Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03629/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2010
Relator:GOMES CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC.
NEGÓCIOS SIMULADOS E SUA RELEVÂNCIA JURÍDICO – FISCAL EM SEDE DE RENDIMENTO. REGIME DO ARTIGO 39.°, N.° 2. DA LGT.
NULIDADE DA OBTENÇÃO DA PROVA NO PROCEDIMENTO INSPECTIVO.
NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ E POR ABUSO DE DIREITO NA ACTUAÇÃO DA AF NO PROCEDIMENTO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
FUNDADA DÚVIDA SOBRE A QUANTIFICAÇÃO.
Sumário:I) - A existência de escritura pública de compra e venda na qual se declara um preço não impede a Administração Fiscal, atento o artigo 39º nº2 da Lei Geral Tributária, de corrigir a matéria colectável, se para tanto tiver razões juridicamente válidas, sem necessidade de obter declaração judicial de nulidade do negócio cujo preço foi simulado.
II) - A regra geral no regime de invalidade do acto administrativo é a da anulabilidade - art. 135° do CPA. Sendo, todavia, nulos, nomeadamente - art. 133° n° 2 al. d) -os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. O que não é o caso já que aí se não insere o disposto no art. 103° n°3 da Constituição da República.
III) -O que aí se confere é um direito de resistência jurídica ao pagamento, o que significa que, na própria execução coerciva, o contribuinte pode alegar, em termos de oposição, a inconstitucionalidade da lei, base da liquidação do tributo.
IV) -O procedimento de inspecção é previamente preparado, programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados e a preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na Direcção-Geral dos Impostos, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade (artigo 44.°, nºs 1 e 2 do RCPIT).
V) -A programação e planeamento compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento (n°4, do supracitado artigo), pelo que está legalmente prevista a existência de uma fase prévia do procedimento inspectivo, em que os serviços da administração fiscal devem reunir os elementos que possibilitem o apuramento da verdade tributária, em sede de inspecção.
VI) -«In casu» as primeiras declarações dos adquirentes das fracções consubstanciam a sobredita fase de preparação prévia, e não podiam deixar de ser considerados nas conclusões da acção inspectiva, que englobou, para além do mais, a prestação de declarações por parte de outros adquirentes das fracções autónomas do mesmo prédio urbano e a audição da impugnante.
VII) - Destarte, tratando-se de actos praticados pela administração fiscal como preliminar do procedimento de inspecção devem ser apreciados como tal e não como parte de um procedimento informal, não se verifica a nulidade da prova tida em consideração em sede da acção inspectiva, como pretende a impugnante.
VIII) -Sendo certo que a recorrente não substancia nem demonstra que, nas situação versada em VI) e VII), a AF tenha agido com má fé e abuso de direito e que os actos em causa não põem em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental, em consequência, não é nulo, porque não é subsumível à causa de nulidade catalogadas no artigo 133º nº 1 al. d) do Código do Procedimento Administrativo (acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental).
IX) - Os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento (cfr. artº 61.°, n.° 1, do RCPIT) pelo que, tendo a impugnante sido notificada do teor do relatório final da inspecção no dia 12/03/2008, o procedimento inspectivo não ultrapassou seis meses e suspendeu-se o prazo de caducidade do direito à liquidação durante o período de tempo que aquele durou. E porque o prazo de caducidade se iniciou no dia 01/01/2004 (cfr. artigo 45.°, n.° 4, da LGT, o mesmo terminaria, sem suspensão ou interrupção, no dia 01/01/2008 e, como à data do início da inspecção faltavam 53 dias para que se completasse o prazo de caducidade do direito à liquidação, este apenas se completaria no dia 04/05/2008, ou seja, 53 dias decorridos sobre a conclusão da inspecção e da suspensão de tal prazo, pelo que à data da notificação da liquidação em causa, 09/04/2008, não tinha ainda decorrido o respectivo prazo de caducidade.
X) -A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que a proceder às correcções que suportam a liquidação.
XI) -Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
XII) -Decorrendo da análise das declarações dos compradores que, quase todos, autorizaram a derrogação do sigilo bancário para se determinar as quantias que poderiam ter sido empregues nos segundos mútuos para aquisição dos imóveis e, não obstante, não foi solicitado à impugnante que esta autorizasse o levantamento do seu sigilo fiscal, sendo esse, seguramente, o meio mais eficaz para obter a prova dos montantes dos preços simulados por parte da Administração Fiscal que preferiu presumir, ancorada da declarações dos compradores, o cálculo de probabilidade de que assim teria acontecido, sem qualquer suporte probatório além da afirmação daqueles de que o preço foi outro que não o mencionado nas escrituras de compra e venda.
XIII) -Na verdade, a Administração Fiscal calculou o montante a corrigir pela soma aritmética dos referidos "mútuos duvidosos" (assim classificados com base naquela declaração descontextualizada dos compradores), quando é certo que nas declarações dos compradores, alguns referem terem empregue a totalidade desses mútuos na aquisição dos imóveis, outros compradores referem apenas terem empregue parte desse dinheiro na aquisição do imóvel, outros ainda declararam que não se recordavam do montante exacto que foi empregue na aquisição e outros ainda referem expressamente terem aplicado esses montantes noutros fins (por exemplo, constituição de uma sociedade).
XIV) -Analisando as declarações dos compradores no seu todo como sendo o espelho da verdade, como o fez a Administração Fiscal, competia-lhe apurar com base nessas considerações quais os montantes reais e efectivos dos alegados preços simulados, o que a Administração Fiscal não fez, quando é certo que, da valoração da prova obtida não se apura o montante exacto e certo da alegada simulação de preço pelo que o valor apurado foi fixado com uma margem de dúvida que subsiste, aplicando-se a óptica da Administração Fiscal aos elementos do Relatório de Inspecção sem que fosse dada qualquer relevância à cooperação do sujeito passivo que forneceu todos os dados e elementos requisitados e que poderiam, se analisados e confirmados mediante, designadamente, o levantamento do sigilo fiscal, revelar os valores reais das vendas.
XV) –É que, a prova dos montantes dos preços simulados só poderia ter sido determinada pela Administração Fiscal com recurso à movimentação bancária dos pagamentos e recebimentos, o que não sucedeu apesar de os contribuintes terem autorizado o levantamento do sigilo fiscal.
XVI) -No que tange à patente insuficiência instrutória por parte da AF no procedimento, por não ter realizado as necessárias diligências na devida altura, não é legalmente admissível que o fizesse depois, na fase contenciosa, pois isso constituiria uma fundamentação formal e substancial aposteriori e a substituição do poder judicial à Administração, acto proibido pelo sacrossanto princípio da separação de poderes.
XVII) - Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo:

A)– O Relatório

1. -“A...–Empreendimentos Imobiliários, LDA, com os sinais dos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmº Juiz do TAF de Sintra que, julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional do IRC, do exercício do ano de 2003, no montante de €193.724,39, mantendo o acto impugnado, dela recorreu formulando as conclusões seguintes:
“1. A acção inspectiva, iniciada em 8 de Novembro de 2007 e concluída em 29 de Fevereiro de 2008, desenvolveu-se por uma análise contabilística prévia, sem qualquer efeito prático, e por um acréscimo de proveitos, previamente determinada após audição dos adquirentes de 11 das 12 fracções do referido prédio da Quinta do Minote, inscrito na matriz predial urbana de Carnaxide sob o artigo 10929.
2. Ao exame da escrita da empresa, não foram detectados quaisquer recebimentos para além dos que foram efectivamente registados na contabilidade pela venda das fracções e nem sequer se procedeu a qualquer correcção sobre «mútuos duvidosos».
3. Os valores apurados já se encontravam na posse da administração tributária antes do início do procedimento inspectivo e antes do termo do exercício da actividade do ano de 2003.
4. Os procedimentos informais de pré inspecção configuram a realização de uma verdadeira acção inspectiva, "ad-hoc", sem qualquer ordem de serviço que a ordenasse e sem qualquer respeito pelos direitos do sujeito passivo.
5. A determinação da acção inspectiva foi unicamente um um -expediente para evitar a caducidade da liquidação.
6. Nos termos do disposto no art. 39°, n° 2 da LGT, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade
7. Sem prejuízo da douta jurisprudência invocada pelo Tribunal "a quo", a verdade é que a lei faz expressamente depender a tributação do negócio real da nulidade judicial do negócio dissimulado.
8. Os compradores foram notificados e ouvidos, em 14.03.07, em 27.08.2007, em 28.08.2007, em 28.12.2007 e em 07.01.2008 ou em 7.01.2007 (pois a data do ano encontra-se rasurada), fora de qualquer procedimento de acção inspectiva.
9. Os referidos procedimentos prévios consistiram na verdadeira acção inspecção que só teve início em data muito posterior ao arrepio do princípio da legalidade a que está obrigada a Administração Pública - art. 266° da CRP.
10. O DL 431/98 de 31 de Dezembro que aprovou o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) tem justamente por base impedir arbitrariedades na condução da Inspecção Tributária, e tutelar também as garantias dos contribuintes durante esse procedimento - art. 69° da LGT.
11. Os actos praticados ao abrigo dos poderes constitucionalmente conferidos à Administração Fiscal para proceder à Inspecção dos contribuintes, ao abrigo do princípio da legalidade (art. 266° da CRP e art. 3° do Código de Procedimento Administrativo), só podem ser conduzidos num processo inspectivo e não aleatoriamente em qualquer procedimento informal, como sucedeu com as declarações dos contribuintes adquirentes.
12. Consequentemente, os actos praticados pela Administração Fiscal, em que são recolhidos os únicos indícios de prova que sustentam a correcção da matéria colectável, fora de qualquer acção inspectiva, são nulos nos termos dos arts. 133, n° 2, d) e 134° do CP A, ex vi os arts. 266° da CRP; art 3° do CPA e art. 69° da LGT. - Nulidade essa que expressamente se invoca e que determina a inexistência de todo o procedimento inspectivo que ora se impugna.
13. Não pode esta conduta da Administração Fiscal ser sancionada jurisdicionalmente, pois tal significaria a negação do Estado de Direito Democrático que obriga a Administração a actuar no estrito cumprimento da Lei.
14. Desde 14.03.2007 (data das primeiras declarações) que a Administração Fiscal teve a notícia dos alegados negócios simulados, pelo que a partir daquela data que constituía uma obrigação da Administração Fiscal iniciar de imediato uma acção inspectiva, com vista a apurar a verdade material dos factos.
15. Só em 23.10.2007 é que a Administração Fiscal emitiu a Ordem de Serviço que veio a desencadear a acção inspectiva, ou seja, cerca de 7 meses após o conhecimento da informação, tendo o procedimento tido início em 8.11.2007.
16. O último dia para a Administração Fiscal proceder às correcções de IRC de 2003 seria o dia 31.12.2007.
17. Na data do início da acção inspectiva a Administração Fiscal já dispunha de todos os alegados elementos de prova que vieram a sustentar a sua decisão de liquidação adicional - ou sejam as declarações dos compradores.
18. Pelo que o aproveitamento de tal prova na inspecção, ainda que se considere a mesma como legal, determina a nulidade da mesma pelos fundamentos expostos.
19. A acção inspectiva iniciada não foi uma acção inspectiva, mas sim um mero expediente para alargar o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art. 46° da LGT.
20. A Administração Fiscal, está obrigada ao respeito pelo princípio da boa fé nos termos do art. 6°-A do CPA. A conduta da administração fiscal violou inequivocamente o principio da boa fé, na medida em que a utilização de um expediente legal, com o único objectivo e propósito de evitar a caducidade do direito à liquidação, consiste num manifesto abuso de direito - art. 334° do Código Civil.
21. A Administração Fiscal valeu-se do seu ius imperi de poder determinar a abertura de um procedimento inspectivo, com o único propósito de violar o direito do contribuinte a ver-lhe reconhecido o seu direito à caducidade da liquidação (art. 46° da LGT), e não para prosseguir o fim público de inspeccionar e apurar a prova que a habilitasse a conhecer da regularidade da situação contributiva do contribuinte.
22. Consequentemente, também por este motivo, a inspecção fiscal e todos os actos administrativos decorrentes deste procedimento são nulos por violação do principio da boa fé a que está obrigada a Administração Fiscal - arts. 133, n° 2, d) e 134° do CP A, ex vi os arts. 266° da CRP; art. 3° do CPA e art. 69° da LGT.
23. Daí que, a correcção aritmética do acréscimo de proveitos no valor auto-denunciado pelos adquirentes das fracções antes do início da acção inspectiva, como efectivamente foi, o expediente utilizado pela administração tributária e manifestamente ilegal, por iludir a disposição contida no n.° 1 do art. 46° da Lei Geral Tributária.
24. O IRC é um imposto periódico, cujo prazo de caducidade se conta a partir da data em que o facto tributário ocorreu, e porque a Liquidação não foi validamente notificada ao sujeito passivo no prazo de quatro anos, verifica-se a caducidade do direito de liquidar o IRC do ano de 2003, nos termos do art. 88°, n.°1 do Código do IRC e 45°, números 1 e 4 do Lei Geral Tributária.
25. Deverá ainda ser valorada a cooperação do sujeito passivo com a Administração Fiscal, que forneceu todos os dados e elementos requisitados.
26. Inclusivamente, em virtude grande e forte pressão da Administração Fiscal, junto do sujeito passivo, e sob a ameaça de execuções fiscais e processos crimes, o sujeito passivo viu-se forçado a apresentar um quadro com diferenças de valores de vendas e que não foi de todo valorado nem comprovado.
27. É à Administração Fiscal que compete o ónus de provar o montante a que deve estar sujeita qualquer correcção - art. 74° da LGT, o que não se confunde com qualquer palpite ou intuição dos inspectores.
28. A prova dos montantes dos preços simulados só poderia ter sido determinado pela Administração Fiscal com recurso à movimentação bancária dos pagamentos e recebimentos, o que não sucedeu apesar de os contribuintes terem autorizado o levantamento do sigilo fiscal;
29. Em caso de dúvida na quantificação do acto tributário o acto tributário tem de ser anulado - art. 100° do CPPT.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXASV A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE PELOS MOTIVOS SUPRA EXPOSTOS, COM A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA LIQUIDAÇÃO ORA IMPUGNADA, E AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA A ANULAÇÃO DA MESMA POR DÚVIDA NA SUA QUANTIFICAÇÃO.
VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO ASSIM A ACOSTUMADA JUSTIÇA.
Não houve contra -alegações.
O EPGA emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, pelos fundamentos a que infra se fará alusão.
Com os vistos dos senhores juízes adjuntos cumpre decidir.

