:
A. O Autor é trabalhador do Corpo da Guarda Prisional, exercendo funções no Estabelecimento Prisional Regional do Montijo (cf. fls. 154 a 157 do processo administrativo apenso aos autos);
B. Em 20.03.2013, J......, Guarda Principal do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, elaborou o documento denominado «Auto de Notícia/Participação» com o seguinte teor:
«(…) Estabelecimento Prisional de: Montijo
Data dos factos: 20/3/2013 Hora dos factos: 18H00
Local dos factos: Camarata n.º 18 do Anexo
Autor(es) dos factos (se conhecidos):
F...... (Em Transito)
Resumo dos factos (preencher mais folhas, se necessário):
Venho por este meio participar que no dia e hora acima mencionado, o recluso em questão bateu à porta da sua camarata com alguma insistência alegando que tinha escorregado do beliche e bateu com a face nos ferros da cama, e na qual tinha um corte no nariz.
Eu mais o subchefe Principal J......, que tinha ouvido o barulho e perante tal facto foi conduzido o referido recluso aos serviços clínicos.
Sem mais nada de momento é tudo o que me cumpre participar a V.ª Ex.ª Senhora Diretora.
Testemunhas, apreensões e outras provas:
Subchefe - J...... Guarda - J...... (...)» (cf. fls. 4 verso e 5 do processo administrativo apenso aos autos);
C. Em 20.03.2013, R....., Graduado de Serviço do Estabelecimento Prisional Regional de Montijo, elaborou a «Informação N.º 67/2013» com o seguinte teor:
«(…) Assunto: Diligência ao Hospital Barreiro/H São José- Rec. N° ….5 F..... (transito P Cruz).
Para os devidos efeitos informa-se V.ª Ex.ª que hoje pelas 16H30, por indicação da Sr.ª Enfermeira I...... foi necessário efetuar diligência ao Hospital do Barreiro e a posterior ao H São José com o rec n° 2… F......, em virtude de o mesmo apresentar uma ferida no nariz resultante de uma queda na sua camarata.
Mais informo que o recluso ficou internado no H São José, sendo para isso necessário efetuar rendição no Hospital, ficando o serviço noturno reduzido a dois turnos.(...)» (cf. fls. 5 verso do processo administrativo apenso aos autos);
D. Em 20.03.2013, J......, Subchefe Principal do Estabelecimento Prisional Regional de Montijo, elaborou a «Informação N.º 68/2013» com o seguinte teor:
«(…) Assunto: Lesão do recluso F....., no nariz apos queda
J......, Subchefe Principal, venho por este meio informar V. Ex. que no dia de hoje, pelas 18,10 horas, ouvi bater violentamente na porta da camarata n° 18, sector do anexo, de imediato dirigi-me ao local, com o guarda, J..... e J....... Ao ser aberto a porta da camarata pelo guarda, J....., deparei com recluso, n. 2…., F....., a sangrar do nariz alegando que se tinha magoado. Perante tal situação, perguntei o que lhe tinha acontecido, disse- me que estava a dormir e que tinha caído da cama e se tinha magoado. Imediatamente conduzi o recluso a Enfermaria, que posteriormente perante a observação da Sra. Enfermeira, e a gravidade da lesão, foi efetuado diligência ao Hospital do Barreiro e depois para o Hospital São José em Lisboa (...)» (cf. fls. 6 do processo administrativo apenso aos autos);
E. Em 20.03.2013, R....., Graduado de Serviço do Estabelecimento Prisional Regional de Montijo, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…) Aos vinte dias do mês de Março de 2013, neste Estabelecimento Prisional, compareceu perante mim, R....., instrutor do presentes auto, a fim de prestar declarações o recluso F......, de 26 anos de idade, natural de Portugal, residente no Barreiro, que disse: que hoje pelas 18h00 encontrava-se na sua camarata, n° …. do anexo e ao subir para o beliche escorregou e bateu com a face nos ferros da cama.
De seguida bateu a porta da camarata para pedir auxilio ao Guarda de serviço, o que sucedeu imediatamente, ocorrendo ao local o Guarda F..... que o encaminhou para os serviços clínicos. (...)» (cf. fls. 6 verso do processo administrativo apenso aos autos);
F. Em 21.03.2013, L......, Guarda Prisional do Estabelecimento Prisional Regional de Montijo, elaborou o documento denominado «Anexo I Modelo de Participação de Uso de Meios Coercivos», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) Estabelecimento Prisional ou unidade orgânica: Regional do Montijo
Participação n.º
Data: 21/03/2013 Hora: 11H30m
Identificação do Participante:
L......
Categoria profissional: Guarda Prisional
(…)
Data dos factos: 21/3/2013 11H30m
Local dos factos: Hospital de S. José (…)
Guardas Prisionais Intervenientes:
L......
(…)
Reclusos sobre os quais foram aplicados os meios coercivos
F......
(…)
Descrição sucinta dos factos (…)
O recluso tentou forçar a saída da enfermaria, não respeitando as minhas ordens para permanecer no local. Após várias advertências o mesmo insistiu várias vezes em fazê-lo, dirigindo-se para a porta e forçando a sua saída. A fim de impedir que o mesmo saísse utilizei a coação física empurrando-o. O recluso não gostou e reagiu agressivamente tentando agredir-me, só conseguindo impedir a agressão pelo recurso do bastão que trazia comigo. Desferi 2 ou 3 bastonadas na zona dos braços, mas mesmo assim recluso continuou agressivo, tendo sido necessário afastá-lo daquele local (enfermaria), pelo que foi levado para a zona dos WC’s. Refira-se que o recluso tinha sido sujeito a intervenção cirúrgica e que tinha um cateter na mão, que o mesmo que o mesmo retirou no meio da sua atuação, ficando o sangue a pingar para o chão, pelo que se aproveitou o facto do recluso ir para o WC, para limpar os braços e o sangue. Na zona do WC o recluso continuou agressivo e a forçar a saída dizendo que se ia embora.
Verificando a situação e a dificuldade de a controlar, salienta-se o auxilio do P.S.P. do posto que funciona no Hospital. Vendo a situação cada vez mais descontrolada, e a postura de grande agressividade do recluso, tive de recorrer à coação física para imobilização a fim de dominar o recluso, chegando nesse momento o elemento da PSP que me auxiliou na algemagem do mesmo (...)» (cf. fls. 46 a 49 do processo administrativo apenso aos autos);
G. Em 22.03.2013, S......, Subchefe do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, elaborou o documento «Auto de Notícia», com o seguinte teor:
«(…) Aos vinte e dois dias do mês de Março do Ano de Dois Mil e Treze no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz e no Gabinete da Chefia, onde eu, S......, Subchefe me encontro no desempenho de funções, passo a dar notícia do seguinte:
Que pelas dezasseis horas e trinta minutos do dia de hoje, regressou a este Estabelecimento Prisional o recluso F...... com o número interno – 6…., vindo do Hospital São João de Deus.
O referido recluso havia sido transferido deste Estabelecimento Prisional com destino ao Estabelecimento Prisional Regional do Montijo no dia vinte do corrente mês.
Na apresentação do recluso verificou-se que o mesmo apresentava hematomas escoriações na face e no corpo.
Questionado sobre o que lhe tinha sucedido, o mesmo referiu ter sido agredido por elementos de vigilância no Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, posteriormente foi encaminhado para o Hospital do Montijo depois para o Hospital de São José e por fim para o Hospital Prisional de São João de Deus (...)» (cf. fls. 7 do processo administrativo apenso aos autos);
H. Em 22.03.2013, D......, Enfermeira dos Serviços Clínicos da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, elaborou o documento denominado «Registo de Agressão / Auto- Mutilação», referente ao recluso F......, com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
«(…) REGISTO DE AGRESSÃO / AUTO-MUTILAÇÃO
Data 22/03/2013 Hora 19H00 (…)» (cf. fls. 7 verso do processo administrativo apenso aos autos);
I. Em 22.3.2013, A......, Adjunta da Diretora do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) compareceu a fim de prestar declarações F......, recluso n.º 6…, afeto a este Estabelecimento Prisional, natural do Alto do Seixalinho - Barreiro (...), que sobre a matéria dos autos disse:
- Questionado sobre as causas de se encontrar com o nariz partido, hematoma no olho direito, dois cortes na orelha esquerda e hematoma na mão direita bem como várias marcas ao longo do tronco e ambas as pernas, o declarante diz que foi devido a ter desobedecido a uma ordem de um Guarda Prisional - J....., no Estabelecimento Prisional do Montijo, pelo facto de não se ter deixado fechar, em virtude de ter pedido durante todo o dia ao Guarda de Serviço, identificado para telefonar para a sua família. Questionado se foi agredido pelo Guarda J..... o declarante diz que não. Mas foi agredido por outros Guardas Prisionais, nomeadamente - Subchefe J......, Guarda Prisional - J......, Guarda R...... e um outro cujo nome não se recorda. O declarante diz que eram cerca das 17h30m, no dia 20.03.13, quando o Guarda J..... lhe deu ordem para ser fechado na sua cela. O declarante não obedeceu a tal ordem pelo facto de não ter contactado com a família. De seguida, sentou-se no chão a fumar um cigarro com uma caneta ao seu lado. O Guarda Prisional J..... chamou o Subchefe J...... e o Guarda J....... Nessa altura, o declarante diz que todos os outros reclusos já estavam fechados e portanto ficou sozinho no piso à porta da cela, apenas com os Guardas. Os Guardas começaram a querer tirar-lhe a caneta da mão porque pensavam que os ia espetar, mas o declarante não deixou.
Depois começaram a agredir o declarante com murros e pontapés ao longo da cara e corpo, por onde calhava, sendo que o único que não lhe bateu foi o Guarda F...... Questionado se lhe bateram com algum objeto ou bastão, o declarante diz que não. Questionado se foi algemado, diz que não. Depois levaram-no, para uma cela e tentaram que ficasse ali, mas o declarante não quis e virou-se aos Guardas - Subchefe A......, Guarda R...... e Guarda J......, tendo-se todos envolvido em agressões físicas mútuas. Depois levaram o declarante para a enfermaria e a enfermeira de serviço disse que era melhor ser levado ao Hospital. O declarante foi levado ao Hospital do Barreiro por outros Guardas. Dali foi reencaminhado para o Hospital de S. José onde foi operado ao nariz. No Hospital de S. José voltou a ser agredido por outro Guarda Prisional que fazia a custódia de nome B....., com um bastão, atingindo-o no olho, na orelha e no corpo, pelo facto de ter solicitado querer fumar um cigarro e o Guarda ter respondido arrogantemente que não, porque no Hospital não se fuma. O declarante disse ainda que fumou com todos os outros Guardas, que o levaram à rua e sem algemas, mas este Sr. Guarda não deixou. Questionado se quando ocorreu esta agressão estavam presentes mais pessoas, o declarante disse que sim, que estavam enfermeiras, outros doentes e médicos, porque ocorreu dentro do quarto do Hospital. Houve um polícia que foi chamado ao local para intervir, ajudou a algemar o declarante e foi devidamente tratado pelos serviços clínicos. No mesmo dia, ontem foi transferido para o Hospital de Caxias, por outros Guardas Prisionais. No dia de ontem recebeu alta pelo médico do Hospital de Caxias, mas só no dia de hoje é que deu entrada no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz. O declarante encontrava-se transferido, precariamente, no E.P. do Montijo.
- O declarante deu ainda o consentimento, para ser fotografado na zona em que foi lesionado, bem como do relatório médico (...)» (cf. fls. 8 e 8 verso do processo administrativo apenso aos autos);
J. Em 29.04.2013, por despacho do Diretor-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, foi instaurado processo de inquérito, a que foi atribuído o n.º 178-I/2013 (cf. fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos);
K. Em 11.06.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) compareceu a fim de prestar declarações F...... (...) que sobre a matéria dos autos disse:
Afirma que foi transferido provisoriamente do EP Pinheiro da Cruz para o EPR Montijo no dia 20.03.2013, para ir responder ao Tribunal.
Que no dia 20.03.2013, no EPR do Montijo pediu ao Guarda J..... para efetuar uma chamada. Este Guarda informou o declarante que já tinha avisado o chefe (Graduado de Serviço) Subchefe M.......
Cerca das 18:00 horas, na altura do encerramento, o declarante não se deixou fechar porque não lhe foi autorizado o telefonema. Nisto aparece o Subchefe A...... e o Guarda J......, o declarante estava sentado no chão a fumar um cigarro e com uma caneta na mão. O Subchefe A...... e o Guarda J...... de imediato se jogaram para cima do declarante, tendo o Subchefe A...... desferido um pontapé no tórax.
O declarante reage à agressão e logo de seguida o Guarda B...... desferiu-lhe um violento pontapé que lhe acertou no nariz, tendo ficado imediatamente com a cana partida.
Neste momento, todo ensanguentado levantou-se e dirigiu-se para a chefia, o qual foi impedido pelo Subchefe A...... e o Guarda B.......
Nessa altura aparece o Guarda R...... desferindo um pontapé na barriga para o declarante entrar dentro do calabouço “sala de espera”.
Cerca de 10 minutos depois, foi levado para a enfermaria pelo Subchefe A......, Guarda B...... e Guarda J......
Uma vez na enfermaria foi observado pela enfermeira I......, que imediatamente verificou que a cana estava partida e teria de ser evacuado para o Hospital do Barreiro.
Quando ainda se encontrava na enfermaria chegou o Subchefe M...... que perante a situação virou-se para os colegas, revoltado dizendo "vocês são todos uns estúpidos, não têm consciência dos atos que praticam", nenhum dos intervenientes expressou qualquer palavra nesse momento, abandonando o local e ficando apenas o Subchefe M...... e a Enfermeira.
Em seguida foi para o Hospital do Montijo, digo do Barreiro, após observação médica foi encaminhado para o Hospital de São José visto o primeiro não ter cirurgia àquela hora.
Já no São José acabou por ser operado, vindo aí a permanecer até ao dia seguinte.
Afirma que no Hospital de São José, pediu ao Guarda B...... para fumar um cigarro, tendo este dito "Eu não fumo, por isso tu também não vais fumar".
O declarante face à resposta do Guarda, não obedeceu à ordem e levantou-se da cama e foi à casa de banho fumar.
Nisto o Guarda B...... saca do bastão e começa a desferir pancadas no declarante encurralado, o declarante reage e virou-se ao Guarda, tentando agarrar o bastão e empurrando-o. Logo de seguida apareceu um PSP que auxiliou o Guarda e algemaram o declarante.
Contudo, esclarece que as bastonadas apenas foram desferidas pelo Guarda B...... Questionado, afirma que a agressão do Subchefe A...... e do Guarda J...... ocorreu na parte final da antiga secção feminina que tem um portão que dá acesso à escola e à chefia.
Após ser questionado, diz que foi alojado na camarata 18, encontrando-se aí o D......, n° 1… do EP Pinheiro da Cruz que tinha sido transferido juntamente com o declarante. Encontrava-se ainda um recluso do EP Leiria cujo nome não se recorda (...). Questionado se por ventura não estava a dormir e não terá caído da cama, embatendo com a cara no chão, o declarante é perentório em afirmar que não. Mais, considera a situação tão absurda, desde logo, pelo facto das mazelas evidenciadas nas fotos do declarante são de tudo menos uma suposta queda. Mais os seus companheiros atrás referidos, podem comprovar que o declarante nunca caiu da cama e, ainda que estivessem já fechados, as agressões ocorreram à porta da camarata e que de certo que as ouviram, por isso, desde já, pede para serem ouvidos. Questionado, responde que os reclusos da camarata 18 aquando das agressões, manifestaram-se desde o seu interior, para que os Guardas parassem com as agressões.
Por último, pretende que o presente processo seja remetido para o Ministério Público como queixa crime contra o Guarda J......, o Guarda R...... e o Subchefe A...... (...)» (cf. fls. 41 a 43 verso do processo administrativo apenso aos autos);
L. Em 11.06.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) compareceu a fim de prestar declarações D...... (...) que sobre a matéria dos autos disse:
(...)
Afirma, porque lhe foi perguntado, que no dia 20.03.2013 foi transferido provisoriamente para o EPR do Montijo. Juntamente consigo foi também o recluso F....., sendo que este recluso levava consigo 2 ou 3 comprimidos desfeitos e que o Guarda lhe apreendeu, ou melhor, foi o Subchefe A....... Nessa altura, o Subchefe disse ao F...... que ia ver o que era e depois logo via se lhe devolvia ou não.
Durante todo o dia, o F...... não parou de bater à porta e de chamar o Guarda para lhe dar os comprimidos, várias vezes o Guarda F..... lhe chamou a atenção e que quando o Subchefe resolvesse a situação que lhe entregava os comprimidos.
Pela hora do encerramento, o recluso F...... voltou a insistir com o Guarda e disse que não se deixava fechar. O declarante e dois outros reclusos (E...... e F...... do EP Lisboa) entraram na camarata e foram fechados.
Pouco tempo depois chegaram o Subchefe A...... e o Guarda B......, tendo o declarante ouvido o Subchefe A...... a advertir o F...... dizendo “como é, vais entrar a bem ou é preciso empurrar- te", tendo o F...... respondido que não entrava e que se lhe tocassem espetava com a caneta.
Logo de seguida, ouviu claramente os Guardas a dizer para largar a caneta e como ele não obedeceu ouviu os Guardas a dar porrada, bem como o F...... a gritar "larguem-me, deixem-me". Esta situação aconteceu durante alguns minutos, mas os Guardas levaram o F...... para outro lado, deixando de ouvir.
Questionado se o F...... alguma vez caiu da cama, o declarante é perentório em afirmar que não. Afirma que, ao chegarem ao EPR do Montijo, pela manhã do dia 20.03.2013 o F...... fez a cama e nunca mais voltou a deitar-se nela. Acrescenta que a cama do F...... era por cima da sua e tem a certeza que nesse dia o F...... não se deitou e não adormeceu. Diz ainda que, quando o declarante entrou para ser fechado e o F...... negou-se a entrar o F...... estava bem e não tinha nenhuma mazela, sendo certo que estava alterado.
Questionado se não viu o F...... com a cana do nariz partida, o declarante é perentório em afirmar que não, não sabe como a partiu, mas seguramente foi na intervenção dos Guardas (...)» (cf. fls. 44 e 45 e verso do processo administrativo apenso aos autos);
M. Em 14.06.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) compareceu a fim de prestar declarações 1090 - F......(...) que sobre a matéria dos autos disse:
(...)
Quanto aos factos e após ser questionado, diz que se recorda de ter sido transferido para o EPR do Montijo e que na data dos factos lá se encontrava.
Esclarece que tem pouca visão, mas recorda-se de ter existido um rebuliço no exterior da cela, quando já estavam fechados, entre guardas e um preso, que também estava alojado na cela do declarante.
Acrescenta, não conseguiu identificar o recluso que terá estado na origem do reboliço, nem o motivo dado a suas limitações de visão.
Após questionado, afirma de forma perentória que nesse dia nenhum recluso que habitava a sua camarata caiu inadvertidamente da sua cama, partindo o nariz.
Após o reboliço diz que o recluso supostamente envolvido não mais regressou à cela (...)» (cf. fls. 50 e 50 verso do processo administrativo apenso aos autos);
N. Em 19.07.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Visado», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…) VISADO:
Nome: J...... (...)
Profissão: Guarda principal (...)
Factos imputados:
No dia 20.03.2013, pelas 18H00, está indiciado de ter participado de um[a] agressão gratuita ao recluso F....., junto da cela que habitava, bem como ter elaborado uma participação contrária aos factos ocorridos.
(...)
Após o refeitório, o declarante procedeu ao encerramento dos reclusos, todos sem exceção se dirigiram para junto das celas, mas, contrariamente a todos os outros, o recluso F..... recusava-se insistentemente a entrar (motivo a não entrega dos comprimidos).
Após alguns minutos na tentativa de demovê-lo, não só o declarante como também os seus companheiros, não lograram conseguir que o recluso entrasse na cela, pelo que, o declarante mandou entrar todos os outros, o que acataram, fechou a porta e foi transmitir a desobediência do recluso ao seu superior hierárquico.
