Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:741/20.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA;
RECLAMAÇÃO DO ART. 276º DO CPPT;
ILEGITIMIDADE.
Sumário:I - Só o comprador tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado.

II - A anulação da venda pode resultar da ocorrência de nulidade processual, pela prática de um acto que a lei não admita ou pela omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, quando a lei expressamente declare a nulidade ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

D..., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a excepção de ilegitimidade do Reclamante e em consequência absolveu a Fazenda Pública da instância relativamente à reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“a) Em 11 de junho de 2019 o ora Recorrente adquiriu, por contrato de compra e venda, o imóvel “prédio rústico com uma construção rural inscrito na secção Q artigo matricial nº ... da freguesia da Olalhas, Concelho de Tomar, distrito de Santarém, com uma área total de 1.320 m2 incluída uma parcela de 36 m2 de construção rural” conforme certidão predial e caderneta matricial que se encontra junto aos autos.

b) O Recorrente durante o mês de julho de 2019 deslocou-se à propriedade por si adquirida, onde constatou que aí se encontrava uma zona de olival com uma construção rural geminada, individualizada e autónoma com porta de entrada em madeira e vidro em mau estado de conservação.

c) Face ao estado de abandono em que se encontrava o referido terreno, estando o mesmo em execução fiscal por falta de pagamento de imposto, o ora Recorrente, propôs ao serviço de finanças de Tomar, a venda direta ao Recorrente. Proposta esta indeferida com base em fundamento legal.

d) A contrário o serviço de finanças de Tomar, à revelia de qualquer comunicação ou interpelação ao Recorrente, deu início ao processo de venda do bem, por leilão eletrónico.

e) Para o efeito, os serviços de finanças de Tomar, procederam à instrução do processo de venda por leilão eletrónico, indicando de forma errada e sem suporte documental, que o bem a leilão detinha 122 m2, onde 36 m2 estava a ser reivindicada pelo Recorrente com base na certidão predial e caderneta matricial, anteriormente por este alertado e comunicado ao serviço de finanças.

f) Assim, e sem qualquer resposta ou justificação à reivindicação do Recorrente, o serviço de finanças de Tomar colocou, sob conhecimento e insistência em erro grosseiro, o bem em execução fiscal à venda em leilão eletrónico com a ref. 2100.2012.87.

g) O referido edital de venda por leilão eletrónico, continha informação sumária e errada, induzindo os potenciais licitadores ou adjudicantes em erro, pois iriam comprar algo cujas medidas e o valor não correspondiam à realidade local do bem.

h) Erro este e que afinal, provocaria também um dano patrimonial com esbulho futuro ao Recorrente.

i) Por diversas vezes o Recorrente interpelou o serviço de finanças de Tomar, para o informar, qual a construção rural correspondente aos 37 m2 de construção adquiridos pelo próprio e que constam da caderneta predial urbana do seu imóvel, uma vez que havia e há uma não conformidade entre o seu terreno e o terreno alegadamente confinante em execução fiscal.

j) O serviço de finanças de Tomar, não só não esclareciam o Recorrente, como sempre omitiram na informação publicamente prestada em sede de leilão eletrónico que aos 122 m2 de área de construção implementados no terreno contíguo e vendido em leilão, na publicidade do bem e venda informavam que apenas o mesmo continha 61m2.

k) Face à incongruência e erro, e face à legitimidade do Recorrente, como proprietário de terreno confinante e licitador na venda em leilão eletrónico do bem executado, questiona, como questionou a impossibilidade real de haver duas medidas distintas para o mesmo bem em venda: ou são 61 m2 ou 122 m2, isto é, não pode o adjudicatário comprar 61 m2 e tomar posse de 122 m2.

l) O serviço de finanças de Tomar, também não observou que os 37 m2 reclamados previamente eram parte daquela habitação, com uma servidão por uma porta autónoma e individualizada separado por paredes embora geminado, onde alguém num período bem recente fez um buraco numa tentativa de ocupar todo espaço, mas omitiram essa observação.

m) Face aos alertas e interpelação do Recorrente, através de várias exposições suportamente documentadas dirigidas aos serviços de finanças de Tomar e distrital de Santarém, o leilão da venda do bem realizou-se, sendo vendido por leilão no dia 27 de dezembro de 2019.

n) Já no decurso do leilão eletrónico, o Recorrente, não só participou como fez várias licitações até ao valor limite de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros).

o) O Recorrente não ultrapassou o referido valor por ter percebido que face aos valores superiores apresentados pelos restantes licitadores, o Recorrente estaria a pagar pela 2ª vez os 37 m2 de construção rural, e que em parte era proprietário.

p) A empresa B..., LDA, sociedade por quotas, com NIF/NIPC 5..., foi a adjudicatária vencedora.

q) A empresa B..., LDA, adquiriu pelo valor de € 13.456,00 (treze mil quatrocentos e cinquenta e seis euros) o imóvel executado nº 2100.2012.87, composto por casa de habitação de rés-do-chão e cave, com área total de 772 m2, sendo área coberta de 61m2 e logradouro de 711 m2, sita em Vialonga, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Olalhas, concelho de Tomar distrito de Santarém, sob o art.º 1... e descrita na respetiva conservatória do registo predial sob o nº 2.../19970925.

r) Assim e na qualidade de licitador, o Recorrente, com legitimidade e por ocupar um lugar de contra interessado, pediu para consultar o processo ao responsável do serviço de finanças de Tomar, tendo o mesmo sido, sob a alegação errada de que o Recorrente não tinha legitimidade para consultar o processo.