*

B – A fundamentação

2.1. - DOS FACTOS:

Na sentença fixou-se o seguinte probatório com base nos elementos junto aos autos:
A. A impugnante exerce como actividade principal a compra e venda de bens imobiliários, a que corresponde o CAE 68100, e secundária a construção de edifícios (residenciais e não residenciais), a que corresponde o CAE 41200 (Doc. de fls. 56/63 do processo administrativo tributário).
B. Está enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC, e no regime normal com periodicidade trimestral relativamente à actividade sujeita a IVA (Doc. de fls. 56/63 do processo administrativo tributário).
C. No decurso do ano de 2003, a impugnante vendeu as seguintes fracções autónomas do prédio correspondente ao lote 5 da Quinta do Minote, Portela de Carnaxide, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, sob o artigo 10929.°:
FRACÇÃO ADQUIRENTES VALOR DA ESCRITURA
B B... € 124.699,47
C...
C D... €124.699,47
E...
D F... €139.663,41
G...
E H... €139.663,41
I...
F J...
K...
G L... €139.699,47
H M...
l N... €139.663,41
O...
J P... €139.663,41
Q...
L R... €139.663,41
M S... €139.663,41
T...
(Doc. de fls. 56/63 do processo administrativo tributário).
D. No dia 27/08/2007, o adquirente C... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma B foi de €165.000,00 (Doc. de fls. 77/78 do PAT).
E. No dia 27/08/2007, o adquirente D... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma C foi de €150.000,00 (Doc. de fls. 79/80 do PAT).
F. No dia 27/08/2007, o adquirente F... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma D foi de €190.000,00 (Doc. de fls. 81/82 do PAT).
G. No dia 27/08/2007, o adquirente H... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma E foi de €169.000,00 (Doc. de fls. 83/84 do PAT).
H. No dia 28/08/2007, o adquirente J... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma F foi de €194.531,18 (Doc. de fls. 85/86 do PAT).
I. No dia 07/01/2008, o adquirente L...declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma G foi de €193.299,00 (Doc. de fls. 87/88 do PAT).
J. No dia 14/03/2007, a adquirente M... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa ter pedido empréstimo bancário para aquisição da fracção autónoma H no valor de €199.627,34 (Doc. de fls. 89/90 do PAT).
K. No dia 28/08/2007, o adquirente N... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma l foi de €190.000,00 (Doc. de fls. 91/92 do PAT).
L. No dia 28/12/2007, o adquirente P... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma J foi de € 190.000,00 (Doc. de fls. 93/94 do PAT).
M. No dia 28/08/2007, o adquirente R... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma L foi de € 190.000,00 (Doc. de fls. 95/96 do PAT).
N. No dia 14/03/2007, o adquirente S... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma M foi de € 190.000,00 (Doc. de fls. 97/99 do PAT).
O. No dia 23/10/2007, a Direcção de Finanças de Lisboa emitiu notificação dirigida à impugnante, na pessoa do administrador U..., da qual consta o seguinte:
"No decurso da preparação prévia (prevista no artigo 44.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e no artigo 54° da Lei Geral Tributária) com vista à programação e planeamento do procedimento de inspecção (...) teve a Administração Fiscal conhecimento da existência de factos patrimoniais, cuja eventual não adequada relevação contabilística e declarativa, são susceptíveis de ser tipificados como condutas ilícitas previstas e punidas pelo disposto no Regime Geral das Infracções Tributárias.
Assim, em obediência ao principio da cooperação que se encontra previsto no disposto nos artigos 9° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e 59° da Lei Geral Tributária, venho solicitar a comparência de V. Exa. (...) para a prestação de esclarecimentos sobre a actividade exercida pela mesma nos anos de 2003 e seguintes" (Doc. de fls. 122 do PAT).
P. Através da Ordem de Serviço n.° 01200707991, emitida em 23/10/2007 e com despacho de 26/10/2007, a Direcção de Finanças de Lisboa ordenou a realização de acção inspectiva externa à impugnante, referente ao exercício de 2003 (Doc. de fls. 124 do PAT).
Q. A impugnante foi notificada no dia 08/11/2007 do início do procedimento de inspecção (Doc. de fls. 125/126 do PAT).
R. Consta do relatório de inspecção o seguinte:
"Pela análise à contabilidade do sujeito passivo, nomeadamente de extractos de conta corrente e respectivos documentos de suporte, constatam-se algumas discrepâncias entre a classificação destes e os registos contabilísticos, para além de se verificarem movimentos de compensação entre contas associadas a diferentes fracções, salientando-se a título exemplificativo:
- na conta 25 - Accionistas foi lançado, em 2003.12.31, o montante de €32.199,47, por contrapartida do pagamento relativo à aquisição da fracção B (piso O letra B) (cfr. descrição do extracto de conta corrente - Anexo l), cuja escritura de compra e venda foi lavrada aos 2003.08.04, embora o documento de suporte (doc. 2 do diário de vendas - Anexo II) evidencie que o diferencial para o preço escriturado (€92.500,00) provém da conta de adiantamentos relativa à fracção L (piso 2 letra C) -2191101;
- a fracção B (piso O letra B) não tem associada qualquer conta de adiantamentos de clientes;
-o proveito relativo à fracção L (piso 2 letra C) lançado na respectiva conta de vendas (7125) tem por contrapartida a conta de adiantamentos de clientes relativa à fracção G (piso 1 letra C) -cfr. doc. 1 do diário de vendas (Anexo III);
-por sua vez, o proveito relativo à fracção G (piso 1 letra C) encontra-se lançado na respectiva conta de vendas (7125) por contrapartida das contas de adiantamentos de clientes referentes às fracções F (piso 1 letra B) e J (piso 2 letra B) - conforme documento nº 1 do diário de vendas e respectivos extractos de conta corrente (Anexo IV);
-por outro lado, os lançamentos efectuados quer nas subcontas da conta 219 - Clientes c/ adiantamentos, quer na conta 7125 - Vendas de produtos acabados - diversas, nem sempre correspondem às classificações dos respectivos documentos de suporte, ou os mesmos não correspondem à totalidade dos movimentos contabilizados, conforme se verifica, a título exemplificativo, pela análise de:
• Doc. 1 do Diário de Vendas, o qual reflecte 3 lançamentos a crédito da conta 7125 e o extracto desta conta reflecte 4 lançamentos (cf. Anexo III e IV),
• Doc. 18 do Diário de Bancos, que não reflecte o lançamento na conta 7125 (cf. Anexo IV e V).
Pelo exposto, podemos concluir que o registo dos movimentos financeiros, relativos aos proveitos oriundos das alienações dos imóveis, não foi efectuado de uma forma clara e transparente, o que indicia a possível ocultação de proveitos.
Mais é de salientar, que o sujeito passivo não exibiu quaisquer contratos de promessa de compra e venda, não obstante ter registado os adiantamentos de clientes/entregas antecipadas a título de sinal, sendo a realização dos referidos contratos prática comum na comercialização de imóveis.
(...)
No decurso da acção de "mútuos duvidosos 2003" foram notificados os intervenientes nas transacções do prédio sito na freguesia de Carnaxide, ou seja, os adquirentes, ao abrigo do dever de colaboração previsto no n.° 4 do art. 59º da LGT, para confirmarem o valor real de aquisição das fracções em causa e apresentarem os meios de pagamento utilizados nas mesmas, bem como termo de declaração de Sisa adicional, no caso de se verificar divergência entre o valor declarado na escritura de compra e venda e o preço efectivo das fracções.
Ouvidos em Termo de Declarações, todos os adquirentes do prédio sito em Carnaxide, declararam que o valor real de aquisição das respectivas fracções, foi superior ao valor de venda declarado nas Escrituras de Compra e Venda (cfr. Anexo VI), tendo a maioria deles confirmado a intenção de regularizar a sua situação tributária, junto do Serviço de Finanças e, inclusive, pago o Imposto Municipal de Sisa adicional e Imposto de Selo, nos casos em que foi apurado valor a pagar face à diferença de valores apurada. (...)
No seguimento das declarações dos adquirentes, e após o início do procedimento inspectivo, o administrador da sociedade, em deslocação a estes serviços, em 2007.11.26, apresentou um mapa de apuramento dos valores escriturados e dos valores de venda, relativo às transacções das fracções do prédio sito em Carnaxide, demonstrando interesse em regularizar a sua situação tributária. Todavia, a diferença de valores apurada pelo mesmo, cerca de €272.751,24, é manifestamente inferior à diferença apurada por estes serviços como supra relatado (cerca de 53%).
Nos termos da alínea a) do n°1 do artigo 30° do CIRC, o IRC incide sobre o lucro das sociedades que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sendo que o lucro consiste na diferença entre o património líquido no fim e no início do período de tributação (cfr. n°2 do mesmo artigo). A alínea a) do n° 1 do artigo 20º do CIRC, define, ainda, como proveitos os resultantes de vendas e, o n°1 do artigo 18º do mesmo diploma legal, estabelece que os proveitos são imputáveis ao exercício a que dizem respeito. Assim, a diferença apurada entre os valores auto denunciados pelos adquirentes e os considerados pelo sujeito passivo na determinação do lucro tributável, no valor global de €510.460,55, reveste a natureza de proveitos, que, face à omissão, deverá ser acrescida ao lucro tributável. (...)
Conforme referido no projecto relatório, pela análise à contabilidade do sujeito passivo, foram detectadas discrepâncias entre a classificação dos documentos de suporte e os registos contabilísticos, das quais se salientou, entre outros, e a titulo exemplificativo, o facto de se verificar movimentos de compensação entre contas associadas a diferentes fracções, como, por exemplo, a contabilização do proveito relativo à fracção L (piso 2 letra C) na respectiva conta de vendas (7125), por contrapartida da conta de adiantamentos de clientes relativa à fracção G (piso 1 letra C) - cfr. doc. 1 do diário de vendas (anexo III).
