Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02398/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/15/2008
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
FALTA DO PAGAMENTO POR CONTA
DISPENSA DA COIMA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
Sumário:1- De acordo com a jurisprudência dos tribunais tributários superiores, ocorre sempre prejuízo para o credor tributário quando, a prestação tributária não for entregue nos prazos estabelecidos na lei, não sendo, por isso, aplicável o disposto, no artigo 32º, n.º 1, do RGIT.
2- Todavia, justifica-se a atenuação especial da coima, ao abrigo do n.º 2 do artigo 32º, do RGIT, se à luz dos elementos coligidos nos autos o arguido agiu com culpa diminuta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- A distinta Procuradora da República, junto do TAF de Leiria, por se não conformar com a decisão prolatada pelo Mm.º juiz do mesmo Tribunal e em que dispensou a arguida «L……, C….. Ldª.», com os sinais dos autos, do pagamento da coima em que fora condenada, a coberto do disposto no art.º 32.º do RGIT, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1 – a arguida L….. – C…….. Lda. não efectuou o pagamento por conta referente a 12/2003, tendo o prazo expirado em 31.12.2003.
Na sequência de tal infracção tributária foi-lhe instaurado o respectivo processo contra-ordenacional, tendo-lhe sido aplicada pelos serviços das Finanças coima no montante de 1.652,50 euros.

2 – A obrigação tributária implícita bem como os juros encontra-se regularizada e a frequência da infracção é descrita pela administração fiscal como “acidental”.

3 – O Mm.º juiz “a quo” decidiu aplicar a coima fixada pela AF, todavia dispensou a arguida do seu pagamento ao abrigo do art. 32.º do RGIT.

4 – A questão centra-se na análise e verificação dos requisitos do art. 32.º do RGIT e na sua aplicação, ou não, nas contra-ordenações tributárias que envolvam pagamento de prestações, ou dívidas tributárias.

5 – Neste tipo de infracções conforme, aliás tem vindo a ser entendido na nossa jurisprudência, a regularização da situação tributária não significa que não houve prejuízo efectivo para a receita pública, já que o lapso de tempo em que o Estado se encontra desembolsado dessa quantia não pode deixar de causar prejuízo na realização das receitas orçamentais, com vista a satisfazer as despesas, de acordo com as opções tomadas no Orçamento do Estado, e os juros compensatórios não podem apagar a falta do recebimento da receita atempadamente, daí o prejuízo. (cfr. Ac. do TCA nº 00344/03, de 30.09.2003, in www.dgsi.pt).

6 – Assim ao se considerar na decisão recorrida que basta o pagamento da dívida e dos juros respectivos para afastar o prejuízo, pura e simplesmente, é esquecer que estamos perante matéria especial, com características próprias e, como tal deverá ser apreciada e regulamentada de acordo com a sua natureza, no caso tributária.
Coisa diferente é aplicação do disposto no art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, de aplicação geral nas indemnizações cíveis, onde o pagamento dos juros constitui a forma legal de reparar a lesão causada, por incumprimento, sem mais.

7 – Para que se verifiquem os requisitos cumulativos fixados no art. 32.º do RGIT, designadamente a prevista na al. a), no sentido de que a prática da contra-ordenação fiscal não gere prejuízo efectivo à receita tributária, tal terá que se reportar a situações em que não chegou a produzir-se prejuízo antes de ocorrer a regularização da falta, daí que saiam da alçada do art. 32.º do RGIT as contra-ordenações ligadas com o pagamento de prestações tributárias, onde há sempre prejuízo independentemente da regularização posterior da dívida, incluindo o pagamento dos jurosdevidos.

8 – Para finalizar diremos que a conjugação dos arts. 29.º, 30.º e 32.º do RGIT conduzem à inaplicabilidade do art. 32.º mencionado às dívidas pecuniárias de imposto,pois que os dois primeiros artigos estão interligados entre si, o primeiro prevê o direito à redução das coimas e o segundo prescreve os requisitos desse direito.
Já o art. 32.º do mesmo diploma legal prevê em determinados casos, desde que se verifiquem as circunstâncias cumulativas aí mencionadas, a dispensa e atenuação especial das coimas, mas o seu âmbito de aplicação embora incidindo sobre contra-ordenações fiscais, não abrangem na sua previsão legal as relativas a pagamento de prestações ou a dívidas tributárias.
Daí que não contenha na sua composição número similar ao n.º 3 do art. 30.º do RGIT que diz expressamente o significado da regularização tributária, para efeitos daquela norma, que é diferente ao que está subjacente ao disposto no art. 32.º em análise.