s) Apesar de tudo e por estar convicto de que as finanças ou não estarem na posse de toda a informação, ou a informação recolhida pelos seus técnicos se encontrar errada, decidiu contratar um topógrafo Dr. N..., da empresa N... - SERVIÇOS DE TOPOGRAFIA, para fazer um levantamento exato do terreno.

t) Por declaração e levantamento topográfico, o topógrafo, constatou na planta DGT e no seu relatório, que os 37 m2 correspondem a parte daquela construção individualizada que o adjudicatário comprou às finanças e que não fazem parte da venda.

u) Assim, ficou por demais evidente que os serviços de finanças ao colocar o bem em execução fiscal, procederam de forma errada, face à informação publicada e que não corresponde à realidade local, mesmo após alertados por diversas vezes pelo Recorrente, munido este de toda a documentação e levantamento topográfico.

v) As áreas publicitadas em fase de pré-leilão eletrónico, induziam em erro os licitadores, sendo que desde o primeiro momento, foi contestado a publicidade ao anúncio na página das finanças, com graves prejuízos e lesões ao direito de propriedade do ora Recorrente.

w) O Chefe de Serviço de Finanças de Tomar e o Diretor Geral de Finanças de Santarém, não permitiram ao Recorrente na qualidade de licitador e contra interessado, aceder á informação/consulta do processo de venda de leilão eletrónico.

x) O Recorrente inconformado com a falta de pronúncia e silêncio da Autoridade Tributária, resolve recorrer à Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, cujo a decisão lhe foi favorável e se encontra junto à reclamação.

y) O Recorrente, licitador, proprietário de parte do bem em esbulho tem legitimidade e interesse em contradizer, nos termos do artigo. 30.º, nº 1º e n.º 3 do Código do Processo Civil, conjugado com o artigo. 2º, al) a), d), j) e l), todos do CPTA.

z) O Recorrente, proprietário e contra interessado, tem direito ao respeito de entidade pública e privadas pela proteção jurídica da sua propriedade, nos termos do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

aa) Conforme, dispõe o artigo 20.º e 268 º, nº 1º e 4º, ambos da Constituição da República Portuguesa, poderão os atos da administração fiscal, no caso em concreto, em desigualdade de armas, serem atacados pelo contribuinte proprietário lesado nos seus direitos.

bb) O Recorrente tem legitimidade e interesse na declaração da nulidade deste negócio, declara-o e requer por uma questão de legitimidade, legalidade, transparência e correção de todo o processo.

cc) Apesar do disposto no artigo 257º do CPPT, conjugado pelos artigos 838º e 839º do Código do Processo Civil, e demais normas da LGT, ser taxativo que só o comprador pode invocar a nulidade da venda, não exclui o direito dos licitadores e terceiros lesados neste leilão.

dd) O Digníssimo Magistrado do TAF de Leiria, na douta sentença refere em ato de admissão, “No caso dos autos, o reclamante até poderia ter legitimidade para pedir a anulação da venda (...), porque se apresentou na execução fiscal como potencial comprador (...)”.

ee) A decisão do Digníssimo Magistrado do TAF de Leiria, não está conforme o disposto artigo 607.º, nº 4, conjugado com o disposto nos artigos 615º n.º 1 al) b) e c) ambos do Código do Processo Civil, não sendo clara, objetiva e precisa, de modo a garantir segurança jurídica da decisão proferida, ao admitir que o Recorrente possa até ter legitimidade, admitindo logo de seguida o provimento de uma exceção que, salvo melhor entendimento, carece de fundamentação jurídica.

ff) O ora Recorrido, tem o dever de decisão e pronúncia sobre o acesso do Recorrente, licitador, ao processo de venda do bem em leilão eletrónico conforme o disposto no artigo 13.º e 129.º do Código do Procedimento Administrativo, ignoram o pedido do Recorrente.

gg) Após insistência do reclamante já após a junção da decisão da CADA, o Recorrido, continua a negar o acesso à documentação pondo em risco o mais elementar princípio da defesa e do contraditório conforme o disposto no artigo 3º, 5º 30º, e 552º todos do Código do Processo Civil, limitando o direito de defesa e formalização do pedido e causa de pedir do Recorrente.

hh) O caso trazido à colação é sui generis, com factos objetivos e concretos que não se enquadram na jurisprudência invocada pelo Digníssimo Magistrado do TAF de Leiria, na sua douta sentença.

ii) A causa de pedir não foi só o erro quanto à área de implementação, mas quando à publicidade e ao edital incorreto sobre bem, cujo Recorrente é proprietário e licitador, erro esse essencial e fundamental na formação da vontade dos licitadores, ao ponto de tais vícios e irregularidades influenciar a venda.

jj) Tudo visto e ponderado, deve a sentença proferida, ser revogada, por improcedência na exceção de ilegitimidade do Recorrente, declarando EXMOS. SENHORES, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES deste superior Tribunal, a falta de fundamentação jurídica para a decisão proferida, declarando a nulidade da venda por irregularidades e erros grosseiros, conforme descritos e cuja prova se encontra nos autos, bem como a nulidade da venda e a condenação do Recorrido, em responder ao Recorrente, dando-lhe acesso a toda a documentação relativa ao leilão realizado,

kk) assim se fazendo a acostumada Justiça!
V. DO PEDIDO
Nestes termos, e nos demais de Direito – do sempre mui Douto Suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Digno Tribunal Central Administrativo Sul – deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente procedente por provado e devidamente enquadrado legalmente, assim se fazendo a sempre costumada, JUSTIÇA!”
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa decidir desde logo a alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação e por contradição entre a fundamentação e o decidido, bem como o alegado erro de julgamento pelo Tribunal a quo ao decidir pela procedência da excepção de ilegitimidade e a consequente absolvição da instância da Fazenda Pública.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

