Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07516/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2014
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO
FACTO TRIBUTÁRIO
COMPETENCIA
PRINCIPIOS DA JUSTIÇA E DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I- Só há nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão quando ocorre falta absoluta de fundamentação, isto é, quando se verifica a ausência total de fundamentos de facto ou direito da decisão e não quando a mesma se revela tão só deficiente, medíocre ou errada.

II – A anulação da liquidação por fundada dúvida sobre a existência de facto tributário exige que a dúvida sobre aquela existência subsista após a prova produzida e se mostre impossível de ser ultrapassada pela realização de diligências, ainda que oficiosamente determinadas, carecendo de sentido a pretensão da sua aplicação perante um probatório de que emerge inequivocamente a verificação dos pressupostos da mesma liquidação.

III – É da competência da EP – Estradas de Portugal S.A. a autorização ou licenciamento de estabelecimentos ou ampliação de postos de combustível, instalados na sua área de jurisdição da EP – Estradas de Portugal S.A., bem como para liquidar e cobrar as taxas correspondentes.

IV - O conceito de “bomba abastecedora de combustível”, para efeitos de incidência da taxa pela emissão de licença para o estabelecimento ou ampliação de postos de combustíveis, prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea l) do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro), corresponde ao de “mangueira abastecedora”, enquanto dispositivo destinado a transferir combustível de um reservatório para um depósito de veículo automóvel, e não ao de “unidade de abastecimento”.

V- A liquidação do tributo previsto no citado art. 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade e da justiça.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l - RELATÓRIO
P………… de Portugal, - P……, S.A., inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja - que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação da taxa devida pela legalização de doze mangueiras abastecedoras existentes no Posto de Abastecimento de Combustível, sito na EN ………, ao Km 1,750-D, ……….., no valor de 16.350,60€, e imposto de selo no montante de 3,00€, da autoria do Director Regional de Setúbal das Estradas de Portugal, S.A., - dela veio interpor o presente recurso.

A culminar as suas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:

« a) A douta sentença recorrida reflecte a ausência de análise crítica sobre todos os elementos de prova constantes nos autos, os quais são essenciais para provar a existência e os termos do pretenso facto tributário, sendo, nessa medida, nula por não especificação dos fundamentos de facto, nos termos dos Artigos 123°, n°2, e 125°do CPPT:
b) Com efeito, como resulta da análise dos pontos B a H da matéria dada por provada na douta sentença recorrida, em 5 de Novembro de 2009, a Entidade Impugnada fiscalizou Posto de Abastecimento de Combustíveis localizado em ………., à margem da EN 261-5, ao Km 1,750-D, e concluiu as 12 mangueiras existentes não estariam licenciadas, pelo que, notificou a Recorrente para pagamento de €16.350.60 correspondente à legalização das referidas mangueiras;
c) Da sentença recorrida não resulta a indicação do meio concreto de prova constante dos presentes autos, através do qual deu como provado o facto tributário em causa em questão, nos termos e para os efeitos do Artigo 111°, n°2, 115°, n°2 do CPPT, Artigos 76°, n°1 da LGT e 362° e ss. do Código Civil;
d) O tributo em causa nos autos apenas se justifica pela verificação de dois factos, o licenciamento ex novo de um posto de abastecimento de combustíveis ou a ampliação do mesmo, conforme dispõe a alínea l), do n°1 do Artigo 15° do Decreto-lei n°13/71, cabendo à Entidade Impugnada em sede da impugnação judicial apresentada pela Recorrente, o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, nos termos do Artigo 74°, n°1 da LGT:
e) O Tribunal a quo não deve ater-se apenas às informações produzidas pela Entidade Impugnada e presumir o facto tributário em questão, sem verificar a existência dos pressupostos da liquidação, em prol da descoberta da verdade material, nos termos do Artigo 111°, n°2 e 115° n°2 do CPPT:
f) Assim, face à fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário em causa, deveria o tribunal a quo ter declarado a presente acção procedente, ao abrigo do disposto nos Artigos 74° da LGT e 100°do CPPT:
g) A taxa de 16.350,60 € liquidada pela Entidade Impugnada carece, pois, de qualquer fundamento fáctico - legal.
h) Sobre a questão da incompetência absoluta geradora da nulidade assacada na impugnação, a sentença recorrida cingiu-se a seguir o Acórdão proferido pela 2° Juízo, 1a Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n°09389/12 datado de 7 de Fevereiro de 2013 - e objecto dos autos de Recurso de Revista n°983/13 que corre termos na 1a Secção do Supremo Tribunal Administrativo - cujo teor é inaplicável aos presentes autos pois apenas sustenta a sucessão das competências da Junta Autónoma de Estradas no IEP - Instituto de Estradas de Portugal, IP;
i) Nessa medida, a douta sentença recorrida entende, erradamente, que a criação do InlR- Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, IP, operada pelo Decreto-Lei n°148/2007 de 27 de Abril, não teria tido qualquer impacto nas atribuições e competências da Entidade Impugnada - transformada em Novembro de 2007 - erro que influi claramente na decisão de mérito nos presentes autos.
j) O erro em que incorre a sentença recorrida reside, precisamente, na tábua rasa que faz da circunstância de que a criação do InlR, operada pelo Decreto-Lei n°148/2007, ocorreu previamente à transformação da EP -E.P.E. na Entidade impugnada.
k) A EP - Estradas de Portugal, E.P.E. foi transformada em sociedade anónima pelo Decreto-Lei n°374/2007, de 7 de Novembro - a Entidade Impugnada - e esta, embora tenha conservado os direitos e obrigações, legais e contratuais que integravam a esfera jurídica daquela, no momento dessa transformação ia não se incluíam aí as atribuições e competências respeitantes aos licenciamentos em questão.
l) Com efeito, na data dessa transformação e na data da entrada em vigor das Bases da Concessão - 1 de Janeiro de 2008 - as atribuições e competências para o licenciamento de infra-estruturas ao longo das estradas nacionais já haviam sido transferidas para o InIR - em 1 de Maio de 2007 - por força dos Artigos 3°, n°3, al. e) e 23°, nºs 1 e 2 Decreto-Lei n°148/2007.
m) Como resulta expressamente do Preâmbulo do Decreto-Lei n°380/2007, a supervisão das infra-estruturas rodoviárias - atribuída ao InIR - implica o exercício de competências que envolvam o respeito por todos os aspectos de segurança das mesmas.
n) Considerando as normas que reflectem o novo paradigma do relacionamento do Estado com o sector das infra-estruturas rodoviária, é possível efectuar um paralelismo entre as normas dos institutos públicos IEP e InIR, designadamente, entre os Artigos 2°, n°1; 6°, nos 1 e 3, als. a) a i) do Decreto-Lei n°227/2002 e do Artigo 4°, n°1, als. b), j) e I) e n°2, al. j) e n); 16°, al. c) dos Estatutos do IEP e, respectivamente, os Artigos 1°, n°1; 3°, n°1; n°3, als. a), c) e e); n°4, als. a) a d); 12°, al. d); 17°, al. a); e 23°, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n°148/2007;
o) Em reforço do sustentado, se no âmbito da sua concessão a Entidade Impugnada não detém qualquer competência para o licenciamento das áreas de serviço que compõem o Estabelecimento da Concessão, como estatui a Base 33, n°7 das Bases da Concessão Rodoviária aprovadas pelo Decreto-Lei n°380/2007, esta não pode deter competências previstas no Decreto-Lei n°13/71 neste âmbito;
p) Acresce que, a via denominada ……….. não consta do PRN 2000 e que o posto de abastecimento de combustíveis objecto do acto impugnado não faz parte da infra-estrutura rodoviária concessionada à Entidade Impugnada;
q) Não existe uma norma de sucessão ou de competências originárias que atribuam à Entidade Impugnada o exercício das competências estabelecidas no Decreto-Lei n°13/71, no que respeita a proibições, a licenciamentos, a autorizações e a aprovações em zona de protecção à estrada definida no seu Artigo 3°;
r) Nesta ordem de razões, o acto impugnado em 1ª instância é nulo pois padece do vício de incompetência absoluta, ou seja, a Entidade Impugnada praticou-o sem que tenha atribuições para tal, nos termos conjugados dos Artigos 1° e 2°. al. c) da LGT, com os Artigos 2°, al. d) e 99°, al. b) do CPPT e os Artigos 2°, n°3 e 133°, n°2. al. b) do CPA, ao contrário do decidido na sentença recorrida;
s) Para a regra contida no Artigo 9°, n°3 do C. Civ. e no Artigo 11°, n°1 da LGT ter alguma validade devemos entender que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento, quando redigiu o Artigo 15°, n°1, al. k), do Decreto-Lei n°13/71 e quando o alterou pelo Decreto-Lei n°25/2004 para a actual al. /), integrando e mantendo na sua fattispecie o conceito de bomba abastecedora de combustíveis e não de mangueira.
t) A bomba abastecedora de combustível é o critério de cálculo da incidência da taxa e não o facto tributário per si e, nessa medida, a sentença recorrida viola o principio da legalidade tributária, sendo anulável, nos termos dos Artigos 1° e 2°, a), c) e 8°, n°1 da LGT, com o Artigo 2°, al. d) do CPPT e os Artigos 2°, n°3 e 135° do CPA.
u) Cada bomba existente pode respeitar a duas posições de abastecimento, sendo esse o factor que determina a organização espacial do posto e não o número de mangueiras, o que é confirmado pelo teor das normas técnicas constantes do Despacho SEOP n°37-XII/92, em concreto, das normas 6.1.2 e 7.3.9..
v) A mangueira é um elemento integrante da bomba abastecedora e, nessa medida, os acrescentos de elementos integrantes dos postos de abastecimento nem vêm, sequer, previstos no Artigo 15° daquele diploma e, pelo contrário, vêm excepcionados no citado Artigo 10°, n°2 deste Decreto-Lei n°13/71.
w) O acto de liquidação impugnado nos presentes autos visa exclusivamente a obtenção de receita fiscal fazendo apelo à utilização de juízos discricionários, ao liquidar uma taxa com base em interpretações sobre a alegada realidade licenciada e sobre o conceito de bomba abastecedora;
x) Sintomático desta conclusão é o facto de os autos não permitirem identificar na íntegra (i) a qual(is) a(s) mangueira(s) objecto do acto de liquidação, (ii) a(s) sua(s) posição(ões) na organização espacial do posto, (iii) o modo como afecta(m) a visibilidade do trânsito ou da estrada (iv) como a(s) mesma(s) consubstancia(m) uma ampliação do posto de abastecimento, ou (v) sequer o combustível que abastece(m);
y) Independentemente do número de mangueiras, apenas uma viatura é abastecida de cada lado da bomba, tendo as mangueiras a ver com o tipo de produto e não com a frequência ou número de viaturas a abastecer;
z) A liquidação das taxas pelo número de mangueiras que se verifica no caso impõe a conclusão de que há, no caso, violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça consagrados, no Artigo 266°, n°2 da CRP e com expressa referência, no plano da lei ordinária, no Artigo 55° da LGT e nos Artigos 5° e 6° do CPA;
aa) Por tudo o exposto a sentença a quo violou, por errada interpretação e aplicação, todas as normas jurídicas acima indicadas, designadamente, as constantes dos Artigos 1°; 2°, 3°, 10°, nºs 1, al. c) e 2, 11°, 12° e 15°, n°1, al. /) do Decreto-Lei n°13/71; os Artigos 3°, nºs 3, al. e) e 4, 23°, n°1 do Decreto-Lei 148/2007; os Artigos 2°, 4°, 8° e 10°, nºs 1 e 2, al. c), do Decreto-Lei n°374/2007 de 7 de Novembro; a Base 33, n°7, das Bases de Concessão Rodoviária aprovadas pelo Decreto-Lei n°380/2007 de 13 de Novembro, e aplicou uma norma inconstitucional, devendo como tal ser anulada.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências que desde já se invoca, deve ser dado provimento ao recurso e anulada a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, com o que será feita, Justiça! ».