9 – Tratam-se, pois, de institutos diferentes, com peso e medida diversa, e com maior razão ainda nesta matéria tão singular, e o que o legislador não prevê ou menciona, não se pode atribuir ou considerar como escrito ou exarada na norma.

10 – Em suma, pela prova produzida em audiência consideramos que pese embora o facto de a arguida ter pago posteriormente o imposto e seus juros, tal não significa que não tenha ocasionado prejuízo efectivo à receita tributária, significa, tão só, que regularizou a falta cometida.
Daqui retira-se que não se encontra verificado o requisito exarado na alínea b) do art. 32.º do RGIT, muito embora os outros dois requisitos se tenham verificado, regularização da falta cometida e diminuto grau de culpa porque a prática da infracção revestiu carácetr “acidental”, não sendo a arguida rotulada como geradora habitual de infracções do género, como foi entendido na decisão recorrida, isto partindo do princípio de que tal norma é aplicável a este tipo de contra-ordenações à falta de pagamento de prestações tributárias.

11 – Todavia acreditamos que tal norma não é de aplicação à contra-ordenação em referência, pelo que legalmente a arguida não poderia beneficiar deste instituto de isenção de pena, conforme foi decidido na sentença, agora em crise.

12 – Pelo exposto deverá ser revogada a decisão que dispensou a arguida do pagamento da coima, dando-se dessa forma provimento ao presente recurso.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste Tribunal, teve vista dos autos.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa e com suporte na prova documental carreada para os autos e referenciada naquelas, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). No dia 20/12/2005 foi lavrado o auto de fls. 5 dando notícia de que a arguida não efectuou o Pagamento por Conta referente a 12/2003, cujo prazo para cumprimento expirou em 31/12/2003 (fls. 5 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

B). Instaurado procedimento contra-ordenacional, foi a arguida notificada para efeitos do disposto no Art.º 70.º RGIT (fls. 7 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

C). Por despacho do Exmo. Chefe do Serviço de Finanças ……., foi aplicada coima no montante de € 1.652,50 (fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

D). No exercício de 2003 a recorrente efectuou vários PCs, insuficientes para satisfazer a totalidade da prestação tributária em dívida (fls. 28 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

E). A obrigação tributária implícita bem como os respectivos juros encontra-se regularizada (fls. 28 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

F). A frequência da infracção é descrita pela administração fiscal como «acidental» (fls. 8 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

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- Mais se deram por não provados quaisquer outros factos, distintos dos mencionados nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.
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- No entender deste Tribunal, revela-se, no entanto e também, importante á decisão final a proferir, o montante da quantia de imposto que, por não ter sido atempadamente entregue pela recorrida/arguida, deu origem à contra-ordenação em causa nos autos; assim e porque tal factualidade se encontra atestada nos autos, adita-se uma nova alínea, com o seguinte teor, ao probatório;

G). O PConta referido na alínea A). que antecede, ascendeu à quantia total de € 8.084,65 – cfr. fls. 5 dos autos para que se remete.
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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- A questão que, nuclearmente, aqui se controverte reside em saber se, em virtude da arguida ter pago o imposto acusado em falta, ainda que fora do prazo legal para o efeito, mas acrescido dos respectivos JC’s, consubstancia o requisito enunciado na al. a), do n.º 1, do art.º 32.º do RGIT, seja para a dispensa, seja para a atenuação especial da coima.

- O Mm.º juiz recorrido entendeu responder pela afirmativa, nos termos do discurso fundamentador que, de seguida, se transcreve;

«Vejamos o 1º argumento:ocorre sempre prejuízo, mesmo depois de regularizada a situação tributária.
Esta tese defende que «... o lapso de tempo em que o Estado se encontra desembosado dessa quantia não pode deixar de causar prejuízos na realização das receitas orçamentadas com vista a satisfazer as despesas, de acordo com as opções tomadas no Orçamento do Estado. Os juros compensatórios que nestes casos são liquidados, visam reparar o credor pelo tempo em que este esteve desembolsado do capital, mas não podem apagar tal falta do recebimento da receita no seu devido tempo. Em suma, fácil é perceber que o não pagamento das receitas tributárias, pontualmente, não pode deixar de comprometer a realização das opções tomadas pelo Estado no Orçamento, daí, resultando, necessariamente, prejuízo.”.
Com efeito é apodítico que a omissão de pagamento da prestação tributária pecuniária devida gera prejuízo.
Mas também é certo que nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contra do dia da constituição em mora (Art.º 806/1 do Código Civil). E a indemnização constitui a forma legal de reparar a lesão causada pelo incumprimento (Art.º 562. do Código Civil).
Como tal, depois de pago o imposto e os juros devidos, carece de sentido falar-se em prejuízo.
Ou seja, depois de cumprida a obrigação legal e pagos os respectivos juros, o prejuízo para a receita tributária se existia, já não existe.
Portanto, por esta banda, nada impede a aplicação doa rtigo 32.º à situação «sub judice»».