1. Através da Ap. n.ºs 2... de 2012/08/31 e Ap. n.º 2... de 2013/10/17 foi registado pela Fazenda Pública (Serviço de Finanças de Tomar), junto da Conservatória do Registo Predial de Tomar as penhoras sobre o prédio urbano sito na Vialonga, descrito na matriz sob o n.º 1..., com área total de 772m2, área coberta de 61m2 e área descoberta de 711m2, com a seguinte composição e confrontações: casa de habitação de rés-do-chão e cave-logradouro-norte, Rua; sul L... e outros; nascente, J...; poente, A..., adquirido através de compra registada pela Ap. 1… de 1997/09/25, por L..., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 210020020..., cuja quantia exequenda ascende aos montantes de 1.059,98€ e de 776,68€ - cfr. certidão permanente, a fls. 13 e 13-v do processo de execução fiscal apenso aos autos.

2. Através da Ap. n.º 3... de 2019/06/11 foi registada na Conservatória do Registo predial do Porto a aquisição do prédio rústico denominado Vialonga, sito em Olalhas, inscrito na matriz sob o n.º ..., seção Q, com área total de 1320 m2, em nome de D..., ora Reclamante, com o valor tributável de 75,40€, com a seguinte composição e confrontações: terra de olival e construção rural – norte, estrada; sul e nascente, A... e M...; poente, A... – cfr. certidão permanente, a fls. 22 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

3. Em 21 de outubro de 2019 foi pelo Chefe do Serviço de Finanças de Tomar proferido no âmbito do processo de venda n.º 2100.2012.87 despacho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual se determinou a venda do bem penhorado melhor identificado no ponto 1) do probatório, por meio de leilão eletrónico, designando o dia 27 de dezembro de 2019, pelas 11h00m, para abertura das propostas, fixando o valor base da venda no montante de 2.928,00€, que deveriam ser apresentadas via internet e cujo prazo da licitação teria início em 12 de dezembro de 2019 e terminaria em 27 de dezembro de 2019, pelas 11h00m, e caso inexistissem propostas, a venda passaria imediatamente para a modalidade de venda por proposta em carta fechada, designando para a sua abertura, o dia 14 de janeiro de 2020, pelas 11h00m, com o valor base de venda de 2.091,00€, cujas propostas, devidamente identificadas e assinadas, deveriam dar entrada no Serviço de Finanças de Tomar até às 15h30m do dia 13 de janeiro
de 2020 ou enviadas por via eletrónica até à data/hora da sua abertura – cfr. despacho, a fls. 43 e 43-v do processo de execução fiscal apeno aos autos.

4. Do edital de venda/citação dos credores consta o seguinte:

“Imagem no original”

- cfr. edital, a fls. 44 e 45 do processo de execução fiscal apenso aos autos.

5. No âmbito da adjudicação da venda n.º 2100.2012.87 foram efetuadas as
seguintes propostas:
«Imagem no original»
“ (…)
- cfr. lista de propostas, a fls. 59 do processo de execução fiscal apenso aos
autos.

6. Com data de entrada de 21 de novembro de 2019, o Reclamante dirigiu à Chefe do Serviço de Finanças de Tomar um requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual veio solicitar o exercício do direito de preferência, a alteração do anúncio sobre as caraterísticas do prédio objeto de venda no leilão eletrónico n.º 2100.2012.97 e manifestar a sua oposição ao referido leilão sem que seja corrigida a sua descrição no portal das finanças – cfr. requerimento, a fls. 53 e ... do processo de execução fiscal apenso aos autos.

7. Em 02 de janeiro de 2020 o Reclamante dirigiu ao Diretor de Finanças de Santarém um requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual veio requerer a anulação do leilão eletrónico referente à venda do prédio urbano melhor identificado no ponto 1) do probatório, com fundamento na venda errónea de bens alheios – cfr. requerimento, a fls. 6 a 8 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

8. Com data de entrada de 09 de janeiro de 2020 o Reclamante dirigiu ao Diretor de Finanças de Santarém um requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual veio reiterar o pedido efetuado no requerimento anterior, reafirmando o pedido de anulação de venda na modalidade de leilão eletrónico com fundamento em irregularidades, porque o bem publicitado não reflete a real dimensão do bem penhorado e objeto de venda – cfr. requerimento, a fls. 77 e 78 do processo de execução fiscal apenso aos autos.

9. Em 30 de janeiro de 2020 foi elaborado o título de transmissão de bens, do qual consta que em 17 de janeiro de 2020 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 210020020... e apensos foi adjudicado o bem objeto de penhora à Sociedade “B..., Lda”, NIF 5..., no montante de 13.456,00€ - cfr. título, a fls. 96 do processo de execução fiscal apenso aos autos.