A Recorrida, EP- Estradas de Portugal, S.A., notificada da admissão do recurso, apresentou contra-alegações que encerrou no seguinte quadro conclusivo:
«A) A sentença proferida nos autos é justa porque, analisando objetivamente os factos, fez correia aplicação do direito - essencialmente o estatuído no Decreto-Lei nº13/71 de 23 de janeiro e a Constituição da República;
B) O número de mangueiras de um PAC tem a ver com o tipo e a variedade de produtos que podem ser abastecidos pelo que, quanto mais tipos de produtos tiver, quantas mais mangueiras existirem, mais procura e benefício terá o Posto de Abastecimento porque abarcará todo o tipo de veículos e de necessidades de abastecimento de combustíveis;
C) A existência das mangueiras e do PAC tem influência direta no acesso ao Posto e nas saídas do Posto, de e para a estrada, estando diretamente correlacionadas com a perigosidade face à segurança rodoviária que se deseja no que respeita às estradas nacionais, no caso a Estrada Nacional nº265-1;
D) Não existe inconstitucionalidade do Artigo 15º nº1, l) do Decreto-Lei nº25/2004 de 24 de janeiro -porquanto há que entender que a base tributária, de incidência objetiva, reside no número de mangueiras e não nas bombas abastecedoras;
E) E irrelevante o facto de as bombas permitirem um só abastecimento simultâneo, ou 2, 3, 4 abastecimentos de viaturas ao mesmo tempo, já que a frequência e a procura de abastecimento é tanto maior quanto maior for a diversidade de oferta de produtos e o número de mecanismos aptos ao abastecimento;
F) A procura do estabelecimento de combustíveis implica maiores entradas e saídas de, e para a, estrada nacional que confina com o mencionado posto de combustíveis, dados objectivos e já jurisprudencialmente fixados;
G) Resulta das Bases da Concessão e do Decreto-Lei nº374/07 de 7 de Novembro, dos Estatutos da E P, SA, da interpretação do espírito do legislador, que plasmou no preâmbulo do DL 347/07 de 7/11, a vontade geral de atribuição de poderes de autoridade de estradas na EP - Estradas de Portugal, SA;
H) Os poderes conferidos à EP - Estradas de Portugal, SA, ao contrário do que pretende a impugnante, não são reduzidos, são os relativos a todas as estradas previstas no Plano Rodoviário Nacional (PRN2000);
I) Os poderes de autoridade estão igualmente definidos, no que respeita à zona da estrada, na legislação especial que é o Decreto-Lei nº13/71 de 14 de Setembro, actualizado pelo Decreto-Lei nº25/2004 de 24 de Janeiro.
J) Por fim, que não menos importante, a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo é perfeitamente esclarecedora quando reconhece à EP — Estradas de Portugal, SA o inegável direito de cobrar taxa por mangueiras instaladas em postos de combustíveis;
Acresce, de modo esclarecedor, que,
K) O STA identifica até, mais especificamente, que o tributo devido à EP, SA incide sobre as mangueiras abastecedoras (em PACs) no sentido em que é entendido ser o dispositivo destinado a transferir combustível de um reservatório para um depósito de veículo automóvel e não se refere a legislação aplicável à unidade de abastecimento, vulgo, a bomba;
L) Entre outros, todos no mesmo sentido, ditam tal decisão os Acórdãos do STA de 17 de Junho de 2009, proferido no processo nº263/09, e o de 16 de Setembro de 2009, proferido no processo n°327/09 – Com cópias nos autos;
M) Também ao nível da primeira instância Tributária vem, sistematicamente, sendo negado provimento à arguição de nulidade da aplicação de taxa por mangueira abastecedora de combustível, sendo julgada a taxa como proporcional e constitucional;
N) Realmente só nos primeiros tempos, em 1971, era normal a existência de uma só mangueira por bomba, mas tal situação evoluiu, a legislação e o Direito também;
O) A taxa por mangueira de combustível é justa e proporcional, estando o valor unitário fixado por lei habilitante e reconhecida a constitucionalidade da taxa.
No mais, dá-se por reproduzida a matéria constante da contestação e das alegações do Artigo 120º do CPPT, apresentadas nos autos pela EP- Estradas de Portugal. SA.

Nestes termos e nos mais de Direito se requer a V, Exas que seja julgado totalmente improcedente o presente recurso instaurado pela impugnante Petróleos de Portugal - Petrogal, SA, confirmando-se, a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, aliás de acordo com o que vem sendo decidido pelo nosso Supremo Tribunal Administrativo.».

Neste Tribunal Central o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que, in casu, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

- É nula a sentença recorrida por nela se não mostrarem especificados os fundamentos de facto da decisão?

- E padece de erro de julgamento por, face ao probatório, não ter concluído pela fundada dúvida sobre a existência de facto tributário?

- A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar competente a EP – Estradas de Portugal, SA, para a liquidação da taxa impugnada?

- E em erro de julgamento sobre os pressupostos de direito no que se refere aos pressupostos da obrigação de pagamento da taxa em questão (incidência da taxa sobre as mangueiras versus sobre as bombas abastecedoras) e à aplicação do artigo 15.º do Decreto – Lei n.º 13/71 de 23 de janeiro, por esta ser materialmente inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça?

Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja foi dada como provada e com relevo para a apreciação do mérito dos autos a seguinte matéria de facto:

A) A Impugnante tem como objecto social principal a refinação de petróleo bruto e seus derivados, transporte, distribuição e comercialização de petróleo bruto e gás natural, pesquisa e exploração de petróleo bruto e gás natural, quaisquer outras actividades industriais, comerciais, de investigação ou de prestação de serviços conexos (cf. artigo 6° da pi);

B) A impugnante explora o posto de abastecimento de combustível sito no EN ………., km 1,750 - D, em Santiago do Cacem (cf. preambulo da pi e artigo 1° da contestação);

C) Este posto de abastecimento foi fiscalizado pela EP -Estradas de Portugal, SA - cf. ficha de recolha de dados da fiscalização a fls. 25 a 29 do PA junto;

D) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2009.11.12, a Impugnante foi notificada para se pronunciar sobre o projecto de decisão da EP - Estradas de Portugal, SA, de aplicação da taxa de € 13 636,30, correspondente a: (i) € 3,00 a título de imposto de selo; (ii) € 16 374,60, relativa à taxa devida pela legalização do número de mangueiras existentes no PAC, calculada nos termos da alínea I), do n°1 do artigo 15°, do Decreto-Lei n°13/71, de 23 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n°25/2004, de 24 de Janeiro (cf. fls. 13 a 15 do PA);

E) Em 2009.12.09 a Impugnante pronunciou-se por escrito pedindo o arquivamento do processo de liquidação e cobrança das taxas relativas às mangueiras das bombas de abastecimento (cf. fls. 18 a 20 do PA);

F) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2009.12.15, constante de fls. 7 a 9 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foram prestados esclarecimentos sobre a base de incidência da taxa em causa;

G) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2010.01.05, a Impugnante foi notificada para efectuar o pagamento de € 16 350,60, correspondente à legalização de 12 mangueiras abastecedoras, acrescido de €3,00 de imposto de selo (cf. fls 1 a 2 do II vol. do PA);

H) Em 2010.03.11, a presente impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (cf. fls. 91 dos autos);

I) O posto de abastecimento em causa é constituído por 2 ilhas de abastecimento com 2 bombas abastecedoras e 12 mangueiras;

J) Permitindo o abastecimento de 4 veículos em simultâneo.

3.2. Mais ficou consignado, a título de «Factos não provados» que «Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram outros factos» e, em sede de «Motivação da decisão de facto» que «A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas que os confirmaram, com boa e demonstrada razão de ciência, isentas e credíveis. Por outro lado, valeram ainda as fotografias do posto de abastecimento juntas aos autos.».

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

São várias as questões suscitadas no presente recurso, tal como, oportunamente, as deixámos autonomizadas.

