Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:235/18.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ASILO; DÉFICE OU FALTA DE INSTRUÇÃO;
ANULAÇÃO DO ATO DE INDEFERIMENTO POR SER INFUNDADO E CONDENAÇÃO A REAPRECIAR;
NÃO CONDENAÇÃO A ADMITIR O PEDIDO 
Sumário:I. O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29/04, e 2005/85/CE, do Conselho, de 01/12,tal como no 1.º parágrafo da Secção A, do artigo 1.º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê que a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada, sendo o pedido considerado infundado quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 19.º.
II.Proferida decisão de indeferimento do pedido de asilo ou de protecção subsidiária, por ser considerado infundado, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Asilo e verificando-se a falta ou défice de instrução do pedido de protecção internacional, deve ser anulada a decisão proferida e condenada a entidade competente a instruir devidamente o processo e a proferir nova decisão com base nos novos elementos recolhidos.
III. A falta ou défice de instrução do pedido de asilo ou de protecção subsidiária que foi indeferido por ser considerado infundado, nos termos do artigo 19.º da Lei de asilo, não determina a admissão do pedido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º da Lei de Asilo.
Votação:VOTO VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

O Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, devidamente identificado nos autos de ação instaurada por L. N. N., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 02/04/2018, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação procedente, condenando a entidade demandada a admitir o pedido de protecção internacional apresentado, com os efeitos previstos no artigo 21.º, n.º 1 da Lei de Asilo.


*

Formula o Recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“A - A decisão judicial condenou indevidamente o SEF a admitir o pedido de protecção internacional formulado pelo requerente.

B - O tribunal deveria ter anulado a decisão administrativa que considerou o pedido de protecção internacional, infundado, com fundamento, na preterição de uma formalidade essencial, permitindo que o SEF suprisse, em nova decisão, essa formalidade, ao invés de condenar a Administração a admitir o pedido.

C - Tratando-se de um vício formal da decisão administrativa, bem poderia o SEF praticar novo acto de “indeferimento” do pedido, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado (cfr. 173º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

D - Uma vez detectado o vício formal da decisão administrativa, ao tribunal, em resposta ao pedido condenatório do requerente, “o mais” que lhe seria permitido fazer seria condenar o SEF na reapreciação do pedido, ficando a Administração, em sede de execução de sentença, com o “encargo” de proceder a melhor instrução dele.

E - Se o vício é formal, não pode o SEF ficar inibido de o sanar, cumprindo assim, a decisão do tribunal, e proferir nova decisão com idêntico sentido.

F - O acto administrativo em causa, mesmo padecendo do vício formal assinalado pelo tribunal, é renovável, e, nessa medida, não poderia ter sido o SEF condenado a admitir o pedido de protecção internacional.

G - Mesmo aceitando que o SEF não poderia, em circunstância alguma, prevalecer-se de qualquer das alíneas do artigo 19° da Lei de Asilo para considerar o pedido infundado, ainda assim, e em nossa opinião, o tribunal teria forçosamente que dar nova oportunidade ao SEF de apreciar o pedido.

H - Nesse caso, a nova decisão administrativa poderia apoiar-se em qualquer das alíneas do artigo 19°-A do mesmo diploma, com a prerrogativa de não ter de se proceder à análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional.

I - Não pode o tribunal condenar a Administração a admitir o pedido de protecção internacional, uma vez que ao SEF não pode ser vedada a possibilidade de proferir nova decisão, fundamentando-a, por exemplo, com base numa das alíneas do artigo 19°-A da Lei de Asilo, considerando-o Inadmissível, na vez de o considerar infundado, nos lermos do artigo 19° da Lei de Asilo.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida com todas as legais consequências.


*

O Recorrido, notificado, não contra-alegou o recurso.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

*

O processo vai, sem vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, ao admitir o pedido de protecção internacional, por entender que a preterição da formalidade essencial por falta de instrução deve determinar a anulação da decisão administrativa impugnada, que considerou o pedido infundado, permitindo que o SEF proceda a melhor instrução, praticando novo ato, ao invés de determinar a sua condenação na admissão do pedido.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos:

a) O Autor, L. N. N., apresenta-se como nacional da R. D. do C. (Z.) ─ fls. 15 e 25, e ponto 4. da Informação a fls. 36 do PA.

b) O Autor foi interceptado e ficou retido no dia 24/12/2017, no aeroporto de Lisboa, quando entrava em território português, por não ter em sua posse documento válido para o efeito ─ fls. 1 a 10 do PA.

c) Nessa data apresentou por escrito, junto dos serviços do R., pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de protecção internacional n.º 1353J/17 ─ fls. 15 a 17 e 41 do PA.

d) A 29 de Dezembro de 2017, pelas 14h45m, o A. prestou declarações junto do SEF, na presença de um intérprete de língua lingala ─ de nome M. E. K. ─ tendo dito que pretendia efectuar a entrevista em língua lingala ─ fls. 25 do PA.

e) Referiu ainda que:

«Pergunta (P) Que língua(s) fala?