10. Em 18 de fevereiro de 2020 foi pela Direção de Finanças de Santarém elaborado projeto de decisão, com o assunto “Pedido de Anulação de Venda n.º 1/2020”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e se extrai o seguinte:
(…)
IV – Análise
No âmbito do processo de execução fiscal n.º 210020020... e Aps., em que figura como executado, L..., NIF 1..., foi penhorado o prédio urbano, composto por casa de habitação R/c e cave com 61m2 e logradouro com 711m2, sito em Vialonga e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1... da freguesia de Olalhas.
Em 27-12-2019, dia determinado para a realização da venda n.º 2100.2012.87 por meio de leilão eletrónico, foram rececionadas ... propostas, sendo a de maior valor a proposta apresentada pelo sujeito passivo, B..., NIPC 5..., no montante de €13.456,00, a quem foi adjudicada a referida venda.
A venda foi devidamente publicitada conforme determina o art.º 249.º do CPPT e a identificação sumária do imóvel foi divulgada da seguinte forma:
“N.º da venda: 2100.2012.87 – Casa de habitação de rés-do-chão e cave, com área total de 772m2, sendo a área coberta de 61m2 e logradouro de 711m2, sita em Vialonga, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Olalhas, concelho de Tomar sob o artigo nº 1... e descrita na respetiva Conservatória do Registo Predial, sob nº 2.../19970925.
Em 2/10/2020, deu entrada na Direção de Finanças de Santarém, o pedido de anulação da referida venda, posteriormente reencaminhado para o Serviço de Finanças de Tomar para a instauração e pronúncia sobre o teor da argumentação dirimida pelo requerente.
Informa o referido órgão periférico local que o reclamante adquiriu em 2019-06-11 o prédio rústico n.º ... secção Q, cuja descrição, que se reporta o ano de 1988, consta de terra de olival e construção rural com 36m2.
Acrescenta que por forma a documentar a possível venda do imóvel penhorado deslocaram-se ao local dois técnicos que confirmaram qual o imóvel do executado, tendo ainda constatado que se tratava de um prédio único, composto de R/c e Cave, visivelmente degradado e envolto por diversos tipos de arbustos estando separado do terreno confinante por um grande muro de pedras parcialmente ruído em evidente estado de degradação.
Referindo ainda que o prédio objeto da venda havia sido adquirido pelo executado em 1993, exatamente com a mesma descrição, por R/c e Cave.
E que o reclamante adquiriu um prédio rústico em 11-06-2019, do qual consta qualquer parcela urbana, apenas uma construção rural, não se vislumbrando que seja essa construção rural parte de habitação.
Informa ainda o Serviço de Finanças de Tomar que no âmbito do leilão 2100.2012.87 o ora reclamante apresentou diversas propostas/licitações, e que anteriormente, em 06-08-2019, apresentou requerimento no sentido de proceder a uma negociação direta do bem em penhora, tendo o mesmo sido informado que o pedido não tinha legitimidade e que se iria proceder à venda do imóvel, qual o prazo de licitação e ainda a data de abertura das propostas.
Assim, resulta do exposto, que o órgão de execução fiscal agiu em conformidade com os preceitos legais em vigor e de acordo com as instruções superiormente determinadas.
Observando ora a matéria de facto assente nos autos, e, designadamente, a informação prestada pelo Serviço de Finanças de Tomar, afigura-se-nos não resultarem demonstradas as nulidades invocadas pelo requerente.
V – Conclusão:
Neste conspecto, da análise expendida, em virtude da ilegitimidade do requerente e ainda em razão de não se considerarem verificadas as nulidades arguidas, é nosso entendimento ser de indeferir a presente pretensão, por conjugação com o disposto nos artigos 257.º, n.º 1, al. c) do CPPT e 576.º, n.º 2 do CPC.
Nesta medida, propõe-se que, nos termos do n.º 4 do art.º 257.º do CPPT, se notifiquem todos os interessados, para que, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 6 do art.º 0.º da LGT, se pronunciem relativamente ao pedido ora em apreciação (são interessados o ora executado e requerente da anulação e os outros proponentes).
(…)– cfr. informação, a fls. 15 e 16 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

11. Através de ofício n.º 186, datado de 19 de fevereiro de 2020, foi remetido por carta registada ao Reclamante a notificação do projeto de indeferimento do pedido de anulação de venda n.º 2100.2012.87, acompanhado da respetiva fundamentação – cfr. ofício, a fls. 17 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

12. Com data de entrada de 02 de março de 2020, o Reclamante dirigiu ao Diretor de Finanças de Santarém um requerimento, com o assunto “Leilão eletrónico para venda de prédio urbano em execução fiscal n.º 2100.2012.87”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual veio requerer a anulação da venda do prédio rústico melhor identificado no ponto 1) do probatório, com fundamento em irregularidades graves – cfr. requerimento, a fls. 20 e 21 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

13. Em 08 de julho de 2020 foi pela Direção de Finanças de Santarém elaborada decisão final no âmbito do pedido de anulação de venda n.º 1/2020, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que concluiu o seguinte: “Em face de todo o exposto e, considerando que, da análise dos direitos de audição apresentados, não resultaram quaisquer elementos novos que permitissem alterar o sentido do projecto de decisão vertido na nossa informação 11/2020-DJT, de 18-02-2020, somos de parecer que seja o mesmo convertido em definitivo e por conseguinte seja indeferido o presente pedido de anulação da venda. (…)” – cfr. decisão, a fls. 42 e 43 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

14. Na mesma data foi pelo Diretor de Finanças da Direção de Finanças de Santarém proferido despacho de indeferimento concordante com o teor da decisão referida no ponto anterior – cfr. despacho, a fls. 42 e 43 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

15. Através de ofício n.º 587, datado de 09 de julho de 2020, foi remetido por carta registada com aviso de receção assinado pelo próprio Reclamante em 17 de julho de 2020, a decisão final do pedido de anulação de venda n.º 2100.2012.87 – cfr. ofício e aviso de receção, a fls. 44 e 45 do processo de anulação de venda apenso aos autos.

