Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1187/10.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:GARANTIA.
CADUCIDADE.
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO.
Sumário:Nas situações constituídas na vigência da lei antiga não pode aplicar-se a lei nova aos efeitos do decurso do prazo da pendência do meio impugnatório gracioso sem decisão sobre a subsistência da garantia prestada. A respetiva eficácia retroactiva não é permitida pelo ordenamento jurídico, em particular, pelos princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

S..........., S.A., melhor identificada nos autos, deduziu Acção Administrativa Especial com vista à anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão de rejeição do pedido de declaração da caducidade da garantia prestada no âmbito do processo de execução fiscal n.º ..........., praticado pela Subdirectora-Geral dos Impostos e a sua substituição por decisão de verificação da caducidade da garantia.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença proferida a fls. 1 e ss. (numeração do SITAF), datada de 31 de outubro de 2011, julgou a acção procedente e declarou verificada a caducidade da garantia em 01/01/2010.

Desta sentença foi interposto recurso pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, conforme requerimento de fls. 156 e ss., (numeração do SITAF).

Inconformado com a decisão, vem o Subdirector-Geral dos Impostos interpor recurso, alegando nos termos seguintes:

«1. A decisão ora recorrida pugna pela aplicação do artigo 183.º-A do CPPT, aos processos de execução fiscal instaurados em data anterior à entrada em vigor deste normativo, que ocorreu em 01.01. 2009, no âmbito dos quais tenha sido prestada garantia.

2. Fundamenta este entendimento do seguinte modo: "Na ausência de direito transitório formal, e face à inaplicabilidade do regime do art. 12 da LGT, conforme supra exposto, resta o recurso ao critério consagrado no art. 12.ª do Código Civil. (...) No entanto, a regra do n.º 2 do mesmo artigo, na segunda parte, refere que quando a lei dispuser sobre o conteúdo de certas situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. A lei nova que regula os efeitos independentemente dos factos que estão na sua origem é de aplicação imediata às situações que subsistam. (...)

E tal é o que sucede com o artigo 183.º-A, do CPPT, introduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11/08. A lei vem regular o conteúdo da relação jurídica de garantia, o conteúdo do direito do prestador de garantia (direito à caducidade) e simultaneamente do direito do credor tributário (direito à manutenção da garantia), estabelecendo o direito à caducidade da mesma, após o prazo de um ano sem decisão da reclamação graciosa (...), ou seja, independentemente da sua forma de constituição, abstraindo dos factos  que lhe deram origem.

Conclui-se, pois, pela aplicação da lei nova às situações já constituídas, às situações em que já tenha sido prestada garantia, aquando da sua entrada em vigor."

3. Ao invés, o recorrente entende que o regime aplicável à caducidade da garantia vale apenas para as garantias prestadas após 01/01/2009.

4. Fundamenta a sua opinião no facto do artigo 183.º-A do CPPT, ser uma norma inserida num processo — o processo de execução fiscal, no entanto, trata-se de uma norma de direito material ou substantivo, e não de uma norma de direito processual ou adjectivo.

5. Mais relevante é o facto de ao regular situação idêntica no passado, o legislador ter estabelecido um regime transitório, e quando reintroduziu o mesmo artigo não o estabeleceu, é porque pretende que sejam aplicadas as regras gerais sobre a aplicação das leis no tempo, isto é, o artigo 12.º da LGT e o artigo 12º, n.º 1 do Código Civil, segundo os quais, a lei nova só rege os factos posteriores à sua entrada em vigor.

6. Significa, in casu, que a lei nova só se aplica às situações que ocorram a partir da data da sua entrada em vigor, regulando ex novo as garantias que tenham sido prestadas no âmbito de processos de reclamação que se tenham iniciado após a sua entrada em vigor.

7. Tendo o processo de reclamação graciosa sido iniciado em 08.08.2007, data anterior à vigência do artigo 183.º-A., que só entrou em vigor em 01.01.2009, a caducidade da garantia prestada, apenas ocorrerá nas situações do artigo 183.º, n.º 2 do CPPT, e não nas condições previstas no artigo 183.º-A do CPPT.