Resposta (R). Falo lingala, um pouco de francês e um pouco de português.

P. Em que língua pretende efectuar esta entrevista?

R. Em lingala.

P. Qual é o seu estado civil?

R. Solteiro.

P. Tem filhos?

R. Não.

P. Qual é a sua escolaridade?

R. Estudei até ao 12º ano.

P. Professa alguma religião?

R. C.

P. Pertence a algum grupo étnico?

R. Y.

P. Em que local residia na RDC?

R. Vivia em K., no bairro de K.

P. Desde quando e até quando residiu nessa morada?

R. Sempre vivi em K.

P. Com quem morava?

R. Vivia com os meus pais, e com três irmãos e quatro irmãs.

P. Qual é a sua profissão?

R. Nunca trabalhei. Estudei até aos 16 anos.

P. Tem familiares a residir atualmente na RDC?

R. O meu pai está detido na prisão central de M. em K., os meus irmãos e irmãs e a minha mãe.

P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na RDC?

R. Sou militante do partido UDPS, que é um partido da oposição ao governo na RDC.

P. O que quer dizer as siglas UDPS?

R. U. pour La D. P. et S.

P. Há quanto tempo é militante desse partido?

R. Desde 2014, o meu pai já era militante do UDPS, por isso ele se encontra preso.

P. Quem é o líder do partido?

R. Era o senhor E. T. W. M., mas já faleceu em Fevereiro de 2017, agora é o secretário geral que se chama J. M. K.

P. Onde fica a sede do partido?

R. Fica no bairro L. na Rua ...

P. Qual era o seu papel dentro do partido?

R. Era ajudante do redator que fazia relatórios sobre a juventude do partido, o meu papel era dar conhecimento ao redator sobre os pensamentos e das ideias da juventude do partido.

P. Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional?

R. Fiquei com medo de ser apanhado pela policia, o meu pai era uma pessoa importante do partido UDPS, no bairro onde vivíamos. E um dia, no final do mês de Outubro de 2014, os militares da Unidade D., que fica localizada no meu bairro, foram a minha casa à procura do meu pai, porque havia noticias de que iria haver uma manifestação, onde os chefes do bairro iriam mobilizar as pessoas para participarem contra o governo de K., contra um novo mandato do presidente, desde esse dia que o meu pai se encontra preso.

P. O que se passou quando a polícia foi a sua casa?

R. A polícia levou o meu pai preso, e agrediram-me a mim e à minha mãe e aos meus irmãos mais velhos.

P. O que se passou depois do seu pai ter sido preso?

R. Os militares disseram a mim e à minha mãe, que depois do meu pai seria a restante família, a minha resolveu que era melhor eu sair do país, porque eu era o único filho que participava ativamente no partido, e fui para Angola.

P. Quando é que saiu da RDC para A.?

R. Saí no dia 11/11/2014.

P. Foram estes os únicos motivos pelos quais saiu da RDC?

R. Sim.

P. Tem alguma prova ou documento dos factos que alega?

R. Tenho o meu cartão de militante do partido UDPS, pretendo que fique uma cópia em anexo ao meu pedido.

P. Tentou obter ajuda de alguma organização na RDC?

R. Não existe nenhuma organização que me pudesse ajudar.

P. Quanto tempo ficou em A.?

R. Fiquei um ano?

P. O que fez em A.?

R. Estive na casa da prima da minha mãe, que vive em L.

P. Porque motivo decidiu sair de A.?

R. A Minha Tia já sabia dos problemas na RDC, e ligou para a minha mãe e disse-lhe que era melhor eu sai de A., porque A. e RDC, era tudo a mesma coisa e a minha mãe concordou, e eu acabei por sair de A. para o B.

P. Porquê o B.?

R. A minha tia, já tinha tentado obter um visto para mim na embaixada da P. na RDC e não conseguiu, depois foi à embaixada do B. onde conseguiu um visto de turismo.

P. Quanto ficou no B.?

R. Fiquei um ano e nove meses.

P. O que fez no B.?

R. Não fiz nada, a minha mãe e a prima da minha mandavam-me dinheiro, não consegui arranjar trabalho.

P. Com quem vivia no B.?

R. Vivia na casa de um conhecido de um sobrinho da minha mãe que também era da RDC.

P. Porque motivo decidiu sair do B.?

R. Conheci um senhor Espanhol no R. de J., que trabalha numa agência de viagens e eu contei-lhe a minha vida pedi ajuda a ele para ir para B. e com a ajuda do senhor embarquei para L., depois ia para B.