Tal evidencia, de forma inequívoca, que o registo dos movimentos financeiros, relativos aos proveitos das alienações dos imóveis, não foi, em parte, efectuado de forma clara e transparente, conforme demonstrado no exemplo dado anteriormente, em que um movimento contabilístico, que supostamente se deveria referir a uma única e determinada situação, neste caso a venda de uma fracção, encontra-se espelhado na contabilidade da sociedade como um proveito relativo a uma fracção e um adiantamento de clientes relativo a outra.
Também se esclarece aqui que as discrepâncias detectadas na contabilidade nunca foram apontadas no projecto relatório como justificação ao acréscimo de proveitos apurado, mas apenas como indiciadoras de uma possível ocultação dos mesmos.
Relativamente à não exibição de contratos de promessa de compra e venda, não é referido no projecto de relatório que a mesma constitui, por si, fundamento ou causa que justifique a falta de clareza ou transparência, nem sequer "a possível ocultação de proveitos", mas tão só que, sendo a realização dos mesmos prática comum na comercialização de imóveis, não foram no entanto exibidos quaisquer contratos, não obstante terem sido registados adiantamentos de clientes/entregas antecipadas a título de sinal, os quais têm como suporte documentos internos e talões de depósitos bancários.
O acréscimo de proveitos apurado é justificado, isso sim, pela omissão comprovada e praticada nas escrituras de venda das fracções do prédio sito em Carnaxide, pelo facto de, após audição e correspondente registo através de "Termo de Declarações", todos os adquirentes, em 2003, do prédio sito em Carnaxide, terem declarado que o valor real e aquisição das respectivas fracções foi superior ao valor de venda declarado nas Escrituras de Compra e Venda (cfr anexo VI). (...)
Importa referir que o próprio Sujeito Passivo, no decurso dos actos de inspecção, veio assumir em termo de declarações de 2007/11/26, pela junção de um mapa, que os valores das escrituras são diferentes dos valores de venda, situação já descrita no anterior ponto 1.2. do capitulo III do presente relatório, (cfr. Anexo VIII)
Pelo que contrariando o alegado no direito de audição, o motivo para os adquirentes terem declarado um valor de aquisição superior ao valor constante da Escritura de Compra e Venda inicialmente declarado/não se baseia no facto de existirem empréstimos de valor superior ao valor de aquisição da fracção, os quais teriam supostamente sido utilizados na "aquisição de outros bens ou serviços".
Assim, tendo em consideração o exposto anteriormente, concluímos que no exercício do direito de audição, não foram trazidos ao processo elementos novos, passíveis de alterarem o sentido das correcções inicialmente propostas" (Doc. de fls. 56/63 do P AT).
S. A impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório no dia 22/02/2008 (Docs. de fls. 56/63 e 103/105 do PAT).
T. A impugnante foi notificada do teor do relatório final da inspecção no dia 12/03/2008 (Docs. de fls. 118/121 do PAT).
U. No dia 01/04/2008, a administração tributária efectuou a liquidação oficiosa de IRC respeitante ao ano de 2003, da qual resultou o valor a pagar pela impugnante de €193.724,39 (cento e noventa e três mil, setecentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos) (Doc. de fls. 46 do PAT).
V. Esta liquidação foi notificada à impugnante no dia 09/04/2008 (Docs. de fls. 138/143 do PAT).
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Ao abrigo do artº 712º do CPC e porque releva para a apreciação e decisão do fundamento de recurso condensado nas conclusões 25ª a 29ª – dúvida sobre a quantificação-, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:
W. No dia 27/08/2007, o adquirente C..., além do que consta da al. D) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma B foi de €165.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 104.500,00€ aplicado na totalidade na aquisição do imóvel; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional “ respondeu “Sim”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não” – cfr. fls. 77/78 do PAT.
X. No dia 27/08/2007, o adquirente D..., além do que consta da al. E) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma C foi de €150.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 82.300,00€ aplicado na totalidade na aquisição da fracção; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional “ respondeu “Sim”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não” – cfr. fls.79/80 do PAT.
Y. No dia 27/08/2007, o adquirente F..., além do que consta da al. F) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma D foi de €190.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 133.000,00€ totalmente aplicado na aquisição do imóvel; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim. Depende do enquadramento legal”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim” – cfr.81/82 do PAT.
Z. No dia 27/08/2007, o adquirente H..., além do que consta da al. G) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma E foi aproximadamente €169.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 139.663,41€ aplicado na totalidade na aquisição do imóvel. O restante (29.336,59€) foi pago em numerário, não tendo como comprovar o respectivo valor; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim. Depende do enquadramento legal”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim”; ainda declarou que “O imóvel foi adquirido por um valor inferior ao previamente estabelecido por ficar “colado” ao Bairro Social Pátio dos Cavaleiros e ter havido alguns problemas que levaram à renegociação do valor inicialmente acordado – cfr. 83/84 do PAT).
A1. No dia 28/08/2007, o adquirente J... além do que consta da al. H) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma F foi de €194.531,18 –39.000.000$00-) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de 105.000,00€, aplicado na totalidade na aquisição da fracção; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim. Depende do enquadramento legal”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim” – cfr. fls. 85/86 do PAT).
A2. No dia 07/01/2008, o adquirente L..., além do que consta da al. I) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma G foi de €193.299,00) disse ainda que “Sim, efectuei 2 empréstimos: €139.663,47 e €25.000,00, ambos utilizados na aquisição da citada fracção; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Não”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim autorizo”; ainda se comprometeu “a entregar documento comprovativo da regularização da sisa junto dos SF de Oeiras-3” cfr. fls. 87/88 do PAT).
A3. No dia 14/03/2007, a adquirente M..., além do que consta da al. J) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma H foi de €139.663,41) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de 199.627,34€. O valor de 139.663,41 foi aplicado na aquisição do imóvel. À data da escritura foi efectuado um outro pagamento à empresa construtora através de cheque do BPN, de cujo valor não se recorda. Não efectuou contrato promessa de compra e venda. perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa, apresentando posteriormente o comprovativo”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou, nada disse; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim. No âmbito deste processo” – cfr. fls. 89/90 do PAT).
A4. No dia 28/08/2007, o adquirente N..., além do que consta da al. K) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma I foi de €190.000,00, disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de 125.000,00€, aplicado na totalidade na aquisição do imóvel; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.l”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não” – cfr. fls. 91/92 do PAT).
A5. No dia 28/12/2007, o adquirente P..., além do que consta da al. L) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma J foi de €190.000,00, disse ainda que foram efectuados empréstimos “138.500,00€ e 43.500,00€” “..parte foi aplicado na constituição da sociedade/loja, mais ou menos no montante de 10.000,00€. Para perfazer o valor de aquisição do imóvel houve também empréstimos familiares”; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que “Não”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim , desde que se reporte à data da aquisição do mesmo”; quanto a entregar documentação afirmou que “Não tem documentação a entregar em virtude de os cheques utilizados serem os emitidos pela Instituição bancária e o restante ter sido um cheque ao portador emitido por terceiros do qual não fiquei com cópia”; sobre outras situações declarou que “Todas as fracções com a tipologia T3, tinham um valor base igual a 190.000,00€, podendo o mesmo valor no sentido de ser superior, caso a box (garagem) não fosse da tipologia standar (ou seja, de 1 carro) –cfr. fls. 93/94 do PAT).
A6. No dia 28/08/2007, o adquirente R..., além do que consta da al. M) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma L foi de €190.000,00, disse ainda que “Foram efectuados dois empréstimos na CGD pelos montantes de 107.292,00€ e 21.000€, aplicados na totalidade na aquisição da fracção. A diferença foi paga em numerário”; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não” – cfr. fls. 95/96 do PAT.
A7. No dia 14/03/2007, o adquirente S..., além do que consta da al. N) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma M foi de €190.000,00), disse ainda que o valor de aquisição declarado foi “€139.663,41” e que o valor dos empréstimos garantidos sobre o imóvel adquirido foi €139.663,41+€50.336,59”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Comprou directamente com o construtor”; quanto à aplicação da totalidade do montante dos empréstimos que foram concedidos referiu que “O empréstimo no valor de €139.663,41 foi utilizado na aquisição do imóvel. O empréstimo no valor de €50.336,59 também foi aplicado na aquisição do referido imóvel. Não foi celebrado contrato promessa de compra e venda. O valor real de aquisição do imóvel foi de €190.000,00” – cfr. fls. 97/99 do PAT).
A8. Em 26/11/2007 foi elaborado termo de declarações ao legal representante da impugnante através no qual declara “Vem apresentar um mapa que se junta ao processo em anexo 1 ao presente Termo de Declarações, onde constam, em relação à fracções em causa, o valor da escritura e as diferenças reconhecidas pelo sujeito passivo para encontrar o valor real de venda – cfr. fls. 106 a 109, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos.