Factos não provados
Não existem quaisquer outros factos que importe fixar como não provados.
Motivação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, nomeadamente do processo de execução fiscal e do processo de anulação de venda apensos aos autos e conforme é especificado nos vários pontos do probatório supra.”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrente veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a excepção de ilegitimidade e absolveu a Fazenda Pública da instância.

O Tribunal recorrido julgou o Reclamante parte ilegítima e em consequência absolveu a Fazenda Pública, com base no seguinte discurso fundamentador:
a legitimidade é o pressuposto processual que, traduzindo uma correta ligação entre as partes e o objeto da causa, as faculta para a gestão do processo.
Como regra (legitimidade direta), serão partes legítimas os titulares da relação material controvertida (cfr. artigo 30.º, n.º 3, do CPC), ex vi artigo 2.º alínea e), do CPPT e artigo 9.º do CPPT)), assim se assegurando a coincidência entre os sujeitos que, em nome próprio, intervêm no processo e aqueles em cuja esfera jurídica a decisão judicial vai diretamente produzir a sua eficácia.
Do artigo 30.º, n.º 3 do CPC resulta que o critério supletivo de aferição da legitimidade processual se deve basear no interesse em demandar ou contradizer, face ao objeto inicial do processo, individualizado pela relação material controvertida tal como o Autor a configura - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 113.
Se qualquer das partes carecer de legitimidade o Tribunal deve abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância, nos termos dos artigos 278.º n.º 1, alínea d), 576.º n.º 2, e 577.º alínea e), todos do CPC, sendo tal exceção dilatória de conhecimento oficioso, de acordo com o artigo 578.º do CPC - cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 83 a 86; João de Matos Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio E. Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 128 e seguintes.
Nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) e 276.º do CPPT, a intervenção dos órgãos da Administração Tributária no processo de execução fiscal está sujeita a um controle de legalidade, reconhecendo a lei aos interessados o direito de solicitarem a intervenção do titular judicial do processo (o juiz, pois que se trata de um processo judicial, no qual os órgãos da administração intervém na realização de atos sem natureza jurisdicional), através da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT, relativamente a todos os atos que tenham potencialidade lesiva, ou seja, que tenham capacidade de afetar a esfera jurídica do executado ou de terceiros.
Impõe-se, por imperativo constitucional (cfr. artigos 20.º e 268.º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)), garantir a todos os interessados, e não apenas ao executado, a possibilidade de sindicar judicialmente todos os atos praticados no âmbito da execução fiscal pelas autoridades administrativas.
Aliás, foi no sentido de dirimir quaisquer dúvidas quanto à possibilidade de outros interessados, que não apenas o executado, deduzirem Reclamação ao abrigo do disposto no artigo 276.º, que o legislador, através da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2002), veio dar nova redação ao n.º 1 do preceito que passou a reconhecer expressamente a possibilidade de terceiros lançarem mão deste meio processual contra decisões que afetem os seus direitos e interesses legítimos.
Mas, se, por um lado, é certo que o artigo 276.º do CPPT atribui legitimidade quer ao executado quer a terceiros para reclamarem para o juiz das decisões do órgão de execução fiscal que afetem os seus direitos e interesses legítimos, não podemos esquecer que, “ (…) constituindo o processo uma sequência de atos dirigida à obtenção da decisão de mérito, a legitimidade, como uma das condições necessárias ao proferimento dessa decisão, isto é, como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objeto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o. Tal como no campo do direito material, há que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os nºs. 1 e 2, pelo interesse direto (e não indireto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e pelo interesse direto em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerado o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu)” - cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2014, pp. 70 e 71.
Ou seja, o juízo, em concreto, sobre a legitimidade do Reclamante, sempre passará pela indagação, nos termos do artigo 30.º do CPC, do seu interesse direto em reclamar, que será aferido pela vantagem jurídica que para ele resultará da anulação da venda e pela desvantagem jurídica que lhe advirá da manutenção desta, sendo que nessa indagação são de considerar como titulares daquele interesse os sujeitos da relação controvertida, tal como a configura o Reclamante.
O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artigo 257.º do CPPT preceito que deve ser conjugado com os artigos 838.º e 839.º do CPC onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
A legitimidade ativa para requerer a anulação da venda depende do fundamento (causa de pedir) que servir de base ao pedido formulado - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume IV, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pp. 193.