4.1. Considerando que nas conclusões a) a c) a Recorrente defende que se verifica a nulidade da sentença recorrida, por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, invocando, para tal, os artigos 123º, n.º 2 e 125º, nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, apenas referenciado por CPPT) é por esta que iniciaremos a nossa apreciação, salientando, desde já, que, grosso modo, o entendimento por aquela professado assenta na alegação de que a sentença “reflecte a ausência de análise crítica sobre todos os elementos de prova constantes nos autos”, da qual “não resulta a indicação do meio concreto de prova constante dos presentes autos, através do qual deu como provado o facto tributário em causa, isto é, a matéria constante dos pontos B a H da matéria de facto provada.

Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, realizando, antes da análise do caso concreto, um breve enquadramento legal, jurisprudência e doutrinal do vício fulminante imputado à sentença.

Assim, do ponto de vista legal, a nulidade da sentença encontra-se prevista no artigo 125.º do CPPT, aí se dispondo que constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão (à semelhança, aliás, do que se mostrava previsto, na data de prolação da sentença, no artigo 668º, nº1, al. b) do Código de Processo Civil e com acolhimento mantido no actual artigo 615º, n.º 1 al. b) do mesmo diploma legal), constituindo essa fundamentação um dever imposto pelo artigo 123º, nº2 do CPPT: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.

A jurisprudência, na apreciação dos pressupostos de verificação desta nulidade, tem vindo a assumir, de forma pacífica e em inúmeros arestos, que só é de julgar verificada esta nulidade quando ocorra uma falta absoluta de fundamentação, afastando, desta forma, o julgamento de preenchimento dos seus pressupostos quando a mesmas se evidencie, tão só, como incompleta ou incorrecta. Ou seja, “a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.». (1)

E esta é, também, a posição que vingou, desde cedo, na doutrina, como se constata pelo comentários deixados por Alberto dos Reis no seu Código de Processo Civil Anotado, aí chamando, nesta matéria, a atenção para a importância de se realizar uma “distinção cuidadosa entre a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. (2)

No caso concreto, é manifesto que na sentença recorrida estão bem explicitados os fundamentos de facto (e de direito) que se julgaram relevantes para a decisão proferida no sentido de se julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação da taxa impugnada e que o Tribunal procedeu a uma devida apreciação crítica da prova, seleccionando e externando os elementos de prova em que assentou aquele julgamento de facto e a sua convicção (cfr. ponto III supra).

Efectivamente, a Meritíssima Juiz descriminou os factos provados e não provados, ainda que, relativamente a estes últimos (que a Recorrente, de resto, expressamente não questiona), se tenha limitado a referir, de forma sintética, que “Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram outros factos.”.

Aliás, relativamente à fundamentação da matéria de facto, mormente das alíneas A) a H), cuja fundamentação especificada é questionada pela Recorrente, não logra, sequer, este Tribunal perceber as razões que determinaram a Recorrente a efectuar esta arguição uma vez que o seu acolhimento no probatório foi realizado tendo por referência as suas próprias alegações, os documentos que por si foram apresentados ou outros documentos para os quais, também no seu articulado inicial, remetia (cfr., em especial, factualidade vertida nas alíneas a), b), c), d), e), g) e h) e artigos 6º a 16º da petição inicial).

Os quais, como essa mesma atenta análise do julgamento de facto revela, não só se encontram devidamente identificados a propósito de cada um dos factos em apreço, como são apontados como constituindo os elementos fundamentadores da convicção do Tribunal: «A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas que os confirmaram, com boa e demonstrada razão de ciência, isentas e credíveis. Por outro lado, valeram ainda as fotografias do posto de abastecimento juntas aos autos».

Donde, não se nos afigura que possam subsistir dúvidas e, salvo o devido respeito, ser mesmo patente que a Meritíssima Juiz especificou os fundamentos de facto da decisão.

É certo que, como alerta Jorge Lopes de Sousa, em inequívoca compatibilidade de posição com a demais doutrina e jurisprudência, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto (3) .

Porém, os factos provados cuja falta de fundamentação vem invocada, como claramente resulta da redacção que lhes foi imprimida, foram dados como assentes com base em documentos, isto é, fundou-se na prova documental constante dos autos, a qual, como é sabido, possui um valor objectivo, isto é, revelam eles mesmos as “razões porque se decidiu dar como provados determinados factos”, sendo, nessas situações, suficiente “a mera indicação dos meios de prova, sem prejuízo de se fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou quando existirem documentos que apontem em sentidos contraditórios(4), sendo que tal, pese embora a afirmação conclusiva da Recorrente em sentido contrário, não se verifica no caso concreto, como melhor se apreciará, a propósito do erro de julgamento de facto que igualmente também vem imputado à sentença recorrida.

Em suma: porque os factos constantes do probatório se mostram devidamente suportados nos documentos constantes dos autos e expressamente identificados a propósito de cada um dos factos descritos, o que, de per si, é suficiente para que se conclua pela existência e suficiência da especificação dos fundamentos de facto imposta pelo artigo 123º do PPT, a final se julgará improcedente a arguida nulidade da sentença que naquela falta de especificação se estribou.

4.2. Do erro de julgamento de facto

Ainda que de forma muito confusa e, definitivamente, tecnicamente pouco rigorosa, parece, poder ainda concluir-se (da conjugação das alegações de recurso com as conclusões formuladas), que a Recorrente também imputa à sentença recorrida erro de julgamento de facto por, face ao probatório, não ter o Tribunal concluído pela fundada dúvida sobre a existência de facto tributário por a Administração Tributária não ter provado a verificação dos pressupostos da tributação, limitando-se o Tribunal a quo, e após dar apenas relevo às informações produzidas pela Entidade Impugnada, a presumir a existência do facto tributário em questão.

Tudo, defende, em violação do preceituado no artigo 74º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (doravante, apenas designada por LGT) e 100º do CPPT.

O conjunto de alegações vertidas nas conclusões c) a f), e que ora, em súmula nossa, reproduzimos, revela, com o devido respeito, alguma confusão de conceitos, cuja clarificação importa de imediato realizar por forma a que as várias (sub) questões de facto e de direito naquelas equacionadas possam ser devidamente enquadradas e a decisão que venha a ser tomada se revele compreensível.

A razão destas considerações prévias, como está bem de ver, prende-se, desde logo, com o facto de ser incorrecto afirmar-se que houve erro de julgamento de facto por o Tribunal não ter concluído pela existência de fundada dúvida. Se o Tribunal, face aos factos apurados, não conclui, mal, pela existência de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário e, consequentemente pela anulação da liquidação, diz-se que errou de direito ou no julgamento de direito realizado. Se o Tribunal errou na fixação dos factos apurados, designadamente por não ter dado como demonstrados factos cuja prova foi efectivamente efectuada e de cuja consideração resultaria, necessariamente, dúvida fundada sobre aquela existência, diz-se que errou de facto ou na valoração da prova produzida.

