Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1143/04.7BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:GERÊNCIA EFETIVA
CULPA
Sumário:1. A maior exposição de outro co-gerente considerado o “rosto” da sociedade, que não o Oponente, não retira a este o direito de intervir nos destinos da sociedade determinando, ou co-determinando, o seu rumo e as opções de pagamento, incluindo as dívidas fiscais.
2. Embora não resulte expressamente do despacho de reversão a menção da alínea b) do n.º 2 do art.º 24º LGT, é claro do seu contexto que a reversão se efetuou ao abrigo daquela alínea.
3. Esta norma estabelece uma presunção de culpa a favor da AT e contra o devedor subsidiário, responsabilizando-o pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
4. Estando onerado com a presunção de culpa, o Oponente teria de alegar factos demonstrativos de que a falta de pagamento das dívidas tributárias não lhe foi imputável para ilidir aquela presunção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública.
RECORRIDO: A…...
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de leiria que julgou totalmente procedente a oposição deduzida contra a reversão da execução como responsável subsidiário pelas dívidas de IVA de U….. relativas a 2001 e 2002 e coimas fiscais.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A) O oponente fundou a oposição interposta na sua ilegitimidade para a execução fiscal n° ….. e apensos, por via da ausência de culpa sua na falta de pagamento da dívida contra si revertida - IVA e JC de IVA dos anos de 2001 e 2002 e Coima Fiscal aplicada no ano de 2002, por ilícito verificado em 2001, invocando para tanto que após Junho de 2002 havia deixado a gerência da devedora originária.
B) O pedido final foi assim formulado: "Termos em que deve a presente oposição ser julgada provada e procedente ordenando-se em consequência o arquivamento  da execução em relação ao oponente ou assim não se entendendo ser ordenado o arquivamento pelas dívidas cujo prazo de pagamento ocorreu após 14 de Junho de 2002 ou ainda subsidiariamente quanto à dívida de coima e custas."
C) Entendeu a Mma Juiz a quo que resultava inequivocamente do probatório que, à data em que se verificaram os factos constitutivos que deram origem à liquidação de IVA e à aplicação da coima, o oponente exercia efectivamente a gerência nominal da sociedade devedora originária, mas não exercia a gerência de facto, uma vez que aquela era exercida em exclusivo pelo outro sócio, vindo a concluir que não existindo gerência de facto, não existia presunção de culpa, nem dos autos resultava provada a culpa do oponente na insuficiência do património para pagamento da prestação tributária, reconhecendo assim a sua ilegitimidade e julgando totalmente procedente a oposição interposta, declarando a extinção da execução fiscal contra aquele revertida.
D) Contudo, a sentença sob recurso podia ser de procedência parcial, uma vez que na sua petição inicial, o aqui oponente afirmava claramente que só após 14 de Junho de 2002 havia deixado de ser gerente de facto da executada originária e embora não provasse documentalmente aquela data, nem a prova testemunhal produzida tenha logrado fixá-la com precisão e o probatório a fixe como "em meados de 2002", a Fazenda Pública aceite que a gerência efectiva da devedora originária pelo oponente se situe desde a constituição daquela em 2001 até 14 de Junho de 2002.
E) Tanto  que  este  facto  resulta,  também  ele,  aceite  pelo  oponente  implicitamente  no articulado inicial apresentado, nos pedidos subsidiários que formula - "arquivamento pelas dívidas cujo prazo de pagamento ocorreu após 14 de Junho de 2002" e no pagamento parcial da dívida exequenda que assegurou, na parte que envolve o período da sua gerência.
F) Resulta, ainda, aceite por via da apresentação em 17/11/2004, nos termos do art. 91° da LGT, de pedido de revisão da matéria colectável tributável, reportado a IVA e IRC dos anos de 2001 e 2002, em termos tais que bem revelam a situação organizacional, administrativa e financeira da sociedade executada originária (cf. Doe 1 junto por apenso à contestação da RFP).
G) Sucede que este documento (de resto, não impugnado) não foi sequer apreciado, nem valorizado pelo tribunal a quo, facto que deve implicar uma ampliação da matéria de facto, por erro de julgamento na matéria de facto.
H) Assim não se entendendo, sempre a sentença sob recurso terá ter incorrido em excesso de pronúncia, uma vez que apreciou e tomou posição quanto a questão não suscitada pelas partes e que não eram de conhecimento oficioso, constituindo numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador- artigos 661° e 668°/1-e) do CPC, aplicável ex vi o art. 2" do CPPT.
I) Considerado o documento em causa, a admissão parcial dos factos feita pelo oponente e do pedido final por si formulado, a sentença sob recurso poderia ser de procedência parcial, ressalvando a responsabilidade do oponente pelas dívidas cujo prazo de pagamento ou entrega se situasse até Junho de 2002, maxime, a dívida referente a IVA e juros compensatórios do ano de 2001.
J) Ao decidir neste sentido, a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento e em excesso de  pronúncia, sempre fazendo desacertada fixação da matéria de facto e do direito aplicável, designadamente, dos artigos 24°/1-b) e 32° da LGT, dos artigos 342°, 512° e 524° do CC, pelo que não deve manter-se.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso,  anulando-se a sentença recorrida, com o que se fará como sempre