Em regra, como tem vindo a entender a doutrina e a jurisprudência, somente o comprador (que não o executado), tem legitimidade para deduzir o incidente de anulação de venda com fundamento em erro sobre o objeto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado, nas situações previstas no artigo 257.º n.º 1, alínea a), do CPPT. Também pode deter legitimidade o preferente no caso de, depois da venda, ser julgada procedente qualquer ação de preferência, situação em que o preferente se pode substituir ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra, tudo nos termos do artigo 839.º n.º 2, do CPC, o mesmo sucedendo com o remidor, em idênticos termos - cfr. Jorge Lopes de Sousa, in ob. e vol. cit. (IV), pp.193; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 5.ª Edição, Reimpressão, 2011, pp. 341; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 523/02, de 03 de julho de 2002, processo n.º 10/17, de 12 de julho de 2017 e processo n.º 0179/19.8BEPNF, de 23 de outubro de 2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Acerca deste fundamento da anulação de venda, Jorge Lopes de Sousa escreve que: “O erro sobre o objeto transmitido ocorre quando o comprador formulou a sua proposta reportando-se a um objecto julgando estar a fazê-lo relativamente a outro objecto. Trata-se de uma situação em que, em alguns casos, se reconduz a um erro sobre as qualidades do obejcto e que, de qualquer forma, tem um tratamento idêntico.
O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios. […] para justificar a anulação não será necessário que o erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não seria efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no art. 908.º [hoje art. 838.º] do CPC” – in ob. e vol. cit. (IV), anotação 3 c) ao artigo 257.º, pp. 179.
Ora, a presente Reclamação foi apresentada contra a decisão de indeferimento do pedido de anulação de venda formulado pelo Reclamante, a qual tem como causa de pedir o facto de existir um alegado “erro” quanto às áreas de implementação, ou seja, alegadamente foram publicitados e adjudicados 61m2, quando na realidade se encontram implementados 122m2, sendo que parte do bem adjudicado (cerca de 37m2) são propriedade do Reclamante.
Como é manifesto, o alegado erro verifica-se na esfera da formação da vontade do comprador e, por isso, a legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou as suas qualidades por falta de conformidade com o anunciado é exclusivamente do comprador (aí se incluindo o preferente e o remidor, se for caso disso).
Conforme se disse não faz sentido conferir legitimidade para pedir a anulação da venda com esse fundamento a outrem que não seja o comprador.
No entanto, isso não significa que só o comprador possa ser prejudicado por eventual discrepância entre as qualidades do bem vendido e o que foi anunciado.
Significa, tão só, que só o comprador pode pedir a anulação da venda com fundamento no erro do comprador sobre o bem transmitido.
Por outro lado, a anulação da venda pode ser pedida em consequência da procedência de nulidade processual nos termos do artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ou seja, se a omissão de ato ou formalidade prescrita na lei for nesta qualificada como nulidade ou se for suscetível de influir no resultado da venda, como resulta do disposto no artigo 839.º, n.º 1, alínea c) do CPC, conjugado com o artigo 257.º, n.º 1 do CPPT.
Isto porque, a anulação da venda nos termos do aludido artigo 195.º do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao ato de venda ou aos atos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de ato ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstancia de a irregularidade verificada poder ter influencia na venda (cfr. n.ºs 1 e 2 do referido artigo).
Ou seja, a regra, relativamente à prática de ato não admitido ou à omissão de ato ou formalidade prescrita, é a de que, se a lei não referir expressamente como consequência a invalidade do ato, o vício do ato processual só deve produzir nulidade quando dele resulte prejuízo para a relação jurídica contenciosa, e “Estão nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda”, sendo que “a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda” – cfr. ob. e vol. cit. (IV), anotação 9 ao artigo 257.º, pp. 186.
O que releva é, pois, a suscetibilidade da formalidade omitida poder ter repercussão sobre a venda.
No caso dos autos, o Reclamante até poderia ter legitimidade para pedir a anulação da venda com base neste fundamento e arguir nulidades do processo de execução fiscal.
Isto porque, apresentou-se na execução fiscal como potencial comprador, apresentando uma proposta de aquisição do bem objeto de venda, tendo assim interesse direto que lhe confira legitimidade para arguir nulidades no processo e para pedir a anulação de venda com fundamento nessas nulidades.
No entanto, não bastará este mero interesse e uma utilidade meramente hipotética e eventual, e não atual, para efeitos de legitimidade, se não arguiu as nulidades do processo de execução fiscal ao longo do procedimento de anulação de venda, nem em sede de Reclamação de ato do órgão, nem a situação aqui em análise se insere num quadro de eventuais nulidades ora ocorridas, não significando isto que eventualmente não possa ter sido praticada alguma ilegalidade no processamento da execução fiscal que tenha conduzido à efetivação da venda nos moldes em que ocorreu.
Na verdade, se o bem objeto de venda não pertencia, ainda que parcialmente ao executado, poderá configurar uma alegada venda de uma coisa alheia, situação que está prevista no artigo 839.º do CPC, alínea d), ao prever que “a venda fica sem efeito se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono”, e que não se mostra contemplada no artigo 257.º, n.º 1, alínea c) do CPPT, que deverá ser interpretada de forma a não abranger as situações de venda de coisa não pertencente ao executado e sua reivindicação pelo dono, isto é, o direito do reivindicante não se extinguirá pelo facto de não requerer a restituição dos bens vendidos em execução fiscal no prazo de 15 dias – cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, áreas Editora, 2007, Vol. II, pp. 586 e 587.
A não ser assim, também não será nos presentes autos que se discutirá a questão da alegada propriedade do prédio objeto de venda, porquanto o pedido de anulação de venda não contende com esta questão.
Em face do exposto, o Reclamante é parte ilegítima no que concerne ao ato que indeferiu o pedido de anulação de venda, procedendo por isso a invocação exceção de ilegitimidade processual”. (sublinhado nosso)