Posto isto, acompanharam o declarante o subchefe A...... e o guarda B......, sendo que o subchefe A...... interpelou o recluso acerca da sua desobediência e se pretendia continuar sem entrar na sua cela ou seja com aquela postura. O recluso num tom altivo disse que dali não saía e que ninguém se aproximasse de si, pois só entraria quando lhe tivessem entregue os comprimidos que lhe roubaram.
Mais uma vez e pacientemente, o subchefe o advertiu para o cumprimento cabal da ordem sob pena de ter de utilizar a força para o demover de tais comportamentos (desobediência passiva), contudo, o recluso insistia naquela atitude, ripostando agora não de forma passiva, mas com a ameaça ativa de agressão eminente de quem se aproximasse de si, mormente, ostentando uma esferográfica empunhada, ameaçando que se não lhe dessem a medicação não o iam fechar, e se alguém tentasse forçá-lo, iria ser espetado.
À aproximação do subchefe A...... na tentativa de o demover, mormente segurando-o pelo braço para o encaminhar para a cela ao mesmo tempo que o tentava demover pelas palavras, o recluso num ato repentino empunhando a esferográfica desfere um golpe na direção do subchefe A......, o qual recuou e o guarda B...... conseguiu suster o movimento da mão eu empunhava a esferográfica, impossibilitando que a agressão fosse efetiva. Ato contínuo, o subchefe A...... efetuou uma chave de braços, dominando o recluso e projetando-o no solo. Situação que levou a que o recluso embate-se com a cara na esquina do gradão de acesso à zona administrativa.
Dominado o recluso, ao levantarem o mesmo do solo, logo se aperceberam que o recluso estava com um bocadinho de sangue na zona do nariz, pelo que o encaminharam para a enfermaria. Nada mais se passou, tendo sido assistido pela enfermeira que entendeu por bem, mandar o recluso ao Hospital para ser visto por um médico. Logo começou a pedir desculpas aos guardas e, ao ser ouvido pelo subchefe F......, a quem terá dito que estava muito arrependido e pedia desculpa aos guardas, sendo que coloca-se nas suas declarações que tinha caído da cama, por não querer ter problemas, mormente um processo disciplinar.
Atendendo à instabilidade evidenciada pelo recluso, com constantes alterações do comportamento, foi determinado superiormente que atendendo ao facto do recluso ter pedido desculpas e às declarações por ele produzidas, que seria efetuada uma informação no sentido das declarações do recluso.
Questionado esclarece que reunidos em conjunto, face aos pedidos de desculpa do recluso e a sua grande instabilidade e alteração de humor, iriam efetuar a comunicação de acordo com as declarações prestadas pelo recluso, para não prejudicar o próprio, nunca esperando nem sequer lhes passou pela cabeça, após tal pedido de desculpa que o recluso viesse à posteriori apresentar queixa contra os guardas intervenientes.
Questionado se pretende acrescentar algo mais, diz estar arrependido de ter efetuado aquela informação contra a sua forma de estar, mas com a insistência do recluso nos pedidos de desculpa e porque foi acordado desculpabilizar o recluso e não o prejudicar, acabou por agir daquela forma, o que muito o transtorna (...)» (cf. fls. 61 a 63 do processo administrativo apenso aos autos);
O. Em 19.07.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Visado», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) VISADO:
Nome: J..... (...)
Profissão: Guarda Prisional
Factos imputados:
No dia 20.03.2013, pelas 18H00, está indiciado de ter participado de uma agressão gratuita ao recluso F....., junto da cela que habitava, bem como de ter contribuído para uma participação contrária aos factos ocorridos.
(...)
Afirma que nesse dia se encontrava ao serviço no corredor de acesso ao refeitório, o qual é contíguo ao sector prisional do anexo, sendo ao longo do dia informado pelo guarda F..... que o recluso F..... vinha adotando comportamentos alterados. De acordo com informação dada pelo Sr. F..... o recluso insistia amiúde que queria a sua medicação, além disso, pedia para falar com o seu irmão por forma a pedir-lhe cigarros. Já após a refeição, o guarda F..... passou por si, regressando logo em seguida na companhia do subchefe A....... Nesse momento, o declarante apercebe-se de que existiriam problemas, pelo que resolveu acompanhá-los.
Já no local constatou que o recluso F...... ostentando uma caneta na mão esquerda, recusava-se ao cumprimento da ordem direta que lhe era dada pelo subchefe, ordem essa de entrar na cela. O subchefe advertiu-o por diversas vezes, o qual insistentemente se recusava a entrar na cela, inclusive tomou posição e confronto, ameaçando que espetaria com a caneta quem dele se aproximasse.
Face ao circunstancialismo o declarante circundou o recluso pela frente segurando na sua mão esquerda e, face à força e inércia exercida pelo recluso, partiu a caneta ainda na mão deste.
Ato contínuo, em face da reação brusca do recluso, houve a necessidade de aplicar as técnicas de restrição, manietando o recluso através de uma chave de braços, obrigando-o a imobilizar no solo. Tal intervenção, talvez por inércia do recluso terá feito com que este embate-se com o nariz em algum lado, não podendo o declarante precisar face à grande alteração e confusão aí provocada, no entanto pensa que terá embatido no gradão de acesso à zona administrativa.
Em seguida, levantaram o recluso e aperceberam-se que o mesmo estava com um pouco de sangue a sair do nariz e, um risco vedado no nariz, parecendo que teria embatido no ferro do gradão, pelo que, de imediato foi conduzido à enfermeira pelo subchefe A...... e pelo guarda F....., não tendo mais qualquer contacto com o recluso.
Posteriormente, foi acordado que quem elaboraria o auto ou melhor, o modelo de utilização dos meios coercivos, seria o guarda F....., entretanto o declarante, abandonou o local para ir jantar, ficando ciente que os procedimentos seriam devidamente observados pelo guarda F..... e pelo subchefe A.......
Acrescenta que não teve acesso à participação elaborada pelo guarda F....., mas teve acesso à do subchefe A......, a qual vai no mesmo sentido do Guarda F..... em fls. 4 versus 5. Além disso, teve acesso à informação que lhe foi dada pelo graduado de serviço o subchefe R....., ou seja, que entretanto este subchefe ouviu em auto a versão do recluso e que, este não quereria problemas, portanto, lhe terá dito que coloca-se nas suas declarações que os ferimentos que apresentava (traço vincado no nariz) terão sido originados por uma queda do beliche superior, vindo a embater no ferro da cama.
Questionado se pretende acrescentar mais alguma coisa, diz estar arrependido, e que deveria ter ele próprio feito a sua informação (...)» (cf. fls. 67 e 68 do processo administrativo apenso aos autos);
P. Em 19.07.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Visado», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...)VISADO:
Nome: J...... (...)
Profissão: Subchefe Principal (...)
Factos imputados:
No dia 20.03.2013, pelas 18H00, está indiciado de ter participado de uma agressão gratuita ao recluso F....., junto da cela que habitava, bem como de ter contribuído para uma participação contrária aos factos ocorridos.
(...)
Afirma que, nesse dia, pelas 18H10 o guarda F..... chamou o declarante para ver uma situação que estaria a ocorrer com o recluso F...... O declarante dirigiu-se ao local, deparando-se com o recluso um pouco alterado e desobediente, recusando-se a entrar na cela, alegando que queria a medicação. O declarante entrou em diálogo com o recluso tentando acalmá-lo e dissuadi-lo dos seus intentos de forma a acatar pacificamente a ordem que lhe estava a ser dada. Nesse momento, verificou que o recluso ostentava uma caneta na mão esquerda, situação que interveio o guarda J...... segurando-lhe a mão, retirando-lhe a caneta que entretanto partiu.
Na sequência desta ação e no momento em que o declarante tenta dissuadir o recluso através das palavras, reparou que o recluso possuía um corte no nariz, logo questionando-o sobre como tinha feito aquele corte, respondendo que tinha batido no ferro da cama. Posto isto, o declarante encaminhou o recluso à enfermaria e deu ordem ao guarda F..... que elaborasse a participação.
Seguidamente, o declarante informou o graduado de serviço o qual tomou conta da ocorrência e nada mais sabe exceto que o recluso foi conduzido ao hospital.
Questionado se em algum momento utilizou os meios coercivos, nomeadamente utilizando uma chave de braços obrigando o recluso a ir ao solo para aí o imobilizar o declarante diz que não foi necessário chegar a tanto, apenas agarrou firme no braço ordenando-lhe o cumprimento da ordem, o que de imediato o recluso acatou.
Questionado [s]e o guarda B...... alguma vez desferiu um pontapé na face do recluso o declarante nega perentoriamente que na sua presença isso alguma vez tenha acontecido. Questionado do porquê de não fazer o preenchimento do modelo da Utilização dos Meios Coercivos, o declarante afirma que se tratou de uma situação recorrente, não sendo utilizados os ditos Meios Coercivos, mas apenas um agarrar de braços e retirada da caneta, sem qualquer consequência (...)» (cf. fls. 69 e 70 do processo administrativo apenso aos autos);
Q. Em 19.07.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Visado», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...)VISADO:
Nome: R......(...)
Profissão: Subchefe (...)
Factos imputados:
No dia 20.03.2013, pelas 18H00, o Subchefe A......, Guardas F..... e J......, terão partido o nariz ao recluso F....., situação que o declarante terá tido conhecimento e ouvido o recluso, sendo que do auto consta uma versão errada dos factos.
(...)
Afirma que, nesse dia, pelas 18H20 foi informado pelo Guarda J......, que o recluso F..... estava na enfermaria em virtude de uma situação que teria ocorrido e seria necessário enviá-lo ao Hospital. Em face disso, o declarante providenciou os Guardas que o iriam acompanhar o recluso, tendo-se deslocado ainda à enfermaria para se inteirar do estado.
Afirma que pode observar que o recluso tinha um penso no nariz, sendo a enfermeira lhe disse que tinha um pequeno corte.
Acrescenta porque lhe foi perguntado se os seus colegas não lhe transmitiram os acontecimentos, os quais é perentório em afirmar que não, mas ouviu de alguém que não sabe precisar, afirmar que o recluso teria caído do beliche.
Mais tarde, foi informado pelo Chefe C...... de que deveria proceder à audição do recluso e assim foi, o recluso regressa ao EP para ser transferido para o Hospital de São José e o declarante aproveitou esse momento para ouvir em declarações.
Acrescenta que as declarações do recluso são as constantes do auto que se encontra em fls. 6 versos, do presente processo, as quais não mereceram qualquer objeção, uma vez que eram coincidentes com aquilo que teria ouvido, ou seja, que o corte que o recluso apresentava teria sido originado pela queda do mesmo, do seu beliche.
Nada mais se passou com o declarante, tendo em seguida o recluso seguido para o Hospital de São José e, o declarante anexou as declarações e elaborou informação que juntou ao seu relatório diário (...)» (cf. fls. 94 e 95 processo administrativo apenso aos autos);
R. Em 21.08.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Testemunha», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) TESTEMUNHA:
Nome: M......
(...)
Profissão: Diretora do EPR Montijo
(...)
Como a situação descrita nas informações que lhe chegaram correspondia a uma queda da cama do recluso, mormente estando alojado no beliche superior, terá caído e embatido com a cana do nariz.
Acrescenta que, esta situação não lhe despertou especial cuidado, uma vez que o recluso apresentava ter ingerido ou consumido substâncias psicotrópicas ou outras do mesmo género.
Mal ingressou no EP, o reclusos começou a destabilizar, querendo medicação.
Imediatamente, foi informada de que o recluso tinha caído e apresentava uma ferida no nariz, tendo sido presente à enfermeira, a qual achou por bem ser enviado para o Hospital.
Acrescenta que não chegou a ver o recluso, pois tudo foi resolvido com o graduado R..... e o Subchefe C......, tendo a declarante apenas confirmado a deslocação do recluso para o Hospital.
Mais tarde, foi informada que o recluso tinha sido transferido para o Hospital de São José onde iria ser submetido a uma intervenção cirúrgica.
Assim foi, sendo que na manhã seguinte e já após ter sido submetido à intervenção cirúrgica, foi informada de que o recluso teria desobedecido e adotado postura agressiva para com o Guarda B....., em pleno Hospital, sendo necessário a colaboração de um agente da PSP, para por cobro a tal comportamento.
Neste caso, imediatamente o Guarda B..... ao chegar ao EP efetuou o preenchimento da utilização dos meios coercivos.
Diz, porque lhe foi perguntado, não ter estranhado nem detetado qualquer anormalidade pois das declarações do recluso, recolhidas pelo graduado de serviço, eram coincidentes com as informações dos Guardas, pelo que, depreendeu estar tudo dentro da normalidade.
Acrescenta que, teve conhecimento de que, de facto não existiria essa mesma normalidade quando do início deste inquérito e da audição dos elementos envolvidos, aí começaram a dizer que o recluso teria desobedecido e enfrentado o Subchefe A...... com uma caneta, obrigando este a retirar-lha e terá sido nesse momento que embateu com a cana do nariz no gradão.
Mais, diz ter questionado do porquê de terem feitos as informações que fizeram, tendo obtido como resposta que o recluso terá pedido para não ter problemas queria declarar que foi o próprio a cair da cama e fazer o dano no nariz.
Acrescenta que advertiu os elementos envolvidos e que os mesmos demonstraram grande arrependimento por terem acedido ao pedido do recluso, o qual, logo que se viu no EP Pinheiro da Cruz, terá dado o dito por não dito, no entanto quer ainda sublinhar que este caso, serviu de emenda aos funcionários para situações futuras (...)» (cf. a fls. 89 e 90 do processo administrativo apenso aos autos);
S. Em 21.08.2013, no âmbito do processo de inquérito n.º 178-I/2013, o Instrutor, C......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Testemunha», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...)TESTEMUNHA:
Nome: M......
(...)
Profissão: Subchefe Principal
(...)
Quanto ao dia dos factos, o declarante diz ter sido informado pelo subchefe A...... de que tinha de levar o recluso F..... para a enfermaria. Afirma que o Subchefe o informou que tinha existido uma pequena intervenção uma vez que o recluso se recusava a entrar na cela.
Contudo, transmitiu-lhe que tinha um pequeno corte na cana do nariz que terá sido feito no interior da camarata.
Após a observação sumária da enfermeira, o subchefe A...... voltou a contactar o declarante, informando-o de que a enfermeira por precaução achou por bem enviá-lo ao Hospital, com a finalidade de efetuar um Raio-x.
Nesse momento, o declarante contacta a senhora diretora, informando-a dos factos que lhe tinham sido transmitidos e que existia a necessidade de passar a guia para o recluso se dirigir ao Hospital.
Cerca das 19:15horas, o recluso pede para falar com o declarante, o qual acedeu, tendo então assumido que durante todo o dia se tinha portado mal, pedia muitas desculpas e não ter mais problemas porque estava bem no EP Pinheiro da Cruz e que apenas queria regressar àquele EP antes do fim de semana, pois iria ter uma visita.
INTERRUPÇÃO DO AUTO
É interrompido o auto, face às declarações da testemunha que assume um grau de responsabilidade, pelo que passa a ser ouvido na qualidade de VISADO e, como tal, é advertido (...).
Posto isto, o recluso segue para o hospital do Barreiro, sendo que o declarante conversou com o Guarda F..... e o Subchefe A......, no sentido de compreender a situação, sendo certo que, o facto de o recluso ter pedido desculpas, que não queria ter problemas e com o intuito de o ajudar face à postura enquanto recluso deste EP, mormente ser sempre um colaborador de informação pertinente para os elementos de vigilância, bem como o facto da debilidade patente em virtude do estado aparente de consumo e efeito de fármacos ou mesmo estupefaciente, decidiram que assumiriam nas informações aquilo que o recluso primeiramente havia dito, ou seja que o corte na cana do nariz tinha sido feito na camarata durante o dia.
Em seguida, deu ordem ao Graduado de Serviço, Subchefe R......, para assim que o recluso chegasse do Hospital, procedesse à audição do mesmo.
Mais tarde, é informado telefonicamente que o recluso teria de ser encaminhado para o Hospital de São José, mas que passava pela cadeia para fazer a renovação dos Guardas, tendo ordenado ao graduado que o ouvisse em declarações, sendo certo que nessa altura nenhum dos intervenientes se encontrava no EP, o que prova que o alegado pelo recluso não corresponde à verdade, pois como poderia estar sobre pressão se os mesmos não se encontravam no EP.
(...)
Por último foi perguntado ao declarante se tinha mais alguma questão a acrescentar, o qual respondeu que sim, quer sublinhar que assume o erro e que esse erro devesse a um mau juízo da situação, conjuntamente com o facto já relatado, que o objetivo era proteger o recluso uma vez que o mesmo dava informações importantes para a gestão do serviço no interior da ala prisional, bem como, pelo estado que apresentou durante todo o dia e porque o mesmo pediu insistentemente desculpa aos Guardas e ao Declarante. Pois, para os elementos de vigilância seria mais fácil e mais confortável efetuar os procedimentos da utilização dos meios coercivos, os quais se encontravam mais do que justificados, até pelo próprio recluso que confirmava que o Guarda F..... tinha tido muita paciência com ele (...)» (cf. fls. 91 a 93 do processo administrativo apenso aos autos);
T. Em 30.08.2013, foi elaborado o «Relatório Final» do processo de inquérito n.º 178- I/2013, de cujo teor se extrai o seguinte:
«Processo de Inquérito N.º 178-1/2013
Participante: A....... Visado: Subchefe Principal M......; Subchefe Principal J......; Guarda Principal J......s; Guarda Prisional J......
Assunto: Falsidade de participação.
Relatório final
Por despacho de 29-04-2013 do Exmo. Diretor-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais foi mandado instaurar o presente processo de inquérito com vista ao apuramento dos factos participados pela diretora de então do EP Pinheiro da Cruz, com base na informação vertida no auto de declarações do recluso F......, na sequência do seu regresso por transferência provisória do EPR do Montijo, apresentando marcas de agressão e o qual manifestava ter sido vítima de violência gratuita por parte de alguns Guardas do EPR do Montijo.
Foram efetuadas diligências no sentido de apurar o circunstancialismo e identificação de potenciais transgressores, recolhendo provas documentais – escala de serviço, registo dos habitantes da camarata 18 e relatórios médicos – e provas testemunhais – com a audição dos reclusos e funcionários.
Na realidade, da exaustiva recolha e análise das provas, percebeu-se que as participações elaboradas pelos funcionários são aleivosias aos acontecimentos, como iremos demonstrar.
Dos Factos:
1. No dia 20.03.2013 o recluso F...... é transferido provisoriamente do EP Pinheiro da Cruz para o EPR do Montijo;
2. Juntamente com ele seguia o recluso D......;
3. Já no EPR do Montijo foram sujeitos à revista, sendo apreendido ao recluso F..... alguns comprimidos que transportava consigo;
4. O recluso afirmava tratar-se da sua medicação, contudo, o graduado informa-o de que se seriam entregues nos serviços clínicos e que se fizessem parte da sua prescrição médica aqueles serviços entregar-lhos-ia;
5. Certo que a medicação prescrita do recluso foi entregue em mão pelo Guarda costodiante ao mesmo tempo que entregou o processo clinico e demais expediente, aliás como é prática nos serviços prisionais nestes casos;
6. Seguidamente, os reclusos são colocados na camarata 18, juntamente com outros reclusos em trânsito;
7. Logo o recluso começou a bater à porta pedindo para lhe darem os comprimidos;
8. Após o almoço, o recluso F..... e os restantes são colocados no pátio onde permaneceram até á hora de jantar;