P. Quando é que saiu do B.?

R. No dia 24 de Dezembro de 2017.

P. E receia voltar então a que país ou países?

R. Tenho receio de voltar à RDC.

P. O que poderia acontecer se regressasse?

R. Vou ser detido.

P. Porque aconteceria isso?

R. A minha família está em K., mas já mudou de casa, se a policia voltou à minha casa antiga e não encontrou lá ninguém, o assunto passa a ser judicial e eu já sou maior de idade, posso ser detido e morto.

P. Tem receio de quem?

R. Tenho receio dos militares do D.

P. Ponderou mudar-se para outra zona do país, para fugir a esses problemas?

R. Pensei, mas a minha mãe disse que era melhor sair da RDC, porque não era seguro, o governo era o mesmo.

P. Refere ser nacional da RDC. Tem algum documento que comprove a sua nacionalidade e /ou identidade?

R. Não.

P. Com que documentos viajou?

R. Da RDC para A. não usei documento nenhum, de A. para o B. e do B. para Portugal, viajei com um passaporte A., qua a prima da minha mãe comprou.

P. Qual o percurso e o meio de transporte utilizado em cada etapa desse percurso?

R. Sai da RDC para A. de autocarro, depois fui para o B. de avião, depois fui para Portugal de avião.

P. Porque é que não solicitou proteção internacional nos países onde esteve antes de vir para Portugal?

R. Em A. não existe asilo, no B. pedi asilo, esperei, mas como não me der resposta nenhuma decidi não esperar.

P. Qual era o seu destino final, quando saiu da RDC?

R. Era a Europa.

P. Porque solicitou proteção internacional em Portugal? Quem conhece em Portugal?

R. Não tinha preferência, qualquer país da Europa é seguro. Não.

P. Tem familiares, amigos ou conhecidos noutros países?

R. Em A. tenho a prima da minha mãe, tenho amigos e conhecidos em A. e no B.

P. Anteriormente já tinha viajado ou residido noutro país?

R. Não.

P. Já pediu proteção internacional, asilo anteriormente?

R. Já pedi no B.

P. Algum dos membros da família é reconhecido como refugiado num Estado - Membro ou num país terceiro e reside legalmente nesse Estado?

R. Não.

P. Alguma vez cumpriu pena de prisão?

R. Não.

P. Alguma vez foi condenado por um crime?

R. Não.

P. Qual é a capital da RDC?

R. K.

P. Que cores tem, a bandeira na RDC?

R. Azul, amarelo e vermelho.

P. Quem é o presidente da RDC?

R. J. K.

P. A RDC faz fronteiras com que países?

R. A., Z., R., U., B., RCA, R. do C., S., T..

P. Pode dizer o nome de outras cidades da RDC?

R. L., B.

P. Deseja acrescentar alguma coisa?

R. O meu percurso não foi fácil, mas já cheguei ao destino onde me sinto seguro.

P. Em Portugal, é-lhe concedido apoio durante todo o procedimento de asilo por uma ONG designada Conselho Português para os Refugiados (CPR). No final do procedimento, é necessária a sua autorização para a informar o CPR da decisão que venha a ser tomada no seu caso. Autoriza?

R. Sim.»

cfr. “Auto de Declarações” a fls. 25-28 do PA.

f) O Auto em que foram vertidas estas declarações foi lido ao A. em língua lingala, que compreende e na qual se expressa — fls. 28 do PA.

g) A 3 de Janeiro de 2018 foi elaborada proposta de decisão, motivada, da qual consta:


«(…)

7. Da apreciação da admissibilidade do pedido


Em resumo, o requerente, solteiro, com o 12º ano de escolaridade, católico, pertencente ao grupo étnico Y., sem profissão, residente em K., fundamenta a saída do seu país, com o receio de ser detido pelos militares da unidade D., na RDC.

O requerente declara que o seu pai é membro do partido UDPS e que ainda hoje se encontra preso em K. por esse motivo, sendo o próprio requerente também membro do partido UDPS desde 2014, apresentando um cartão de membro.

Que no dia em que prenderam o seu pai, no final de Outubro de 2014, quando este se encontrava em casa juntamente com a família, a restante família incluindo o requerente, terão sido ameaçados pelos militares do D., que prenderam o seu pai, e que da próxima vez seriam eles, a restante família, a serem detidos, perante esta ameaça a mãe do requerente achou melhor que ele deveria sair do país, tendo este saido para A.