No âmbito daquele primeiro (julgamento de facto) actua o artigo 74º da LGT. No âmbito do segundo (julgamento de direito) opera o artigo 100° do CPPT. Da conjugação de ambos resulta que o acto tributário deve ser anulado desde que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário (ou quantificação da matéria tributável).

São, pois, situações distintas e cujos rigorosos contornos, in casu, é indispensável ter presentes, já que, ainda que numa amálgama de alegações, a Recorrente consegui simultaneamente invocar o erro de julgamento de facto e sustentar o erro de direito de que, nesta parte, a sentença padecerá.

Por outro lado, ainda que relacionadas, também se não pode confundir erro na valoração da prova, ónus probatório e erro de direito. Uma coisa é o Tribunal errar na apreciação da prova, designadamente por, não valorando positivamente um determinado elemento de prova, dar como não provado um facto que aquele documento incontestavelmente demonstraria. Outra, a operatividade das regras de ónus da prova e a sua aplicação face à prova produzida, sendo certo que, ainda que com reflexos no julgamento de facto, uma errada interpretação ou aplicação do ónus da prova também constitui, em si, um erro de direito.

Tendo presentes estas considerações, avancemos, agora, em ordem a concluir se, numa ou outra das vertentes postas em concurso (erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito) lhe assiste razão, o que fazemos, começando por transcrever, na parte relevante, o que se encontra estabelecido nos dois artigos que a Recorrente chamou à colação: «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (artigo 74.º n.º 1 da LGT); «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.» e, salientando que «a “prova produzida” de que há - de resultar “a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário” há - de ser, não só a prova aduzida pelas partes como também e sobretudo a prova que ao juiz se impõe diligenciar. (…). A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se «fundada» se assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante. Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário. Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos (…). Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível concluir-se pelo fundamento daquela dúvida. (…)». (5)

Tendo em conta o que vimos dizendo, os factos apurados e o teor do preceito em último transcrito, facilmente se conclui não assistir minimamente razão à Recorrente quando defende que, perante o probatório, o Tribunal não podia senão concluir pela fundada dúvida sobre a existência de facto tributário.

Efectivamente, para que o Tribunal pudesse concluir pela “fundada dúvida” era necessário que da factualidade assente resultasse essa mesma dúvida, isto é, que perante os factos apurados o Tribunal não pudesse concluir (sem dúvida) se o facto tributário existe ou não.

O que, salvo o devido respeito, não acontece.

Desde logo, porque resultou provado que a liquidação de que foi destinatária, se reportava à legalização das 12 mangueiras abastecedoras, relativamente às quais não havia licenciamento (vide, em especial, alínea G) do ponto III supra).

Por outro lado, porque, como igualmente se constata do julgamento de facto, a alegada existência de licenciamento, tal como os demais factos invocados como suporte da pretensão anulatória da Impugnante, resultou não provada.

É certo, não o pretendemos escamotear, a Recorrente, repita-se, ainda que de forma muito imperfeita, parece também pretender questionar os factos não provados quando, em defesa da sua tese de “fundada dúvida sobre a existência de facto tributário”, convoca o documento de fls. 24 a 29 do processo instrutor, a sua alegação de existência de licenciamento e as regras em matéria de ónus da prova, concluindo que, tendo alegado tal facto, era à Recorrida, enquanto entidade que se arrogava o poder e o dever de liquidar, que caberia provar os pressupostos daquela liquidação.

Porém, para além desta aparente impugnação da matéria de facto estar bem longe de uma observância, num patamar mínimo, dos requisitos imperativamente consagrados no artigo 685-B do Código de Processo Civil (vigente à data da interposição do recurso e, nessa medida, imperante em matéria de exigências processuais) já que a Recorrente não identificou nas suas conclusões expressamente nem a concreta factualidade cujo apuramento ou não apuramento se lhe afigurava correcto, nem os meios probatórios, constantes do processo, que, em seu entender, imporiam decisão de facto diversa da recorrida [al. a) e b) do n.º 1 do mesmo art.º 685-B], o que, só por si, determinaria a rejeição, nesta parte, do recurso, também a sua pretensão de ver inclusa na matéria de facto o alegado licenciamento ou afastada a matéria da alínea G) e, consequentemente, afastada a verificação dos pressupostos da liquidação ou instalada a dúvida sobre a sua existência poderia ser acolhida pois, como se julgou na sentença recorrida, daquela existência de licenciamento prévio não foi feita prova.

E, diga-se desde já e para que não subsistam dúvidas, julgou-se bem, já que o referido documento constante do processo instrutor de fls. 24 a 29 não reúne, pela sua natureza de “projecto de instalação” força bastante para sustentar a prova de existência do invocado “licenciamento”, para não mencionar que do mesmo documento consta, em sede de “Observações Gerais” que «Não foi encontrado alvará do PAC” e que «A data de validade do alvará é fictícia.». Ou seja, resulta, podemos até afirma-lo, linearmente da análise crítica de todos os documentos constantes dos autos e do probatório que naquela se suportou, que a Recorrida provou os pressupostos de facto legitimadores da liquidação, os factos constitutivos do seu direito de liquidar: existência do PAC, das bombas e das mangueiras objecto de tributação e inexistência prévia de licenciamento. E que a Recorrente não logrou provar o facto por si alegado, demonstrativo da inexistência daquele direito de liquidar ou que, provado que fosse, criaria, no mínimo (e suficientemente) a dúvida sobre a existência do facto tributário: a existência de prévio licenciamento para aquelas mangueiras, designadamente juntando aos autos a prova documental que determinaria de forma inequívoca o reconhecimento do seu direito: a licença em causa.

Tudo por quanto a Recorrente se bateu, quer durante o procedimento administrativo, quer na petição de impugnação, quer, por último, neste recurso (e talvez por isso, a forma enviesada como as alegações e as conclusões, nesta parte, surgem formuladas), foi, pois, pela criação da dúvida sobre o facto tributário, cuja prova sobre si recaía e no que, como o revelam os factos provados e não provados, não obteve sucesso, desta forma comprometendo em definitivo qualquer hipótese de o Tribunal dar como verificada a fundada dúvida sobre o facto tributário.

4.3. Avançando, agora, nas questões relativas aos erros de julgamento de direito, que inequivocamente se colocam como nucleares, impõe-se, então, que apreciemos da alegada (i) incompetência absoluta da Recorrida para emitir a liquidação impugnada; (ii) do acerto da interpretação do conceito de bomba abastecedora de combustível para efeito do disposto na alínea l) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro perfilhado pelo Tribunal a quo e, ainda, (iii) da alegada violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça.