8. Se a lei nova só se aplica para o futuro, e dispondo o artigo 183.º-A sobre a manutenção de uma garantia, a lei nova só se pode aplicar às garantias prestadas após a sua entrada em vigor, ou maís correctamente, às garantias prestadas no âmbito de processos de reclamação instaurados após a sua entrada em vigor!

9. A lei nova só se aplica àquelas situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão.

10. A autonomização de uma relação jurídica de garantia, tal como faz a douta sentença ora recorrida, implica que o regime da sua caducidade, ficou “a priori" definido na lei que impôs a sua constituição.

II. Não se pode alterar uma relação jurídica pré-existente, com base na lei nova; o artigo 183.º-A só pode dispor sobre as garantias constituídas após a sua entrada em vigor, mantendo-se o regime da caducidade instituído para as garantias constituídas antes da sua entrada em vigor.

12. A jurisprudência do STA invocada, pelo ora recorrente, aquando da contestação designadamente o Processo n.º 345/10, de 09.06.2010, da 2ª Secção, e o Processo n.º 0138/09, 22.04.2009, não foi objecto qualquer alusão na douta sentença, mas continuamos a considerar que mereciam alguma referência, o que poderia ter mudado o rumo da decisão.

13. Em conclusão: a lei nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos, e assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respectiva previsão legal, a partir do início da sua vigência,

14. Com a apresentação do requerimento de prestação de garantia, ficou determinado na ordem jurídica que o regime aplicável ao caso dos autos era o regulado na lei antiga pelo que, a data de entrada do requerimento de prestação de garantia a 31 de Agosto de 2007, revela que a lei que rege a caducidade da mesma é o estabelecido no art.º 183.º , n.º 2 do CPPT.

Assim, nestes termos e nos mais de direito, que V, Exas. doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso, a revogar-se a sentença recorrida.».


X

A S..........., S.A. apresentou contra-alegações ao recurso interposto, expondo conclusivamente o seguinte:

«A) Bem andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a acção administrativa especial instaurada pela Recorrida e ao declarar, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 183.º-A do CPPT, a caducidade da garantia prestada no processo de execução fiscal como tendo ocorrido em 01.01.2010.

B) A Fazenda Pública interpôs recurso da douta sentença do Tribunal a quo, por entender que o art. 183.º-A do CPPT, reintroduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, não se aplica à garantia prestada pela Recorrida em 31.08.2007.

C) A referida garantia, no entendimento da Fazenda Pública, não caducou.

D) Não assiste, porém, razão à Fazenda Pública.

E) Tanto assim é que a aplicabilidade do art. 183.º-A do CPPT, in casu, decorre de diferentes teses baseadas em enquadramentos diversos do art. 183.º-A do CPPT, mas que conduzem a uma só solução.

F) Não obstante a regra constante do art. 12.º, n.º 1 do CC determinar que a lei nova apenas dispõe para o futuro, o art. 183.º-A do CPPT consubstancia uma excepção, aplicando-se aos processos de reclamação graciosa/relações jurídicas de garantia já instaurados/existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, ou seja, em 01.01.2009.

G) É esta a conclusão que se chega, quer se entenda que o art. 183.º-A do CPPT configura uma norma de direito processual - aplicando-se imediatamente aos processos pendentes, como o de reclamação graciosa instaurado pela Recorrida em 08.08.2007, nos termos do art. 12.º, n.º 3 da LGT.

H) Quer se defenda que consubstancia uma lei sobre prazos, motivo pelo qual tem igualmente aplicação imediata por força do preceituado pelo art. 297.º do CC.

I) Quer, ainda, se considere, na esteira da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que estamos perante o regime que regula as relações jurídicas de garantia entre a Administração Fiscal e os contribuintes e que abstrai dos factos que lhes dão origem, sendo também de aplicar às relações constituídas antes da sua entrada em vigor, mas que subsistiam aquando desta, de acordo com o disposto pelo art. 12.º, n.º 2, in fine, do CC.

J) Qualquer das teses que se acolha, de todo modo, o que releva é que a conclusão é que o art. 183.º-A do CPPT é inteiramente aplicável ao caso em apreço,

K) Pelo que, tendo aquela disposição legal entrado em vigor em 01.01.2009, se deve considerar que a garantia prestada pela Recorrida caducou, nas sábias palavras do Tribunal a quo, às 24 horas do dia 01/01/2010 (...)”.