JUSTIÇA

CONTRA ALEGAÇÕES.

O Recorrido contra alegou e concluiu:

A)        A notificação do despacho que admitiu o presente recurso foi remetida às partes, por correio registado, no dia 17-02-2012 (6ª feira), de acordo com o preceituado no artigo 254º n.º3 do CPC, a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

B)        No caso dos autos tendo a notificação sido enviada por correio registado no dia 17-02-2012 (6ª feira), presume-se efectuada no dia 20-02-2012 (2ª feira), iniciando-se o prazo de 15 dias para apresentar alegações no dia 21-02- 2012, terminando no dia 06-03-2012.

C)        As alegações da Fazenda Pública foram enviadas por fax no dia 08- 03-2012, ou seja, depois de termo do prazo legal, isto é, foram intempestivas o que equivale à falta das mesmas, pelo que deverá o recurso ser julgado deserto pelo Tribunal recorrido.

D)        Caso assim não se entenda, o recorrido/oponente defende que a douta sentença recorrida se deverá manter no ordenamento jurídico, uma vez que efectuou uma correcta apreciação dos factos e valorando conveniente- mente a prova produzida.

E)        Resulta provado nos autos que o recorrido exercia, efectivamente, a gerência nominal, na sociedade U….., Lda., não exercendo, todavia, a gerência de facto, sendo esta exercida exclusivamente pelo outro sócio da sociedade.

F)        Tendo julgado não provada a culpa do oponente (recorrido) na frustração dos créditos tributários exigidos na execução que deu origem ao processo de oposição.

G)        Nem se diga, tal como o diz a Fazenda Pública em sede de alegações, que o facto de na petição inicial o recorrido (oponente) afirmar que só após 14 de Junho de 2002 havia deixado de ser gerente de facto da executada originária, e o facto de em 17-11-2004 ter apresentado pedido de revisão da matéria colectável, reportado a IVA e a IRC dos anos de 2001 e 2002, é susceptivel de colocar em causa a não gerência de facto.

H)        Tais actos foram praticados em nome próprio no recorrido, como responsável subsidiário, não em representação da sociedade devedora originária, tal com o já tinha sido firmado no acórdão do TCA – Sul proferido no processo n.º05084/11.

I)         Acórdão de onde se extrai o seguinte extrato: “o oponente só exerceu funções de gerência, na executada originária, até 14.6.2002, não obstante continuar como gerente de direito, sendo que a gerência de facto não se presume da de direito nem existem nos autos factos indiciadores dessa gerência a partir de 14.6.2002. (…) Não existe, nos, autos, qualquer prova de que foi por culpa do oponente que o património se tornou insuficiente pata pagar a dívida e, competindo tal prova à administração (cfr. art. 342 do CC), somos, de concluir que não se verificam os pressupostos de responsabilidade subsidiária contidos em tal normativo e daí não ser o oponente responsável pelo pagamento de tal dívida, sendo parte ilegítima na execução, o que constitui fundamento de opo- sição à execução com previsão no art. nº1 al.b) do CPPT.”

J)         Perante o exposto não assiste qualquer razão à recorrente (Fazenda Pública) quando alega que o documento um junto por apenso à sua contestação não foi apreciado, nem valorizado pelo tribunal, e tal situação determina a ampliação da matéria de facto por erro de julgamento na matéria de facto.