Discordando do assim decidido, formula as suas conclusões de recurso, retirando-se do teor da conclusão ee) uma alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação e por oposição entre os fundamentos e a decisão e, quanto às demais, erro de julgamento, defendendo que, na qualidade de licitador e proprietário de parte do bem em esbulho tem legitimidade e interesse em contradizer, nos termos do art. 30º, nº 1 e nº 3 do CPC conjugado com o art. 2º, alíneas a), d), j) e l), todos do CPTA.

Reafirma ter legitimidade e interesse na declaração da nulidade da venda e apesar do art. 257º do CPPT conjugado com os artºs 838º e 839º do CPC ser taxativo que só o comprador pode invocar a nulidade da venda, não exclui o direito dos licitadores e terceiros lesados neste leilão.

Invoca que a causa de pedir não foi só o erro quanto à área de implementação mas quanto à publicidade e ao edital incorrecto sobre o bem, erro esse essencial e fundamental na formação da vontade dos licitadores, ao ponto de tais vícios e irregularidades influenciarem a venda.

Vejamos então.

Considera o Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo “não está conforme o disposto artigo 607.º, nº 4, conjugado com o disposto nos artigos 615º n.º 1 al) b) e c) ambos do Código do Processo Civil, não sendo clara, objetiva e precisa, de modo a garantir segurança jurídica da decisão proferida, ao admitir que o Recorrente possa até ter legitimidade, admitindo logo de seguida o provimento de uma exceção que, salvo melhor entendimento, carece de fundamentação jurídica (cfr. conclusão ee) das suas alegações).

Importa mencionar que o Recorrente não alega expressamente a nulidade da sentença por falta de fundamentação ou por contradição entre os fundamentos e a decisão, mas invoca as disposições legais que a determinam, sem que, no entanto tenha concretizado as razões por que considera que a sentença não está fundamentada ou é contraditória.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, bem como a oposição dos fundamentos com a decisão.

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito.

A lei processual exige que a sentença esteja fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPPT, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, mas, como tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, só abrange a falta absoluta de motivação da decisão (cfr. Ac. do STA de 06/02/2019 – proc. 249/09.0BEVIS).

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que estão elencados os factos provados, deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade, complementada com a expressa motivação da decisão da matéria de facto.

Quanto à fundamentação de direito, de uma leitura atenta da decisão recorrida acima transcrita, resultam, claramente, quais as razões que determinaram o julgamento da procedência da excepção da ilegitimidade do ora Recorrente, tendo sido elencados os normativos legais que alicerçam essa decisão.

Face ao exposto, resulta que foram analisadas, criticamente, as provas e especificados os fundamentos de facto e de direito que foram decisivos para a convicção do julgado.

Acresce que, como referido anteriormente só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada, o que não é o caso dos presentes autos.

Pelo exposto resulta evidente que a sentença recorrida não padece de nulidade por falta de fundamentação porquanto estão enunciadas as razões de facto e de direito que conduziram à decisão proferida.

Invoca ainda o Recorrente o disposto no art. 615º, nº 1, alínea c) do CPC que consagra a nulidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Importa salientar que o vício em análise, tem como pressuposto a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, e ocorrerá quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.

No caso em apreço, desde já se afirma que a sentença não padece da nulidade em análise, uma vez que do seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto ao ter decidido pela ilegitimidade do reclamante, a sua fundamentação jurídica vai no mesmo sentido. Igualmente não se verifica qualquer obscuridade ou ambiguidade que torne a decisão ininteligível dado que, de forma totalmente coerente e lógica foi analisada a questão da legitimidade processual e, em consequência julgado o Reclamante parte ilegítima no processo.
Desta forma se conclui que atento o discurso argumentativo constante da sentença recorrida e acima transcrito, não existe qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, nem esta padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.

Em face do exposto conclui-se que a sentença não padece de nulidade.

Vejamos o alegado erro de julgamento.

A sentença considerou que o Recorrente não tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou qualidades dela, por falta de conformidade com o anunciado, legitimidade que é exclusiva do comprador, como resulta do disposto no art. 838.º, n.º 1, do CPC, conjugado com o art. 257.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, mas parece ter admitido que o Recorrido tinha legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento e em consequência da procedência de nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ou seja, se a omissão de acto ou formalidade prescrita na lei for nesta qualificada como nulidade ou se for susceptível de influir no resultado da venda, como resulta do disposto no art. 839.º, n.º 1, alínea c) do CPC, conjugado com a alínea c) do art. 257.º, n.º 1, do CPPT.

O Recorrente não se conforma com o decidido e insiste na tese de que tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento na divergência de áreas do imóvel entre o que foi anunciado e o que efectivamente existe.

Como se afirma no Acórdão do STA de 12/07/2017 - proc. 010/17, “A nosso ver, é inequívoco que só o comprador (E também o preferente ou o remidor se, depois da venda, foi julgada procedente acção de preferência ou foi deferida a remição de bens, situações em que o preferente ou o remidor se substituirão ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra (art. 839.º, n.º 2, do CPC). Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª edição, IV volume, anotação 13 a) ao art. 257.º, pág. 193.) tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades do mesmo por falta de conformidade com o que foi anunciado. É o que resulta claramente do disposto no n.º 1 do art. 838.º do CPC (à data, do art. 908.º, n.º 1), sendo que o art. 257.º, do CPPT, no seu n.º 1, alínea a), relativamente àquele preceito do CPC nada acrescenta, antes se limitando, a esse propósito, a fixar o prazo para o exercício do direito de requerer a anulação da venda com aquele fundamento. Não é possível, pois, extrair do art. 257.º do CPPT a possibilidade de quem não é comprador pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou suas qualidades, por falta de conformidade com o anunciado.
Acerca deste fundamento da anulação da venda, diz JORGE LOPES DE SOUSA: «O erro sobre o objecto transmitido ocorre quando o comprador formulou a sua proposta reportando-se a um objecto julgando estar a fazê-lo relativamente a outro objecto.
Trata-se de uma situação em que, em alguns casos, se reconduz a um erro sobre as qualidades do objecto e que, de qualquer forma, tem um tratamento idêntico.
O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios.
[…] para justificar a anulação não será necessário que o erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não seria efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no art. 908.º [hoje art. 838.º] do CPC» ( Ob. e vol. cit., anotação 3 c) ao art. 257.º, pág. 179.).
Como é manifesto, esse erro verifica-se na esfera da formação da vontade do comprador e, por isso, a legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre a coisa vendida ou suas qualidades por falta de conformidade com o anunciado é exclusivamente do comprador (aí se incluindo o preferente e o remidor, se for caso disso), como resulta do disposto no art. art. 908.º, n.º 1, do CPC (na redacção aplicável), conjugado com o art. 257.º, n.º 1, alínea a), do CPPT. Por isso, não faz sentido conferir legitimidade para pedir a anulação da venda com esse fundamento a outrem que não o comprador (cf. art. 26.º do CPC, na redacção aplicável) (Nesse sentido, com numerosa indicação de doutrina, o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Julho de 2002, proferido no processo n.º 523/02, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bdf6e9961eb4e55680256bf3004ddeb8.).
Isto não significa que só o comprador possa ser prejudicado por eventual discrepância entre as qualidades do bem vendido e o que foi anunciado. Significa, tão-só, que só o comprador pode pedir a anulação da venda com fundamento no erro do comprador sobre o bem transmitido.”.