L) Outra solução não poderia, de resto, ser admitida pelos princípios da igualdade e da justiça material, de acordo com os quais, tendo-se alterado o pensamento legislativo acerca da consequência da não decisão das reclamações graciosas no prazo de um ano, não poderia esta aplicar-se unicamente aos processos de reclamação iniciado de 01.01.2009 em diante.

M) Sob pena de resultarem inobservados os referidos princípios, reitera-se, deve o art. 183.º-A do CPPT aplicar-se aos processos já iniciados e por iniciar à data da sua entrada em vigor, em 01.01.2009,

N) Devendo a caducidade da garantia prestada pela Recorrida ter-se por verificada em 01.01.2010, com as demais consequências legais.

Em face de toda a factualidade exposta, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e negado provimento ao recurso apresentado peia Fazenda Pública.»

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado, entendendo não emitir pronúncia.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação jurídica:
«1. Em 08/08/2007, a A. apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRC e juros compensatórios, n.º……….. , de 03/05/2007, referente ao exercício de 2004, no montante de € 105.206,99, (provado por acordo e por documentos, cfr. doc. n.º 2 a fls. 25-26 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
2.   A A. prestou garantia bancária com o n.º………… , com a data aposta de 31/08/2007, até ao montante de € 134.279,44, a favor do Chefe do 2.º Serviço de Finanças de Setúbal, destinada a assegurar o pagamento da liquidação adicional de IRC n.º……….. , de 3 de Maio de 2007, relativa ao ano de 2004, (provado por acordo e por documentos, cfr. doc. n.º 3 a fls. 28 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
3.   A A. apresentou requerimento com data de 08/03/2010, dirigido ao Director de Finanças de Setúbal, com o pedido de reconhecimento da caducidade da garantia, (provado por documento, cfr. doc. n.º 4 a fls. 30-31 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
4.   A A. foi notificada do indeferimento do pedido referido em 3. supra, através do ofício da Direcção de Finanças de Setúbal, n.º 10014, de 18/03/2010, (cfr. doc. n.º 5 a fls. 33-41 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
5.   A A. interpôs recurso hierárquico para o Ministro de Estado e das Finanças, da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de reconhecimento da caducidade da garantia, referido em 3. supra, (cfr. doc. n.º 6 a fls. 44 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
6.   A A. foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, da autoria da Subdirectora-Geral dos Impostos, relativo ao despacho de indeferimento do pedido de verificação da caducidade da garantia, através de ofício datado de 06/0872010, (provado por documento, cfr. doc. n.º 1 a fls, 19-23 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7.   Em 17/03/2010 a reclamação graciosa referida em 1. supra ainda não tinha sido objecto de decisão pela Administração Fiscal, (provado por confissão, cfr. art. 2º da contestação).
8.   Em 10/11/2010 a A. enviou a este Tribunal a petição inicial de acção administrativa especial para impugnação do acto de indeferimento de recurso hierárquico da Subdirectora-Geral dos Impostos, (cfr. fls. 1-2 dos autos).


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A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados teve por base os documentos juntos aos autos aí referidos, e os constantes do processo administrativo, os quais foram analisados segundo as regras da experiência comum, e que não foram impugnados.»