9. O recluso F....., visivelmente alterado, ao longo de todo o dia insistia na entrega dos comprimidos;
10. Após o jantar, o Guarda F..... procede ao encerramento dos reclusos da camarata 18, com exceção do recluso F..... que se recusou a entrar;
11. Apesar das tentativas para demover o recluso da sua desobediência, quer pelos reclusos quer do Guarda F....., F..... persiste no incumprimento;
12. Goradas as tentativas de demover o recluso, o Guarda F..... procede ao encerramento dos restantes reclusos e chama o Subchefe A......;
13. Desloca-se ao local, o Subchefe A...... e o Guarda B...... para tentar demover o recluso e obriga-lo a cumprir a ordem;
14. Apesar das várias advertências, o recluso não logrou cumprir as ordens legitimas emanadas pelos elementos de vigilância e passa de atitude passiva para uma posição de confronto, empunhando uma caneta e ameaçando, caso tentassem forçar a entrada para a camarata sem lhe entregar os comprimidos, espetaria um;
15. Face aos acontecimentos, impunha-se uma atuação dos elementos com recurso à utilização dos meios coercivos, o que na prática acabou por acontecer, com a aplicação de técnicas de restrição de movimentos e domínio do recluso no solo;
16. Assim foi, sendo certo que o recluso acabou por embater com o nariz no gradão fazendo um rasgo na cana do nariz e que mais tarde se verificou ter partido a cana do nariz;
17. Seguidamente, o próprio recluso pede desculpas dizendo que não queria ter problemas pois encontrava-se bem no EP Pinheiro da Cruz, referindo ainda que diria ter caído da cama;
18. Sendo certo que isso não corresponde à verdade, os funcionários acabam por elaborar as participações erradas dos acontecimentos, dizendo que o recluso tinha caído da cama;
19. Certo que as próprias declarações iniciais do recluso, disso mesmo davam conta;
20. Já no hospital de São José, o recluso após ser submetido a uma cirurgia ao nariz, adota comportamentos agressivos de desobediência, mormente e sobre o pretexto de querer fumar resolve abandonar o quarto e dirigir-se para o exterior do Hospital;
21. A estes factos opôs-se e bem, o Guarda Costudiante que, face à agressividade do recluso necessitou do apoio de um policia, obrigando-o à utilização dos meios coercivos e provocando uma grande instabilidade no funcionamento daquela unidade hospitalar;
22. Quando o recluso ingressou no EP Pinheiro da Cruz com vários hematomas e ferimentos, é ouvido pela Subchefe S...... e posteriormente pela Adjunta e Substituta da Direção a quem denuncia ter sido agredido no EP;
Da análise da prova.
Antes de mais, importa referir que os acontecimentos resultam de uma situação inicial provocada pelo recluso, ou seja, que o recluso aparentando estar sob o efeito de alguma substancia apresenta um comportamento alterado durante todo o dia, querendo a devolução de comprimidos que lhe foram devidamente apreendidos.
Não obstante, toda a factualidade se encontrava justificada para a utilização dos meios coercivos pelos elementos do Corpo da Guarda Prisional, disso resulta claramente a prova recolhida, isto é, as declarações dos Guardas mas sobretudo as declarações dos reclusos que corroboram isso mesmo.
Eventualmente, de uma análise à utilização dos meios coercivos, poderia chegar-se à conclusão que teriam sido utilizados em excesso caso os mesmos tivessem sido devidamente preenchidos, mas o recurso a eles impunha-se.
De um eventual excesso, numa primeira análise não se chega a essa conclusão, pois ao serem utilizadas técnicas de restrição de movimentos enquanto reação a uma agressão iminente, recorrem ao meio menos gravoso de entre os meios legais disponíveis para os Guardas Prisionais fazer cumprir as ordens e regulamentos. Acontece porém que o recluso acaba por partir a cana do nariz, no entanto a restrição de movimentos obriga a que o recluso seja direcionado para o solo de forma a conter a sua agressividade. Por outro lado, é sabido a fragilidade da cana do nariz e basta um pequeno toque no ferro do gradão para se produzir esse efeito.
Parece portanto, ser causa efeito.
O que não deixas dúvidas ao processo é que as mazelas que o recluso ostentava - com exceção da cana do nariz - são resultado da outra situação provocada pelo recluso no Hospital de São José, essa sim com elevado grau de gravidade, mas que será analisada em processo autónomo, pois o próprio recluso assume as responsabilidades quanto a estes factos.
Da elaboração das participações intrujadas.
(...)
Como foi dito anteriormente, o processo não prova a existência de agressão gratuita.
Prova sim, a violação dos deveres funcionais pela irregularidade dos factos participados com os efetivamente ocorridos. Resulta do próprio Estatuto Profissional do Corpo da Guarda Prisional Decreto-lei n.º 174/93, de 12 de Maio, na alínea j) do artigo 31° que é dever do pessoal do corpo da Guarda Prisional "Participar aos superiores hierárquicos, com objetividade e prontidão, as ocorrências verificadas em serviço".
Ao participar ardilosamente uma ocorrência contrária aos acontecimentos reais, os funcionários viola[m] os seus deveres funcionais especiais, bem como os deveres gerais de imparcialidade, de zelo e de lealdade.
(...)
De todas as diligências efetuadas, circunscreveram-se os factos, identificando os potenciais infratores, apurando-se que o comportamento descrito na factualidade é muito grave, pondo em causa a imagem e bom-nome dos Serviços Prisionais.
Tal comportamento corresponde em abstrato à pena de Suspensão de acordo com a alínea a) do artigo 17° do EDTAP.
Da conclusão e proposta
Face ao exposto, os elementos do Corpo da Guarda Prisional, ao agir da forma descrita nos factos do presente relatório, consubstanciada em participação errada ao superior hierárquico, constituindo uma falta grave pela violação dos deveres gerais de imparcialidade, de zelo e de lealdade, previstos nas alíneas c), e) e g) do n.º 2 e n.ºs 5, 7 e 9 do artigo 3° e do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas.
Assim, no caso sub judice, tendo por objetivo a delimitação de eventuais responsabilidades disciplinares concluímos pela existência da violação de deveres funcionais imputadas aos funcionários:
1. Subchefe Principal M......;
2. Subchefe Principal J......;
3. Guarda Principal J......;
4. Guarda Prisional J......
Termos em que se sugere a conversão do presente inquérito em processo disciplinar, nos termos do n.º 3 do artigo 68° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (...)» (cf. fls. 96 a 102 do processo administrativo apenso aos autos);
U. Em 28.10.2013, o Inspetor-Coordenador do Serviço de Auditoria e Inspeção - Delegação Sul, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, proferiu despacho de concordância com «(…) a proposta do Exmo. Sr. Instrutor - folhas 96 a 102 - ou seja, a instauração de processo disciplinar (…)», propondo «(…) a conversão do inquérito em processo disciplinar (…)» (cf. fls. 120 a 122 do processo administrativo apenso aos autos);
V. Em 19.11.2013, o Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais proferiu despacho, de que se extrai:
«(…) Aderindo aos fundamentos de facto e de Direito constantes do relatório do Sr. Instrutor e do Sr. Inspetor-Coordenador, converto em processo disciplinar contra os 4 visados atrás identificados.
(…)
Determino o aproveitamento de todos os atos de inquérito e documentação já junta (…)» (cf. fls. 123 do processo administrativo apenso aos autos);
W. Em 22.01.2014, M......, técnica superior do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, elaborou o documento denominado «Notificação», com o seguinte teor:
«(…) Aos 22 dias do mês de janeiro de 2014, neste Estabelecimento Prisional, M......, técnica superior, procedi à notificação de J....., guarda prisional, do despacho do sr. Diretor-Geral, de 19-11-2013 de instauração de processo disciplinar, acompanhado do relatório de fls. 96 a 122 do processo n.º 438-D/2013 do Serviço de Auditoria e Inspeção, delegação sul.
Na presente data foi entregue ao notificado cópia dos documentos referidos.
(...)» (cf. fls. 132 do processo administrativo apenso aos autos);
X. Em 30.05.2014, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, o Instrutor, A......, elaborou o documento denominado «Auto de Interrogatório de Arguido», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…) ARGUIDO:
Nome: J......, já identificado a folhas 69 (…)
FACTOS IMPUTADOS:
Agressão a recluso e ocultação dos factos em 20.03.2013, no Estabelecimento Prisional do Montijo, da parte da tarde.
No uso do seu direito, pretende prestar declarações.
Confirma as suas declarações anteriores, mas junta agora aos autos cópia da participação que foi então feita pelo Guarda Prisional F....., e que narra o efetivamente ocorrido.
Esta participação foi feita a seu pedido, pois não concordava que os factos passassem como se de uma simples queda se tratasse. Ordenou ao Guarda F..... que fizesse a participação e lhe desse uma cópia.
Quando foi feita a participação, foi também preenchido o impresso dos meios coercivos, e o Chefe F...... sabe disso, sendo que era ele o graduado de serviço.
Não tem cópia de tal formulário.
Na verdade, houve necessidade de empregar a força para dominar o recluso, sendo que o levantaram do solo, ele e o B......, sendo que este guarda viria a pegar na mão do recluso e tirou a caneta, nada mais havendo de especial.
Levaram depois o recluso para a enfermaria.
Não viu o Guarda Prisional J...... dar nenhum pontapé na cara do recluso, apenas se apercebeu que o mesmo tinha um corte no nariz, mas sem se ter apercebido de como o fez.
O recluso é que contou depois que tinha feito o golpe na cama do beliche.
A participação que viria a ser feita decorreu das declarações que o recluso entretanto prestou, nomeadamente ao Subchefe F......, segundo as quais teria caído do beliche.
O recluso foi a um hospital e depois voltou ao Estabelecimento Prisional, e nessa diligência terá pensado em contar tal versão.
(...)
Confirma que teve a conversa com o Chefe C......, no sentido de que a lesão do nariz não tinha sido feita por eles, mas que o recluso alegava que isso tinha sido feito antes. Contudo, não aceita que não fosse participado o resto do ocorrido, daí ter exigido a participação.
A participação e os meios coercivos terão sido entregues à Sr.ª Diretora, pois que foi ele quem os entregou pessoalmente, com o Subchefe R..... (…)» (cf. fls. 172 e 173 do processo administrativo apenso aos autos);
Y. Em anexo ao «Auto de Interrogatório de Arguido» a que se refere a alínea anterior, consta o documento denominado «Auto de Notícia/Participação», elaborado pelo Guarda Principal do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, J......, com o seguinte teor:
«(…) Estabelecimento Prisional de: Montijo
Data dos factos: 20/3/2013 Hora dos factos: 17H40
Local dos factos: Porta da Camarata N.º 18 - Anexo
Autor(es) dos factos (se conhecidos):
F..... N° 2…, Transito neste E.P.
Resumo dos factos (preencher mais folhas, se necessário):
Venho por este meio participar que no dia de hoje após terminar a refeição do jantar pelas 17H40 horas o referido recluso em transito neste E.P. no momento em que se dirigiu para entrar na sua camarata de habitação, o mesmo recusou-se a entrar, desobedecendo à minha ordem e às normas do E.P., alegando que não entrava porque queria a medicação que tinha sido apreendida pelo Subchefe M......, imediatamente comuniquei ao Graduado de Serviço da situação que me respondeu que de momento não podia lá ir e que mais tarde falava com o recluso, que a medicação estava na enfermaria. Expliquei ao recluso que entrasse na para a camarata que lhe iam resolver a situação com a enfermeira de serviço,
O recluso não acatou e sentou-se no chão pegando numa caneta e disse que não cumpria a minha ordem e ameaçava a dizer que quem se aproxima[s]se dele espetava a caneta tudo isto em tom violento.
Imediatamente ao ver passar o subchefe J...... e o guarda J...... pedi que me auxilia[s]se para demover o recluso do seu comportamento. O subchefe falou com o recluso e o mesmo levantou-se do chão, o subchefe pegou-lhe no braço direito e a falar com ele para ter calma e ter um comportamento correto e o mesmo não ouvia e num ato violento com a caneta na mão esquerda gesticulou no sentido de agredir o subchefe, o Guarda J...... pegou-lhe na mão e tirou-lhe a caneta puxando-lhe o braço até ao solo e o recluso foi dominado, o subchefe falou com ele e o mesmo acatou e ficou mais calmo, o recluso ao levantar-se tinha um pequeno corte no nariz.
Imediatamente o subchefe ordenou que o recluso fosse encaminhado aos serviços clínicos, ficando a situação resolvida. Estes factos foram comunicados ao Graduado de Serviço.
É tudo quanto me cumpre participar (…)
Testemunhas, apreensões e outras provas:
Subchefe - J......
Guarda - J...... (...)» (cf. fls. 174 e 175 do processo administrativo apenso aos autos);
Z. Em 24.06.2014, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, o Instrutor, A......, elaborou o documento denominado «Auto de Interrogatório de Arguido», de cujo teor se extrai o seguinte
«(…) ARGUIDO:
Nome: J......, já identificado a folhas 61 (…)
FACTOS IMPUTADOS:
Já referidos a folhas 61.
Lidas que são as declarações de folhas 61 a 63 dos autos, confirma as mesmas na íntegra.
Exibida nesta data a participação de folhas 174 e 175, confirma ter sido feita por ele, e que a fez a solicitação direta do Chefe A......, quando se soube que o recluso tinha ido para o Hospital e que o Chefe F...... tinha mandado fazer a participação de acordo com as declarações então prestadas pelo recluso, segundo as quais caído do beliche.
Refere que com esta participação foi ainda feita a participação dos meios coercivos, esta feita pelos dois Chefes - A...... e F...... - sendo que foi tudo entregue à Sr.ª Diretora, isto como lhe foi referido pelo Sr. Chefe A.......
Não sabe onde é que estão os originais de tal participação, nem dos meios coercivos, embora ele próprio tenha uma cópia participação de folhas 174 e 175 (…)» (cf. fls. 181 e 182 do processo administrativo apenso aos autos);
AA. Em 11.07.2014, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, o Instrutor, A......, elaborou o documento denominado «Auto de Interrogatório de Testemunha», de cujo teor se extrai o seguinte
«(…) TESTEMUNHA:
Nome: R......
Confirma as declarações de folhas 94 e 95.
Perguntado sobre se é verdade ou não que entregou à diretora do Estabelecimento Prisional uma participação de uso de meios coercivos, responde que não.
Recorda-se que estava de serviço como graduado no dia em causa e que o Guarda F..... lhe entregou a participação da ocorrência cuja cópia consta de folhas 4 verso e 5, e mais nada.
Foi com base nisso que ele fez a sua informação e remeteu o recluso ao Hospital, após ter sido visto pelos serviços clínicos. A enfermeira também comentou que o recluso lhe tinha dito que tinha caído do beliche, versão que foi também a que o F..... lhe disse.
Portanto mantém na integra que, naquela data e hora, o que estava convencido é que o recluso se tinha aleijado por uma queda ou algo semelhante no beliche.
Quando o recluso veio do Hospital do Barreiro, ouviu o recluso e ele prestou as declarações que constam de folhas 6 verso, das quais mais uma vez não tinha motivo para questionar.
(...)
Num dia posterior a este, não sabe se no dia seguinte, estava ele em casa, o Chefe A...... telefonou-lhe a perguntar se ele tinha os formulários dos meios coercivos, e ele veio à cadeia com os formulários que tinha na PEN dos tempos da Carregueira, e ele facultou os papeis ao Chefe A......, para que ele os preenchesse.
Veio-se embora, e quem ficou de volta dos papéis foi o Chefe A......, sendo que o F..... estava presente, mas de folga.
Nada entregou à Diretora, pois estava de folga e foi-se embora (…)» (cf. fls. 190 e 191 do processo administrativo apenso aos autos);
BB. Em 22.01.2015, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, a Instrutora, P......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Trabalhador», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...)TRABALHADOR:
Nome: J.....
(...)
Confirma as suas declarações prestadas a fls. 67 e 68 dos autos.
Refere que não teve intervenção na elaboração da informação da participação da ocorrência com o recluso. Refere que teve intervenção na ocorrência do uso dos meios coercivos mas que entretanto foi jantar ficando o colega J..... encarregue de fazer a participação da ocorrência. Só posteriormente é que teve conhecimento da versão do recluso em que este dizia que tinha caído da cama. Tem certeza que o colega F..... fez uma participação da ocorrência conforme ela tinha sucedido onde constava uma caneta partida que era aquela com que o recluso tinha ameaçado. Só posteriormente é que o recluso foi ouvido em declarações pelo Chefe F...... e aí referiu que tinha caído da cama, e foi perante estas declarações do recluso que possivelmente a primeira participação da ocorrência feita pelo colega F..... foi alterada.
Refere que efetivamente foram utilizados os meios coercivos e não foi preenchido o formulário, o depoente teve intervenção no uso dos meios coercivos no entanto o colega J..... que era o que estava de serviço naquela zona é que ficou encarregue de fazer a participação uma vez que o depoente foi em auxílio dos colegas. Não sabe porque a versão dos factos foi alterada mas pensa que terá sido para coincidir com a versão do recluso no auto de declarações.
Questionado o que fez quando soube que a versão dos factos foi alterada, diz que questionou o colega F..... tendo este referido que havia indicações superiores para que assim se procedesse, não sabe de quem foram essas indicações. A versão dos factos foi alterada sem que o depoente tivesse qualquer intervenção.
Confirma que a versão que consta da participação de fls. 174 e 175, corresponde àquela que o colega F..... disse que ia fazer relatando os factos como eles aconteceram e foi nesta versão dos factos que o colega F..... disse ao depoente que o iria colocar como testemunha.
Refere que a assinatura que consta da participação de fls. 5 não é sua, o seu nome foi colocado pelo colega na participação como testemunha da ocorrência, mas refere também que teve conhecimento de que a participação inicial foi alterada por este porque terá lido o auto de declarações que o recluso prestou ao graduado que era o chefe F...... (...)» (cf. fls. 198 e 199 do processo administrativo apenso aos autos);
CC. Em 22.01.2015, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, a Instrutora, P......, elaborou o documento denominado «Auto de Declarações de Trabalhador», de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) TRABALHADOR:
Nome: M......
(...)
Questionado se confirma as suas declarações prestadas a fls. 91 e 92, refere que confirma mas quer deixar claro que perante os factos que o recluso lhe transmitiu de que teria batido com a cabeça no ferro da cama e perante o que chefe A...... lhe terá comunicado de que a intervenção que houve com o recluso não teria resultado o lanho no nariz, é perante estes factos que foi decidido não preencherem o formulário do uso dos meios coercivos.
Refere que assume o erro de não ter sido feita a participação do uso de meios coercivos. Refere que não teve conhecimento da participação de fls. 174 e 175 porque se tivesse tido conhecimento desta participação teria dito aos colegas para preencherem o formulário dos meios coercivos. Refere que não teve conhecimento dos factos tal como relatados nesta participação uma vez que o Chefe A...... lhe referiu que da intervenção que fizeram não resultou o lanho que o recluso tinha no nariz. Entende que tudo não passou de um mal entendido, porque efetivamente tem convicção de que o recluso se terá aleijado na cama e que tem a certeza que a intervenção do A......, do B...... e do F..... não resultaram mazelas no recluso e que perante isto decidiram não preencher o formulário.
Mais acrescenta que a versão de que o recluso teria caído da cama foi a única de que teve conhecimento, refere que também teve conhecimento dos factos ocorridos à porta da cela no entanto os mesmos foram-lhe relatados sem qualquer gravidade. Acrescenta que todas as marcas que o recluso apresentava foram consequência do uso de meios coercivos feitos no hospital (...)» (cf. fls. 200 e 201 do processo administrativo apenso aos autos);