Que em A. esteve a viver um ano em casa de uma prima da sua mãe, tendo saído de A., concordando com a opinião da sua tia e da sua mãe, que era melhor ele sair, porque A. e RDC, era tudo a mesma coisa, tendo saído para o B., depois de ter visto ser rejeitado um pedido de visto na embaixada da P.

Que já no B., onde ficou um ano e nove meses, não conseguiu arranjar trabalho, pediu asilo, mas não quis esperar pelo resultado desse pedido, tendo saído para L., depois de ter falado com um senhor Espanhol, que o ajudou para ir para B., tendo ficado retido em Lisboa, por se encontrar indocumentado.

Assim, analisadas as suas declarações e antes de qualquer outra consideração podemos concluir que existem fundadas razões para concluir que o relato do requerente não merece credibilidade, o requerente refere que durante a prisão do seu pai, terá sido ameaçado juntamente com a restante família, de que a seguir seriam eles, não concretizando qualquer situação em que se possa aferir com um mínimo de credibilidade que efetivamente o mesmo pudesse ser alvo de qualquer medida discriminatória ou de natureza persecutória, o que que afasta a possibilidade de lhe ser concedido o benefício da dúvida, até porque tendo sido toda a família ameaçada, o requerente é o único que se encontra fora da RDC e não faz qualquer referência a que qualquer outro membro da família, excetuando o seu pai, tenha sido alvo das autoridades, dando sequência às ameaças referidas pelo requerente.

Também não se compreende, que sendo a intenção do requerente viajar do B. para B., com trânsito em Lisboa, sendo sua intenção entrar em Território Nacional, para efetuar o respetivo transito, se apresente indocumentado.

A concessão do benefício da dúvida desempenha nos pedidos de protecção internacional um papel relevante nos casos em que não é possível apresentar provas dos factos alegados, no entanto, de acordo com o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR (...) o benefício da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos (...)

Atender ao princípio do benefício da dúvida, consiste, na análise do pedido de protecção, em que o requerente não consegue, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, quando estas são coerentes, plausíveis e não contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos, decidir a favor do requerente, concedendo-lhe assim o benefício da dúvida.

Face ao exposto, julga-se existirem nos autos, elementos que põem em causa, de forma objectiva, a autenticidade das declarações prestadas, assim como a credibilidade do requerente, pelo que se considera não se encontrarem reunidas as condições para a aplicação do benefício da dúvida a que se refere o ponto 204 do Manual de Procedimentos do ACNUR.

Também não é possível estabelecer o nexo de causalidade entre os factos relatados e o receio invocado pelo requerente, desde logo devido à não atualidade desses mesmos factos. O mesmo reporta factos ocorridos em Outubro de 2014, não mencionando qualquer outra situação ou medida discriminatória ou de natureza persecutória que sobre ele tenha recaído quer antes quer depois do episódio citado pelo requerente, tendo em conta que nunca mais regressou ao seu país de origem desde 11 de Novembro de 2014.

De realçar ainda, de que o requerente declara, que ficou um ano em A., a viver com uma tia, não invocando qualquer situação discriminatória ou de natureza persecutória, que o impedisse de aí continuar.

Declara ainda que foi de A. para o B., antes já tinha tentando obter um visto na embaixada da P., mas foi recusado, tendo conseguido esse visto na embaixada do B., onde ficou um ano e nove meses, tendo inclusive solicitado asilo, não tendo, no entanto, aguardado pela resposta a esse pedido, não invocado qualquer motivo ou justificação, para não ter aguardado por uma resposta, que simplesmente decidiu não esperar mais pela mesma.

Para além do atrás exposto, verifica-se também que o requerente não concretiza quaisquer medidas individuais de natureza persecutória, de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ela exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

Não foi também invocado qualquer receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do artigo 3º da Lei 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 05.05.

Assim pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para o estatuto de refugiado, por incorrer nas alíneas e) do n.º 1 do artigo 19 da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.

8. Da Autorização de Residência por Protecção Subsidiária

O artigo 7.º da lei n.º 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3.º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Ora, considerando as declarações factuais do requerente e a apreciação que é feita das mesmas no ponto anterior, julgamos que estas são insusceptíveis de preencherem os pressupostos do regime do direito de residência por Proteção Subsidiária.

Das declarações da requerente não se pode concluir que esteve ou pode estar exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais, tornando a sua vida intolerável no seu país de origem, antes existem fundadas razões para concluir que o relato do requerente não merece credibilidade.

Assim, pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer na alínea e) do nº 1, do artigo 19º, da Lei n.º 27/2008 de 30.06, alterada pela Lei 26/2014 de 05.05.

9. Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de protecção internacional infundado, por se enquadrar na alínea e) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05.

Assim, submete-se à consideração da Exmo. Director Nacional do SEF a proposta acima, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º, e n.º 4 do artigo 24.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014 de 05.05.»

cfr. Inf. 02/GAR/18, a fls. 32-39 do PA.

h) Com remissão para a informação mencionada e parcialmente transcrita na alínea anterior, foi proferida, na mesma data (3/1/2018), a Decisão do Director Nacional do SEF que indeferiu, por considerar infundados, o pedido de asilo e o de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pelo Autor – fls. 41 do PA.

i) Tal Decisão foi transmitida ao Autor, a 3 de Janeiro de 2018, pela leitura da notificação da mesma em língua lingala «que compreende ou seja razoável presumir que compreenda», tendo-lhe sido entregue cópia da decisão e da informação referida em g) – conforme auto de notificação a fls. 42 do PA.

j) A Agência das NU para os direitos Humanos referenciou que «(…) desde o início de 2016 tem havido um aumento acentuado do número total de violações dos direitos humanos levadas a cabo na R. D. do C.; 2.822 violações de direitos humanos foram documentadas durante a primeira metade de 2017, em comparação com 2.343 no mesmo período de 2016. Este aumento é o resultado directo do alastrar das violações de direitos civis e políticos num contexto de diminuição do espaço democrático, do uso excessivo da força pelas forças de segurança nacionais, e do aumento dos conflitos locais e da violência inter-étnica»; e mais acrescenta que «as forças de segurança nacionais são uma fonte de crescente insegurança para a população civil. (…) 57% das violações de direitos humanos documentadas desde o início de 2017 podem ser atribuídas a agentes do Estado. As forças de segurança nacionais usaram força desproporcionada num contexto de diminuição do espaço de actuação democrática e de alastramento da impunidade e contribuíram para incendiar o conflito em certas áreas da região de K. (…)» [tradução livre da signatária] — cfr. o seguinte relatório [maxime pp. 6 e 7/29]: UN Security Council, Special report of the Secretary-General on the strategic review of the United Nations Organization Stabilization Mission in the D. R. of the C., 29 September 2017, S/2017/826, disponível em: http://www.refworld.org/docid/59ddd0844.html

[consultado a 16 de Março de 2018].

Analisando agora criticamente o resultado probatório (art.º 607.º/4 CPC), importa referir que a convicção do Tribunal quanto a todos os factos vertidos se formou com base na análise do teor dos documentos pontualmente invocados, v. g. os constantes do PA apenso, e na posição expressa pelas partes nos respectivos articulados.

Quanto à demais matéria alegada, a mesma não carece de ser aqui tida em conta por se tratar de alegações conclusivas, de direito ou impertinentes.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do recurso jurisdicional.

Erro de julgamento, ao admitir o pedido de protecção internacional, por entender que a preterição da formalidade essencial por falta de instrução deve determinar a anulação da decisão administrativa impugnada, que considerou o pedido infundado, permitindo que o SEF proceda a melhor instrução, praticando novo ato, ao invés de determinar a sua condenação na admissão do pedido

Sustenta o Recorrente como fundamento do presente recurso que a sentença recorrida fez errada apreciação do direito, quanto à admissibilidade do pedido de protecção internacional.

Alega que verificando-se a preterição de uma formalidade essencial, o Tribunal deveria ter anulado a decisão impugnada, que considerou infundado o pedido de protecção internacional apresentado pelo requerente, mas ao invés de admitir o pedido, deveria ter permitido que o SEF suprisse essa formalidade, proferindo nova decisão sem esse vício formal, proferindo novo ato e realizando melhor instrução, ao invés de o condenar a admitir o pedido.

O SEF não pode ser condenado a admitir o pedido e, mesmo aceitando que se pudesse prevalecer de qualquer das alíneas do artigo 19.º da Lei de Asilo para considerar o pedido infundado, deverá conceder-se nova oportunidade de apreciar o pedido e até, se for o caso, aplicar qualquer das alíneas do artigo 19.º-A da Lei de Asilo, considerando-o inadmissível, ao invés de o considerar infundado.

Vejamos.

Com base na factualidade apurada nos autos extrai-se que tendo sido apresentado pedido de proteção internacional, de asilo e de protecção subsidiária, o mesmo foi indeferido, por ser considerado infundado por decisão do Diretor Nacional do SEF.

A sentença recorrida veio a julgar no sentido da procedência da acção e condenou o Réu a admitir o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor, com os efeitos previstos no artigo 21.º, n.º 1 da Lei do Asilo, com fundamento na procedência da falta de uma formalidade essencial, por falta de instrução.