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
9.   Em 18.03.2010, o Director de Finanças de Setúbal proferiu despacho de indeferimento do pedido de declaração de caducidade da garantia referido em 3. - fls. 34/41.
10. O despacho referido no número anterior teve por base informação do teor seguinte:
«Descendo ao caso, dos autos, resulta líquido que, no momento da dedução da reclamação, e da prestação da garantia bancária, não existia no ordenamento jurídico-tributário a figura da caducidade da garantia bancária, mediante a já referida revogação expressa operada ex vi do art° 94° da Lei n° 53 - A/2006 de 29 de Dezembro. // O aditamento do art.° 183.°-A do CPPT operado pelo art° 1o da Lei n° 40/2009 de 11 de Agosto, veio constituir um novo direito substantivo regulado ex novo e atribuído por esse mesmo preceito legal. // Ora, não prevendo a Lei n°40/2009 de 11 de Agosto qualquer regime de direito transitório, contrariamente ao expressamente consagrado no supra citado art° 11° da Lei n°15/2001 de 05 de Junho, a pretensão de aplicação aos processos pendentes e às garantias já prestadas, implicaria uma aplicação retroactiva da lei, a qual o legislador inequivocamente não pretendeu nem cominou, pois caso fosse essa a sua intenção, teria expressamente consagrado um regime que o previsse. (…) // Note-se, à míngua de norma de direito transitório, e mediante o paralelo que viemos de estabelecer, trata-se, em nosso entender, de uma clara opção legislativa, não sendo lícito ao intérprete considerar um pensamento jurídico que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, e presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n°2 e 33 do art° 9o do Código Civil). // Destarte, e em face de ausência de norma legal com previsão expressa habilitante de aplicação aos processos pendentes, é esta a única conclusão possível, em face dos princípios que regem a aplicação da lei no tempo, ínsitos nos art° 12° da LGT e do Código Civil. // Falece, pois, em nosso entender, a pretensão deduzida pelo sujeito passivo, parecendo-nos que labora este em erro no que concerne alguns pressupostos do qual parte no seu articulado».


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2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao direito aplicável em que terá incorrido a sentença recorrida.

2.2.2. A sentença julgou procedente a presente acção administrativa especial, determinando, em consequência, a verificação da caducidade da garantia em 01.01.2010. Estruturou a argumentação seguinte:
«Conforme resulta dos factos provados a A. prestou garantia bancária (vide 2. dos factos provados), no âmbito da apresentação duma reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2004. // À data de apresentação da garantia bancária (2007) o regime de caducidade da mesma encontrava-se previsto no art. 183.º, do CPPT. // Posteriormente a Lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, vem introduzir o art. 183.º- A, no CPPT, cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2009, o qual estabelece o regime de caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa não decidida no prazo de um ano. //A referida lei não consagrou normas de direito transitório, demitindo-se o legislador de regular a questão da aplicação ou não do novo regime aos processos pendentes. (…) // Da análise do art. 12 º do Código Civil resulta o princípio de que a lei só dispõe para o futuro, entenda-se de que a lei não é retroactiva, de que não se aplica a factos passados ou aos efeitos já produzidos, vide o respectivo n.º 1. // No entanto, a regra do n.º 2 do mesmo artigo, na segunda parte, refere que quando a lei dispuser sobre o conteúdo de certas situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. A lei nova que regula os efeitos independentemente dos factos que estão na sua origem é de aplicação imediata às situações que subsistam. (…). // E tal é o que sucede com o art. 183.º- A, do CPPT, introduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11/08. A lei vem regular o conteúdo da relação jurídica de garantia, o conteúdo do direito do prestador de garantia (direito à caducidade) e simultaneamente do direito do credor tributário (direito à manutenção da garantia), estabelecendo o direito à caducidade da mesma, após o prazo de um ano sem decisão da reclamação graciosa e independentemente da mesma ter sido constituída por garantia bancária, seguro-caução, hipoteca ou penhor, ou seja, independentemente da sua forma de constituição, abstraindo dos factos que lhe deram origem».

2.2.3. A recorrente coloca sob censura o veredicto que fez vencimento na instância, imputando-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Alega, para tanto, que: i) O regime contido no art.º 183º-A do CPPT é aplicável, apenas, às garantias prestadas posteriormente a 01/01/2009, uma vez que aquela é uma norma de direito material ou substantivo e não uma norma de direito processual ou adjectivo; // ii) Se o legislador não estabeleceu um regime transitório foi porque pretende que sejam aplicadas as regras gerais sobre a aplicação das leis no tempo - artº 12º do Cód. Civil - segundo as quais a lei nova só rege os factos posteriores à sua entrada em vigor; iii) O processo de Reclamação Graciosa da A. teve início em 08/08/2007, antes da entrada em vigor do artº 183º-A do CPPT, em 01/01/2009 e a caducidade da garantia prestada pela A. só ocorre no circunstancialismo previsto no artº 183º nº 2 do CPPT e não nas condições previstas no mencionado artº 183-A do mesmo diploma; iv) A autonomização de uma relação jurídica de garantia implica que o regime da sua caducidade ficou, a priori, definida na lei que impôs a sua constituição.