DD. Em 23.01.2015, a Instrutora do processo disciplinar, P......, propôs a suspensão do processo disciplinar até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo-crime, a correr termos no DIAP - Secção do Montijo, sob o n.º 1083/13.9TAMTS (cf. fls. 197 e 197 verso do processo administrativo apenso aos autos);
EE. Em 05.02.2015, por despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais foi determinada a suspensão do processo disciplinar (cf. fls. 202 verso do processo administrativo apenso aos autos);
FF. Em 21.03.2016, a Instrutora do processo disciplinar, P......, propôs a cessação da suspensão do processo disciplinar (cf. fls. 214 do processo administrativo apenso aos autos);
GG. Em 21.03.2016, foi deduzida «Acusação» no processo disciplinar n.º 438-D/2013, de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…) O SAl/Sul da DGRSP deduz acusação contra:
M...... (...);
J...... (...);
J...... (...);
J..... (...),
Nos termos e com os fundamentos seguintes:
(...)
4.°
No dia 20/03/2013, o recluso F...... foi transferido provisoriamente do E.P. de Pinheiro da Cruz para o E.P. do Montijo.
(...)
12.°
Após o jantar, cerca das 18h00, o guarda J..... procede ao encerramento dos reclusos da camarata n.º 18, com exceção do recluso F..... que se recusava a entrar.
13.°
Apesar das tentativas em demover o recluso na intenção de não entrar na camarata, este persiste no incumprimento.
14.º
Frustradas as tentativas para que o recluso entrasse dentro da camarata, o guarda F..... procede ao encerramento dos restantes reclusos e chama o subchefe J.......
15.º
Aparecem no local o subchefe J...... e o guarda J.......
16.º
Apesar da insistência para que o recluso cumprisse a ordem que lhe estava a ser dada, este para além da recusa, adota para uma atitude de confronto em relação aos elementos de vigilância, empunhando uma caneta e ameaçando que os espetava caso tentassem forçar a entrada para a camarata.
17.º
Face à postura do recluso F..... foi necessário recorrer ao uso de meios coercivos.
18.º
Contudo, estes foram utilizados de uma força excessiva e não adequada ao conceito de restrição de movimentos por forma a dominar o recluso.
19.°
Mas sim adequados a configurar agressões cometidas em relação ao recluso F......
20.º
Com efeito o subchefe J...... e o guarda J...... desferiram-lhe vários murros e pontapés, atingindo-o na cara e no corpo.
21.°
Como consequência direta e necessária da conduta de ambos os trabalhadores, o recluso F..... sofreu lesão na cana do nariz o que motivou o seu sangramento e, posterior deslocação ao Hospital do Barreiro vindo a ser confirmada fratura da cana do nariz.
22.°
O recluso sofreu ainda várias equimoses e hematomas quer nos membros superiores quer nos membros inferiores.
23.°
O recluso viria a ser transferido para o Hospital de S. José para ser sujeito a intervenção cirúrgica à cana do nariz.
24.º
Os trabalhadores J...... e J...... ao atuarem da forma descrita sabiam estar a atingir o corpo e a saúde do recluso F....., resultado que quiseram.
25°
Ambos os trabalhadores sabiam que, face à situação em concreto, o modo como agiram não era adequado e proporcional para que o uso da força estivesse legitimado pelo uso dos meios coercivos.
26.º
Para além dos factos descritos ambos os trabalhadores em conluio com os trabalhadores M...... e J...... decidiram colocar na participação, que efetuaram da ocorrência, que o recluso F..... teria caído da cama.
27.º
Sendo certo que isso não corresponde à verdade, os quatro trabalhadores acabaram por elaborar participação errada dos factos, dizendo que o recluso tinha caído da cama quando sabiam que isso não correspondia à realidade.
28.º
Acresce que foram utilizados os meios coercivos no recluso F..... sem que se tivesse feito a participação através do preenchimento do formulário constante do anexo I do regulamento de utilização dos meios coercivos.
29.º
O preenchimento do formulário do uso dos meios coercivos é nos termos do artigo 5.º do RUMCEP obrigatório, devendo ser elaborado e assinado pelos elementos que fizeram uso dos mesmos.
30.º
A única explicação que se encontra para o seu não preenchimento é a tentativa de ocultação dos verdadeiros factos que se traduzem num excesso do uso da força suscetível de causar lesão no recluso perfeitamente desproporcional ao perigo que se visava afastar.
31.º
Com efeito, a conduta dos trabalhadores, traduzida nos factos descritos, revela um comportamento censurável para quem exerce funções de guarda prisional a quem cabe como missão "garantir a segurança e tranquilidade do comunidade prisional, mantendo a ordem e a segurança do sistema prisional, protegendo a vida e a integridade dos cidadãos em cumprimento de penas e medidas privativos da liberdade e assegurando o respeito pelo cumprimento da lei e das decisões judiciais, bem como pelos direitos e liberdades fundamentais desses cidadãos" (artigo 3.º EPCGP).
32.º
Os quatro trabalhadores agiram livres, conscientes e deliberadamente e com perfeita noção de que as suas condutas eram censuráveis;
(…)
34.º
Assim, com a conduta adotada pelos trabalhadores J...... e J..... supra descrita, traduzida em agressões perpetradas ao recluso F....., bem como na elaboração de uma participação contrária aos acontecimentos ocultando os verdadeiros factos e o não preenchimento do formulário do uso dos meios coercivos, violaram os deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo, lealdade e correção, previstos no artigo 73.° n.º 2 alíneas a), e), g) e h), tipificados nos n.ºs 3,7, 9 e 10 da LTFP, porquanto não respeitaram as orientações nem as normas pelas quais se deve pautar a sua conduta profissional, atuando com grave negligência pelo cumprimento dos seus deveres funcionais.
35.°
Violaram igualmente o dever especial de ser urbano com os reclusos, previsto no art.º 18. ° alínea h) do Dec-Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro.
36.°
A conduta de ambos os trabalhadores (J...... e J.....) integra a prática de infração disciplinar.
37.°
Sendo, deste modo, autores materiais de duas infrações disciplinares previstas no art.° 186°, da LTFP, a censurar com uma medida disciplinar, a que corresponde abstratamente a pena de suspensão.
(...)
41.º
Sobre os trabalhadores J...... e J..... impende a circunstância agravante especial prevista no art.º 191.° alínea g) da LTFP.
(...)
Notifique os trabalhadores M......, J......, J...... e J.....
a) Do teor da acusação;
b ) De que lhe foi fixado o prazo de 15 dias para apresentação de defesa escrita;
c) De que a forma e conteúdo da defesa deverá obedecer aos artigos 214.º a 219.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (...)» (cf. « fls. 215 a 222 do processo administrativo apenso aos autos;
HH. Em 01.04.2016, por despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais foi determinada a cessação da suspensão do processo disciplinar (cf. despacho a fls. 223 verso do processo administrativo apenso aos autos);
II. Em 08.04.2016, A......, Assistente Técnica do Serviço de Auditoria e Inspeção - Delegação Sul, da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, subscreveu o e-mail com o assunto «Notificação de acusação - P.° 438-D/2013» e o seguinte teor:
«(…) Conforme exarado em despacho pela Sr.° Instrutora Dr° P......, solicita-se a V. Ex° a notificação pessoal dos guardas prisionais (...) J.....; (...) para todo o conteúdo do douto despacho de acusação, de que se junta cópias, para lhes ser entregue no ato da notificação.
Mais se solicita que se notifiquem os arguidos, do teor da acusação, e de que dispõem de 15 dias (quinze dias úteis) para oferecer defesa escrita e de que a forma e conteúdo da defesa deverá obedecer aos art.° 214.° a 219.° da LGTFP (...)» (cf. fls. 225 do processo administrativo apenso aos autos);
JJ. Em 11.04.2016, P......, funcionário do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, elaborou o documento denominado «Certidão de Notificação» de cujo teor se extrai o seguinte:
«P......, funcionário deste E.P. certifica que nesta data notificou o Guarda Prisional, J..... do conteúdo do email com o N.º 454/2016 do SAI, referente ao processo n.º 438-D/2013 entregue no ato da notificação (...)» (cf. a fls. 239 do processo administrativo apenso aos autos);
KK. Em 02.05.2016, deu entrada no Serviço de Auditoria e Inspeção - Delegação Sul, da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, a defesa do Autor, de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…) 31°
Entende o arguido, com o devido respeito que na sua conduta, inexiste qualquer ilícito disciplinar, conforme infra se demonstrará, assentando a douta acusação em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
32.°
Vem o arguido acusado de juntamente com o Guarda B......, ante a recusa do recluso F..... de entrar para a camarata e da ameaça que espetava nos trabalhadores uma caneta, foram utilizados meios coercivos de forma excessiva e não adequada, tendo desferido socos e pontapés, atingindo-o na cara e corpo, sendo causa direta para uma lesão na cana do nariz, equimoses
e hematomas nos membros superiores e inferiores, não estando assim o uso da força legitimado.
33.°
Vem o arguido ainda acusado de em conluio com os trabalhadores J......, J..... e M......, terem decidido "colocar na participação, que efetuaram da ocorrência, que o recluso F..... teria caído da cama"
34.°
(…)
35.°
Ora no dia 20.3.2013, o arguido foi chamado ao final do dia pelo Guarda F..... por causa do comportamento do recluso F......
36.°
Junto à camarata, o recluso estava manifestamente alterado e desobediente, não estando a cumprir a norma de ir para a cela à hora do seu encerramento.
37.°
Estava sentado no chão, dizendo que não entrava na cela, possuindo uma caneta na mão.
38.°
Ante a recusa do recluso entrar para a sua camarata, o arguido reiteradamente e com tranquilidade tentou convencer o mesmo para que voluntariamente entrasse na cela, reivindicando o recluso a medicação que lhe havia sido retirada quando deu entrada no El'.
39.°
Foi advertido inúmeras vezes sobre a sua conduta pelo arguido, tendo sempre o recluso F...... mantido uma atitude hostil para com os trabalhadores, nomeadamente para com o arguido, incumprindo sistematicamente a ordem que lhe estava a ser emanada, eventualmente pelo consumo de estupefacientes ou o síndrome de abstinência. Não obstante, o arguido informou que quanto à medicação aqueles eram os procedimentos aplicáveis e, decorrido algum tempo, sem que o recluso voluntariamente acatasse a determinação de entrar cela, o arguido segurou-o pelo braço para este se levantar do chão e assim entrar na cela, ato contínuo o recluso fez um gesto brusco, ameaçando espetar com a caneta que possuía na mão.
40.°
De imediato o Guarda B......, pegou-lhe na mão que tinha a caneta, puxando-o até ao solo, conduta esta necessária e proporcional perante a situação em concreto, nomeadamente a caneta poder ser um objeto perigoso para os trabalhadores e para o próprio recluso, considerando a sua instabilidade.
41.°
Não existindo mais nenhuma intervenção, pelo que, em momento algum foi utilizada força excessiva, nem murros ou pontapés como consta na douta acusação.
42.°
Constatou-se após aquela intervenção para lhe retirar a caneta, quando o recluso se levantou, ter uma lesão no nariz, porém quando questionado, o recluso referiu ter caído do seu beliche.
43.°
O arguido não tinha porque não acreditar, pelo que, o recluso foi de imediato encaminhado para os serviços clínicos pelo arguido e o Guarda F.....
44°
O recluso esteve nos serviços clínicos e, foi daqui encaminhado para o Hospital do Barreiro e deste para o Hospital de S. José no dia 21.03.2013.
45.°
Ora, nesse dia, o recluso no Hospital de S. José continuava instável e com um comportamento conflituoso e agressivo, tendo tentado fugir da enfermaria.
46.°
Esta conduta, obrigou à utilização de meios coercivos por parte do trabalhador Guarda B....., sendo forçado a fazer uso do bastão, projetá-lo no solo e a imobilizá-lo a fim de dominar o recluso, que serão a causa direta e necessária das lesões do recluso no corpo e cara.
47.°
Aliás é o próprio recluso em declarações no dia 22.03.2016, ou seja, após os factos ocorridos no Hospital de S. José, que confirma que neste local foi agredido pelo Guarda B....., que com um bastão que o atingiu no olho, orelha e corpo.
48.°
Ou seja, excetuando a lesão na cana do nariz, cuja versão transmitida pelo recluso, foi que havido sido causada por uma queda do beliche na camarata, versão esta que o arguido acreditou, sendo confirmadas pelo recluso, pelo subchefe R..... e até pela enfermeira dos serviços clínicos, todas as restantes lesões não foram provocadas pelo arguido, nem poderiam porquanto nenhuma força excessiva, pontapés ou murros foram utilizados, sendo os hematomas e equimoses dos membros superiores, inferiores e cara resultado dos factos ocorridos no Hospital de S. José
(…)
50.°
E, no caso do arguido, inexistindo qualquer infração disciplinar, como é o caso, atuando no estrito cumprimento das normas e regulamentos em vigor, não pode o mesma vir a ser punido sob pena de existir uma manifesta violação ao principio da legalidade, ficando o despacho punitivo ferido de anulabilidade.
(…)
52.°
O arguido segundo a douta acusação terá ainda permitido um complô que visou a ocultação dos verdadeiros factos que terão ocorrido no dia 20.03.2013.
53.°
Ora, improcede in totum o constante na douta acusação. Na verdade, o arguido sempre acreditou na versão do recluso que a lesão no nariz era causa direta de uma queda do beliche. tendo sido cumpridos todos os regulamentos e normas em vigor aplicáveis ao caso em concreto, perante a forma como os mesmos haviam acontecido.
54.°
Aliás, face às declarações prestadas pelo recluso F..... ao subchefe R....., graduado de serviço é que a participação foi elaborada pelo Guarda F......
55.°
Pelo que nenhum conluio existiu da parte do arguido.
56.°
E, relativamente ao preenchimento do formulário de utilização de meios coercivos, o mesmo foi preenchido e entregue à diretora do EP juntamente com a participação sobre a ocorrência dos factos, pelo arguido e o Subchefe R......
57.°
Pelo que, nenhum dever profissional foi violado e, conduta diversa não era exigível ao arguido, impondo-se o arquivamento dos presentes autos disciplinares (…)» (cf. fls. 270 a 290 do processo administrativo apenso aos autos);
LL. Em 23.06.2016, foi elaborado o «Relatório Final» do processo disciplinar n.º 438-D/2013, de cujo teor se extrai o seguinte:
«(...) II - Da Instrução
Das diligências efetuadas, no âmbito da instrução do presente processo disciplinar, destacam-se as seguintes:
- Aproveitamento integral dos atos praticados e documentos juntos no âmbito do inquérito n.º 178-1/2013, o qual foi convertido em disciplinar dando origem ao processo disciplinar n.º 438-D/2013;
- Junção aos autos das notas biográficas dos trabalhadores/arguidos;
- Junção aos autos das declarações do trabalhador J......, prestadas na qualidade de arguido;
- Junção aos autos [das declarações] de J......, prestadas na qualidade de arguido;
- Junção aos autos das declarações de R......., prestadas na qualidade de testemunha;
- Junção aos autos das declarações de J....., prestadas na qualidade de arguido;
-Junção aos autos das declarações de M...... e C......, prestadas na qualidade de arguido.
(...)
III - Análise das defesas
(...)
3 - Análise das defesas dos trabalhadores J...... e J.....
Por serem iguais vão ser apreciadas em conjunto as defesas apresentadas por ambos os trabalhadores.
(...)
d) Nulidade insuprível nos termos do artigo 203.º n.º 1 da LGTFP (artigos 24.º a 30. ° da defesa)
No que respeita às alegadas imputações vagas e genéricas da acusação, importa referir que a defesa se pronunciou sobre a matéria de facto da acusação, não evidenciando que a mesma tivesse sido vaga e genérica, pelo contrário demonstrou que a percebeu muito bem.
A acusação mostra-se perfeitamente percetível no que às circunstâncias de tempo, modo e lugar concerne, pois, em momento algum, resulta que os trabalhadores não tenham percecionado os factos a que se reportava a acusação.
De facto, aí se descrevem as infrações que lhes são imputadas, de acordo com as normas da LTFP, bem como as normas regulamentares que foram desrespeitadas.
(...)
Também na acusação, ao contrário do alegado pelos trabalhadores, no artigo 29.º da defesa estão expressas as circunstâncias agravantes (acumulação de infrações), sendo que em relação a circunstâncias atenuantes as mesmas não existem.
Assim, ao contrário do alegado, foram cumpridas as exigências do artigo 213.º n.º 3 da LGTFP e, consequentemente, a não verificação da alegada nulidade da acusação que os trabalhadores suscitam.
d) Defesa por impugnação (artigos 31.º a 58.º da defesa)
Os trabalhadores vêm impugnar os factos dizendo que as suas condutas não consubstanciam qualquer violação dos deveres profissionais, sendo que a lesão da cana do nariz do recluso está legitimada, nunca tendo os arguidos desferido pontapés e murros ou realizado qualquer utilização abusiva da força, sendo as restantes lesões do recluso causa direta e necessária dos factos ocorridos no Hospital de S. José, no dia 21/03/2013.
Ora é o próprio recluso que em declarações já no E.P. de Pinheiro da Cruz (E.P. de origem) refere, quando questionado sobre os hematomas, os cortes na orelha esquerda, a cana do nariz partida e as várias marcas que apresentava no corpo (cfr. fls. 17, 17v, 18, e 18v), que teria sido agredido pelo Subchefe J...... e o guarda Prisional J......, refere ainda o nome de mais um guarda, porém este não consta como arguido no presente processo disciplinar.
Diz o recluso que “eram cerca das 17H30, no dia 20.03.2013, quando o guarda J..... lhe deu ordem para ser fechado na sua cela. O declarante não obedeceu a tal ordem (...). O guarda prisional J..... chamou o Subchefe J...... e o guarda J...... (...) Os guardas começaram a querer tirar-lhe a caneta da mão porque pensavam que os ia espetar, mas o declarante não deixou. Depois começaram a agredir o declarante com murros e pontapés ao longo da cara e corpo, onde calhava, sendo que o único que não lhe bateu foi o guarda F...... (...) depois levaram-no, para uma cela e tentaram que ficasse ali, mas o declarante não quis e virou-se aos guardas - Subchefe A...... (...) e guarda J......, tendo-se todos envolvido em agressões mutuas.” (cfr. fls. 8).
Posteriormente, quando ouvido pelo instrutor (inicial) dos autos o recluso referiu “(...) o subchefe A...... e o guarda J...... de imediato se jogaram para cima do declarante, tendo o subchefe A...... desferido um pontapé no tórax. O declarante reage à agressão e logo de seguida o guarda B...... desferiu-lhe um violento pontapé que lhe acertou no nariz, tendo ficado imediatamente com a cara partida (...)”. (cfr. fls. 41, 42 e 43).
Também o recluso Domingos António Branquinho, quando foi ouvido em declarações referiu que “(...) durante todo o dia, o F...... não parou de bater à porta e de chamar o guarda para lhe dar os comprimidos (...). O declarante e os outros dois reclusos (E...... e F......) entraram na camarata e foram fechados. Pouco tempo depois chegaram o subchefe A...... e o guarda B......, tendo o declarante ouvido o subchefe A...... a advertir o F...... dizendo “como é, vais entrar a bem ou é preciso empurrar-te”, tendo o F...... respondido que não entrava e se lhe tocassem espetava com a caneta. Logo de seguida ouviu claramente os guardas a dizer para largar a caneta e como ele não obedeceu ouviu os guardas a dar porrada, bem como o F...... a gritar “larguem-me, deixem-me”.
Quando questionado se o F...... alguma vez caiu da cama, “o declarante é perentório em afirmar que não” (cfr. fls. 44 a 45)
Também o recluso F...... é perentório em afirmar nas suas declarações que “nenhum recluso que habitava a sua camarata caiu inadvertidamente da sua cama partindo o nariz” (cfr. fls. 50).