Tendo presente o discurso fundamentador da sentença recorrida, com relevo, dela resulta quanto ao fundamento do presente recurso, o seguinte, que ora se transcreve:

O Autor pede que seja o Réu condenado a conceder-lhe protecção internacional posto que se julgue provada toda a matéria factual relatada.

Todavia, tendo em conta o teor da decisão impugnada, o que está efectivamente em causa nos presentes autos é saber se a decisão administrativa, que considerou infundado o pedido de protecção internacional formulado pelo, ora, Autor – aqui impugnada –, deve ser invalidada e ou condenado o R. a prosseguir com a instrução do pedido de protecção internacional apresentado pelo Autor por não dever aquele considerar-se manifestamente infundado.

Com efeito, no caso dos autos a decisão impugnada foi proferida na fase preliminar do procedimento de concessão de protecção internacional, que se reconduz tão só à verificação do fundamento e admissibilidade dos pedidos de asilo e de protecção subsidiária, para efeito de admissão ou não à fase de instrução – nos termos dos artigos 20.º/1 e 24.º/4 da Lei de Asilo.

Ora, o pedido de protecção internacional considera-se infundado quando se verifique qualquer das situações previstas no art.º 19.º ….

(…)

Em suma, a análise jurídica do pedido de asilo em apreço, impõe que se tenham em consideração os critérios definidos pelo artigo 1A (2) da Convenção de Genebra de 1951, em conformidade com o art. 1 (2) do Protocolo de Nova Iorque, que se encontram vertidos no, já mencionado, art.° 3.°/1 e 2 da Lei do Asilo.

Tendo em conta o exposto, não é manifesto que nenhum dos critérios alternativos vertidos no n.º 1 e no n.º 2 deste preceito seja susceptível de se considerar preenchido no caso do Autor, pelo que não seria de considerar, sem mais, o seu pedido de asilo infundado.

O Autor imputa ainda à decisão impugnada a iii) violação do artigo 18.°/2/a) da Lei do Asilo por não terem sido tidos em conta, na apreciação do pedido pelo SEF «os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação».

Trata-se de uma formalidade determinante do ponto de vista da (in)completude da instrução da decisão, essencial para a correcta análise do pedido.

Assim, nos termos do art.º 15.º da Lei de Asilo,

(…)

Por sua vez, o art.º 18.º da mesma Lei estabelece [sob a epígrafe “Apreciação do pedido”] que (…)

(…)

Ora, o princípio do benefício da dúvida – de que as normas do artigo 18.º acabadas de citar são corolário – constitui um princípio de direito internacional e tem aplicabilidade nas situações de manifesta dificuldade de prova dos factos invocados, desde que as declarações prestadas pelo requerente da protecção passem, tendo em conta os factos conhecidos, o crivo cumulativo da credibilidade, coerência e plausibilidade.

Contudo, ainda antes de se proceder à aplicação deste princípio, incumbe à Administração – a par do ónus probatório a cargo do requerente de protecção internacional – recorrer a todos os meios ao seu dispor para obter elementos imparciais e pertinentes para análise dos factos relatados e do pedido formulado pelo Requerente; para tanto deve recolher toda a informação disponível, em especial, sobre os factos pertinentes respeitantes ao país de origem – obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes –, à data da decisão sobre o pedido.

No caso dos autos, a informação do Gabinete de Asilo e Refugiados n.º 02/GAR/18 – para que a decisão impugnada remete – não refere qualquer recolha de informação atual respeitante à situação na RDC, limita-se a referir que os factos relatados pelo Requerente se reportam a Outubro de 2014 e nada de mais actual é mencionado; contudo, o Requerente refere que, actualmente, mantém o mesmo receio de regressar.

E é certo que a decisão impugnada se fundamenta em informação que nada menciona relativamente à situação actual da R. D. do C., designadamente, quanto à actuação das forças policiais e militares relativamente aos membros de grupos civis ou de partidos políticos da oposição e seus familiares, sendo que tais factos respeitantes ao país de origem mostram-se essenciais à apreciação do fundamento do pedido, em especial, no que concerne ao pressuposto do fundado receio de perseguição.

Assim, ao não ter dado cumprimento ao dever de resultante do disposto no art.º 18.º/1 e 2/a) da Lei do Asilo, a Administração preteriu uma formalidade que se revela essencial à formação da vontade do órgão decisor, devendo, também com este fundamento, considerar-se a decisão impugnada anulável”.

Como se extrai da sentença recorrida, a mesma decidiu pela condenação do Réu a admitir o pedido de protecção internacional apresentado pelo requerente, o que se traduz não numa condenação a conceder-lhe a protecção internacional, mas antes a proceder à instrução do pedido, por o mesmo não ser manifestamente infundado.