Apreciação. A questão que se suscita nos autos consiste em saber se, perante a garantia constituída na vigência do preceito do artigo 183.º do CPPT (“Garantia. Local da prestação. Levamento”), no que respeita ao seu levantamento, pode ser-lhe aplicada o regime do artigo 183.º-A, do CPPT (“Caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa”), introduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11.08 (que entrou em vigor em 01.01.2009).

O artigo 183.º-A do CPPT, na versão conferida pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, determinava o seguinte:
«1 - A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação. // (…)».

O preceito foi revogado pelo artigo 94.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12.

A Lei n.º 40/2008, de 11.08 (que entrou em vigor em 01.01.2009), reintroduziu o preceito, cuja redacção passou a ser a seguinte: «1 - A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição. // (…)».

A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
«A garantia prestada em execução fiscal nos termos do artº 183º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário - não caducada à data de 1 de Janeiro de 2007, início de vigência da Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, revogatória daquele artigo 183.º-A, só poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida, nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».[1]

Do probatório resulta que a recorrida deduziu reclamação graciosa, em 08.08.2007 e prestou garantia em 31.08.2007. Em 08/03/2010, a recorrida deduziu pedido de declaração de caducidade da garantia. Tal pedido foi indeferido por despacho proferido pelo Director de Finanças de Setúbal, de 19.03.2010.

Com a revogação do preceito do artigo 183.º-A pela Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, «deixaram de caducar as garantias prestadas em que não tivesse sido completado o prazo necessário para ocorrer a caducidade. // Com efeito, está-se perante uma situação jurídica em curso de constituição, pelo que, se no momento da entrada em vigor da lei nova não ocorreu ainda a caducidade, os requisitos para a sua ocorrência não são regulados pela lei nova. // No entanto, relativamente às situações em que os requisitos para ocorrer a caducidade se preencherem antes da revogação deste artigo, continua a ser possível declarar a caducidade, uma vez que se trata de uma situação constituída à sombra da lei antiga. (…) A caducidade é um efeito automático do decurso dos períodos nele referidos, sem que seja proferida decisão no processo administrativo ou judicial, limitando-se o tribunal a verificar a caducidade»[2].
«O pedido de declaração de caducidade de garantia afere-se pela lei vigente ao tempo da prática do acto, ou seja, estamos perante o domínio da aplicação do princípio “tempus regit actum”, por força do qual o art.º 183.º-A do CPPT não se aplica à situação da presente acção uma vez que, no caso vertente, não era norma em vigor à data da reclamação graciosa apresentada pela A. // A apresentação do requerimento de prestação de garantia - em 31/08/2007 - e que retroage os seus efeitos à data da entrada da Reclamação Graciosa - em 08/08/2007- determinou o regime aplicável ao caso dos autos, o qual era o regulado pela lei antiga ou seja, o regime constante do artº 183º nº 2 do CPPT, atenta a revogação, pelo artº 94º da Lei nº 53-A/2006, do artº 183º -A do CPPT»[3].
Está em causa a regulação da situação jurídica associada à prestação de garantia, como mecanismo de suspensão da execução fiscal, associada à tutela judicial efectiva, accionada através da impugnação administrativa (reclamação graciosa) deduzida contra o acto de liquidação. Concretamente, estão em causa os efeitos do decurso do prazo da pendência do meio impugnatório gracioso sem decisão sobre a subsistência da garantia prestada. Seja por via do disposto no artigo 12.º/1, do Código Civil, seja por via do disposto no artigo 12.º/2, primeira parte, do Código Civil, a lei nova não pode aplicar-se às situações constituídas na vigência da lei antiga, sem que assuma eficácia retroactiva, solução que o ordenamento jurídico, em particular, os princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade não consentiriam.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a presente acção administrativa.

Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar a presente acção administrativa improcedente.

Custas pela recorrida, em ambas as instâncias.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)



[1] Acórdão do STA, de 09.06.2010, P. 0345/10. No mesmo sentido, V. Acórdão do STA, de 22.04.2009, P. 0138/09.
[2] Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. III, 6.º Ed., 2011, p. 339. No mesmo sentido, V. Acórdão do STA, de 22.04.2009, P. 0138/09.
[3] Parecer da ilustre Magistrada do Ministério Público, junto do TCAS.