Considerando que sobre estas questões e em semelhantes quadros de facto e direito (sem que, neste contexto ou questões em apreço, as diferenças de facto assumam qualquer relevância), tem vindo a ser sucessivamente produzidas múltiplas decisões dos nossos Tribunais Superiores todas no mesmo sentido, limitar-nos-emos, nesta parte, a aderir aos fundamentos aí invocados e que, sem reservas, subscrevemos, por adesão ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30-4-2014 (processo 6992/13), igualmente convocado em múltiplos arestos deste Tribunal (de que constitui mero exemplo o Acórdão. de 15-5-2014, proferido no processo n.º 7167/13, disponíveis, um e outro, in www.dgsi.pt).

“A Recorrente aponta que relativamente à sucessão de entidades públicas envolvidas desde a extinta JAE até à Entidade Recorrida, a douta sentença recorrida entende, erradamente, que a criação do InIR - Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias, IP, operada pelo Decreto-Lei nº 148/2007 de 27 de Abril, não teria tido qualquer impacto nas atribuições e competências da Entidade Recorrida - transformada em Novembro de 2007 - erro que influi claramente na decisão de mérito nos presentes autos, sendo que o erro em que incorre a sentença recorrida reside, precisamente, na tábua rasa que faz da circunstância de que a criação do InIR, operada pelo Decreto-Lei nº 148/2007, ocorreu previamente à transformação da EP - E.P.E. na Entidade Recorrida, verificando-se que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. foi transformada em sociedade anónima pelo Decreto-Lei nº 374/2007, de 7 de Novembro - a Entidade Recorrida - e esta, embora tenha conservado os direitos e obrigações, legais e contratuais que integravam a esfera jurídica daquela, no momento dessa transformação já não se incluíam aí as atribuições e competências respeitantes aos licenciamentos em questão.

Com efeito, na data dessa transformação e na data da entrada em vigor das Bases da Concessão - 1 de Janeiro de 2008 - as atribuições e competências para o licenciamento de infra-estruturas ao longo das estradas nacionais já haviam sido transferidas para o InIR - em 1 de Maio de 2007 - por força dos Artigos 3º, nº 3, al. e) e 23º, nºs 1 e 2 Decreto-Lei nº 148/2007 e como resulta expressamente do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 380/2007, a supervisão das infra-estruturas rodoviárias - atribuída ao InIR - implica o exercício de competências que envolvam o respeito por todos os aspectos de segurança das mesmas, daí que, no quadro destas razões e por qualquer das vias sustentadas, o acto impugnado objecto da acção interposta em 1ª Instância é nulo, por incompetência absoluta, nos termos do Artigo 133º, nº 2, al. b) do CPA, como sempre sustentado nos autos.

Em reforço do sustentado, se no âmbito da sua concessão a Entidade Recorrida não detém qualquer competência para o licenciamento das áreas de serviço que compõem o Estabelecimento da Concessão, como estatui a Base 33, nº 7 das Bases da Concessão Rodoviária aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, esta não pode deter competências previstas no Decreto-Lei nº 13/71 neste âmbito, pois que o exercício das competências de licenciamento na zona de protecção à estrada, tal como definida no Decreto-Lei nº 13/71, justifica-se com aspectos de segurança da mesma e não com uma pretensa actividade de exploração das infra-estruturas rodoviárias concessionadas e não existe uma norma de sucessão ou de competências originárias que atribuam à Entidade Recorrida para o exercício das competências estabelecidas no Decreto-Lei nº 13/71, no que respeita a proibições, a licenciamentos, a autorizações e a aprovações em zona de protecção à estrada definida no seu Artigo 3º.

Nesta ordem de razões, o acto impugnado em 1a instância é nulo pois padece do vício de incompetência absoluta, ou seja, a Entidade Impugnada praticou-o sem que tenha atribuições para tal, nos termos conjugados dos Artigos 1º e 2º. al. c) da LGT, com o Artigo 2º, al. d) do CPPT e os Artigos 2º, n.º 3 e 133º, n.º 2, al. b) do CPA, ao contrário do decidido na sentença recorrida.

Nesta matéria, cabe notar, tal como se aponta no Ac. do T.C.A. de 09-07-2013, Proc. nº 05766/12 , www.dgsi.pt, que “… tal taxa foi criada pelo Dec-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, tendo sido actualizada por diversos diplomas legais posteriores, então da área de jurisdição da Junta Autónoma de Estradas e nos termos do seu art.º 15.º, as taxas a pagar por autorização ou licença, previstos nos actos elencados nas suas alíneas a) a k), onde nesta previa a taxa pelo estabelecimento ou ampliação de postos de combustíveis, por cada bomba abastecedora de combustível: 12 000$.

A tal Junta, que havia sido criada em 1927, veio a suceder a EP – Estradas de Portugal, E.P.E., pelo Dec-Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, tendo a ora EP – Estradas de Portugal, SA, por força do disposto, entre outros, no art.º 2.º do Dec-Lei n.º 374/2007, de 7 de Novembro, vindo a suceder na universalidade dos direitos e obrigações daquela primeira, sendo que o InIR foi criado pelo Dec-Lei n.º 148/2007, de 27 de Abril, veio a suceder a esta última, mas só nas matérias relativas à supervisão das infra-estruturas rodoviárias, como desde logo ressalta do preâmbulo do Dec-Lei n.º 132/2008, de 21 de Julho, e do art.º 23.º, n.º1 daquele diploma que o criou, continuando a EP com as restantes competências, não inseridas nestas matérias não atribuídas ao InIR, continuando o art.º 13.º, n.º1, alínea c) do Dec-Lei n.º 374/2007, de 7 de Novembro, a prever que constituem suas receitas, o produto das taxas cobradas, pelo que, tal como na sentença recorrida, se entende que a mesma continua a deter as atribuições previstas no citado art.º 15.º do Dec-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, de autorização ou licenciamento de estabelecimentos ou ampliação de postos de combustível, instalados na sua área de jurisdição, bem como a liquidar e a cobrar as correspondentes taxas por esses factos, pelo que não padece a taxa impugnada dos vícios que a recorrente lhe imputa e a sentença que também assim entendeu deve ser confirmada, …”, sendo que não se detecta na alegação da Recorrente matéria capaz de impor uma análise diferente da plasmada no aludido aresto.