A decisão impugnada foi proferida na fase preliminar do procedimento de concessão de protecção internacional, que se traduz na verificação do fundamento e de admissibilidade do pedido de asilo e de protecção subsidiária, para efeitos de admissão ou não à fase de instrução, nos termos dos artigos 20.º n.º 1 e 24.º n.º 4 da Lei de Asilo.

A Entidade Demandada considerou o pedido infundado nos termos do artigo 19.º, mas o Tribunal a quo com fundamento na falta de instrução, condenou-a a admitir o pedido e proceder à sua instrução, no que se há seguir uma nova tomada de decisão que conceda ou não a proteção internacional requerida.

Porém, concluindo a sentença recorrida pela falta de instrução do pedido e que não pode o mesmo ser considerado infundado nos termos do disposto no artigo 19.º da Lei de Asilo, não foi apreciado, seja pela Administração, seja na sentença recorrida, se ocorre algum dos fundamentos previstos no artigo 19.º-A, para que o pedido seja considerado inadmissível.

A própria sentença recorrida, ciente desta circunstância, profere a decisão recorrida no pressuposto de que não se verifique qualquer das situações de inadmissibilidade previstas no artigo 19.º-A.

Tal é o que resulta do seguinte extracto da sentença sob recurso:

Nos restantes casos – e posto que não se verifique ainda qualquer das situações de inadmissibilidade previstas no art.º 19.º-A –, o pedido deve ser admitido, nos termos dos art.ºs 27.º ss., tendo em vista a sua instrução para efeitos de ser proferida, pelo membro do Governo responsável pela administração interna, a decisão final de concessão ou de recusa de protecção internacional [artigos 20.º/4, 21.º/1 e 29.º/1 e 5, da Lei de Asilo.” (sublinhado nosso).

Porém, a sentença recorrida que decide segundo o pressuposto de que não se verifica qualquer situação de inadmissibilidade, não tinha elementos para assim concluir, por essa análise e verificação não resultar efectuada pela Entidade Demandada, nem de algum modo se pode extrair dos factos dados como provados.

Nesse sentido, é de conceder razão ao Recorrente, pois existindo fundamento para a anulação do ato impugnado, o que de resto não foi posto em causa no presente recurso, antes sendo admitido pelo Recorrente, por não ter existido a devida instrução do pedido de protecção internacional, que fundamente a decisão impugnada, de indeferimento do pedido por o considerar infundado, já não existe fundamento para condenar a Entidade Demandada à admissão do pedido.

Atenta a falta de instrução do pedido de protecção internacional, deve a decisão ser anulada e devolvida a palavra à Administração para instruir devidamente o processo, proferindo nova decisão, que poderá passar para admissão ou não do pedido, ou igualmente pela sua inadmissibilidade, nos termos do disposto nos artigos 19.º e 19.º-A, respectivamente, por essa análise não ter sido devidamente efetuada pela Administração.

Não tendo existido a devida instrução do processo, não estão reunidos os pressupostos para que a Entidade Demandada seja condenada à admissão do pedido apresentado.

Nestes termos, tem de se concluir, tal como sustentado no presente recurso, que a omissão de instrução do pedido de asilo e de protecção subsidiária, não conduz à decisão de condenação de admissão do pedido de protecção subsidiária, mas antes à sua reapreciação pela Entidade Demandada, a qual deve proceder à sua devida instrução e proferir nova decisão, de acordo com a lei.


*

Termos em que será de conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, por provados os seus fundamentos, revogando-se a decisão recorrida, de condenação do Réu a admitir o pedido de protecção internacional, substituindo-se pela decisão de anulação da decisão impugnada, por falta de instrução, condenando-se a Entidade Demandada a reapreciar o pedido.

***


Sumariando, nos termos do nº 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29/04, e 2005/85/CE, do Conselho, de 01/12,tal como no 1.º parágrafo da Secção A, do artigo 1.º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê que a análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada, sendo o pedido considerado infundado quando se verifique alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 19.º.

II. Proferida decisão de indeferimento do pedido de asilo ou de protecção subsidiária, por ser considerado infundado, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Asilo e verificando-se a falta ou défice de instrução do pedido de protecção internacional, deve ser anulada a decisão proferida e condenada a entidade competente a instruir devidamente o processo e a proferir nova decisão com base nos novos elementos recolhidos.