O guarda J....., embora não admitindo agressões por parte dos seus colegas, disse que “(...) à aproximação do subchefe A...... na tentativa de o demover, mormente segurando-o pelo braço para o encaminhar para a cela ao mesmo tempo que o tentava demover pelas palavras, o recluso num ato repentino empunhando a esferográfica desfere um golpe na direção do subchefe A......, o qual recuou e o guarda B...... conseguiu ainda suster o movimento da mão que empunhava a esferográfica, impossibilitando que a agressão fosse efetiva. Ato contínuo, o subchefe A...... efetuou uma chave de braços, dominando o recluso e projetando-o no solo (...)”. (cfr. fls. 62 e 63)
Igualmente o trabalhador/arguido J...... afirmou nas suas declarações que “(...) circundou o recluso pela frente segurando na sua mão esquerda e, face à força e inércia exercida pelo recluso, partiu a caneta ainda na mão deste. Ato contínuo, em face da reação brusca do recluso houve necessidade de aplicar as técnicas de restrição, manietando o recluso através de uma chave de braços, obrigando-o a imobilizar no solo. Tal intervenção (...) terá feito com que este embate[s]se com o nariz em algum lado (...)”
É por demais evidente que existiu entre o recluso e os trabalhadores uma contenda, e que a desobediência do recluso veio a culminar no uso dos meios coercivos.
Porém, nem estes foram participados, nem sequer foram usados de uma forma adequada pois revelaram-se excessivos face ao perigo que visavam afastar.
Embora acreditemos que o recluso estivesse alterado, não é de crer que guardas minimamente experientes tivessem receio que o recluso os espetasse com uma esferográfica.
E, se por um lado, o guarda J...... refere na sua defesa que “o guarda B...... pegou-lhe na mão que tinha a caneta, puxando-o até ao solo” não percebemos por que razão nas suas declarações refere que foi ele próprio que efetuou uma chave de braços, dominando o recluso e projetando-o no chão. E, se assim foi, porque não foi efetuada a participação de uso dos meios coercivos. De facto, só vimos uma razão para que não se tivesse elaborado o preenchimento do formulário do uso dos meios coercivos, é que estes efetivamente foram usados de forma excessiva ao ponto de o recluso ter ficado com a cana do nariz partida e ter sido sujeito a uma intervenção cirúrgica.
Por outro lado, o quadro clínico que o recluso apresentava era um quadro que não resultou certamente por os trabalhadores terem “segurado o braço do recluso para que se levantasse do chão” e muito menos por o guarda B...... lhe ter “pegado na mão que tinha a caneta, puxando-o até ao solo” tal como referem nas suas defesas, nem por, como referem em sede de declarações, por o chefe J...... ter manietado o recluso através de “uma chave de braços”. Entendemos que o quadro clinico apresentado pelo recluso resultou de uso gratuito de força, significando um abuso da força física sobre o recluso, pois nenhuma das ações descritas, tanto nas declarações prestadas, como em sede de defesa (já que são substancialmente diferentes) eram adequadas a partir a cana do nariz ao recluso, ao ponto de ter que ser sujeito a uma intervenção cirúrgica, e de ter ficado com vários hematomas e equimoses ao longo da região clavicular (cfr. fls. 7v).
Bem sabemos que a avaliação da prova baseada no testemunho prestado, neste caso por um recluso, tem de ser analisada com muita precaução, pois todos sabemos que por vezes nos deparamos com reclusos com comportamentos manipuladores, que dificultam a perceção da realidade escondida por trás de intenções ou motivações menos claras, fazendo com que os factos sejam distorcidos por recurso a factos falseados.
Porém, não cremos que seja o caso, pois a versão dos factos apresentada pelo recluso parece-nos coerente e até em consonância com a apresentada pelos trabalhadores, só divergindo mesmo em relação às agressões.
Por outro lado, os outros reclusos ouvidos como testemunhas, embora não fossem testemunhas diretas das agressões, porque se encontravam fechados na camarata, são perentórios em afirmar que ouviram os guardas a dar “porrada” no recluso, e este a gritar “larguem-me”.
Vêm ainda os trabalhadores fazer crer que as lesões que o recluso apresentava foram consequência dos meios coercivos utilizados no dia 21/03/2016, pelo guarda B....., no Hospital de S. José.
Porém, tal assim não foi, apesar de neste dia terem sido utilizados os meios coercivos no recluso pelo seu comportamento incorreto no Hospital de S. José, as lesões que o mesmo apresentava não se ficaram a dever, unicamente, à intervenção naquele Hospital.
Até porque, o motivo da deslocação ao hospital de S. José resultou dos incidentes ocorridos no dia 20/03/2013, pelo que já nesta data o recluso apresentava lesões perfeitamente incompatíveis com a descrição dos factos apresentados pelos trabalhadores. Não excluímos que da utilização dos meios coercivos no dia 21/03/2013, no Hospital de S. José, tivessem resultado algumas mazelas no recluso, porém, estas sim foram consequência direta do uso dos meios coercivos que foram devidamente participados, e estão comprovadamente legitimados.
Resta por último apreciarmos a ocultação dos verdadeiros factos, visto os trabalhadores terem elaborado uma participação, cujos factos não correspondiam à realidade.
Com efeito, os trabalhadores registaram na participação que o recluso teria caído da cama, quando sabiam perfeitamente que tal não era verdade.
O trabalhador J...... refutou este factos, dizendo que sempre acreditou que o recluso tinha caído da cama/beliche, até porque, quando ouvido em declarações, foi o próprio recluso que disse que tinha caído da cama. Já o guarda B...... veio dizer que nunca teve acesso à participação que foi elaborada pelo guarda F....., e que o recluso sempre disse que tinha caído da cama.
Não nos vamos alongar muito quanto a estes factos, até porque, está mais que provado, através de testemunhos, que a participação foi forjada.
Porém, não podemos deixar de manifestar a nossa estupefação, face às afirmações dos trabalhadores: como é possível que o recluso tenha a cana do nariz partida e que os trabalhadores não tenham dado por isso quando estavam a tentar demovê-lo da sua intenção de não entrar para a camarata? Será que não viram aquela zona do rosto a sangrar ou inchada?
Quando se parte a cana do nariz um dos primeiros sintomas que ocorre é o sangramento com abundância, seguido de inchaço. Foi certamente por os trabalhadores perceberem que seria difícil de explicar que a grave lesão que o recluso apresentava tivesse sido consequência da utilização dos meios coercivos, sem que a mesma configurasse um uso excessivo da força, e consequentemente desproporcional ao caso concreto, que decidiram não preencher o formulário do uso dos meios coercivos e fazer uma participação deturpada da realidade dos acontecimentos.
De facto o trabalhador J...... refere nas suas declarações a fls. 68 que 2(...) não teve acesso à participação elaborada pelo guarda F....., mas teve acesso à do Subchefe A......, a qual vai no mesmo sentido da do guarda F..... em fls. 4 versus e 5. Além disso, teve acesso à informação que lhe foi dada pelo graduado de serviço o subchefe R....., ou seja, que entretanto este subchefe ouviu em auto a versão do recluso e que, este não queria problemas, portanto, lhe terá dito que coloca-se nas sua declarações que os ferimentos que apresentava (traço vincado no nariz) terão sido originados por uma queda do beliche superior, vindo embater no ferro”. Ora, se o trabalhador sabia que tal não era verdade, porque permitiu que assim o fizessem?
O trabalhador J...... ouvido em declarações, já depois de ter sido instaurado o presente processo disciplinar, vem de alguma forma retratar-se dizendo que afinal “(...) houve necessidade de empregar o uso da força para dominar o recluso (...) apenas se apercebeu que o mesmo tinha um corte no nariz, mas sem se ter apercebido de como o fez”.
Mais refere que, sobre a participação de fls. 6, a fez para justificar a ida do recluso ao hospital, e que a mesma foi feita com base nas declarações do guarda F..... (cfr. fls. 173)
Para uma melhor perceção do que foi escrito na participação de fls. 6 transcreve-se o seu teor:
“J......, Subchefe Principal, venho por este meio informar V. Exa. que no dia de hoje, pelas 18,10, ouviu bater violentamente na porta da camarata n.º 18, setor do anexo, de imediato dirigi-me ao local, com o guarda J..... e J....... Ao ser aberto a porta da camarata pelo guarda F....., deparei com o recluso n.º 2…, F....., a sangrar do nariz alegando que se tinha magoado. Perante tal situação, perguntei o que tinha acontecido, disse-me que estava a dormir e que tinha caído da cama e se tinha magoado. Imediatamente conduzi o recluso à enfermaria, que posteriormente perante observação da Sra. Enfermeira e a gravidade da lesão, foi efetuado a diligência ao Hospital do Barreiro e depois para o Hospital de São José em Lisboa”
O conteúdo da transcrição demonstra que é o próprio trabalhador que reconhece que a lesão do recluso era grave.
Com efeito, estas declarações só serviram para tentar explicar o inexplicável, e de uma forma perfeitamente incoerente. De facto, toda participação feita pelo trabalhador J...... é baseada em falsidade, a única verdade que nela é descrita é o reconhecimento da gravidade da lesão, tudo o resto são puras mentiras, pois tal como está amplamente demonstrado, toda a situação teve origem porque o recluso não se queria deixar fechar, sendo os companheiros de cela do recluso perentórios em afirmar que ninguém terá caído da cama naquele dia (cfr. fls. 44, 45, e 50)
Mas como se não bastasse, também em declarações do guarda J....., este refere explicitamente que o recluso após os incidentes, ao ser ouvido pelo subchefe F......, “(...) terá dito que estava muito arrependido e pedia desculpas aos guardas, sendo que coloca-se nas suas declarações que tinha caído da cama, por não querer ter problemas, mormente um processo disciplinar. (...) foi determinado superiormente que atendendo ao facto do recluso ter pedido desculpas e às declarações por ele produzidas, seria efetuada uma informação no sentido das declarações do recluso”. Mais acrescenta que “reunidos em conjunto, face aos pedidos de desculpa do recluso e a sua grande instabilidade e alteração de humor, iriam efetuar a comunicação de acordo com as declarações prestadas pelo recluso (...)” (cfr. fls. 63).
Também o trabalhador M...... afirma nas suas declarações que “(...) decidiram que assumiriam nas informações aquilo que o recluso primeiramente havia dito, ou seja que o corte na cana do nariz tinha sido feito na camarata durante o dia.”
Face ao exposto, é por demais evidente que os trabalhadores em conluio decidiram deturpar a realidade dos factos, elaborando uma participação contrária à realidade dos acontecimentos.
V- Factos e infração imputada
Posto isto, de toda a análise da defesa, e com os fundamentos nos elementos de prova constantes dos autos, dúvidas não restam de que os trabalhadores J...... e J....., com a sua conduta, preencheram o tipo objetivo de infração em apreço, pois resulta provado a acusação que contra eles foi proferida.
Compete à defesa abalar os factos constantes da acusação, o que no caso dos autos não logrou fazer, uma vez que existe prova mais que suficiente de que o recluso F...... foi agredido, e que os trabalhadores foram os autores da agressão, bem como elaboraram uma participação forjada dos acontecimentos, adulterando os factos.
São estes os atos que integram a infração disciplinar por que vêm acusados, tendo a instrutora formado a convicção serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável, que os trabalhadores agiram deforma livre, voluntária e consciente.
Os factos em causa encontram-se demonstrados, quer através dos documentos juntos aos autos, quer, inequivocamente, através da prova testemunhal. Em síntese, o comportamento dos trabalhadores/arguidos dado como provado, configura uma violação culposa dos seus deveres funcionais, como seja o dever de prossecução do interesse público, zelo, lealdade e correção, tal como vêm definidos no artigo 73.º da LTFP.
Assim, não há nada a alterar aos factos constantes da acusação, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
VII - Da pena disciplinar proposta
A pena de suspensão proposta é, em abstrato, a pena que vem legalmente associada à conduta em causa: “(...) atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e [a]queles comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestigio da função (...)” - artigo 186.º da LGTFP.
Considerando os factos provados, cumpre ponderar a sua gravidade, a necessidade de censura disciplinar e os moldes em que se deve censurar os factos de acordo com os critérios gerais vertidos no artigo 189.º da LTFP.
A pena anunciada na acusação - suspensão de funções - mantém total acuidade, adequação e pertinência.
A pena em causa é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, e àqueles cujos comportamentos atentem gravemente contra a dignidade e o prestígio da função.
O comportamento adotado por ambos os trabalhadores merece ser censurado, pois aqueles bem conhecem os deveres a que estão adstritos e, bem assim, as características próprias do serviço que desempenham, sabendo que é imprescindível tratar os reclusos com urbanidade, quer na correção da linguagem, quer na afabilidade do trato, não devendo em caso algum agredir voluntariamente um recluso, ainda que tenha sido provocado, daí dependendo o normal funcionamento da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e o cumprimento da nobre missão a que estão cometidos os guardas prisionais.
O comportamento adotado pelos trabalhadores/arguidos é grave, dele advindo nefastas consequências, em termos de desrespeito para com os reclusos, contribuindo de forma negativa para a imagem do serviço prestado pelo E.P. do Montijo, pelo que se entende que, face à sua conduta, a necessidade de censura é efetiva, passando pela aplicação da pena de suspensão.
A pena de suspensão varia entre 20 e 90 dias por infração, num máximo de 240 dias. No caso concreto é imputada aos trabalhadores/arguido duas infrações - agressões a um recluso e adulteração dos factos, mediante a elaboração de uma participação contrária à realidade, verificando-se assim a circunstância agravante especial prevista no art. 191.° alínea g) da LGTFP (acumulação de infrações).
Recorrendo aos critérios para ponderação da medida da pena, a que alude o artigo 189.° da LGTFP, nomeadamente atendendo à natureza do serviço e carreira profissional dos trabalhadores/arguidos, às inerentes exigências funcionais de adoção de um comportamento correto e exemplar, à consciência e deliberação com que agiram, bem como às circunstancias que rodeiam a prática da infração, que se deve pautar por um relacionamento não distanciado face a eventuais provocações, evidenciando uma atitude de total falta de serenidade e de desonestidade para com o serviço, somos a sugerir a graduação da pena em 40 dias de suspensão.
VIII - Possibilidade de suspensão da pena
(...)
Nos presentes autos, pese embora o tempo decorrido, a verdade é que os factos tiveram consequências graves, não só para o próprio recluso, como também para o prestígio e dignidade do serviço prestado pela DGRSP.
Por outro lado, atendendo ao comportamento dos trabalhadores, é manifesto que os mesmos não interiorizaram que as suas condutas foram graves e violadoras dos seus deveres funcionais, pelo que uma pena suspensa não bastará para os alertar, no sentido de adequar o seu comportamento de acordo com o direito e com os seus deveres funcionais enquanto elementos do corpo da guarda prisional, razão pela qual entendemos que a pena terá de ser efetiva.
VI - Conclusão
Assim sendo, tendo presente a factualidade apurada entende-se adequada, em sede de escolha da pena, propor superiormente a aplicação aos trabalhadores J...... e J....., com a categoria profissional de subchefe do Corpo da Guarda Prisional e guarda prisional respetivamente, a pena disciplinar de suspensão por um período de 40 dias, nos termos das normas conjugadas do art.º 180.º, n.º 1, alínea c), art.º 181.°, n.º 3 e 4, art.º 186.° todos da LGTFP (…)» (cf. fls. 297 a 321 do processo administrativo apenso aos autos);
MM. Em 30.06.2016, a Inspetora Coordenadora do Serviço de Auditoria e Inspeção - Delegação Sul, da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, materializou a informação com o seguinte teor:
«(…) Concordando-se com o relatório final que antecede propõe-se:
Seja aplicada aos trabalhadores J...... e J..... a sanção disciplinar de suspensão por um período de 40 (quarenta) dias, efetiva na sua execução;
Sejam os autos arquivados relativamente aos factos imputados aos trabalhadores M...... e J...... por se encontrar prescrito o procedimento disciplinar pelo decurso do prazo de dezoito meses previsto no art 178° n° 5 da L.G.T.F.P. sem que tenha ocorrido relativamente a estes trabalhadores qualquer causa de suspensão do referido prazo (…)» (cf. fls. 322 do processo administrativo apenso aos autos);
NN. Em 01.07.2016, o Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, proferiu, no verso da informação referida na alínea precedente, o despacho com o seguinte teor:
«(…) Concordo com o relatório final de fls. 297 e sgs, bem como com o parecer antecedente, cujo conteúdo aqui dou reproduzido.
Assim, com os fundamentos de facto e de direito neles invocados (…)
2) Para (…) J..... com a pena disciplinar de suspensão por um período de 40 (quarenta) dias (…)» (cf. despacho a fls. 322 verso do processo administrativo apenso aos autos);
OO. Em 04.07.2016, a Inspetora Coordenadora do Serviço de Auditoria e Inspeção - Delegação Sul, da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, dirigiu à Mandatária do Autor, o «Ofício n.º 373-SAI-2016», pelo qual comunica «(…) todo o conteúdo da decisão final proferida nos presentes autos, constante de fls. 297 a fls. 322v.° cujas cópias se anexam» (cf. fls. 325 do processo administrativo apenso aos autos);
PP. Em 05.07.2016, M......, Diretora do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, elaborou o documento denominado «Notificação» de cujo teor se extrai o seguinte:
«(…) Aos sete dias do mês de Julho de 2016, neste Estabelecimento Prisional, M......, diretora, procedi à notificação do Guarda Prisional, J..... do conteúdo do email com o n.º 830/SAI/2016, referente à decisão final proferida no processo n.º 438- D/2013, cuja cópia lhe foi entregue no ato da notificação (...)» (cf. «fls. 328 verso do processo administrativo apenso aos autos);
QQ. Em 08.07.2016, o Autor apresentou «recurso hierárquico» da decisão de aplicação da pena de suspensão por 40 dias (cf. fls. 330 a 337 do processo administrativo apenso aos autos);
RR. Em 27.07.2016, foi proposto o indeferimento do recurso hierárquico referido na alínea antecedente (cf. fls. 383 a 388 do processo administrativo apenso aos autos);
SS. Em 02.08.2016, o Diretor-Geral dos Serviços Prisionais, proferiu despacho, de que consta:
«(…) Concordo inteiramente.
Também entendo que o recurso não merece provimento.
Remeta ao Gabinete da (…) da Ministra da Justiça (…)» (cf. fls. 389 verso do processo administrativo apenso aos autos);
TT. Em 03.08.2016, foi dirigido à mandatária do Autor, o «Ofício n.º 444-SAI-2016», com a «referência P.º 438-D/2013», da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de que consta:
«(…) na qualidade de mandatária, de que por despacho do Ex.mo Sr. Diretor-Geral, subiram os autos de processo disciplinar supramencionado, na presente data, ao Gabinete de Sua Excelência a Sr.ª Ministra da Justiça» (cf. fls. 390 do processo administrativo apenso aos autos);
UU. Em 29.09.2016, deu entrada a petição inicial dos autos neste Tribunal (cf. «comprovativo de entrega de documentos» a fls. 1 dos autos);
VV. Em 22.11.2018, foi proferido despacho de arquivamento nos autos de processo n.º 1083/13.9TAMTJ, a correr termos no DIAP - Secção do Montijo, de cujo teor consta:
«(…) não tendo sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado qualquer crime, e não vislumbrando a realização de diligências tidas por úteis, determino o arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (…)» (cf. fls. 95 a 102 dos autos de processo eletrónico SITAF).”