A Recorrente refere ainda que para a regra contida no Artigo 9º, nº 3 do C. Civ. e no Artigo 11º, nº 1 da LGT ter alguma validade devemos entender que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento, quando redigiu o Artigo 15º, nº 1, al. k), do Decreto-Lei nº 13/71 e quando o alterou pelo Decreto-Lei nº 25/2004 para a actual al. 1), integrando e mantendo na sua fattispecie o conceito de bomba abastecedora de combustíveis e não de mangueira, sendo que a bomba abastecedora de combustível é o critério de cálculo da incidência da taxa e não o facto tributário por si e, nessa medida, a sentença recorrida viola o principio da legalidade tributária, sendo anulável, nos termos dos Artigos 1º e 2º, al. c) e 8º, nº 1 da LGT, com o Artigo 2º, al. d) do CPPT e os Artigos 2º, n.º 3 e 135º, do CPA, pois que cada bomba existente respeita a duas posições de abastecimento, sendo esse o factor que determina a organização espacial do posto e não o número de mangueiras e a mangueira é um elemento integrante da bomba abastecedora como consta e, nessa medida, os acrescentos de elementos integrantes dos postos de abastecimento nem vêm, sequer, previstos no Artigo 15º daquele diploma e, pelo contrário, vêm excepcionados no citado Artigo 10º, n.º 2 deste Decreto-Lei n.º 13/71.

Neste âmbito, deparamos com o Ac. do T.C.A. Sul de 07-12-2011, Proc. nº 3767-10 , ao que se crê ainda inédito, onde se ponderou que “quanto ao cerne da realidade em discussão nos autos relacionado com o conceito de “bomba abastecedora de combustível” para efeitos da (actual) alínea l do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro (na redacção do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de Janeiro), importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. de 16-09-2009, Proc. nº 0327/09, www.dgsi.pt, que aqui se subscreve, com a devida vénia, onde se aponta que “… Questão essencialmente idêntica à dos presentes autos, que se resume a uma questão de interpretação de um conceito utilizado em norma de incidência tributária, foi resolvida por Acórdão deste Supremo Tribunal do passado dia 17 de Junho de 2009, proferido no recurso n.º 263/09.

Consideramos não haver razões para divergir do então decidido, acompanhando, pois, a argumentação aí expendida e a decisão então tomada, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil).

Escreveu-se no citado aresto:

“A única questão que vem controvertida no presente recurso prende-se em saber da interpretação do conceito de bomba abastecedora de combustível para efeito do disposto na alínea l) do artigo 15.º do DL n.º 13/71, de 23 de Janeiro.

Dispõe este normativo (redacção do DL n.º 25/04, de 24/01) o seguinte:

Artigo 15.º, n.º 1 – Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes: (…)

alínea l)- Pelo estabelecimento ou ampliação de postos de combustíveis, por cada bomba abastecedora de combustível - € 1362,30.

A sentença sob recurso concluiu que a cobrança dessas taxas deve ser feita com referência ao número de mangueiras de abastecimento de combustível e daí que tenha julgado improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação que foi feita com base nesse entendimento.

Para tanto, ponderou-se, em suma, nos seguintes termos:

“Ora, o conceito de bomba abastecedora de combustível previsto no DL 13/71 tem de ser interpretado como o equipamento que permite a extracção de combustível de um reservatório, e a sua colocação num receptáculo.

Assume pois especial relevo não só o mecanismo de extracção de combustível do reservatório onde está depositado (bomba), mas também a capacidade de o conduzir, uma vez extraído, para outro local adequado, em regra, o depósito dos automóveis.

O mecanismo de bombagem surge assim indissociavelmente ligado à mangueira, pois só por seu intermédio se preenche o conceito legal em causa, e o espírito da norma, que é, precisamente, o abastecimento de combustível. Não há combustível sem bomba, tal como não há abastecimento sem mangueira, diremos nós. [Como se afirma na decisão recorrida: “No Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa vem definida bomba como máquina ou dispositivo para elevar o nível de um líquido ou fazê-lo fluir em determinada direcção e bomba de gasolina como artefacto mecânico destinado a transferir gasolina para outro recipiente.// Este conceito de bomba coincide com o que a Impugnante designa de mangueira, parte exterior de um artefacto mecânico através do qual a gasolina, ou outro combustível, é transferido de um recipiente (depósito da bomba) para outro (depósito do veículo a abastecer)”].

Assim sendo, faz sentido que por cada possibilidade de saída de combustível, possibilidade essa que cada mangueira tem subjacente, se considere que estamos na presença de uma bomba; até porque, é facto público e notório que cada mangueira só abastece um tipo de carburante.

Este entendimento não é posto em causa pelo facto de várias mangueiras partilharem equipamentos, nomeadamente contadores, por razões de economia ou de espaço.

Assim, o legislador ao recorrer à expressão “por cada bomba abastecedora de combustível” quis tributar individualizadamente cada um dos equipamentos que permitem o abastecimento de combustíveis, equipamentos esses quantificáveis através do número de mangueiras.”

Insurgindo-se contra esse entendimento, vem a recorrente defender na sua alegação de recurso que o conceito de bomba abastecedora de combustível dever ser entendido como unidade de abastecimento, enquanto indicador da função económica do posto e respectiva capacidade, sendo certo que a mangueira é apenas um dos equipamentos dessa bomba, argumentando ainda com o facto de, com o artigo 2.º, alínea b) do DL n.º 246/92 ter sido abandonado o conceito de bomba abastecedora.

Não se crê que razão alguma assista à recorrente.

Com efeito, subscreve-se na íntegra o que impressivamente se afirma no extracto que acima foi feito da sentença recorrida, em que se considera que a base da incidência da taxa em causa se afere por cada possibilidade de saída de combustível, a qual se encontra indissociavelmente ligada à componente visível, por exterior, da bomba abastecedora de combustível (a mangueira).

Sendo assim, encontrando-se acoplado a cada mangueira um mecanismo de bombagem, apresenta-se como decorrência irrefragável o entender-se que a base de incidência de tributação da taxa prevista na alínea l) do artigo 15.º do DL n.º 13/71 seja aferida por cada mangueira licenciada a instalar.

E não se diga que o conceito de bomba abastecedora de combustível foi abandonada pelo legislador, como o faz a recorrente (…).

Na verdade, a nova redacção introduzida pelo DL n.º 25/04, de 24/01, à aludida alínea l) do artigo 15.º manteve o conceito em causa, o que não pode deixar de significar que o mesmo não é confundível com o de unidade de abastecimento constante da alínea b) do artigo 2.º do DL n.º 246/92, de 30 de Outubro.

Aliás, o conceito que se defende é o que melhor se compagina com a necessidade de prevenir as condições de segurança e circulação nas estradas, tributando o risco rodoviário acrescido que resulta do maior número de saídas de combustível licenciadas”, pelo que não tendo sido avançados novos argumentos tendentes a reexaminar tal questão, e também se não vendo que outros possam existir, igualmente se renova a adesão à aludida posição e se nega provimento ao recurso quanto a esta questão.