Seguindo este entendimento, consideramos que efectivamente o ora Recorrente não tem legitimidade para pedir a anulação da venda com o fundamento no erro sobre a coisa vendida (nos termos do art. 257º, nº 1 alínea a) do CPPT conjugado com o art. 908º, nº 1 do CPC), pelo que a sentença que assim também o entendeu não merece reparo.

A sentença parece ter admitido que o Recorrente poderia ter legitimidade para pedir a anulação da venda em consequência da procedência de nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ou seja, se a omissão de acto ou formalidade prescrita na lei for nesta qualificada como nulidade ou se susceptível de influir no resultado da venda, como resulta do disposto no art. 839.º, n.º 1, alínea c) do CPC, conjugado com a alínea c) do art. 257.º, n.º 1, do CPPT.

É certo que a anulação da venda nos termos deste art. 195.º do CPC depende, quer da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei, quer da circunstância de a irregularidade verificada poder ter influência na venda (cfr. n.ºs 1 e 2 do referido artigo). Ou seja, a regra, relativamente à prática de acto não admitido ou à omissão de acto ou formalidade prescrita, é a de que, se a lei não referir expressamente como consequência a invalidade do acto, o vício do acto processual só deve produzir nulidade quando dele resulte prejuízo para a relação jurídica contenciosa. «Estão nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda», sendo que «a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 9 ao art. 257.º, pág. 186.). O que releva é, pois, a susceptibilidade da formalidade omitida poder ter repercussão sobre a venda (cfr. Acórdão citado).

Com efeito, somente tem legitimidade para deduzir o incidente de anulação de venda devido a omissão de ato ou formalidade prescrita na lei, nos termos do artº.195, do CPC, as partes no processo de execução fiscal, seja o executado, o exequente ou os credores reclamantes, porquanto só estes detêm interesse na arguição de nulidades processuais que interfiram no desfecho da mesma venda executiva.

Neste particular, veja-se Acórdão do STA proferido no processo nº 0253/15, de 15.04.2015 que a este propósito esclarece que:
Só os intervenientes no processo de execução têm interesse na venda, e, por conseguinte legitimidade para pedir a sua anulação com fundamento em irregularidades que possam nela ter influência.”

E também no mesmo sentido, o Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 06995/13, de 30 de janeiro de 2014, segundo o qual:
“A anulação da venda nos termos do artº.195, do C.P.Civil, depende de ter ocorrido, relativamente ao ato de venda ou aos atos preparatórios a ela respeitantes, qualquer omissão de ato ou formalidade prescrita na lei, desde que a irregularidade possa ter influência na venda (cfr.artº.195, nº.1, do C.P.Civil). Estão nestas condições, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser intimadas para a venda. Porém, mesmo nestes casos, a anulação da venda só deve ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua suscetibilidade para influenciar a venda, como decorre da parte final do citado artº.195, nº.1, do C.P.Civil. Pode, assim, fundamentar tal anulação, quer um vício que atinja diretamente a venda, quer uma pecha que atinja ato anterior de que a venda dependa absolutamente, nos termos do artº.195, nºs.1 e 2, do C.P.Civil (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/7/2010, rec.316/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.282/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/2/2013, proc.4865/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.186; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.181 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13ª. edição, 2010, pág.407).
Contudo, somente têm legitimidade para deduzir o incidente de anulação de venda devido a omissão de ato ou formalidade prescrita na lei, nos termos do artº.195, do C.P.Civil, as partes no processo de execução fiscal, seja o executado, o exequente ou os credores reclamantes, porquanto só estes detêm interesse na arguição de nulidades processuais que interfiram no desfecho da mesma venda executiva, que não um terceiro como é o recorrente face ao processo de execução fiscal nº.1384-2007/104480.0 e apensos, o qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Leiria. Nestes termos, quanto a este fundamento de anulação de venda deve julgar-se o recorrente parte ilegítima e confirmar a decisão do Tribunal “a quo”.”.

O Recorrente não arguiu a nulidade do processo executivo, tendo ao invés centrado a sua discordância quanto à venda judicial, no erro referente à área do bem anunciado para a venda pedindo a anulação da venda, e relativamente a esse pedido, tal como referido supra, o ora Recorrente não tem legitimidade para o efeito.

Em face do exposto consideramos que o ora Recorrente é parte ilegítima sendo que a sentença recorrida não merece qualquer censura, negando-se assim provimento ao recurso.
* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência manter a sentença recorrida.


Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 16 de Setembro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pereira].
Luisa Soares