IV - Do Direito
Peticionou originariamente o Autor, aqui Recorrente a impugnação do despacho do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, de 01.07.2016, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 40 dias, no âmbito do processo disciplinar n.º 438-D/2013, tendo o TAF de Almada decidido julgar a ação improcedente.

Diga-se, desde já que se não se vislumbram razões para divergir do decidido em 1ª instância.

Em qualquer caso, enquadremos para já a questão controvertida em abstrato:
“(...) Na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37.).

Por seu turno, José Beleza dos Santos sustenta que: “(…) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (...) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua atuação repressiva e preventiva é condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho atual ou futuro (...). No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respetivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” (Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora SARL/1968, págs.113 e 116.).

Tal não significa que o princípio da legalidade e consequente função garantística de direitos subjetivos públicos esteja arredada do direito sancionatório disciplinar, nomeadamente ao amparo da conceção da relação jurídica de emprego público como relação especial de poder (Luís Vasconcelos Abreu, Para o estudo do procedimento disciplinar no direito administrativo português vigente: as relações com o processo penal, Almedina, Coimbra/1993, pág. 30. Francisco Liberal Fernandes, Autonomia coletiva dos trabalhadores da administração. Crise do modelo clássico de emprego público, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, 9, Universidade de Coimbra, Coimbra /1995, págs.146/147.).