L) Daí não se verificar o erro de julgamento invocado pela Fazenda Pública nas suas  doutas alegações, devendo manter-se a douta sentença recorrida.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado deserto, por entrega intempestiva das alegações, ou assim não se entendendo, ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida e o consequente arquivamento do processo executivo.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo  pela procedência do recurso e revogação da sentença, na parte recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou, de facto e de direito, ao julgar totalmente procedente a oposição, quando o Oponente reconhece ter deixado de ser gerente de facto da executada originária em 14 de junho de 2002.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1.         Os autos de execução n.º ….. foram instaurados no Serviço de Finanças de Leiría 1, contra a sociedade  U…..- Unidade de Furacões e Frezagem para Moldes Lda., por dividas de IVA e Coimas Fiscais- não contestado.

2.         As dívidas supra enunciados constam das certidões de divida que a seguir se discriminam (em tabela no documento original):

Certidão n.•

PEF n.•

Tributo/ti o

Ano

Montante em €

2004178576

…..IVAI Jur C-CIJmo

2002-12-12

2.24316

2004/78574

…..IVAI Jur C-CI.Jmo

2002-04-06

105,43

2004178575

…..IVAI Jur C-C/Jmo

2002-07-09

30.45

2004178577    ' …..

IVAI Jur C-C/Jmo

2001-10-12

861,75

1 Art. 9.0 n.• 3 do CPPT.

2004/78578

…..IVA/VCrr/0-CJ

2001-01-12

8.582.21

2004/78579

…..IVN Jur =/Jmo

2002-01-03

715,28

2004/78580

…..IVN Jur C-C/Jmo

2002-04-06

45676

200478581

…..IVN Jur C-C/Jmo

2002-07-09

381,97

2004/78582

…..IVN Jur C-C/Jmo

2002-10-12

257,70

   2004/78583 20075694

…..…..

010840

fVN Jur C-C/Jmo

2002-

01-12

08T

32.085,68

580

fVA

01

6.738,60

…..

Coima

IVA0109T

1389,91

Tudo conforme fls. 40 a 47 dos autos.

3.         No âmbito do processo executivo a que nos vimos referindo foi efectuado em 19/11/2004 o pagamento de € 8.454,54, ficando a dívida a valer por € 53.849,88- cfr. fls. 43 e seguintes dos autos.

4.         Em 2310712004 foi proferido, no processo acima identificado, despacho de reversão nos termos que, em parte, se transcrevem:

(...)

Demonstrada a inexistência/insuficiência de património da executada originária susceptível de garantir o pagamento da divida exequenda e do acrescido e de acordo com a informação constante da adjunta cópia da certidão do registo comercial na qual figuram como gerentes da sociedade os seguintes membros:

V….., NIF …...

(...)

A….. NIF ….. (...)

Nomeados gerentes em 2001-06-01, exercendo essas funções até ao presente. Avulta ainda o facto da sociedade se obrigar com a assinatura conjunta dos dois sócios gerentes designados no pacto social da sociedade.

De acordo com o estabelecido no Oficio Circulado n.º 1675/95 de 17/04, a responsabilidade subsidiária deve ser imputada quer ao período da ocorrência do facto gerador do facto tributário quer ao período em que o imposto o imposto em dívida é exigível Os pressupostos em que assenta a responsabilidade tributária resultam “in casu" das seguintes disposições legais:

(...)

Em face do que antecede, considerando que o gerente não logrou provar  que não exerceram de facto as funções inerentes ao cargo, nem conseguiram fazer prova de que não foi por culpa sua que o património da sociedade originariamente devedora se tomou insuficiente para a satisfação dos créditos, encontram-se reunidos os pressupostos do direito reversão,

Assim sendo e ao abrigo do que se estabelece nos artigos 23.   24º da LGT, 8.º  do RGIT e 160ºdo Código de Procedimento e de Processe Tributário a execução contra V…..,

A…..

Que passam a responder pelo valor de  € 53.849,88.

(...)"

Tudo conforme fls. 48 E 49 dos autos.