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Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

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Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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2.2. – DO DIREITO:

Atenta esta factualidade e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, vejamos agora a sorte deste em que a questão decidenda se desdobra nas seguintes vertentes, cuja apreciação e decisão prejudica todas as demais que de forma directa ou meramente argumentativa sejam suscitadas:
I) saber se a correcção da matéria tributável dependia de declaração judicial de nulidade do negócio simulado, nos termos previstos no artigo 39.°, n.° 2, da LGT;
II) saber se a prova constituída pelos autos de declarações dos adquirentes das fracções é nula, por ser anterior ao procedimento inspectivo;
III) aferir se a conduta da administração fiscal violou o princípio da boa fé e consubstancia um abuso de direito, donde decorre a nulidade da inspecção fiscal e actos administrativos decorrentes;
IV) aquilatar se à data da liquidação em causa, já decorrera o prazo de caducidade do direito à liquidação e
V) se o valor apurado na liquidação foi fixado com uma margem de dúvida, a qual devia ter sido valorada a favor da impugnante.
Assim:
Da violação do artigo 39.°, n.° 2. da LGT
Invocava inicialmente a impugnante, ora recorrente, que a correcção da matéria tributável assentou apenas nas declarações dos adquirentes das fracções vendidas pela impugnante e na alegada simulação do valor das aquisições, pelo que a tributação do negócio jurídico real dependia de declaração judicial de nulidade.
Na sentença recorrida, arrimando-se a jurisprudência do STA que cita, advogou-se a tese de que as correcções efectuadas pela administração fiscal não careciam de prévia declaração judicial de nulidade da compra e venda titulada para a tributar, pois nunca questionou a existência e validade do negócio, apenas entendeu que um dos seus elementos, o preço, não era o que declarado fora na escritura pública.
Em sede de recurso e conforme as atinentes conclusões, reitera a impugnante que, sem prejuízo da douta jurisprudência invocada pelo Tribunal "a quo", a verdade é que a lei faz expressamente depender a tributação do negócio real da nulidade judicial do negócio dissimulado.
E EPGA adere, sem reservas, à tese da sentença.
Quid juris?
Como vimos, a recorrente sustenta que a simulação do preço em negócio jurídico titulado por documento autêntico, como é a escritura pública, carecia de prévia declaração de nulidade pela via judicial para que pudesse ser corrigida a matéria colectável, invocando em apoio de tal entendimento o art. 39° n°2 da LGT.
Todavia e na senda não só da jurisprudência citada na sentença recorrida, como, ainda, dos Acórdãos do TCA de 29/04/03, tirado no Recurso nº 3101/01 e de 18/11/2003, no Recurso nº6594/02, cuja fundamentação vamos acompanhar nesta parte, há que ter em conta que art. 39° n°2 da LGT normativo que dispõe que:
" 1 - Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
2 - Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade."
Assim, deste nº 2 decorre que os actos ou negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídico - tributários enquanto não houvesse decisão judicial a declará-los nulos ou anuláveis, salvo as excepções expressamente previstas nas leis tributárias.
Assim sendo e também de acordo com a doutrina vazada no acórdão do STA proferido em 26/02/03, no Recurso n° 89/03, a AF não pode ignorar tais negócios jurídicos enquanto não for declarada a sua nulidade ou anulabilidade, mas não está impedida de proceder a correcções à matéria colectável, introduzindo as que forem pertinentes face aos elementos apurados.
E prossegue o mencionado aresto, citando o acórdão de 4/12/73 do STJ e a anotação a ele feita pelo Prof. Vaz Serra na RLJ, ano 107, fls. 309-314, «(...) "a simples simulação do preço não torna nulo o contrato, ainda que feita para prejudicar o direito do Estado ao imposto". E acrescentava adiante: "o contrato não é nulo por motivos de natureza fiscal, sendo a sua validade ou nulidade determinada pelas regras do direito privado. A lei fiscal não impõe, consequentemente, a nulidade do contrato em que exista simulação do valor; e essa nulidade não resulta também da lei civil, pois, ainda que se trate de contrato sujeito legalmente a uma forma especial, como acontece com o contrato de compra e venda de coisa imóvel, a razão da exigência da forma não abrange o montante do preço, o qual não tem de ser determinado no contrato, bastando que seja determinável".
No Manual dos Contratos em Geral, fls. 151 e segs., definia o Prof. Galvão Teles os vários tipos de simulação. Assim:
l. simulação: divergência entre a vontade e a declaração, estabelecida pôr acordo entre as partes com o intuito de enganar terceiros;
1. - simulação absoluta: quando na aparência se celebra um contrato, mas na realidade nenhum contrato se quer;
3. - simulação relativa: dá-se quando as partes pretendem realizar, e de facto realizam, um contrato, mas para iludir terceiros o ocultam, o encobrem, com um contrato diverso pela sua função e natureza, ou divergente em algum aspecto.
No caso vertente estamos perante uma simulação relativa. O negócio existe (...), cingindo-se a simulação ao preço pago pelo mesmo. Como atrás referimos tal simulação não torna nulo o negócio que consta da escritura e foi esse o que a Administração Fiscal tomou em consideração como facto tributário. Mas, tendo encontrado elementos indiciadores de que o preço pago não correspondia ao declarado, procedeu à correcção à matéria colectável nos termos que a lei lhe permitia.
O Prof. Leite de Campos (Simulação dos negócios jurídicos in Problemas fundamentais do Direito Tributário, fls. 224), após referir a necessidade da via judicial para declarar a nulidade do negócio jurídico simulado, escreve "Isto não impede, nos termos da primeira parte do nº2 (do artigo 39º da Lei Geral Tributária), que a Administração Fiscal corrija a matéria tributável revelada pelo negócio real, nos termos indicados na última parte do n"2". O facto de constar da escritura um preço determinado apenas demonstra ter sido esse o declarado pelas partes perante o notário mas não inibe a Administração Fiscal de ter outro entendimento face aos elementos que apura. Como bem se referiu no acórdão 1757/02 de 19 de Fevereiro de 2003 "mal se compreenderia que, consagrando a Lei Geral Tributária a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas à Administração Fiscal, e nem pôr isso lhe proibindo o recurso a métodos presuntivos (artigo 75°), atribuísse às declarações prestadas perante outro oficial público - o notário - valor superior, tal que a Administração ficasse manietada, dependente da obtenção de uma declaração judicial de nulidade. Não se vislumbra razão para conferir maior força à declaração feita perante um notário do que àquela que é produzida perante a Administração Fiscal".
Esta doutrina é, aliás, a acolhida pelo art. 39° da LGT, onde, como se viu, se estipula o seguinte:
"l. Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado. 2. Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a nulidade".
Como se diz no n°2 desse preceito, a tributação do negócio constante de documento autêntico é feita sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à AF, poderes que, lhe são conferidos nos termos dos artigos 58°, 74° e 90° da LGT.
Claro que isso é assim, sem prejuízo de a recorrente provar a falta ou insuficiência de indícios aptos a provarem que o preço pago correspondia ao declarado na escritura e/ou a incerteza ou dúvida sobre a existência e conteúdo do facto tributário ou que existe erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, fundamentos que também estão invocados e são objecto do presente recurso e podem tornar ilegais as correcções e a consequente liquidação adicional.
Improcede, pois, este fundamento de recurso, assim sendo de manter a sentença recorrida quanto a este aspecto.