- Ora, na linha da jurisprudência que, cremos, pacífica e firme, quer deste Tribunal, quer do STA, a razão encontra-se do lado da Digna Procuradora da República Recorrente, na linha da argumentação que desenvolve nas suas alegações de recurso e que se encontram na esteira dessa mesma jurisprudência, que, para aqui se convoca, enquanto discurso fundamentador, e de que se citam, ainda e a título meramente exemplificativo, os Acs. tirados nos Recs., deste Tribunal, n.ºs 941/05 e 1753/07, de 2006FEV14 e 2007JUN19 ou o recente Ac. do STA, DE 2008ABR16, tirado no Proc. n.º 44/08.

- É que a inexistência de prejuízo efectivo para a receita tributária há-de ser perspectiva pela sua absoluta irrelevância, o que, como temos por manifesto, é materialmente impossível suceder, se aquela não for atempadamente liquidada, ainda que o seja posteriormente e com o acréscimo dos juros compensatórios relativos ao atraso verificado, na medida em que estes são uma compensação por esse mesmo atraso, o que leva a que o pagamento em tais circunstâncias, não se equivale, de forma absoluta, ao pagamento em singelo, feito no momento legalmente azado.

- Por isso que, e conclusivamente, tal como se sustenta no presente recurso, se entenda que a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, na medida em que, não tendo sido entregue nos cofres do Estado o pagamento por conta devido, no momento legalmente imposto (no caso no final de Dezembro de 2003), não se verifica o requisito plasmado na al. a), do n.º 1, do art.º 32.º do RGIT, para, ao seu abrigo, se decretar, como se decretou a dispensa do pagamento da coima cominada à arguida, ainda que aquele imposto em falta tenha, posteriormente, sido pago com o acréscimo dos JC’s devidos.

- No entanto, à luz dos elementos coligidos para os autos, maxime das aludidas circunstâncias, de, por um lado, o imposto em causa haver sido, já, pago, com o acréscimo dos JC’s relativos ao tempo de retardamento, o que a nosso ver traduz um reconhecimento da responsabilidade da arguida, pagamento esse que, manifestamente, ocorreu na pendência do processo e, por outro, de, no próprio entendimento da entidade autuante, a conduta da arguida ser adjectivável de meramente “acidental”, o que legitima a extrapolação de um grau de culpa de diminuto, justifica que se conclua pela verificação dos pressupostos legais à atenuação especial da coima, nos termos do n.º 2 do referido art.º 32.º do RGIT, atenuação essa que, nos termos do art.º 18.º do DL 433/82OUT27 (RGCO), aplicável por força do art.º 3.º/b do RGIT, acarreta a diminuição para metade dos montantes mínimo e máximo, abstractamente aplicáveis e que, no caso, correspondiam ao dobro de 10% do imposto em falta até dobro desse mesmo imposto nos termos do disposto nos art.ºs 114.º e 26.º, ambos do RGIT.

- Assim, porque no caso a arguida é uma pessoa colectiva e o imposto em falta ascendeu ao total de € 8.084,65, como se fez constar do probatório, a coima mínima aplicável seria, por princípio e nos termos acima aludidos, de € 1.616,93, correspondente ao dobro de 10% do imposto em falta (ou seja de € 808,47), como, aliás, a própria AT o atesta e reconhece a fls. 10 dos autos.

- Por isso, em caso de atenuação especial, como se verifica “in casu”, nos termos já acima referenciados, aquele limite mínimo, que se entende como adequado á gravidade da infracção, vem a corresponder aos 10% (em singelo) do imposto em falta, ou seja, aos referidos € 808,47.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da secção de contencioso tributário do TCAS, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima que assim e nessa medida igualmente se revoga, cominado-se, à arguida, pela prática da infracção que lhe é assacada no auto de notícia, a coima de € 808,47.
- Custas pela arguida, apenas em primeira instância e na proporção em que não obteve ganho de causa.
08 JUL 15
LUCAS MARTINS
PEREIRA GAMEIRO
JOSÉ CORREIA