5.         Do teor deste despacho o Oponente tomou pessoalmente  conhecimento- cfr. fls. 50 dos autos

6.         O Oponente constituiu conjuntamente com V….. a sociedade U….. Lda., conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Leiria da matricula n.º ….. tendo aí sido indicado que a gerência seria exercida por dois ou mais membros, sócios ou não sócios, eleitos em Assembleia Geral e designados gerentes os sócios - cfr. fls. 52 e seguintes dos autos

7.         Em meados de 2002 o aqui Oponente foi trabalhar a tempo inteiro por conta da sociedade P….., Lda., - cfr. prova testemunhal

8.         A pessoa que era conhecida no meio como sendo o rosto da sociedade U….. Lda., era o Sr. V….., era ele quem fazia 'os negócios' em nome da empresa- cfr. prova testemunhal

9.      O  Oponente  no  período  em  que  trabalhou  por  conta  da  sociedade  devedora  originária, trabalhava na produção, onde sempre era visto- cfr. prova testemunhal

Factos não provados

Dos autos mão resulta provada a culpa do Oponente na frustração dos créditos tributários exigidos na execução a que se opõe os presentes autos.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, que em face das possíveis decisões de direito importe registar como não provados.

ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS:

Ao abrigo do art.º 662º do CPC aditamos ao probatório os seguintes factos, por serem relevantes para apreciação do recurso:

10. No ofício que procedeu à notificação da sentença consta a data da sua  expedição em 17/2/2002.

      Mas o mesmo apenas foi entregue ao destinatário em 22/2/2012.

      As alegações de recurso foram apresentadas via fax em 8/3/2002 (fls. 177 e 178).

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública entende que a sentença errou ao julgar totalmente procedente a oposição, quando o próprio Oponente confirma que só após 14 de junho de 2002 deixou de ser gerente de facto da executada. A AT aceita a procedência parcial da oposição, ressalvando a responsabilidade subsidiária do Oponente pelas dívidas cujo prazo de pagamento ou entrega se situasse até junho de 2002, maxime a dívida referente a IVA e juros compensatórios do ano de 2001.

Começando por invocar a extemporaneidade do recurso, o Recorrido defende que a sentença decidiu bem pois resulta provado que exercia efetivamente, a gerência nominal, na sociedade U….., Lda. não exercendo, todavia, a gerência de facto, sendo esta exercida exclusivamente pelo outro sócio da sociedade (...) Tendo julgado não provada a culpa do oposição (recorrido) na frustração dos créditos tributários exigidos na execução que deu origem ao processo de oposição.

Em abono da sua tese louva-se no ac. deste TCAS  proferido no processo n.º 05084/11- de que juntou cópia- que aprecia situação idêntica, com as mesmas partes, mas com referência à reversão da execução por dívidas de IRC/2002. 

Apreciemos.

Em primeiro lugar, e quanto à extemporaneidade do recurso, o recorrido não tem razão.

Com efeito, embora no ofício de notificação conste a data de expedição em 17/2/2002, resulta que o mesmo apenas foi entregue ao destinatário em 22/2/2012 (fls. 177 e 178) e que as alegações foram apresentadas via fax em 8/3/2002 (fls. 179).

Por conseguinte, mostra-se respeitado o prazo de 15 dias para apresentar alegações (art. 282º/3 do CPPT, na redação aplicável).

Prosseguindo.

Perante as doutas alegações e respetivas conclusões, concluímos que o Exmo. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença apenas na parte em que julgou procedente a oposição por dívidas de IVA, conformando-se com a procedência da oposição relativa às dívidas por coimas.

Com esta delimitação, vejamos a questão sob os prismas da gerência de facto e da culpa.

Quanto à primeira, é verdade que o Oponente alega ter constituído a sociedade com o seu irmão (artigos 6º e 7º da douta petição inicial) com divisão de tarefas entre ambos (artigos 10 e 11) e depois de algumas vicissitudes, após 14 de junho de 2002 o oponente deixou de ser gerente de facto da executada principal (art 20º da pi).

E quanto à segunda, alega que o outro sócio, irmão do Oponente, assumiu-se como responsável exclusivo da área comercial e financeira da empresa, que os pagamentos e recebimentos não eram decididos de comum acordo e que o Oponente se “dedicou à produção”   (artigos 9º e segs. da douta petição inicial).

Em consonância com o alegado, pede o arquivamento da execução em relação ao oponente, ou assim não se entendendo, ser ordenado o arquivamento pelas dívidas cujo prazo de pagamento ocorreu  após 14 de junho de 2002 ou ainda subsidiariamente quanto à dívida de coimas e custas.

De acordo com a matéria alegada e o pedido formulados, interpretamos que o Oponente pretende(u) ver extinta, na totalidade, a execução fiscal por ausência de culpa.

E subsidiariamente, a partir de 14 de junho de 2002, por falta de exercício de gerência de facto.