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Da nulidade da prova constituída pelos autos de declarações dos adquirentes das fracções é nula, por ser anterior ao procedimento inspectivo:
No ponto, a tese da impugnante é a de que, sendo os autos de declarações dos adquirentes das fracções maioritariamente prévios ao procedimento inspectivo desencadeado pela administração fiscal, a recolha da prova nessas condições enferma de nulidade.
Segundo a sentença recorrida, não ocorre a invocada nulidade da prova que foi tomada em consideração em sede da acção inspectiva já que, tratando-se de actos praticados pela administração fiscal como preliminar do procedimento de inspecção devem ser apreciados como tal e não como parte de um procedimento informal, como pretende a impugnante.
No recurso (vide conclusões 3ª a 5ª e 8ª a 12ª) persiste a impugnante em considerar que os valores apurados já se encontravam na posse da administração tributária antes do início do procedimento inspectivo e antes do termo do exercício da actividade do ano de 2003, configurando os procedimentos informais de pré inspecção a realização de uma verdadeira acção inspectiva, "ad-hoc", sem qualquer ordem de serviço que a ordenasse e sem qualquer respeito pelos direitos do sujeito passivo, sendo a determinação da acção inspectiva unicamente um um -expediente para evitar a caducidade da liquidação.
Desenvolvendo, afirma a recorrente que os compradores foram notificados e ouvidos, em 14.03.07, em 27.08.2007, em 28.08.2007, em 28.12.2007 e em 07.01.2008 ou em 7.01.2007 (pois a data do ano encontra-se rasurada), fora de qualquer procedimento de acção inspectiva e tais procedimentos prévios consistiram na verdadeira acção inspecção que só teve início em data muito posterior ao arrepio do princípio da legalidade a que está obrigada a Administração Pública - art. 266° da CRP.
É que, aduz a recorrente, o DL 431/98 de 31 de Dezembro que aprovou o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) tem justamente por base impedir arbitrariedades na condução da Inspecção Tributária, e tutelar também as garantias dos contribuintes durante esse procedimento - art. 69° da LGT. E os actos praticados ao abrigo dos poderes constitucionalmente conferidos à Administração Fiscal para proceder à Inspecção dos contribuintes, ao abrigo do princípio da legalidade (art. 266° da CRP e art. 3° do Código de Procedimento Administrativo), só podem ser conduzidos num processo inspectivo e não aleatoriamente em qualquer procedimento informal, como sucedeu com as declarações dos contribuintes adquirentes.
Por assim ser é que a recorrente assaca aos actos praticados pela Administração Fiscal, em que são recolhidos os únicos indícios de prova que sustentam a correcção da matéria colectável, fora de qualquer acção inspectiva, a nulidade nos termos dos arts. 133º, n°2, d) e 134° do CPA, ex vi os arts. 266° da CRP; art 3° do CPA e art. 69° da LGT, a qual determina a inexistência de todo o procedimento inspectivo que ora impugna.
Preliminarmente se diga que, em regra, os actos como os aqui sindicados são meramente anuláveis.
Como é sabido a regra geral no regime de invalidade do acto administrativo é a da anulabilidade - art. 135° do CPA. Sendo, todavia, nulos, nomeadamente - art. 133° n° 2 al. d) -os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. O que não é o caso já que aí se não insere o disposto no art. 103° n°3 da Constituição da República.
O que aí se confere é um direito de resistência jurídica ao pagamento, o que significa que, na própria execução coerciva, o contribuinte pode alegar, em termos de oposição, a inconstitucionalidade da lei, base da liquidação do tributo.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à alegada ofensa ao conteúdo essencial do direito de propriedade consagrado no art. 62° da CRP, uma vez que, de modo algum, se suprime tal direito.
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação àquele normativo, "o direito de propriedade a que se refere a rubrica do artigo parece consistir, pois e apenas, na garantia do direito à propriedade, isto é, no direito de não ser expropriado ou esbulhado, pelo Estado ou por terceiros, salvo por utilidade pública e mediante indemnização. O direito à propriedade que a Constituição garante está assim longe do conceito amplo do direito de propriedade que inclui tradicionalmente não só o direito de não ser expropriado do título ou posse, mas também à liberdade de uso, de fruição, de disposição, sem limites ou intromissões de terceiros e, desde logo, do Estado.»
Diz-nos Marcelo Rebelo de Sousa a propósito do critério do interesse predominantemente protegido ou tutelado para efeitos de diferenciação entre nulidade e anulabilidade no direito administrativo que, do que se trata, "(..) é de ponderar vários interesses públicos eventualmente conflituantes, fazendo prevalecer um ou outro e, em conformidade, apontando para a nulidade ou anulabilidade do acto administrativo...)" resultando que "(..) em muitos casos, a nulidade resulta da afirmação do interesse público primordial da consagração e tutela dos direitos e interesses legítimos dos particulares [daí que] o interesse público da salvaguarda da legalidade, na sua vertente subjectiva de defesa dos direitos dos cidadãos, justifica a nulidade no caso da chamada violação de lei (vício de conteúdo, diríamos nós) em que tais direitos fossem violados e o interesse público primordial da tutela da legalidade, na sua vertente objectiva, explica a nulidade da usurpação de poder, na incompetência por falta de atribuições e em certos em certos casos mais graves de vício de forma e da chamada violação de lei (..)" (Marcelo Rebelo de Sousa, O valor jurídico do acto inconstitucional, Lisboa, 1988, págs. 222 a 226.), correspondência que, ressalvados os alargamentos originados pelo art° 133° CPA, para o caso dos autos se mantém inalterada.”
Ora, a nosso ver, o acto em causa não é nulo por não ofender o conteúdo essencial de direitos fundamentais.
Na senda do doutrinado por J.J.G. Canotilho e V. Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., pág. 153, deverá atender-se ao direito fundamental em causa como um bem jurídico objectivo sem “contudo abstrair do facto de se tratar sempre de direitos fundamentais com sujeito.”
A garantia de conteúdo essencial funciona como “uma baliza última de defesa dos direitos, liberdades, e garantias delimitando um núcleo que em nenhum caso deverá ser invadido” (cfr. os mesmos autores, Ob. Cit., pág. 154.).
Ora, tal conteúdo essencial não foi violado pelo despacho recorrido por este ter descaracterizado a ordem de valores que nesse domínio a CRP positiva, sendo que ao ferir de nulidade os actos que afectem o referido conteúdo essencial, o legislador pretende defender e assegurar os limites imanentes do direito fundamental em causa.
Volvendo ao caso dos autos, a vemos que apreciando esta questão, se expendeu na sentença recorrida que “O procedimento de inspecção tributária tem como objectivos a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributárias, conforme resulta do disposto no artigo 2.°, n.° 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).
Compreende, com interesse para o caso vertente, a confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, e a indagação de factos tributários não declarados pelos mesmos, cf. artigo 2.°, n.° 2, do RCPIT.
Na sua contestação, a Fazenda Pública trouxe à colação o disposto no artigo 44.° do RCPIT, defendendo que algumas das declarações valoradas em sede inspectiva foram prestadas no decurso da preparação prévia da acção de inspecção, prevista naquele normativo legal, através da qual a administração fiscal tomou conhecimento da existência de factos patrimoniais susceptíveis de serem tipificados como condutas ilícitas, por eventual não adequada relevação contabilística e declarativa.
Nos termos deste artigo 44.° do RCPIT, "[o] procedimento de inspecção é previamente preparado, programado e planeado tendo em vista os objectivos a serem alcançados" — n.° 1, e "[a] preparação prévia consiste na recolha de toda a informação disponível sobre o sujeito passivo ou obrigado tributário em causa, incluindo o processo individual arquivado nos termos legais na Direcção-Geral dos Impostos, as informações prestadas ao abrigo dos deveres de cooperação e indicadores económicos e financeiros da actividade" — n.° 2.
Segundo o n°4, deste artigo, "[a] programação e planeamento compreendem a sequência das diligências da inspecção tendo em conta o prazo para a sua realização previsto no presente diploma e a previsível evolução do procedimento."
Temos, pois, que está legalmente prevista a existência de uma fase prévia do procedimento inspectivo, em que os serviços da administração fiscal devem reunir os elementos que possibilitem o apuramento da verdade tributária, em sede de inspecção.
No caso que agora nos ocupa, as primeiras declarações dos adquirentes (a que se reportam as alíneas D a H, J, K, M e N da factualidade dada como provada) consubstanciam tal fase de preparação prévia, e não podiam deixar de ser considerados nas conclusões da acção inspectiva, que englobou, para além do mais, a prestação de declarações por parte de outros adquirentes das fracções autónomas do mesmo prédio urbano (alíneas l e L dos factos provados) e a audição da impugnante (alínea S dos factos provados).
Assim, tratando-se de actos praticados pela administração fiscal como preliminar do procedimento de inspecção devem ser apreciados como tal e não como parte de um procedimento informal, como pretende a impugnante.
Desta forma, não se verifica a nulidade da prova tida em consideração em sede da acção inspectiva.”
Do que acima se disse, decorre que não merece qualquer reparo o fundamentado e decidido na sentença sobre a questão em análise não ocorrendo a nulidade, nem sequer anulabilidade na situação visada pela recorrente.
Termos em que improcedem as conclusões sob análise.


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Da nulidade da inspecção fiscal e actos administrativos decorrente da violação do princípio da boa fé e do abuso de direito:

Prende-se esta nulidade ainda com a conduta da Administração Fiscal na preparação prévia do procedimento inspectivo, dizendo a recorrente (conclusões 13ª a 22º) que desde 14.03.2007 (data das primeiras declarações) que a Administração Fiscal teve a notícia dos alegados negócios simulados, pelo que a partir daquela data que constituía uma obrigação da Administração Fiscal iniciar de imediato uma acção inspectiva, com vista a apurar a verdade material dos factos, mas só em 23.10.2007 é que emitiu a Ordem de Serviço que veio a desencadear a acção inspectiva, ou seja, cerca de 7 meses após o conhecimento da informação, tendo o procedimento tido início em 8.11.2007 e o último dia para a Administração Fiscal proceder às correcções de IRC de 2003 seria o dia 31.12.2007.
No entendimento da recorrente, na data do início da acção inspectiva a Administração Fiscal já dispunha de todos os alegados elementos de prova que vieram a sustentar a sua decisão de liquidação adicional - ou sejam as declarações dos compradores, pelo que o aproveitamento de tal prova na inspecção, ainda que se considere a mesma como legal, determina a nulidade da mesma pelos fundamentos expostos.
É que, adita a recorrente, a acção inspectiva iniciada não foi uma acção inspectiva, mas sim um mero expediente para alargar o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no art. 46° da LGT, quando é certo que a Administração Fiscal, está obrigada ao respeito pelo princípio da boa fé nos termos do art. 6°-A do CPA e a conduta da administração fiscal violou inequivocamente o principio da boa fé, na medida em que a utilização de um expediente legal, com o único objectivo e propósito de evitar a caducidade do direito à liquidação, consiste num manifesto abuso de direito - art. 334° do Código Civil.
Assim, porque a Administração Fiscal se valeu do seu ius imperi de poder determinar a abertura de um procedimento inspectivo, com o único propósito de violar o direito do contribuinte a ver-lhe reconhecido o seu direito à caducidade da liquidação (art. 46° da LGT), e não para prosseguir o fim público de inspeccionar e apurar a prova que a habilitasse a conhecer da regularidade da situação contributiva do contribuinte, a inspecção fiscal e todos os actos administrativos decorrentes deste procedimento são nulos por violação do principio da boa fé a que está obrigada a Administração Fiscal - arts. 133, n° 2, d) e 134° do CP A, ex vi os arts. 266° da CRP; art. 3° do CPA e art. 69° da LGT.
Mais uma vez se sufraga a tese da sentença recorrida quando justifica a não verificação da nulidade da inspecção fiscal e actos administrativos decorrentes por violação do princípio da boa fé e abuso de direito.
Tal matéria está conexionada com o vício anteriormente analisado e que assenta no pressuposto das declarações que motivaram as correcções não fazerem parte da acção inspectiva, sendo que o eixo do problema foi agora deslocado para a questão de a conduta da AF se traduzir num mero expediente para alargar o prazo de caducidade do direito à liquidação, pois na mesma não foi recolhida qualquer prova quanto ao preço simulado.
Nesse sentido, em boa medida está questão ficou abarcada pela solução dada à questão anterior pois, como a propósito se enfatiza na sentença recorrida, uma vez que as declarações prestadas pelos adquirentes das fracções autónomas devem ser consideradas como preparação prévia da acção inspectiva, não podia a administração fiscal deixar de completar tal procedimento, de acordo com as normas legais que lhe subjazem.
De resto, não está minimamente demonstrado que no seu agir tenha a administração fiscal afrontado o princípio da boa fé e manifestado abuso de direito, pois que se limitou, como bem refere o Mº Juiz recorrido, «a desencadear o necessário procedimento de inspecção, para reposição da verdade tributária.»
Assim, não ocorre a nulidade dos arts. 133, n° 2, d) e 134° do CPA, ex vi os arts. 266° da CRP; art. 3° do CPA e art. 69° da LGT.
O princípio da boa fé está consagrado no artº 6º A do CPA e postula que “ No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé” (nº1), sendo que, para tanto, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito relevantes em face das situações consideradas e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida (nº2/ a) e b)-).
Vê-se, pois, que estamos perante um princípio geral da acção administrativa que impõe que, no seu desenvolvimento, deve existir uma conduta leal, conduta segundo o direito que tem um aspecto negativo: não lesar a ninguém, e outro positivo: agir de maneira activa na execução da prestação devida, cumprir fielmente a sua parte na obrigação; enfim, respeito aos direitos do administrado (cfr. Leib Soibelman, Dicionário Geral de Direito, ed. Br., 1º-90).
Acresce que o abuso de direito com que a recorrente diz ter agido a AF, em termos conceituais, configura o exercício do poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em aberta contradição, seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético -jurídico (boa fé; bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu reconhecimento.
Tratando-se, pois, de um princípio geral da acção administrativa, o princípio da boa fé não integra o chamado «núcleo duro» dos direitos.
Na verdade, é manifesto que o legislador quis tutelar o que J. M. Cardoso da Costa in A Hierarquia das normas Constitucionais a sua função na Protecção dos Direitos Fundamentais, B.M.J. 396-93, qualifica como sendo o núcleo duro da Constituição, melhor dizendo, os direitos liberdades e garantias que constituem o verdadeiro núcleo originário e tradicional dos «direitos fundamentais» mais imediata e directamente implicado pela dignidade da pessoa humana.
Ora, é assertivo o entendimento de que a regra geral para a invalidade dos actos administrativos como sendo a anulabilidade, consagrada no artigo 135° do CPA e que os casos de nulidade estão expressos no artigo 133° do mesmo diploma.
É que, como se expendeu no Acórdão do TCA de 22/10 /2002, no Recurso nº 6515/02 e nos arestos que aí se citam, quando apenas estão em causa impostos, em regra os actos tributários não são nulos mas meramente anuláveis, pois que, mesmo o vício de inconstitucionalidade da respectiva norma jurídica não implica sempre a sua nulidade.
De tais arestos resulta que é este o entendimento que vem sendo afirmado pelo STA, em vários e recentes acórdãos: o de que actos tributários são meramente anuláveis.
Na senda da jurisprudência aludida, a regra geral no regime de invalidade do acto administrativo é a da anulabilidade - art. 135° do CPA. Sendo, todavia, nulos, nomeadamente - art. 133° n° 2 al. d) -os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que será o caso já que a situação em causa não se circunscreve unicamente ao disposto no art. 103° n° 3 da Constituição da República.
O que aí se confere é um direito de resistência jurídica ao pagamento, o que significa que, na própria execução coerciva, o contribuinte pode alegar, em termos de oposição, a inconstitucionalidade da lei, base da liquidação do tributo.
O certo é que os direitos de audiência e à justiça administrativa (artigo 268.°, n.° 5, da Constituição), o direito de participação dos cidadãos na administração pública, o direito ao contraditório, resultante do Direito Internacional, nomeadamente a Convenção europeia sobre os Direitos do Homem, artigo 6.°, o direito à fundamentação dos actos administrativos, enquanto garante de controle de legalidade dos mesmos (artigos 3.°, n.° 2 e 268.°, n.° 3, ambos da Constituição), o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.° da Constituição ), o princípio da tutela jurisdicional efectiva, acolhido no artigo 268.°, n.º 4, da Constituição, o princípio do direito ao procedimento justo e equitativo, direito a um "due process of law", ínsito no artigo 268.°, da Constituição, o artigo 18.°, n.° 1, da Constituição, o princípio de um "due process of law", a garantia dos particulares que, no artigo 268.°, n.° 3, da Constituição, têm assento constitucional, como é bom de ver.
Todavia, os direitos constitucionais atrás referidos têm natureza instrumental, assumindo a natureza de direito fundamental quando o for o direito dominante.
Ora, no caso concreto, como é patente, o direito dominante reduz-se a um interesse particular meramente recondutível ao direito de resistência jurídica ao pagamento de impostos ilegais, não contendendo com nenhum direito individual do «núcleo duro» que a decisão recorrida haja afrontado como se demonstrou.
Assim, não está em causa a ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental de natureza análoga a que se refere o artigo 17º da Constituição da República Portuguesa, não lhe sendo aplicável, por isso, o regime constitucional específico dos direitos liberdades e garantias adversamente à tese da recorrente.
Ora, sendo certo que a recorrente não substancia nem demonstra que, nas situação versada, a AF tenha agido com má fé e abuso de direito e que os actos em causa não põem em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental e, em consequência, não é nulo, porque não é subsumível à causa de nulidade catalogadas no artigo 133º nº 1 al. d) do Código do Procedimento Administrativo (acto que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental), inevitavelmente que improcedem as conclusões de recurso em apreço.