A Recorrente sustenta ainda que o acto de liquidação impugnado nos presentes autos visa exclusivamente a obtenção de receita fiscal e não resulta de um sinalagma proveniente do exercício do zelo pela segurança da circulação ou do impacto nas condições de segurança da circulação imanente á construção ou existência do posto de abastecimento em causa e sintomático desta conclusão é o facto de os autos permitirem identificar na íntegra (i) a qual(is) a(s) mangueira(s) objecto do acto de liquidação, (ii) a(s) sua(s) posição(ões) na organização espacial do posto, (iii) o modo como afecta(m) a visibilidade do trânsito ou da estrada (iv) como a(s) mesma(s) consubstancia(m) uma ampliação do posto de abastecimento, ou (v) sequer o combustível que abastece(m), além de que, independentemente do número de mangueiras, apenas uma viatura é abastecida de cada vez, tendo as mangueiras a ver com o tipo de produto e não com a frequência ou número de viaturas a abastecer, sendo a conclusão da sentença recorrida relativa ao risco rodoviário sobrevindo do maior número de saídas de combustível infundada e destituída de qualquer sentido factual ou de justificação nas normas técnicas constantes do Despacho SEOP nº 37-XII/92, em concreto, das normas 6.1.2 e 7.3.9., concluindo que liquidação das taxas pelo número de mangueiras que se verifica no caso impõe a conclusão de que há, no caso, violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça consagrados, no Artigo 266º, n.º 2 da CRP e com expressa referência, no plano da lei ordinária, no Artigo 55º da LGT e nos Artigos 5º e 6º do CPA.

Pois bem, e retomando o descrito Ac. do T.C.A. de 09-07-2013, Proc. nº 05766/12, www.dgsi.pt, “quanto à invocada inconstitucionalidade material por ofensa daqueles dois princípios, na interpretação daquela norma no sentido que acima se considerou como relevante, não se alcança como pode a mesma padecer desses invocados vícios, já que a tributação por cada um dos equipamentos que permitem o abastecimento de combustíveis, ao tempo em que a norma foi criada, tende a equivaler hoje ao número de mangueiras existentes em cada local de abastecimento de combustíveis, em que cada mangueira, em regra, contém um diverso tipo de combustível, como é do conhecimento geral, aproveitando a instalação de equipamentos comuns, como sejam de medição e de preços e de ocupação de espaço, traduzindo-se também em vantagens económicas as actuais possibilidades técnicas de reunirem numa única bomba abastecedora diversas mangueiras ao invés de instalarem em cada bomba uma única mangueira, não se descortinando por isso a violação dos invocados princípios constitucionais.

Também tal imposição não pode padecer de inconstitucionalidade orgânica por se tratar de um imposto, já que a mesma surge como a contrapartida jurídica de uma autorização ou licença - cfr. art.º 15.º do citado Dec-Lei n.º 13/71 - ou seja em áreas onde a actividade dos particulares não é livre mas sim condicionada, pelo que mesmo hoje, à luz do disposto no art.º 4.º, n.º2 da LGT, a mesma é subsumível no conceito de taxa consistente, no caso, na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, como de resto constitui jurisprudência corrente , que igualmente se secunda”.

E mais recentemente se decidiu neste TCAS, no acórdão de 27.03.2014, proc. n.º 7267/13, que:

Por último, aduz o recorrente que o acto de liquidação impugnado nos presentes autos visa exclusivamente a obtenção de receita fiscal (…). Que a liquidação das taxas pelo número de mangueiras que se verifica no caso impõe a conclusão de que existe violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da justiça consagrados, no artº.266, nº.2, da C.R.P., e com expressa referência, no plano da lei ordinária, no artº.55, da L.G.T., e nos artºs.5 e 6, do C.P.A. (cfr.conclusões 23 a 26 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Examinemos se a sentença recorrida comporta tal vício.

O princípio da proporcionalidade, é explicitado como princípio material informador e conformador da actividade administrativa, no citado artº.266, nº.2, da C.R.Portuguesa, assim implicando a juridicidade de toda a actividade da Administração (cfr.artº.5, nº.2, do C.P.A.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.801 e seg.).

De acordo com o mesmo, na actuação administrativa terá de existir uma proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.67, em anotação ao artº.5). No âmbito do procedimento tributário, a consagração de tal princípio resulta do artº.55, da L.G.Tributária, tendo expresso desenvolvimento no artº.46, do C.P.P.Tributário. O princípio da proporcionalidade obriga a Administração Tributária a abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc. 6971/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.448 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.449 e seg.).

Mais se dirá que a relação sinalagmática, típica das taxas, entre o benefício recebido e a quantia paga não implica uma equivalência económica rigorosa entre ambos, mas não pode ocorrer uma desproporção que, pela sua dimensão, demonstre com clareza que não existe entre aquele benefício e a quantia paga a correspectividade ínsita à dita relação sinalagmática.

No caso “sub judice”, quanto à invocada inconstitucionalidade material por ofensa do princípio da proporcionalidade, desde logo, se deve mencionar que nos encontramos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13).

Por outro lado, a tributação por cada um dos equipamentos que permitem o abastecimento de combustíveis, ao tempo em que a norma foi criada e conforme já mencionado supra, tende a equivaler hoje ao número de mangueiras existentes em cada local de abastecimento de combustíveis, em que cada mangueira, em regra, contém um diverso tipo de combustível, como é do conhecimento geral, aproveitando a instalação de equipamentos comuns, como sejam de medição e de preços e de ocupação de espaço, tudo se traduzindo também em vantagens económicas as actuais possibilidades técnicas de reunirem numa única bomba abastecedora diversas mangueiras ao invés de instalarem em cada bomba uma única mangueira, não se descortinando, por isso, a violação do invocado princípio constitucional, violação essa que igualmente não é concretizada pelo recorrente”.

Da aplicação do assim decidido e a que, como já firmado, aderimos e, nesta parte, julgamos aplicável aos nossos autos, resulta a improcedência das últimas questões apreciadas e, com estas, integralmente o recurso jurisdicional interposto.

V – DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso, em confirmar integralmente a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 7-10-2014

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[Anabela Russo]

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[Joaquim Pereira Gameiro]

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[Joaquim Condesso]

(1) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-1-2014 (processo n.º 1182/12). No mesmo sentido, os também recentes Acórdãos daquele mesmo Tribunal de 1-9-2010 (processo n.º 653/10), 7-12-2010 (processo n.º 1075/09 e 2-3-2011 (processo n.º 881/10), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
(2) Autor e obra citados, volume V, página 140.
(3) Autor citado, Código de procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. II., 2011, 6ª edição, Áreas Editora, pág. 321.
(4) Autor e obra citados, volume, página 321
(5) - Cfr,. Alfredo de Sousa e José da Silva Paixão Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, Almedina, págs. 267/268 e (a propósito do artigo 121º, nº 1 do CPT e que corresponde actualmente ao artigo 100º, nº 1 do CPPT).