Todo este labor legislativo traduz-se na adoção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação laboral (vinculativos) o que outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar, uma vez definidos quais os factos provados, uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do ato), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto (Mário Esteves de Oliveira, Lições de Direito Administrativo – FDL/1980, págs.621 e 787. Bernardo Diniz de Ayala, O défice de controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, 1995, pág. 91).

A operação de subsunção da factualidade provada ao conceito identificado pelos substantivos abstratos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.

O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.

A questão aqui a analisar prende-se predominantemente com a necessidade de verificar se o procedimento disciplinar subjacente à aplicação da pena aqui objeto de impugnação, foi instruído de forma correta e no cumprimento dos normativos legal e constitucionalmente aplicáveis.

Se é certo que as garantias dos direitos dos arguidos não podem ser vistas, como muitas vezes sucede, como categorias abstratas, formais, tipo pronto-a-vestir, mas como instrumentos concretos cujo conteúdo há de ser conformado em função da natureza e características da matéria disciplinar em causa, o que se pretende é que o arguido em processo disciplinar compreenda o conteúdo da acusação que lhe é dirigida e que dela se possa defender.

Como é sabido, o chamado controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos, conforme entendimento corrente dos Tribunais Administrativos, determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes (cfr. Ac. STA, 1ª Secção, de 9.3.83; in Ac. Dout. Ano XXIX, nº 338, p. 191 e ss).

Vejamos então agora em concreto o suscitado.
Do erro de julgamento e obscuridade da fundamentação
No que aqui releva, afirmou-se na Sentença Recorrida:
“Da factualidade dos autos resulta que o Autor utilizou meios coercivos, designadamente a coação física, através da utilização de força corporal (cf. artigo 95.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 115/2009, de 12.10), para vencer a resistência do recluso a uma ordem legítima (cf. artigo 94.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 115/2009, de 12.10), no caso, a ordem dada pelo Guarda Principal J..... para o recluso entrar para a respetiva camarata (cf. alíneas I), K), L), N), O), P), S), Y) do probatório).
Ainda que se pudesse admitir que as lesões sofridas pelo Recluso (designadamente a fratura no nariz) poderiam resultar de manobras de imobilização necessárias, perante o concreto comportamento do Recluso, não se vislumbra que tenham sido adequadas ou proporcionais e, assim, conformes ao cumprimento dos deveres inerentes ao exercício das funções de guarda prisional.
Com efeito, resulta provado dos autos que o Recluso, na sequência dessa intervenção, ficou, pelo menos, com uma lesão no nariz, cuja gravidade foi reconhecida pelos serviços de enfermaria do Estabelecimento Prisional, obrigando o recluso a deslocar-se ao Hospital e a ser submetido a uma intervenção cirúrgica, ainda que se desconheça se tal coação física foi ou não utilizada pelo tempo estritamente indispensável à realização do objetivo que visava alcançar (cf. alíneas I), K), N), Q), R) e S) dos factos provados).
Resulta, também, dos autos que o Autor não comunicou a utilização de meios coercivos à Diretora do Estabelecimento Prisional Regional do Montijo (cf. alíneas N), O), R), S), AA) e BB) dos factos provados), e que tendo conhecimento de que foi elaborada uma informação contrária à realidade dos acontecimentos, nada fez (cf. alínea O) e BB) dos factos provados).
Os factos considerados provados são, assim, suficientes para que a conduta do Autor fosse sancionada em sede disciplinar, como foi, não procedendo a pretensão do Autor no sentido de que deveria ser feita uma diferente análise ou valoração e interpretação dos pressupostos que fundamentaram o ato punitivo impugnado.
Com efeito, ao ter lançado mão do uso de meios coercivos contra o Recluso F....., como acabou por ser reconhecido pelo Autor, de que resultou uma lesão cuja gravidade determinou que o mesmo fosse submetido a uma intervenção cirúrgica, e ao não ter efetuado a correspondente participação do uso desses meios coercivos, tendo-se, ao invés, mantido conivente com uma participação contrária à realidade dos factos, o Autor violou os deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo, de lealdade e de correção (artigo 3.º, n.º 2, alíneas a), e), g) e h) do EDTFP, e, em sentido semelhante o artigo 73.º, n.º 2, alíneas a), e), g) e h) da LGTFP referidos no relatório final) e os deveres especiais previstos no artigo 31.º, alíneas i) e j) do Estatuto dos Guardas Prisionais (a que correspondem, atualmente, os artigos 18.º, alínea h) e 27.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 3/2014, de 09.01, invocados na acusação), a que se encontrava adstrito, consubstanciando, assim, a sua conduta a prática de infração disciplinar (artigo 3.º, n.º 1, do EDTFP).
Por outro lado, e contrariamente ao sustentado pelo Autor, era-lhe exigível uma conduta diversa da que adotou.
Com efeito, ainda que a utilização de meios coercivos, atendendo ao concreto comportamento do Recluso, pudesse ser permitida, o certo é que o Autor se encontrava vinculado às normas e regulamentos que lhe são aplicáveis, devendo utilizar esses meios coercivos de uma forma adequada e proporcional e participar ao seu superior hierárquico, com objetividade e prontidão, as ocorrências verificadas em serviço, o que não sucedeu”.