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Da caducidade do direito à liquidação

Nas conclusões 23ª e 24º, sustenta a recorrente que a correcção aritmética do acréscimo de proveitos no valor auto-denunciado pelos adquirentes das fracções antes do início da acção inspectiva, iludiu a disposição contida no n.° 1 do art. 46° da Lei Geral Tributária, sendo certo que o IRC é um imposto periódico, cujo prazo de caducidade se conta a partir da data em que o facto tributário ocorreu, e porque a Liquidação não foi validamente notificada ao sujeito passivo no prazo de quatro anos, verifica-se a caducidade do direito de liquidar o IRC do ano de 2003, nos termos do art. 88°, n.°1 do Código do IRC e 45°, números 1 e 4 do Lei Geral Tributária.
Também aqui a sentença é irrepreensível ao discretear do seguinte modo:
“O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, cf. artigo 45.°, n.° 1, da LGT, contando-se este prazo, nos impostos periódicos como o IRC, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, cf. artigo 45.°, n.° 4, da LGT.
Quanto à questão da duração do procedimento inspectivo e seus efeitos no prazo de caducidade, dispõe o artigo 46.°, n.° 1, da LGT, que "[o]prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação." E segundo o artigo 36.°, n.° 2, do RCPIT, "[o] procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início."
Sob a epígrafe data do início do procedimento de inspecção, dispõe o artigo 51.°, n.° 1, do RCPIT, que "[d]a ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário".
Como consta da matéria fáctica dada como assente, a impugnante foi notificada no dia 08/11/2007 da ordem de serviço que determinou a realização de acção de inspecção por parte da administração tributária.
Quanto ao final do procedimento inspectivo, dispõe o artigo 61.°, n.° 1, do RCPIT, que "os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento".
Voltando aos factos dados como provados, constata-se que a impugnante foi notificada do teor do relatório final da inspecção no dia 12/03/2008.
Assim, o procedimento inspectivo não ultrapassou seis meses e suspendeu-se o prazo de caducidade do direito à liquidação durante o período de tempo que aquele durou.
Uma vez que, como decorre do supra notado, o prazo de caducidade se iniciou no dia 01/01/2004, conforme resulta do disposto no artigo 45.°, n.° 4, da LGT, o mesmo terminaria, sem suspensão ou interrupção, no dia 01/01/2008.
Como à data do início da inspecção faltavam 53 dias para que se completasse o prazo de caducidade do direito à liquidação, este apenas se completaria no dia 04/05/2008, ou seja, 53 dias decorridos sobre a conclusão da inspecção e da suspensão de tal prazo.
Assim, à data da notificação da liquidação em causa, 09/04/2008, não tinha ainda decorrido o respectivo prazo de caducidade.
Confirmando, sem qualquer reserva, a fundamentação da sentença neste segmento, julgam-se improcedentes as apontadas conclusões de recurso.

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Da dúvida sobre a quantificação do acto tributário:

Importa, seguidamente, apreciar se, como alegado pela recorrente, existe fundada dúvida sobre a quantificação da alteração dos valores declarados.
Segundo a recorrente a fundada dúvida sobre a quantificação da alteração dos valores de venda por si declarados determinante a anulação da liquidação nos termos do n ° 1 do artigo 100° do CPPT, resulta do facto de dever ser valorada a cooperação do sujeito passivo com a Administração Fiscal, que forneceu todos os dados e elementos requisitados.
Refere a recorrente que inclusivamente, em virtude grande e forte pressão da Administração Fiscal, junto do sujeito passivo, e sob a ameaça de execuções fiscais e processos crimes, o sujeito passivo viu-se forçado a apresentar um quadro com diferenças de valores de vendas e que não foi de todo valorado nem comprovado.
Ora, é à Administração Fiscal que compete o ónus de provar o montante a que deve estar sujeita qualquer correcção - art. 74° da LGT, o que não se confunde com qualquer palpite ou intuição dos inspectores.
Assim, segundo a recorrente, a prova dos montantes dos preços simulados só poderia ter sido determinado pela Administração Fiscal com recurso à movimentação bancária dos pagamentos e recebimentos, o que não sucedeu apesar de os contribuintes terem autorizado o levantamento do sigilo fiscal pelo que, da prova obtida não resulta o montante exacto e certo da alegada simulação de preço, tendo o valor apurado sido fixado com uma margem de dúvida que subsiste e deve ser valorada a favor do contribuinte.
É com este enfoque que a recorrente invoca a dúvida na quantificação do acto tributário o acto tributário e pede a sua anulação nos termos do art. 100° do CPPT.
A Fazenda Pública, sustenta que o acréscimo de proveitos apurado pela administração tributária assentou no facto de resultar das declarações dos adquirentes das fracções que o valor real de aquisição foi superior ao valor de venda declarado nas escrituras de compra e venda, pelo que não merecem reparo as correcções efectuadas, nem a liquidação que delas decorreu.
Na sentença recorrida dá-se razão à Fazenda acolhendo-se as razões por esta invocadas, mormente, que resultou inequivocamente do procedimento de inspecção, valorada a prova aí produzida, que os proveitos declarados pela impugnante em sede de IRC e relativos à venda das fracções autónomas B, C, D, E, F, G, H, l, J, L e M do prédio correspondente ao lote 5 da Quinta do Minote, Portela de Carnaxide, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, sob o artigo 10929°, não correspondiam à verdade.
Considera-se na sentença que a administração fiscal ponderou como proveitos da impugnante a soma aritmética dos valores declarados pelos adquirentes das fracções autónomas, tomando-se em conta os valores que os adquirentes C..., D..., F..., H..., J..., L..., N..., P..., R... e S... declararam aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa como valores efectivamente pagos relativamente à aquisição das suas fracções autónomas.
Na sentença destaca-se, ainda, que quanto à adquirente M..., a mesma declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa ter pedido empréstimo bancário para aquisição da fracção autónoma H no valor de €199.627,34, tendo a administração fiscal considerado como valor real de aquisição €195.000,00.
Por tais fundamentos, entende-se na sentença recorrida que não pode considerar-se verificada qualquer dúvida relativamente à quantificação do facto tributário, pois da prova produzida em juízo não resultaram infirmadas as declarações com base nas quais a administração fiscal procedeu às correcções da matéria tributável.
Todavia, a nosso ver, a verificação da factualidade vertida no probatório nos termos da ampliação a que este tribunal procedeu, possibilita a operância, no caso concreto, da fundada dúvida a que se refere o art.º 100º do CPPT.
Estando em causa a apreciação do pretenso excesso de quantificação da matéria tributável, há que atentar no regime regulado no artigo 344º/2 do Código Civil e artigo 74º/3 da LGT quanto ao ónus, a cargo do impugnante, da demonstração do excesso cometido na quantificação da matéria colectável, com resolução da dúvida a favor da Administração Tributária.
Tendo a AT procedido às já identificadas correcções para determinar o lucro tributável do contribuinte, competia-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que o permitiam com a indiciação credível, e, não estando em causa a falta de credibilidade dos indícios aportados, recaía, depois, sobre a contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Em tal situação, porque a quantificação ainda é feita com base na declaração do contribuinte, é exigível a este a prova de que os elementos utilizados pela AT ou o método que utilizou são errados.
O contribuinte não demonstra o erro na quantificação do lucro tributável se não consegue provar, como alegou, que um dos pressupostos factuais utilizados excede o realmente verificado e, pelo contrário, a prova apresentada confirma o acerto desse facto.
A AT no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação de indícios sérios e credíveis que a proceder às correcções que suportam a liquidação.
Nesse sentido, a AT está onerada com a demonstração da factualidade que a levou a desconsiderar certos custos contabilizados em termos de abalar a presunção de veracidade das operações inscritas na contabilidade da recorrente e nos respectivos documentos de suporte de que aquela goza em homenagem ao princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito – ao tempo consagrado no artº 75° da LGT-, passando, a partir daí, a competir ao contribuinte o ónus de prova de que a escrita é merecedora de credibilidade.
Na situação sub judice, a liquidação impugnada provém de acção de fiscalização onde foram constatados omissões na contabilização das operações e indícios fundados que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, sendo perante os indícios existentes nos autos que se julgou cessada a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e dos respectivos documentos de suporte.
Todavia, deparando-se a AT com um indício, forte, de simulação do preço de venda das sobreditas fracções, deveria indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, só podendo culminar o procedimento com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estivesse adquirida a convicção da existência e conteúdo do facto tributário.
Tendo isso tudo presente, patenteia o probatório, com relevância para a questão que nos ocupa, que a AT baseou as correcções na existência de indícios de simulação, que, no essencial, fundamentou no seguinte:
“Pelo exposto, podemos concluir que o registo dos movimentos financeiros, relativos aos proveitos oriundos das alienações dos imóveis, não foi efectuado de uma forma clara e transparente, o que indicia a possível ocultação de proveitos.
Mais é de salientar, que o sujeito passivo não exibiu quaisquer contratos de promessa de compra e venda, não obstante ter registado os adiantamentos de clientes/entregas antecipadas a título de sinal, sendo a realização dos referidos contratos prática comum na comercialização de imóveis.
Relativamente à não exibição de contratos de promessa de compra e venda, não é referido no projecto de relatório que a mesma constitui, por si, fundamento ou causa que justifique a falta de clareza ou transparência, nem sequer "a possível ocultação de proveitos", mas tão só que, sendo a realização dos mesmos prática comum na comercialização de imóveis, não foram no entanto exibidos quaisquer contratos, não obstante terem sido registados adiantamentos de clientes/entregas antecipadas a título de sinal, os quais têm como suporte documentos internos e talões de depósitos bancários.
O acréscimo de proveitos apurado é justificado, isso sim, pela omissão comprovada e praticada nas escrituras de venda das fracções do prédio sito em Carnaxide, pelo facto de, após audição e correspondente registo através de "Termo de Declarações", todos os adquirentes, em 2003, do prédio sito em Carnaxide, terem declarado que o valor real e aquisição das respectivas fracções foi superior ao valor de venda declarado nas Escrituras de Compra e Venda (cfr anexo VI). (...)
Importa referir que o próprio Sujeito Passivo, no decurso dos actos de inspecção, veio assumir em termo de declarações de 2007/11/26, pela junção de um mapa, que os valores das escrituras são diferentes dos valores de venda, situação já descrita no anterior ponto 1.2. do capitulo III do presente relatório, (cfr. Anexo VIII)
Pelo que contrariando o alegado no direito de audição, o motivo para os adquirentes terem declarado um valor de aquisição superior ao valor constante da Escritura de Compra e Venda inicialmente declarado/não se baseia no facto de existirem empréstimos de valor superior ao valor de aquisição da fracção, os quais teriam supostamente sido utilizados na "aquisição de outros bens ou serviços".
Diga-se, antes de mais e quanto à afirmação da AT de que “…, sendo a realização dos mesmos prática comum na comercialização de imóveis, não foram no entanto exibidos quaisquer contratos, não obstante terem sido registados adiantamentos de clientes/entregas antecipadas a título de sinal, os quais têm como suporte documentos internos e talões de depósitos bancários” que ela não logra qualquer relevo na medida em que, a própria mera existência de um contrato promessa de compra e venda em que se faça alusão a um preço superior ao que, depois, vem a constar da escritura de compra e venda, por si só, é insuficiente para alicerçar a convicção da simulação do preço e, assim nessa vertente, não se pode considerar que a AT não cumpriu o ónus da prova, que sobre si impendia, de que o preço pago pelas fracções foi superior ao declarado e indicado como preços de venda na escritura.
Como já se disse e resulta do disposto no art. 75º da LGT, a regularidade formal da escrita constitui presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio. Essa presunção só cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Por isso é que, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de operações não verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.
Quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil). Pelo que, tendo o contribuinte a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes. A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva. Neste caso, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva (cfr., sobre esta matéria, entre muitos outros, o ac. do STA, de 24/4/2002, rec. 0102/02).
Mas o fundamento capital das correcções radica em que, segundo o discurso fundamentador, “o acréscimo de proveitos apurado é justificado, isso sim, pela omissão comprovada e praticada nas escrituras de venda das fracções do prédio sito em Carnaxide, pelo facto de, após audição e correspondente registo através de "Termo de Declarações", todos os adquirentes, em 2003, do prédio sito em Carnaxide, terem declarado que o valor real e aquisição das respectivas fracções foi superior ao valor de venda declarado nas Escrituras de Compra e Venda (cfr anexo VI). (...)
(…) para confirmarem o valor real de aquisição das fracções em causa e apresentarem os meios de pagamento utilizados nas mesmas, bem como termo de declaração de Sisa adicional, no caso de se verificar divergência entre o valor declarado na escritura de compra e venda e o preço efectivo das fracções.
Ouvidos em Termo de Declarações, todos os adquirentes do prédio sito em Carnaxide, declararam que o valor real de aquisição das respectivas fracções, foi superior ao valor de venda declarado nas Escrituras de Compra e Venda (cfr. Anexo VI), tendo a maioria deles confirmado a intenção de regularizar a sua situação tributária, junto do Serviço de Finanças e, inclusive, pago o Imposto Municipal de Sisa adicional e Imposto de Selo, nos casos em que foi apurado valor a pagar face à diferença de valores apurada. (...)
No seguimento das declarações dos adquirentes, e após o início do procedimento inspectivo, o administrador da sociedade, em deslocação a estes serviços, em 2007.11.26, apresentou um mapa de apuramento dos valores escriturados e dos valores de venda, relativo às transacções das fracções do prédio sito em Carnaxide, demonstrando interesse em regularizar a sua situação tributária. Todavia, a diferença de valores apurada pelo mesmo, cerca de €272.751,24, é manifestamente inferior à diferença apurada por estes serviços como supra relatado (cerca de 53%).
Ora, deparando-se a administração fiscal com um indício, forte, de simulação do preço de venda das ajuizadas fracções, deveria indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, só podendo culminar o procedimento com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estivesse adquirida a convicção da existência e quantificação do facto tributário.
É que, se em boa verdade, a mera existência de um contrato promessa de compra e venda em que se faça alusão a um preço superior ao que, depois, vem a constar da escritura de compra e venda, por si só, é insuficiente para alicerçar a convicção da simulação do preço, isso significa que a AF não poderia estribar-se apenas nas declarações dos compradores, de valor confessório, para considerar como provados, sem mais, os valores por eles indicados.
É que, à falta de contratos promessa de compra e venda em que se faça alusão a um preço superior ao que, depois, vem a constar da escritura de compra e venda, (que, repete-se, por si só, é insuficiente para alicerçar a convicção da simulação do preço), no caso é de declarações isoladas e descontextualizadas de que o preço foi X e não Y que a AF diz resultarem fundados os fortes indícios da mesma simulação de preço, isso, independentemente de outras diligências que a AT podia e devia fazer, quando é certo que a própria impugnante reconheceu existirem diferenças entre o valor escriturado e declarado divergente dos apontados pelos compradores.
Ou seja, a AT afirma ter feito a prova indiciária de que os montantes constantes das escrituras (e que é o que está contabilizado na escrita da recorrida) não podem corresponder à realidade das coisas, facto que a impugnante até admite, mas a fundamentação por aquela aduzida e a quantificação dos valores reais operada, apresentam-se frágeis e insuficientes para ilidir a presunção da veracidade do declarado nas escrituras.
No ponto, a invocação do disposto no art. 363º, nº 1 do CCivil, relativamente ao valor probatório do documento autêntico - escritura pública de compra e venda (em confronto com a confissão dos compradores) não é despicienda, visto que o documento autêntico apenas faz prova plena de que os intervenientes fizeram as declarações ali percepcionadas pela autoridade pública, mas não faz prova plena de que tais declarações correspondam à realidade. E já vimos que a existência de escritura pública na qual se declara um preço não impede a Administração Fiscal, atento o artigo 39º nº2 da Lei Geral Tributária, de corrigir a matéria colectável, se para tanto tiver razões juridicamente válidas, sem necessidade de obter declaração judicial de nulidade do negócio cujo preço foi simulado (cfr. acórdão do STA de 26-02-2003, no Processo 89/03).
Enfatiza-se, pois, que as correcções se ancoraram unicamente nas declarações dos compradores de que o preço foi real superior ao indicado nas escrituras.
Para justificar as questionadas correcções, a AT aproveitou apenas parte das declarações, concretamente que (conforme os indicados pontos do probatório):
D. No dia 27/08/2007, o adquirente C... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma B foi de €165.000,00;
E. No dia 27/08/2007, o adquirente D... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma C foi de €150.000,00;
F. No dia 27/08/2007, o adquirente F... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma D foi de €190.000,00;
G. No dia 27/08/2007, o adquirente H... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma E foi de €169.000,00;
H. No dia 28/08/2007, o adquirente J... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma F foi de €194.531,18;
I. No dia 07/01/2008, o adquirente L...declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma G foi de €193.299,00;
J. No dia 14/03/2007, a adquirente M... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa ter pedido empréstimo bancário para aquisição da fracção autónoma H no valor de €199.627,34;
K. No dia 28/08/2007, o adquirente N... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma l foi de €190.000,00;