E assim sendo, a sentença que ordenou a extinção da execução fiscal na totalidade padece de nulidade por excesso de pronúncia (art. 615º/1-e) CPC) o que não impede o prosseguimento do julgamento, em conformidade com o disposto no art.º 665º/1 do CPC, como faremos de seguida.

No quadro referencial exposto, quanto ao exercício efetivo das funções de gerente, não ficam muitas dúvidas de que o Oponente as assumiu desde a constituição da sociedade até, pelo menos, até 14 de junho de 2002.

Os factos provados também não dizem o contrário.

Com efeito, no facto provado n.º 6, consta que a gerência seria exercida pelos dois gerentes nomeados em AG. E que o Oponente, no período em que trabalhou para a sociedade devedora, trabalhava na produção (facto provado n.º 9), o que não é, de modo algum, incompatível com o exercício efetivo de gerência.

Tão pouco é incompatível com o exercício efetivo da gerência o facto de a pessoa   conhecida como sendo o rosto da sociedade U….. Lda., era o Sr. V….., era ele quem fazia os “negócios” em nome da empresa. Esta maior exposição do Sr. V….. não retira ao Oponente o direito de intervir nos destinos da sociedade determinando, ou co-determinando, o seu rumo e as opções de pagamento, incluindo as dívidas fiscais.

Assim, concluímos, que o Oponente exerceu as funções de gerência efetiva da sociedade devedora até 14 de junho de 2002. 

No mesmo sentido se pronunciou o ac. 05084/11 cuja cópia o Recorrido juntou, ao referir que “...em face do constante do probatório e tal como se entendeu na decisão recorrida que o oponente só exerceu funções de gerência, na executada originária, até 14.6.2002, não obstante continuar como gerente de direito, sendo que a gerência de facto não se presume da de direito nem existem nos autos factos indiciadores dessa gerência a partir de 14.6.2002”

No que respeita à culpa, embora não resulte expressamente do despacho de reversão a menção da alínea b) do n.º 2 do art.º 24º LGT, é claro do seu contexto que a reversão se efetuou ao abrigo daquela alínea[1].

A norma contida nesta alínea estabelece uma presunção de culpa a favor da AT e contra o devedor subsidiário, responsabilizando-o pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Estando onerado com a presunção de culpa, o Oponente teria de alegar factos demonstrativos de que a falta de pagamento das dívidas tributárias não lhe foi imputável.

Mas a matéria alegada na petição inicial não permite ilidir a presunção de culpa.

 

O facto de os sócios terem acordado entre si a distribuição de “funções” (cabendo ao outro sócio a função administrativa e financeira da devedora originária) não afasta a presunção de culpa. Mesmo com tal distribuição de “funções” – matéria que aliás nem consta dos factos provados – o oponente não é menos gerente. E como tal, a falta de pagamento e sua imputação a título culposo, não pode ser afastada por essa via, por não se mostrar ilidida a presunção.

Acrescentamos que embora conste dos “Factos não provados” que “Dos autos não resulta provada a culpa do Oponente na frustração dos créditos tributários exigidos na execução a que se opõe os presentes autos” tal matéria é irrelevante, nos termos em que foi referida. A culpa não é um facto (e por isso não pode ser um facto não provado) mas sim uma condição conclusiva a extrair do conjunto factual provado. E do acervo probatório não é possível retirar-se tal conclusão.

 

Assim, considerando a presunção de culpa que recaía sobre o Oponente, podemos concluir que a mesma não foi ilidida  com referência ao período em que exerceu as funções de gerência efetiva da sociedade. 

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da segunda sub-secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, declarar parcialmente nula a sentença na parte recorrida e julgar improcedente a oposição quanto às dívidas fiscais cujo prazo legal de pagamento terminou até 14 de junho de 2002.

Mantendo-se em tudo mais a sentença recorrida.

Custas pela Recorrido. Em primeira instância as custas são repartidas entre a AT e o Oponente na proporção do seu decaimento.

[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]

(Mário Rebelo)

________________
[1] Cfr. ac. do STA n.º 087/14 de 25-03-2015 - Relator:              CASIMIRO GONÇALVES              
Sumário:               I – Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.
II – A responsabilidade do gerente que, de acordo com o despacho de reversão, sempre se manteve na gerência da sociedade executada, não pode deixar de abranger aquela a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT, pelo que, não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão se encontra fundamentado de direito, apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do art. 24º da LGT em que se apoia.