III. A falta ou défice de instrução do pedido de asilo ou de protecção subsidiária que foi indeferido por ser considerado infundado, nos termos do artigo 19.º da Lei de asilo, não determina a admissão do pedido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º da Lei de Asilo.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provados os seus respetivos fundamentos, em revogar a sentença recorrida e, em substituição, anular a decisão proferida em 3 de janeiro de 2018, do Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e condenar a entidade demandada a instruir devidamente o processo e a reapreciar e decidir o pedido com base nos novos elementos.

Sem custas – art.º 84º da Lei nº 27/2008, de 30/06.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)-Voto Vencido

Votei vencido pelos seguintes motivos:

1. Contrariamente ao que o Recorrente alegou no recurso, definido este pelas conclusões apresentadas - e é esse o objecto do recurso -, a sentença recorrida não anulou a decisão administrativa apenas com fundamento na falta de instrução do procedimento.

Na sentença recorrida, após apreciação detalhada - e acertada - sobre a situação em presença concluiu-se (os sublinhados são do signatário):

a) “Em suma, a análise jurídica do pedido de asilo em apreço, impõe que se tenham em consideração os critérios definidos pelo artigo 1A (2) da Convenção de Genebra de 1951, em conformidade com o art. 1 (2) do Protocolo de Nova Iorque, que se encontram vertidos no, já mencionado, art.° 3.°/1 e 2 da Lei do Asilo.

Tendo em conta o exposto, não é manifesto que nenhum dos critérios alternativos vertidos no n.º 1 e no n.º 2 deste preceito seja susceptível de se considerar preenchido no caso do Autor, pelo que não seria de considerar, sem mais, o seu pedido de asilo infundado”;

b) “Assim, ao não ter dado cumprimento ao dever de resultante do disposto no art.º 18.º/1 e 2/a) da Lei do Asilo, a Administração preteriu uma formalidade que se revela essencial à formação da vontade do órgão decisor, devendo, também com este fundamento, considerar-se a decisão impugnada anulável.”

c) Os factos mencionados em j) são ilustrativos da existência do fundado receio de perseguição ou de ofensa grave à vida e integridade física ─ praticadas pelas autoridades referidas no art.º 6.º/a) e b) da Lei de Asilo ─ que o Autor afirma sentir quando confrontado com a possibilidade de regressar a K… e à R. D. do C.

d) Deste modo, tendo sido concretizado o alegado receio, conforme mencionado supra, na prisão do pai, na ameaça à família, e na situação de perseguição generalizada aos opositores do Presidente K., por parte das autoridades policiais e militares, a situação que o Autor relata mostra-se subsumível à previsão do art.º 7.º/1 da Lei de Asilo, sendo certo que, da mesma norma, em conjugação com o disposto no n.º 2/c), decorre que a ofensa relevante, para efeitos de concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, deve assumir características de gravidade, o que ocorre, nomeadamente, nos casos – como o dos autos – em que a ameaça resulta de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.

e) “Por conseguinte, no caso dos autos, não pode considerar-se manifesto que o Requerente não tenha necessidade de protecção internacional, razão pela qual o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, formulado pelo Autor, não pode ser considerado infundado ─ e, nessa medida, sujeito a tramitação acelerada ─ nos termos do art.º 19.º/1/e) da Lei de Asilo. A decisão impugnada viola, pois, este último dispositivo. E, também por esta razão, tem a presente acção de proceder, devendo a decisão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras aqui impugnada considerar-se anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA.

Daí que tenha decidido: "Atenta a amplitude condenatória decorrente da procedência dos vícios de défice de instrução e de erro sobre os pressupostos de facto que atingem a decisão impugnada, torna-se espúrio, por não garantir qualquer tutela acrescida à posição substantiva do Autor, apreciar do alegado vício de violação do princípio do benefício da dúvida, tanto mais que este terá de ser respeitado em sede de ulterior instrução do pedido de protecção internacional; o que quer que sobre o mesmo se viesse a concluir encontra-se totalmente prejudicado pela procedência daqueloutros [cfr. art.º 608.º/2 do CPC] tanto mais que os presentes autos não apresentam, legalmente, uma matriz impugnatória (cfr. art.os 66.º/2 e 71.º do CPTA)."

Da simples leitura da sentença recorrida (v. excertos supra) retira-se que os vícios invalidantes imputados à decisão impugnada não são apenas formais.

Confirmaria, portanto, a sentença recorrida, uma vez que as conclusões de recurso apenas abordam o erro de julgamento a propósito da preterição de formalidade essencial, nada se infirmando quanto ao demais decidido. Ora, se em sede de recurso o Recorrente não impugna um dos fundamentos da sentença recorrida em que assentou a procedência da acção, verifica-se o trânsito em julgado da decisão quanto ao fundamento que não foi sindicado em recurso.

Lisboa, 11 de Julho de 2018


Pedro Marchão Marques

(Helena Canelas)