L. No dia 28/12/2007, o adquirente P... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma J foi de € 190.000,00;
M. No dia 28/08/2007, o adquirente R... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma L foi de € 190.000,00;
N. No dia 14/03/2007, o adquirente S... declarou aos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma M foi de € 190.000,00.
No entanto, desconsiderou no contexto declaratório dos compradores, as seguintes afirmações (conforme concretos pontos do probatório ampliado adiante indicados):
W. No dia 27/08/2007, o adquirente C..., além do que consta da al. D) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma B foi de €165.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 104.500,00€ aplicado na totalidade na aquisição do imóvel; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional “ respondeu “Sim”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não”;
X. No dia 27/08/2007, o adquirente D..., além do que consta da al. E) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma C foi de €150.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 82.300,00€ aplicado na totalidade na aquisição da fracção; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional “ respondeu “Sim”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não”;
Y. No dia 27/08/2007, o adquirente F..., além do que consta da al. F) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma D foi de €190.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 133.000,00€ totalmente aplicado na aquisição do imóvel; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim. Depende do enquadramento legal”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim”;
Z. No dia 27/08/2007, o adquirente H..., além do que consta da al. G) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma E foi aproximadamente €169.000,00) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de: 139.663,41€ aplicado na totalidade na aquisição do imóvel. O restante (29.336,59€) foi pago em numerário, não tendo como comprovar o respectivo valor; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim. Depende do enquadramento legal”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim”; ainda declarou que “O imóvel foi adquirido por um valor inferior ao previamente estabelecido por ficar “colado” ao Bairro Social Pátio dos Cavaleiros e ter havido alguns problemas que levaram à renegociação do valor inicialmente acordado;
A1. No dia 28/08/2007, o adquirente J... além do que consta da al. H) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma F foi de €194.531,18 –39.000.000$00-) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de 105.000,00€, aplicado na totalidade na aquisição da fracção; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim. Depende do enquadramento legal”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim”;
A2. No dia 07/01/2008, o adquirente L..., além do que consta da al. I) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma G foi de €193.299,00) disse ainda que “Sim, efectuei 2 empréstimos: €139.663,47 e €25.000,00, ambos utilizados na aquisição da citada fracção; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Não”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim autorizo”; ainda se comprometeu “a entregar documento comprovativo da regularização da sisa junto dos SF de Oeiras-3”;
A3. No dia 14/03/2007, a adquirente M..., além do que consta da al. J) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma H foi de €139.663,41) disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de 199.627,34€. O valor de 139.663,41 foi aplicado na aquisição do imóvel. À data da escritura foi efectuado um outro pagamento à empresa construtora através de cheque do BPN, de cujo valor não se recorda. Não efectuou contrato promessa de compra e venda. perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa, apresentando posteriormente o comprovativo”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou, nada disse; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim. No âmbito deste processo”;
A4. No dia 28/08/2007, o adquirente N..., além do que consta da al. K) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma I foi de €190.000,00, disse ainda que “Foi efectuado um empréstimo no montante de 125.000,00€, aplicado na totalidade na aquisição do imóvel; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.l”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não”;
A5. No dia 28/12/2007, o adquirente P..., além do que consta da al. L) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma J foi de €190.000,00, disse ainda que foram efectuados empréstimos “138.500,00€ e 43.500,00€” “..parte foi aplicado na constituição da sociedade/loja, mais ou menos no montante de 10.000,00€. Para perfazer o valor de aquisição do imóvel houve também empréstimos familiares”; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que “Não”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Sim , desde que se reporte à data da aquisição do mesmo”; quanto a entregar documentação afirmou que “Não tem documentação a entregar em virtude de os cheques utilizados serem os emitidos pela Instituição bancária e o restante ter sido um cheque ao portador emitido por terceiros do qual não fiquei com cópia”; sobre outras situações declarou que “Todas as fracções com a tipologia T3, tinham um valor base igual a 190.000,00€, podendo o mesmo valor no sentido de ser superior, caso a box (garagem) não fosse da tipologia standar (ou seja, de 1 carro);
A6. No dia 28/08/2007, o adquirente R..., além do que consta da al. M) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma L foi de €190.000,00, disse ainda que “Foram efectuados dois empréstimos na CGD pelos montantes de 107.292,00€ e 21.000€, aplicados na totalidade na aquisição da fracção. A diferença foi paga em numerário”; perguntado sobre se, “caso o valor real seja superior ao valor declarado pretende regularizar voluntariamente o pagamento da sisa adicional” respondeu “Sim.”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Directamente com o construtor”; à pergunta sobre se autorizava o acesso pela AT a informações e documentos bancários para esclarecimento da veracidade do declarado na operação em apreço, respondeu “Não”;
A7. No dia 14/03/2007, o adquirente S..., além do que consta da al. N) deste probatório (que o valor pago relativamente à aquisição da fracção autónoma M foi de €190.000,00), disse ainda que o valor de aquisição declarado foi “€139.663,41” e que o valor dos empréstimos garantidos sobre o imóvel adquirido foi €139.663,41+€50.336,59”; sobre se houve intermediário na transacção esclareceu que tratou “Comprou directamente com o construtor”; quanto à aplicação da totalidade do montante dos empréstimos que foram concedidos referiu que “O empréstimo no valor de €139.663,41 foi utilizado na aquisição do imóvel. O empréstimo no valor de €50.336,59 também foi aplicado na aquisição do referido imóvel. Não foi celebrado contrato promessa de compra e venda. O valor real de aquisição do imóvel foi de €190.000,00”.
A AT também não investigou, nem atribuiu qualquer valor aos elementos que a impugnante, ora recorrente, através do seu representante, apresentou e que apontavam para valores diferentes quer dos declarados nas escrituras, quer dos declarados pelos compradores no âmbito dos ditos “mútuos duvidosos”, a saber:
“Em 26/11/2007 foi elaborado termo de declarações ao legal representante da impugnante através no qual declara “Vem apresentar um mapa que se junta ao processo em anexo 1 ao presente Termo de Declarações, onde constam, em relação à fracções em causa, o valor da escritura e as diferenças reconhecidas pelo sujeito passivo para encontrar o valor real de venda”.
Na verdade, a AT limita-se a referir na fundamentação das correcções que “No seguimento das declarações dos adquirentes, e após o início do procedimento inspectivo, o administrador da sociedade, em deslocação a estes serviços, em 2007.11.26, apresentou um mapa de apuramento dos valores escriturados e dos valores de venda, relativo às transacções das fracções do prédio sito em Carnaxide, demonstrando interesse em regularizar a sua situação tributária. Todavia, a diferença de valores apurada pelo mesmo, cerca de €272.751,24, é manifestamente inferior à diferença apurada por estes serviços como supra relatado (cerca de 53%).”
O certo é que não poderia deixar de ser valorada a cooperação do sujeito passivo com a Administração Fiscal, quando forneceu os dados e elementos requisitados, sendo à Administração Fiscal que compete o ónus de provar o montante a que deve estar sujeita qualquer correcção por força do disposto no art. 74° da LGT, o que não se confunde com qualquer palpite ou intuição dos inspectores.
E, ao aceitar apenas o valor das vendas constante das declarações dos compradores sem ponderar as demais circunstâncias que acompanharam tais declarações e desprezar completamente os elementos juntos pela impugnante, acaba o Relatório da Inspecção por espelhar bem a falta de rigor e isenção de análise dos elementos ao dispor da Administração Fiscal.
Na verdade, apesar de a impugnante referir que não existia a contabilização de adiantamento de sinais nas compras e vendas em análise, facto esse que foi qualificado de pouco credível e inverosímil pelos inspectores por entenderem que era normal a existência de contratos promessa, o certo é que os próprios compradores afirmaram inequivocamente (com excepção de um deles) que não existiram contratos promessa.
Assim, assiste razão à impugnante quando questiona se esse alegado elemento de prova (as declarações dos compradores) podem apenas ser selectivamente sancionados quando tal significa um aumento do tributo.
Acresce que da análise das declarações dos compradores, constata-se que, quase todos autorizaram a derrogação do sigilo bancário para se determinar as quantias que poderiam ter sido empregues nos segundos mútuos para aquisição dos imóveis e, não obstante, não foi solicitado à impugnante que esta autorizasse o levantamento do seu sigilo fiscal.
E dúvidas não sobram de que era esse o meio mais eficaz para obter a prova dos montantes dos preços simulados por parte da Administração Fiscal que preferiu presumir, ancorada da declarações dos compradores, o cálculo de probabilidade de que assim teria acontecido, sem qualquer suporte probatório além da afirmação daqueles de que o preço foi outro que não o mencionado nas escrituras de compra e venda.
Na verdade, a Administração Fiscal calculou o montante a corrigir pela soma aritmética dos referidos "mútuos duvidosos" (assim classificados com base naquela declaração descontextualizada dos compradores), quando é certo que nas declarações dos compradores, alguns referem terem empregue a totalidade desses mútuos na aquisição dos imóveis, outros compradores referem apenas terem empregue parte desse dinheiro na aquisição do imóvel, outros ainda declararam que não se recordavam do montante exacto que foi empregue na aquisição e outros ainda referem expressamente terem aplicado esses montantes noutros fins (por exemplo, constituição de uma sociedade).
Todavia, analisando as declarações dos compradores no seu todo como sendo o espelho da verdade, como o fez a Administração Fiscal, competia-lhe apurar com base nessas considerações quais os montantes reais e efectivos dos alegados preços simulados, o que a Administração Fiscal não fez.
Ora, da valoração da prova obtida como vem descrito, não se apura o montante exacto e certo da alegada simulação de preço pelo que o valor apurado foi fixado sem existirem indícios credíveis da simulação, aplicando-se a óptica da Administração Fiscal aos elementos do Relatório de Inspecção sem que fosse dada qualquer relevância à cooperação do sujeito passivo que forneceu todos os dados e elementos requisitados e que poderiam, se analisados e confirmados mediante, designadamente, o levantamento do sigilo fiscal.
Na verdade, afigura-se-nos que a prova dos montantes dos preços simulados poderia ter sido determinado pela Administração Fiscal com recurso à movimentação bancária dos pagamentos e recebimentos, o que não sucedeu apesar de os contribuintes terem autorizado o levantamento do sigilo fiscal.
Pontifica aqui, então, o princípio da livre apreciação que se entrecruza necessariamente com o da imediação e o da aquisição processual por força do qual os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo, sendo atendíveis mesmo que sejam desfavoráveis à parte contrária.
E o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do principio da oficialidade: No direito adjectivo civil, art.° 265.° n.°3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.° 264.° n.° s 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto - cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.
Ora, é para afastar aquela incerteza que se impõe, no entendimento da impugnante, que tem «in casu» de operar o regime da fundada dúvida ínsito no artº 100º do CPPT.
Todavia, a nosso ver, esse regime não não «in casu» aplicável pois o que rigorosamente sucede é que não existem os pressupostos legitimadores do agir da AT.
E, no que tange à já aventada insuficiência instrutória por parte da AF no procedimento, não tendo realizado as necessárias diligências na devida altura, não é legalmente admissível o fizesse depois, na fase contenciosa, pois isso constituiria uma fundamentação formal e substancial aposteriori e a substituição do poder judicial à Administração, acto proibido pelo sacrossanto princípio da separação de poderes.
Destarte, está demonstrado nos autos, não a existência de fundada dúvida sobre a quantificação da matéria tributável, não obstante a mais do que provável irregularidade da contabilidade da recorrida e que poderia servir de ponto de partida para legitimar as correcções, mas a não verificação dos pressupostos legais que legitimavam a AT a proceder às ajuizadas correcções.
Dito de outro modo: tendo a AT adoptado o recurso a correcções técnicas para determinar o lucro tributável do contribuinte, competia-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais – a existência de indícios sérios e credíveis - que o permitiam e, feita essa prova, recaía sobre a contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.
Significa que nas questionadas situações a A.F. não demonstrou suficientemente os factos -índice e mal andou ao considerar que os factos que carreou não foram infirmados e permitem inequivocamente a conclusão de que a contabilidade espelha a realidade das operações, sendo intangível a presunção da veracidade da escrita da impugnante.
Assim, no caso sub judice, a materialidade exposta no probatório não pode deixar de se considerar como insuficiente e inadequada ao juízo formulado pela AF.
Em face dos apontados elementos, eram necessárias outras diligências tendentes a colher mais dados ou factores indiciantes, podendo concluir-se que a AF não fez prova da legalidade da sua actuação, isto é, dos pressupostos legais que legitimam a correcção e subsequente liquidação Impugnada.
É que dúvidas não podem subsistir de que não ficou suficientemente confirmado o juízo formulado pela AF segundo a qual houve simulação dos preços nas identificadas sitauções, podendo e devendo concluir-se que a AF não logrou provar em tribunal o bem fundado da formação da sua presunção de inexistência dos factos tributários. E face a essa prova, essa questão - relativa à legalidade do agir da administração fiscal - terá que ser resolvida contra a AT.
Em síntese: o circunstancialismo fáctico aduzido pela AF na declaração fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de simulação dos preços declarados nas escrituras em apreço é inapto a convencer sobre a adequação desse juízo, dada a insuficiência de indícios sérios que não traduzem uma probabilidade elevada de que os preços constantes nas escrituras, eram simulados.
Não tendo a AF feito prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários.
Decorre do supra explanado que não se verificavam os pressupostos das presunções operadas o que é determinante da anulação do acto tributário de liquidação.
Termos em que e com a antecedente fundamentação, procede o recurso.
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3.DECISÃO:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação e, em consequência, anular o acto tributário impugnado.
Custas pela recorrida apenas na 1ª instância.
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Lisboa, 06/10/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)