Em face da descrição feita, não se vislumbra que a decisão proferida tenha deixado de ter decidido de acordo com a lei e com os elementos dados como provados no Processo disciplinar, em face do que se não reconhece a verificação do imputado erro de julgamento, o mesmo se passando quanto à igualmente invocada obscuridade na fundamentação.

Refere ainda o Recorrente que a sua atuação no controvertido incidente se consubstanciaria numa circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, que decorre do artigo 190.º, n.º 1, alíneas a), c), d) e e) da LTFP, pois a origem das lesões físicas do recluso F..... terão resultado exclusivamente da utilização de meios coercivos pelo guarda prisional Barrela no Hospital de S. José.

O Tribunal a quo não teria pois tido em conta os elementos probatórios que decorrem do processo disciplinar, atendendo, nomeadamente a que ao Recorrente não seria exigível conduta diversa, sendo que não resulta dos elementos de prova disponíveis que se mostre excluída a culpa do então Autor, e, assim, a sua responsabilidade pela prática das infrações que lhe foram imputadas.

Aliás, o tribunal a quo teve o cuidado de afirmar que “contrariamente ao sustentado pelo Autor, era-lhe exigível uma conduta diversa da que adotou”, o que desde logo, e por natureza, sempre levaria a inaplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do artigo 190.º da LTFP (Circunstancia dirimente resultante da não exigibilidade de conduta diversa).

No que concerne às circunstâncias dirimentes inovatoriamente suscitadas em sede recursiva, não são as mesmas admissíveis, desde logo por não terem sido invocadas anteriormente, nomeadamente as constantes das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 190.º da LTFP.

Estando aqui em causa a mera apreciação da Sentença Recorrida, naturalmente que as referidas questões não poderiam ter sido analisadas na referida Sentença, pela singela razão que não haviam sido anteriormente invocadas (n.º 2 do artigo 144.º do CPTA).

Mais vem invocado que o Recorrente não terá praticado os factos pelos quais foi punido e que, no mínimo, se verificaria uma situação de “non liquet”.

Em qualquer caso, em função da apreciação da prova disponível, nomeadamente documental e testemunhal, o tribunal a quo limitou-se a aplicar o direito à prova, em função da sua livre apreciação da mesma.

Efetivamente, refere-se na Sentença Recorrida que “…quer no âmbito do processo de inquérito, quer no âmbito do processo disciplinar que lhe sucedeu, foi produzida prova capaz de sustentar que o Autor usou de meios coercivos (em concreto a força física) contra o recluso F....., tendo este ficado, na sequência dessa atuação, com uma lesão no nariz, que determinou a sua deslocação ao Hospital, a fim de ser submetido a uma intervenção cirúrgica”, não se vislumbrando razões que permitissem infirmar o declarado.

Como reiteradamente se afirmou já, a circunstância de ter sido arquivado o processo crime (cf. alínea VV) dos factos provados), não é impeditivo da aplicação de sancionamento disciplinar, atenta a circunstância de tratar de processo de natureza, pressupostos e fins diversos.

Como se tem reiterado e foi afirmado já pelo STA, a condenação disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodítica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável (Cfr. Acórdão STA, de 21.10.2010, processo n.º 0607/10).

Não tendo o Recorrente logrado comprometer ou infirmar o sentido da prova fixada, nem a convicção firmada pelo Tribunal a quo, não se reconhece, igualmente, a verificação de uma situação de “non liquet” nem, correspondentemente, de violação do princípio “in dúbio pro reo”.

Reafirma ainda o Recorrente, em defesa do entendimento de acordo com o qual não teria havido ocultação dos factos verificados, que tinha a convicção que o formulário de utilização de meios coercivos havia sido preenchido e entregue à Diretora do Estabelecimento Prisional.

A prova fixada pelo Tribunal a quo não coincide com a versão que o Recorrente explicitou recursivamente, e que resultou, nomeadamente, da inquirição das testemunhas arroladas, como se explicitou nos seguintes termos na própria Sentença:
“…Não é possível afirmar que a Entidade Demandada fundou a sua decisão numa errada perceção da realidade dos factos que estiveram na base da aplicação da sanção disciplinar. Não resultou, pois, demonstrada uma divergência entre a realidade e a perceção que dela dá conta a decisão punitiva, por nela terem sido considerados e valorados factos não provados ou desconformes com a realidade”
Mais invoca o Recorrente que a pena de suspensão por 40 dias será desproporcional e desadequada, impondo-se antes o arquivamento do procedimento disciplinar.

Não se reconhece, também aqui, que assim seja, referindo-se neste mesmo sentido na Sentença que “Em sede de sanções disciplinares, o princípio da proporcionalidade postula a adequação da sanção imposta à gravidade dos factos apurados, de molde a que a medida punitiva a aplicar seja aquela que, sendo idónea aos fins a atingir, se apresente como a menos gravosa para o trabalhador. (…)
Como supra se referiu, os factos que constam da acusação e que foram considerados no relatório final (…) estão demonstrados no processo: o Autor usou de meios coercivos (coação física) contra o recluso F....., na sequência do que este sofreu uma lesão no nariz, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica, e não participou o sucedido aos seus superiores hierárquicos. (…).”

Aqui chegados, é incontornável que a pena de suspensão «(…) é aplicável aos trabalhadores que atuem com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais e àqueles cujos comportamentos atentem contra a dignidade e prestígio da função» (artigo 17.º, do EDTFP, a que corresponde o artigo 186.º, da LGTFP), podendo variar «(…) entre 20 e 90 dias por cada infração, num máximo de 240 dias por ano» (artigo 10.º, n.º 4, do EDTFP idêntico ao artigo 181.º, n.º 4, da LGTFP).”
Em concreto, o aqui Recorrente foi punido disciplinarmente pela prática de duas infrações disciplinares (agressões a um recluso e ocultação de factos), tendo sido ponderadas as circunstâncias atenuantes (concluindo-se pela sua inexistência) e a circunstância agravante prevista no artigo 191.º, alínea g), da LGTFP (a «acumulação de infrações» prevista no artigo 24.º, n.º 1, alínea g), do EDTFP, então, aplicável), tendo sido aplicada ao Autor, pela prática das duas infrações disciplinares, a pena de suspensão por 40 dias.

Atendendo à moldura disciplinar, mostra-se que a pena aplicada acabou por se mostrar relativamente leve, atenta a circunstância do seu teto se situar nos 240 dias de suspensão.

A Entidade Demandada terá assim tido em consideração, na ponderação da medida da pena, não só os deveres que foram violados, mas, também, a circunstância agravante prevista na alínea 24.º, n.º 1, alínea g) do EDTFP, a saber, a acumulação de infrações.

No que concerne à circunstância de não ter sido atendida qualquer circunstância atenuante, quando o Recorrente reclama para si, ser «um trabalhador com uma carreira longa e com uma vasta experiência profissional», que «sempre exerceu as suas funções com empenho, dedicação, zelo e proficiência», o que é facto é que tais invocações abonatórias não resultaram demonstradas.

Assim, não se reconhece que a pena aplicada em concreto, se mostre violadora, nomeadamente, do principio da proporcionalidade, nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP e do artigo 7.º, do CPA.

Do mesmo modo, não se reconhece que a pena aplicada e mostre «injusta e pouco razoável», pois que não resultou demonstrada a aplicação de solução «manifestamente desrazoável ou incompatível com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa», nos termos do disposto no artigo 8.º do CPA.
Não se mostrando desproporcional, injusta ou desrazoável, a concreta pena aplicada ao Autor, decai o alegado vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade”.

Da Prescrição
Suscita o Recorrente que «1. O procedimento disciplinar encontra-se prescrito, considerando que o processo crime que correu termos contra o recorrente, prescreveu no pretérito dia 16 de abril de 2019.
2. Pelo que, por maioria de razão, o procedimento disciplinar, encontra-se de igual modo prescrito nos termos do artigo 178° n° 1 da LTFP/artigo 6.º do revogado EDTFP».

Como se refere na sentença recorrida, «o processo penal é autónomo do processo disciplinar, atendendo à sua diferente natureza e finalidade, mesmo nos casos em que os factos praticados sejam puníveis criminalmente e simultaneamente constitutivos de infração disciplinar (cf. nos artigos 178.º, n.º 1, e 179.º Da LTFP).”

Efetivamente, a autonomia do processo disciplinar e crime determina que um facto possa constituir uma infração penal sem ter o caráter de falta disciplinar o mesmo se passando na inversa, o que significa que a absolvição em processo-crime não obsta à punição no processo disciplinar que tenha sido instaurado com base nos mesmos factos (cf. Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão de 21.09.2004, processo 047146, e Acórdão de 07.01.2009, processo n.º 0223/08).

Assim, o processo disciplinar é independente do processo crime, dado que os fundamentos e os fins das respetivas sanções são diferentes, bem como os pressupostos em que assenta a correspondente responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que em cada tipo de processo se fazem dos mesmos factos e de idênticas circunstâncias, o que significa que a prescrição que poderá ter ocorrido criminalmente, não significa necessariamente que a mesma tenha ocorrido disciplinarmente, uma vez que os pressupostos são diversos.

Como afirmou o Ministério Público no seu Parecer, “no que à prescrição do procedimento disciplinar respeita, quer o artº 6º, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei 58/20087, de 2 de Setembro), quer o artº 178º, nº 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei 35/2014, de 20 de Junho), contemplam três prazos distintos de prescrição do procedimento disciplinar, a saber: 1) um prazo mais longo, de dezoito meses a contar da data de instauração; 2) um prazo pouco mais curto, de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos; e ainda, 3) um prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico.”

É incontornável que o direito de instaurar procedimento disciplinar cessa logo que decorra um ano sobre a prática dos factos potencialmente puníveis, ficando a partir dai a Administração impedida de agir disciplinarmente contra um trabalhador.

Na situação em apreciação, os factos que determinaram a instauração de procedimento disciplinar ocorreram em 20 de Março de 2013, sendo que o processo disciplinar, que sucedeu a um inicial inquérito, foi instaurado em 19 de Novembro de 2013.

É assim patente que entre a prática dos factos puníveis (10-03-2003) e a data da instauração do processo disciplinar (19-11-2003) passaram-se 6 meses e 9 dias, pelo que, manifestamente, não decorreu o prazo de um ano, donde o processo disciplinar foi instaurado tempestivamente, não tendo ocorrido a prescrição do exercício desse direito prevista nos artigos 178º, nº 1, da LGTFP e 6º, nº 1, do EDTFP.

Do mesmo modo, não foi ultrapassado o prazo prescricional de instrução do procedimento disciplinar que ocorre decorridos que sejam 18 meses a contar da data que foi instaurado o procedimento.

Na realidade, o tempo de que a Administração dispõe para concluir o processo disciplinar, é de 18 meses contados desde a sua instauração, a qual, como se viu, ocorreu em 19 de novembro de 2003.

Acresce que, por despacho do Diretor Geral da Reinserção e Serviços Prisionais de 5 de Fevereiro de 2015 foi determinada a suspensão do processo disciplinar até trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida no processo criminal, tendo, por despacho de 1 de Abril de 2016 cessado a suspensão do processo disciplinar, o que determina que o mesmo tenha estado suspenso durante 1 ano, 1 mês e 26 dias.

Assim, tendo começado a decorrer em 19 de Novembro de 2013 o prazo de prescrição do procedimento disciplinar de 18 meses, o seu termo ocorreria em 19 de Maio de 2015, não fosse a referida suspensão entretanto verificada, determinante do termo do prazo em 15 de Julho de 2016.

Tendo a decisão punitiva de 40 dias de suspensão sido aplicada em 1 de Julho de 2016 e notificada por correio eletrónico, à Mandatária do Recorrente em 4 de Julho de 2016 e, pessoalmente, ao Recorrente em 5 de Julho de 2016, é assim a mesma tempestiva.

Como afirmado, nomeadamente, no Acórdão do STA de 28 de Junho de 2016, proferido no processo 1052/14, desde que a decisão final do processo disciplinar tenha sido tomada e notificada ao visado antes de decorrido o prazo de 18 meses, nunca se poderá considerar decorrido o prazo de prescrição do procedimento disciplinar.

Como se refere ainda no Acórdão do STA de 15 de dezembro de 2014, proferido no Processo n.º 0797/04:
«Contudo, e ao menos desde a LPTA, a impugnação em juízo dos atos administrativos não corresponde a uma fase contenciosa de procedimentos que começaram por ser graciosos, antes consistindo numa atividade jurisdicional vera e própria, em que se inquire da legalidade de um ato segundo os seus pressupostos, o seu conteúdo e o seu sentido.
Nesta conformidade, o despacho atacado no recurso contencioso dos autos poderia ser ilegal por não ter reconhecido que o procedimento disciplinar realmente prescrevera entretanto; mas, se essa prescrição ainda não se verificara, conforme o TCA admitiu, o ato estava necessariamente imune a essa crítica, pois seria absurdo que o autor dele desse conta de uma hipotética prescrição futura.
Por outro lado, a prescrição do procedimento disciplinar advém do facto de este durar por um tempo considerado excessivo; mas, como o procedimento finda com a prática do ato que o culmine, capta-se «de visu» que a prolação do derradeiro ato punitivo exclui que o procedimento continue a partir daí e, portanto, que ele dure excessivamente desde então».

Do mesmo modo, não é contabilizável para o prazo prescricional do procedimento disciplinar o período de tempo em que o Recorrente demandou contenciosamente, como se sumariou no Acórdão do TCAN de 05-11-2021, proferido no processo 506/18.5BECBR.
Aí se referiu, “A impugnação contenciosa da decisão disciplinar aplicada não constitui um prolongamento do procedimento disciplinar, razão pela qual, se não ocorreu a sua prescrição até à prolação dessa decisão administrativa [em que culmina o procedimento disciplinar, que é atinente ao termo final do prazo em que o Ministro da Administração Interna devia apreciar e decidir o recurso hierárquico], não é pelo mero decurso temporal da tramitação da sua impugnação judicial que tal vai ocorrer.”

Não ocorreu pois a suscitada prescrição.
* * *
Assim, e em função de tudo quanto supra se expendeu, entende-se dever improceder o Recurso, pois que não se reconhece que a Sentença Recorrida padeça de qualquer dos vícios recursivamente suscitados.

Quanto às custas, cuja isenção foi requerida e não apreciada em 1ª Instância, uma vez que o aqui Recorrente terá sido representado gratuitamente pelo seu sindicato, gozará de isenção das mesmas nos termos do artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.

V - DECISÃO
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente em ambas as instâncias, sem prejuízo da isenção de que goza nos termos do artigo 4º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais, por representado gratuitamente pelo seu sindicato.

Lisboa, 9 de março de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa