Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2750/13.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO PELO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
DIREITO À EMISSÃO DE UMA DECISÃO JUDICIAL EM PRAZO RAZOÁVEL
PRESUNÇÃO DE VERIFICAÇÃO DE DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:I. A análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por apurar primeiro se foram cumpridos os prazos processuais, e constatada a violação de um ou múltiplos prazos, atender às circunstâncias do caso concreto, equacionando-se, por último, a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu.
II. É relevante o atraso na resolução de processo crime em que a fase de inquérito demorou aproximadamente dois anos e oito meses, a fase de instrução cerca de oito meses e a primeira fase de julgamento perto de três anos, se não se trata de processo de especial complexidade, atenta a matéria de facto em questão e os intervenientes processuais envolvidos, e sendo o respetivo assunto de profundo significado pessoal para os autores, que recorreram ao mecanismo da aceleração processual.
III. Num contexto de duração global do processo de quase onze anos, mostra-se violado o direito dos autores à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, o que faz operar a seu favor a presunção natural da verificação de um dano de natureza não patrimonial, sem prejuízo de poderem alegar e provar outro tipo de danos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
A..…………….. e L..……………. instauraram ação administrativa comum, tramitada sob a forma de processo ordinário, contra o Estado Português, na qual peticionaram a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização nunca inferior a € 150.000,00, correspondendo € 75.000,00 para cada autor, como forma de compensar a negação do seu direito ao julgamento do processo em prazo razoável.
Alegam, em síntese, que decorreram onze anos entre o início do processo crime, por óbito de recém-nascido devido a atuação negligente do médico que assistiu a autora no parto, nada justificando um prazo tão longo, a negação do direito a um julgamento num prazo razoável implicou o prolongar da dor pela perda do seu filho e pelo sentimento de impunidade e de injustiça, com consequências bastantes graves.
Citado, o réu Estado Português apresentou contestação, invocando que o tempo decorrido desde o início do processo até ser proferida decisão final foi consequência não da inoperância do sistema de Administração da Justiça, mas da inusitada e abundante atividade processual, quer dos ali assistentes, aqui autores, quer dos arguidos e dos demandados civis, o desgosto e depressão alegados pelos autores decorrem não do tempo que os tribunais levaram até existir decisão final, transitada em julgado, mas sim da perda do recém nascido, concluindo pelo não preenchimento dos pressupostos de que depende o pagamento de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da justiça.
Pro saneador-sentença de 06/06/2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu o Estado Português do pedido.
Interposto recurso pelos autores, este Tribunal Central Administrativo Sul anulou o saneador-sentença e determinou a baixa dos autos à 1.ª instância para aí prosseguirem os seus termos, com requisição ao tribunal criminal do identificado processo crime a que se reporta o invocado atraso na justiça, ademais solicitada pelo Estado Português na sua contestação, e com apropriação dos atos processuais nele praticados relevantes para a decisão do mérito da causa nos termos supra indicados, sejam os mesmos aditados, designadamente os vertidos no artigo 7º da contestação, devidamente concretizados, incluindo as datas em que os aqui autores se constituíram assistentes naquele processo e em que nele deduziram pedido de indemnização cível.
Após baixa dos autos, por sentença de 06/06/2017, o TAF de Sintra voltou a julgar improcedente a acção e, em consequência, absolveu o Estado Português do pedido.
Inconformados, os autores interpuseram recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1. As asserções que permitem ao Tribunal a quo fundar a sua livre convicção partem de pressupostos errados, por não ter sido devidamente avaliada e interpretada a prova produzida nos autos e por ter havido uma leitura simplista das dificuldades que opõem os cidadãos à ausência de uma justiça célere, não podendo os Tribunais contribuir para que a verdade se torne definitivamente oculta, sem que haja qualquer ato passível de responsabilização jurídica quando estão em causa magistrados incautos e um Estado europeu que não sabe cuidar de levar à prática mecanismos eficazes de realização do Direito.
2. No caso dos autos estamos perante pais que perderam um filho às mãos de médicos que atuaram negligentemente, tendo o seu processo crime ultrapassado onze (11) anos, o que configura um prazo que ultrapassa todos os limites expectáveis e razoáveis, que se deve ao facto de terem sido violados os prazos de duração máxima previstos na lei para cada fase processual (8 meses para o inquérito, 4 meses para a instrução), já que foram necessários: 2 anos e 7 meses para a conclusão do inquérito; 7 meses para a conclusão da instrução; 3 anos para a conclusão do julgamento - sem que os recorrentes, ou sequer os demais sujeitos processuais, tenham contribuído para essa delonga, o processo crime esteve pendente em 1.ª instância durante mais de seis (6) anos.
3. Atentos os momentos temporais definidos na própria decisão impugnada conclui-se que: só o inquérito demorou mais de dois anos e meio (de 04.03.2002 a 10.11.2004); a instrução demorou cerca de sete meses (de 09.12.2004 a 14.07.2005); o processo esteve depois parado, sem qualquer desenvolvimento, durante um ano (desde as contestações, a primeira em 27.03.206, até 19.04.2007); a audiência de julgamento demorou mais de um ano a realizar-se (desde 19.04.2007 até 11.06.2008); tendo demorado, só a fase de julgamento, cerca de três (3) anos (de 14.07.2005 a 11.06.2008); seguiu- se um recurso da decisão condenatória que esteve pendente mais de um ano (desde 11.06.2008 até 16.09.2009); sucederam-se recursos, reclamações e pedidos, todos suscitados pelo arguido, e todos infundados, que consumiram no tempo mais um ano meio (de 16.09.2009 até 13.01.2011); foi reaberta a audiência de julgamento por decisão de Tribunal Superior e absolvido o médico arguido, o que motivou um recurso por parte dos aqui impugnantes decidido em sete meses (de 05.04.2011 até 08.11.2011); seguiram-se novos recursos, reclamações e pedidos do arguido que resultaram em mais um ano e meio de pendência (de 08.11.2011 até 09.01.2013).
4. Tudo considerado, é indesmentível que o processo crime esteve pendente em primeira instância mais de seis (6) anos; da decisão final proferida em primeira instância (11.06.2008) até ao seu trânsito em julgado (09.01.2013) somaram-se outros cinco (5) anos. - Isto para não sublinhar, na contagem voraz do tempo, que também só esta ação de responsabilidade (iniciada em 22.10.2013 e concluída em 06.06.2017) já leva quase mais quatro (4) anos de pendência.
5. O que, mesmo implicando uma intensa atividade processual, não explica a inércia do sistema judicial e a negação numa capacidade de resposta célere para resolver e abreviar todos estes incidentes, requerimentos e recursos - especialmente porque a maior parte de todo este tempo foi consumida, uma vez mais, por inércia ou ineptidão do Tribunal que julgou este caso em 1.ª instância, já que violou regras processuais ao valorar, reapreciar e realterar a prova fixada pela instância superior, o que implicou a necessidade de anulação da primitiva sentença, que consumiu um período de tempo evitável, e que se traduziu em cerca de mais dois (2) anos de litígio inútil (de 11.06.2008, data da sentença proferida em 1.ª instância, até 08.11.2011, data do acórdão da Relação de Lisboa).
6. Nos autos que originaram a presente ação de responsabilidade do Estado, os recorrentes, sem terem contribuído para qualquer desses atrasos, viram de tudo: decisões de prorrogação de prazos de investigação; prazos de duração máxima ultrapassados para cada uma das fases processuais, o que os obrigou até a fazer pedidos de aceleração processual; paralisação do processo por longos períodos temporais sem qualquer justificação; paralisação do processo por motivo de pendência de recursos sem efeito suspensivo; início e repetição de depoimentos em longas sessões de julgamento; protelamento e adiamento de audiências por "impossibilidade de agenda" do tribunal; uma secretaria judicial com um volume de 800 processos atrasados; pedidos de escusa de juízes e de magistrados do Ministério Público; decisões judiciais de declaração de ineficácia da prova já anteriormente produzida; decisões judiciais proferidas em primeira instância em desobediência a decisões anteriores de Tribunais superiores; decisões judiciais anuladas; vários comportamentos relapsos, inúteis e censuráveis demonstrados por magistrados judiciais em fase de instância!!!
7. É neste contexto específico sério ou legítimo imputar a responsabilidade da ineficácia no funcionamento de um sistema de justiça como este aos próprios cidadãos, a todos os títulos prejudicados por tribunais que não funcionam e que originam excesso de pendência, como faz tanto pretende justificar a decisão recorrida ???
8. Surge neste contexto tão particular a oportunidade de sublinhar a especial preocupação, a todos os títulos legítima, que suscitam decisões, como a que aqui se impugna, que desprezam os mais elementares direitos dos cidadãos com o único fito de salvaguardar o orçamento do Estado, poupando-o sempre que intervém como parte em ações de responsabilidade: ainda assim, cabe perguntar se será este o verdadeiro desiderato do Estado de Direito ?!?
9. Nos presentes autos verifica-se a ocorrência dos pressupostos, ditos clássicos, da responsabilidade civil extracontratual do Estado (e que a própria decisão recorrida foi deixando antever à medida que foi utilizando cada um dos argumentos para afastar a obrigação de indemnizar por parte do Estado): a) atos e omissões juridicamente relevantes e, neste sentido, ilícitos; b) culpa; c) prejuízo; d) nexo de causalidade.
10. Em primeiro lugar estamos perante um conjunto de atos ou comportamentos humanos, ativos e omissivos, que são dominados ou domináveis pela vontade humana, sendo que tais atos e omissões revestem a natureza ilícita que, no caso, decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova; esta ilicitude assenta na violação da obrigação de realização de um julgamento em tempo útil ou em "prazo razoável" e, por consequência, na ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6.º e 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia e, nesta perspetiva, infringidos estão os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa.
11. Em segundo lugar, e concretamente do ponto de vista da culpa, os responsáveis pelas várias fases do processo crime e, de modo especial os comportamentos titulados pelos responsáveis pelo julgamento, não cuidaram de garantir, com zelo e diligência, o poder/dever de direção que é imposto ao juiz por lei (artigo 6.º do CPC) e que foi desrespeitado: a obrigação de "providenciarem pelo andamento célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável" (o sublinhado é nosso), e que no caso concreto permitiu demonstrar a inércia do tribunal fundada na conduta negligente ou omissiva do julgador e imputável globalmente ao Estado, que não se pautou pelo critério da diligência do "bonus pater familiae".
12. Do que resulta inexoravelmente haver um nexo de imputação ético jurídico que liga o facto à vontade do agente e que exprime uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto - neste sentido, o Estado atuou com culpa na tramitação do processo comum singular durante longos anos, sem cuidar de o fazer em obediência ao dever de agir em prazo razoável.
13. Em terceiro lugar, conclui-se que existe prejuízo que se funda na própria ofensa ao direito de julgamento num prazo razoável e que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tal como o Tribunal Constitucional Português, têm vindo a autonomizar, e que se traduz no caso concreto nos vários fatores descritos na petição inicial (prolongamento da dor pela perda de um filho; prolongamento pelo sentimento de impunidade e de injustiça; modificação da personalidade e do caráter com encerramento face aos outros; descrença na sociedade; depressão, perda de sono e redução das atividades que antes davam ânimo e alegria; desgaste psicológico e ansiedade pelo prolongado desfecho do processo judicial; negação do sentimento de Justiça; aviltamento, perseguição e humilhação), sendo este prejuízo autónomo, face à perda do filho que motivou o processo crime, e indemnizável, à luz dos critérios legais previstos nos artigos 483.º, 494.º e 496.º do Código Civil e no artigo 12.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
14. Em quarto lugar, existe nexo de causalidade, no sentido de causalidade adequada, em virtude de as ações e omissões juridicamente relevantes serem suscetíveis de se mostrar, face à experiência comum, como adequadas à produção do dano ocorrido, havendo fortes probabilidades de o originar; e, assim, o evento é a causa adequada do efeito produzido.
15. Acresce que uma decisão que, como a dos autos, faz imputar aos cidadãos o atraso na justiça, surdindo tal fundamento na existência de mecanismos processuais diversificados admitidos pelo próprio sistema, põe em causa o direito de obtenção de um julgamento em prazo razoável e, por consequência, ofende o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6.º e 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia, e, nesta perspetiva, infringe os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa, e é, como tal, equivalente a uma decisão judicial que aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo.
16. Uma decisão judicial como a dos autos põe em causa o princípio da responsabilidade das entidades públicas consagrado no artigo 22.º do texto constitucional, por se recusar a proceder à sua aplicação num caso em que existe a obrigação de indemnizar assente num prejuízo causado decorrente de atos e omissões praticados pelo Estado no exercício da função judicial, é equivalente a uma decisão judicial que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
17. Nesta dupla perspetiva, a decisão recorrida é suscetível de ter uma interpretação normativa genérica e aplicável 'erga omnes' e, por isso, é inconstitucional, da mesma cabendo recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que é equivalente a uma decisão que tanto aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo, como se recusa a aplicar norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Constituição da República Portuguesa.
18. Conclui-se, por fim, que se justifica a colocação de uma questão prejudicial de reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia a propósito da interpretação correta a dar a direitos fundamentais, como são o direito a um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto direitos gerais da União Europeia, ao abrigo da competência que os artigos 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia e 267.º, primeiro parágrafo, alínea a), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia lhe conferem, e que se requer no final do presente articulado para garantia da interpretação e aplicação exigíveis no quadro do Direito da União Europeia.”
Mais requerem a este Tribunal que coloque ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267.º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a seguinte questão prejudicial, cuja resposta interpretativa é suscetível de obstar à boa decisão da causa no processo principal até que seja pronunciado e fixado o Direito da União Europeia aplicável ao caso concreto:
Uma decisão que, como a dos autos, nega aos particulares lesados o ressarcimento da obrigação de indemnizar imputável ao Estado Português, em sede de responsabilidade civil extracontratual, assente numa pendência de onze {11} anos, decorrente da tramitação anormal de um processo comum singular, devida à inércia do Tribunal {mas que este imputa à responsabilidade das próprias partes}, é conforme ou põe em causa o direito à obtenção de um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto princípios gerais do Direito da União Europeia, e como tal consagrados no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?”
O recorrido Estado Português apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, com os fundamentos aí explanados que aqui se dão por reproduzidos, na qual a M.ma Juíza julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o Réu do pedido, por considerar não verificados os pressupostos ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade do instituto da responsabilidade civil extracontratual, relativos ao alegado atraso injustificado na tramitação do processo crime com o NUIPC 4022/02.9TDLSB.
2. Pretendem, pois, os recorrentes que seja revogada a sentença proferida e, em consequência, seja julgada procedente por provada a sua pretensão, condenando-se o Réu no pagamento da peticionada indemnização por responsabilidade civil extracontratual.
3. Face ao teor das alegações dos recorrentes, nomeadamente a conformação do objecto de recurso efectuada nas respectivas conclusões, afigura-se-nos que as questões a decidir são as seguintes:
a. Aferir da não verificação dos pressupostos de ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, com base na qual o tribunal a quo julgou improcedente a presente acção de responsabilidade civil extracontratual;
b. Decidir da admissibilidade do requerido reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia das Comunidades.
4. Afigura-se-nos, com o devido respeito, que manifestamente não assiste qualquer razão aos Autores, ora recorrentes, relativamente aos argumentos invocados e que fundamentam o recurso, por entendermos que a decisão recorrida não é merecedora de nenhuma das críticas que o recorrente lhe aponta, por um lado, e que não é legalmente admissível o requerido reenvio prejudicial, por outro lado.
5. No ordenamento jurídico português o direito a uma decisão em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva – vide art.º 20º, nº 4 e 5 e art.º 268º, nº 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa – e a infracção a esse direito poderá constituir o Estado em responsabilidade civil extracontratual – art.º 22º da Constituição da República Portuguesa, art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro – e em consequente obrigação de indemnização.
6. No entanto, correspondendo este tipo de responsabilidade, no essencial, ao conceito de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no art.º 483º, n.º 1 do Código Civil, para se verificar responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, terão que se verificar cumulativamente, e ser demonstrados, os pressupostos facto, ilicitude, culpa dano e nexo de causalidade.
7. Ou seja, o Réu Estado Português apenas poderia ser responsabilizado pelo pagamento da peticionada indemnização se da factualidade a apurar resultasse que o processo que fundamenta aquele pedido foi julgado para além do «prazo razoável», que esse atraso se ficou a dever a culpa dos serviços do Estado na administração da justiça, que daí decorreram danos para os AA. e que existe uma relação directa entre essa demora e os prejuízos cujo ressarcimento se peticiona.
8. Quer no art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, que no art.º 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, e aplicável nos termos do art.º 8º da Constituição da República Portuguesa, a exigência de celeridade vem associada à exigência de equidade, associando ainda o art.º 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem a exigência de celeridade a um processo justo ou, em termos amplos, à qualidade da justiça.
9. Ora, da tramitação processual do processo n.º 4022/02.9TDLSB, constante da matéria de facto dada como assente, que não foi impugnada pelo recorrente, verifica-se que não houve qualquer comportamento negligente por parte de magistrados ou funcionários, nem sequer se pode falar de funcionamento deficiente dos serviços de justiça.
10. Com efeito, não bastando, para atestar de um ilícito atraso da justiça, balizar os marcos temporais de início (ou a data da prática dos factos) e fim de um processo, nem, como tal, apenas afirmar que um processo demorou determinados anos a ser decidido, haverá que ter em conta, para densificar o conceito de “prazo razoável” constante dos normativos citados, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes (do STA e do TEDH), os seguintes parâmetros, a apreciar casuisticamente, de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto:
a. A natureza e complexidade do processo;
b. O comportamento do requerente e dos órgãos do poder judicial, executivo e legislativo;
c. A duração média da espécie processual;
d. As ocorrências especiais, os incidentes suscitados, devendo ainda excluir-se todo o tempo de atraso injustificado que se deva imputar à actuação da parte que pede a indemnização e ainda a ocorrência de factores alheios ao funcionamento e controle dos tribunais.
11. Na verdade, a morosidade de um processo judicial nem sempre é imputável apenas ao sistema judiciário, havendo vários factores, como os supra referidos, que a determinam, uns de natureza objectiva, outros de natureza subjectiva.
12. Ou seja, conforme tem sido entendimento dominante da jurisprudência sobre a matéria, só se pode afirmar que um processo foi decidido para além do «prazo razoável» com direito a uma indemnização ressarcitória quando o mesmo foi julgado para além do momento em que, em circunstâncias normais, face às suas características apreciadas casuisticamente, deveria ter sido decidido, e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da administração da justiça.
13. Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, a mera constatação da violação do direito à prolação de uma decisão jurisdicional em prazo razoável não basta para que haja obrigação de indemnizar, sendo necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados e o nexo de causalidade entre esses danos e o atraso na tramitação do processo.
14. Ora, no caso vertente, o tempo que decorreu entre a formulação da denúncia e a decisão final, transitada em julgado, resultou não da ineficiência ou demora na Administração da Justiça, mas sim da intensa actividade processual desenvolvida por todos os sujeitos processuais, começando nos ora Autores e terminando nos Arguidos e Demandados Civis, que utilizaram praticamente todos os meios processuais ao seu dispor, na defesa dos direitos que entendiam assistir -lhes.
15. Excedendo essa actividade processual – e a dos demais sujeitos processuais – a normal tramitação de um normal processo comum singular, não foi violado o direito a uma decisão em prazo razoável.
16. Logo, está afastada quer a violação do direito a decisão em prazo razoável, quer, caso assim não se entendesse, o que não se concede, a presunção de dano moral decorrente de tal violação.
17. Por outro lado, a indemnização por danos não patrimoniais ou morais visa ressarcir os que, resultando do evento danoso, mereçam a tutela do direito, pela sua relevância – artigo 496º, n.º 1, do Código Civil.
18. Conforme se decidiu no acórdão do TEDH Arvanitaki-Roboti v. Grécia, de 15.02.2008, a indemnização por danos morais decorrente da violação do direito de decisão em prazo razoável não é automática, dependendo sempre da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se considerem provados, pois não há lugar a essa indemnização quando o prejuízo invocado tenha outra causa.
19. Ora, é precisamente isso – o dano invocado ter outra causa – que sucede na presente acção, pois o desgosto e depressão que os AA. alegam são fruto do infeliz óbito do recém nascido, e não da demora na decisão do processo judicial – cujo desfecho sempre seria incerto, à partida.
20. Inexistem, pois, quer a ilicitude no atraso, quer a culpa, quer o dano, quer a relação causal. Logo, não se encontram preenchidos os requisitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na administração da Justiça.
21. Face ao exposto, teremos que concluir não se verificarem efectivamente os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual do Estado, por delonga na prolação de decisão judicial, pelo que a douta sentença recorrida fez uma ponderada análise dos factos e do Direito, tendo decidido de acordo com a lei nacional e comunitária, ao julgar a pretensão improcedente, por não provada, e, em consequência, em absolver o R. Estado Português do pedido.
22. Por isso, improcedem as alegações dos recorrentes, não sendo a douta sentença recorrida merecedora de qualquer censura, devendo a mesma, como tal, ser integralmente confirmada.
23. O artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia prevê, efectivamente, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia quando seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros da União Europeia questão atinente com a interpretação dos Tratados ou sobre a validade e interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia.
24. O reenvio prejudicial constitui, assim, um incidente de instância, suscitado nos tribunais nacionais, que tem em vista a interpretação de uma norma comunitária ou a apreciação da validade de um acto comunitário, suspendendo-se para tanto a instância, e termina com o acórdão do Tribunal de Justiça, retomando-se nessa altura a instância, devendo o Tribunal nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária.
25. Não compete, pois, ao Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do processo principal, nem sobre as divergências de opinião suscitadas na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional – vide João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, in MANUAL DE DIREITO COMUNITÁRIO, Coimbra Editora, 2007.
26. A questão do reenvio prejudicial só se coloca se o Tribunal nacional se confrontar com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário, e ainda quando a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, mostrando-se necessária para o julgamento da causa.
27. No caso vertente, o tribunal nacional não foi confrontado com qualquer dúvida sobre a interpretação e aplicação de qualquer norma de direito comunitário.
28. Acresce, ainda, que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em cujo artigo 6º nº 1 é assegurado o direito a uma decisão judicial em prazo razoável, foi adoptada no âmbito do Conselho da Europa, em Paris, a 4 de Novembro de 1950, e que foi ratificada por Portugal através da Lei nº 65/78, de 13 de Outubro.
29. Ora, o Conselho da Europa é organização internacional distinta da União Europeia, nem é confundível com qualquer dos seus órgãos ou instituições, designadamente com o Conselho Europeu ou com o Conselho da União Europeia (vide artigo 13º do Tratado da União Europeia).
30. Face ao exposto, entendemos ser de indeferir o requerido reenvio prejudicial, por legalmente inadmissível.
*

Perante as conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as seguintes questões:
- admissão de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia;
- verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«A) Em razão do parto do feto de que estava grávida a ora Autora, ocorrido, no dia 2.3.2002, no Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora, por ação do médico F……………, o recém-nascido faleceu – ver docs juntos aos autos.
B) Este episódio deu origem, em 18.3.2002, à denúncia na PGR e, em 4.3.2002, ao processo crime nº 4022/02.9TDLSB – ver fls 2 a 6 do processo crime.
C) A 14.11.2003 foi formulado pedido de aceleração processual – ver fls 188 do processo crime.
D) A 10.11.2004 o Ministério Público encerrou o inquérito, com arquivamento parcial e dedução de acusação contra aquele médico, por prática de crime de homicídio negligente, p e p pelo art 137º, nº 1 do Código Penal, e contra outro médico que esteve na sala de partos, de nome A…………… – ver fls 326 a 336 do processo crime.
E) A 30.11.2004 os ora Autores deduziram acusação particular e pedido de indemnização cível no processo crime – ver fls 365 a 376 do processo crime
F) A 9.12.2004 e a 21.12.2004 foi requerida a abertura de instrução pelos arguidos
– ver fls 399 a 422 e 440 a 456 do processo crime.
G) A 14.7.2005 os arguidos foram pronunciados – ver fls 602 a 611 do processo- crime.
H) A 27.3.2006, 28.3.2006, 30.3.2006, 10.7.2006 foram deduzidas contestações pelos arguidos, Hospital Fernando da Fonseca e Império Bonança – ver fls 701, 725, 759, 801 do processo crime.
I) O processo comum singular foi julgado, em 19.4.2007, 30.4.2008, e decidido por sentença proferida no dia 11.6.2008, da 3ª seção do 4º Juízo Criminal de Lisboa, tendo os arguidos sido absolvidos dos crimes porque vinham pronunciados – ver fls 888, 1316, 1593 do processo crime.
J) Os ora autores interpuseram recurso da decisão – ver fls 1687 e segs do processo crime.
K) Por acórdão de 16.9.2009, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial provimento ao recurso, alterando a matéria de facto provada e não provada, revogando a sentença da 1ª instância, quanto à absolvição do médico, condenando-o pela prática de um crime de homicídio por negligência, p e p pelo art 137, nº 1 do CP, ordenando a remessa dos autos à 1ª instância para reabertura da audiência e determinação da pena a aplicar e apreciação do pedido de indemnização – ver fls 2597 e segs do processo crime.
L) A 25.1.2010 o médico interpôs recurso da decisão para o STJ – ver fls 2729 e segs do processo crime.
M) A 2.3.2010 o recurso não foi admitido – ver fls 2816 do processo crime.
N) A 13.4.2010 o recorrente apresentou reclamação para o Presidente do Tribunal – ver fls 2838 e segs do processo crime.
O) A 9.6.2010 a reclamação foi indeferida – ver fls 3156 do processo crime.
P) A 24.6.2010 foi feito pedido de aclaração – ver fls 3162 do processo crime.
Q) A 30.6.2010 foi proferido despacho de aclaração – ver fls 3167 do processo- crime.
R) A 16.7.2010 o médico interpôs recurso para o Tribunal Constitucional – ver fls 3173 do processo crime.
S) A 27.9.2010 foi proferida decisão sumária pelo relator da 1ª seção do Tribunal Constitucional, no sentido de não tomar conhecimento do recurso – ver doc nº 5 junto com a petição inicial e fls 3208 do processo crime.
T) A 12.10.2010 foi apresentada reclamação no Tribunal Constitucional.
U) Por acórdão de 10.11.2010, o Tribunal Constitucional confirmou a decisão reclamada – ver doc nº 6 junto com a petição inicial e fls 3236 do processo- crime.
V) A 7.12.2010 os autos foram remetidos ao STJ – ver fls 3236 do processo crime.
W) O processo baixou à 1ª instância e a 13.1.2011 foi designada data para julgamento – ver fls 3243 do processo crime.
X) A 1.4.2011 foi realizada audiência de julgamento – ver fls 3314 do processo- crime.
Y) A 5.4.2011 foi proferida sentença na 1ª instância, que condenou a médico na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 6 meses, e no pagamento de uma indemnização, solidariamente com o Hospital, de €: 40.000,00 – ver doc nº 7 junto com a petição inicial e fls 3316 do processo- crime.
Z) A 27.4.2011 os ora Autores recorreram da decisão – ver fls 3384 do processo - crime.
AA) A 13.7.2011 o processo foi remetido ao Tribunal da Relação de Lisboa – ver fls 3433 do processo crime.
BB) Por acórdão de 8.11.2011, proferido pela 5ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa, foi concedido parcial provimento ao recurso e o médico condenado na pena de 10 meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de €: 80,00, e no pagamento de indemnização de €: 50.000,00, acrescida de juros – ver doc nº 8 junto com a petição inicial e fls 3447 do processo crime.
CC) A 6.12.2011 o médico recorreu e arguiu nulidade – ver fls 3483 do processo crime.
DD) A 7.2.2012 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa – ver fls 3540 do processo crime.
EE) A 12.4.2012 o processo foi remetido ao STJ – ver fls 3606 do processo- crime.
FF) Em 20.6.2012, a 3ª seção do STJ rejeitou o recurso interposto, confirmando o acórdão recorrido – ver doc nº 9 junto com a petição inicial e fls 3622 do processo crime.
GG) A 10.7.2012 o médico arguiu a nulidade da decisão – ver doc nº 10 junto com a petição inicial e fls 3663 do processo crime.
HH) Por acórdão de 19.9.2012, a 3ª seção do STJ indeferiu o requerimento em que o médico arguiu a nulidade – ver doc nº 10 junto com a petição inicial e fls 3673 do processo crime.
II) A 26.9.2012 o médico requereu a declaração de prescrição do procedimento criminal – ver fls 3685 do processo crime.
JJ) Por decisão sumária do STJ, de 15.11.2012, foi rejeitado liminarmente, por manifesta improcedência, o pedido do médico no sentido de declarar prescrito o procedimento criminal contra ele dirigido – ver doc nº 11 junto com a petição inicial e fls 3698 do processo crime.
KK) Desta decisão, a 7.12.2012, o médico reclamou para a conferência – ver fls 3716 do processo crime.
LL) Por acórdão de 9.1.2013, o STJ confirmou a decisão sumária – ver doc nº 12 junto com a petição inicial e fls 3725 do processo crime. »
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se:
- é de admitir o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia;
- estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

a) do reenvio prejudicial

Os recorrentes sustentam que se justifica colocar uma questão prejudicial de reenvio ao Tribunal de Justiça da União Europeia a propósito da interpretação correta a dar a direitos fundamentais, como são o direito a um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto direitos gerais da União Europeia, ao abrigo da competência que os artigos 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia e 267.º, primeiro parágrafo, alínea a), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia lhe conferem.
A questão é a seguinte:
“Uma decisão que, como a dos autos, nega aos particulares lesados o ressarcimento da obrigação de indemnizar imputável ao Estado Português, em sede de responsabilidade civil extracontratual, assente numa pendência de onze {11} anos, decorrente da tramitação anormal de um processo comum singular, devida à inércia do Tribunal {mas que este imputa à responsabilidade das próprias partes}, é conforme ou põe em causa o direito à obtenção de um julgamento em prazo razoável e o direito à tutela jurisdicional efetiva, enquanto princípios gerais do Direito da União Europeia, e como tal consagrados no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia?”
Prevê o artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia o seguinte:
“O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:
a) Sobre a interpretação dos Tratados;
b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.”
Ora, no que concerne à invocada disposição da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não está em causa direito comunitário, nem o Conselho da Europa, que a adotou em 04/11/1950 (ratificada por Portugal através da Lei nº 65/78, de 13 de outubro), se enquadra na União Europeia.
Por outro lado, como nota o réu nas suas contra-alegações, apenas se coloca a questão do reenvio prejudicial se o Tribunal nacional se confrontar com uma dúvida sobre os termos em que tem de aplicar o direito comunitário, e ainda quando a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, mostrando-se necessária para o julgamento da causa.
O que no caso claramente não se verifica.
Pelo exposto, será de indeferir o requerido reenvio prejudicial.

b) da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português

Os recorrentes convocam a seguinte argumentação, para sustentar o seu pedido de revogação da sentença:
- o processo crime esteve pendente em primeira instância mais de seis anos, ao que se somaram mais cinco anos nas instâncias superiores;
- a maior parte de todo este tempo foi consumida por inércia ou ineptidão do Tribunal que julgou este caso em 1.ª instância;
- verifica-se a ocorrência dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por estarmos perante um conjunto de atos ou comportamentos humanos que revestem natureza ilícita que, no caso, decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova;
- a decisão recorrida ofende o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6.º e 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia, e, nesta perspetiva, infringe os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa, e é, como tal, equivalente a uma decisão judicial que aplica norma cuja inconstitucionalidade é suscitada durante o processo;
- mais põe em causa o princípio da responsabilidade das entidades públicas consagrado no artigo 22.º do texto constitucional, por se recusar a proceder à sua aplicação num caso em que existe a obrigação de indemnizar assente num prejuízo causado decorrente de atos e omissões praticados pelo Estado no exercício da função judicial, é equivalente a uma decisão judicial que recusa a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

O artigo 20.º, n.º 4, da CRP, prevê que “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”
Plasmando na nossa Lei Fundamental o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: “[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela” (Convenção aberta à assinatura em 04/11/1950, aprovada para ratificação por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13/10/1978, com depósito do instrumento de ratificação em 09/11/1978).
A responsabilidade das entidades públicas encontra-se prevista no artigo 22.º da CRP, onde se estatui que “[o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”
Está em causa a responsabilidade civil extracontratual do réu Estado Português decorrente da demora irrazoável de um processo crime, entre março de 2002 e janeiro de 2013.
Como entre estas datas se sucederam os regimes previstos no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21/11/1967, e na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, rege o princípio que resulta do artigo 12.º do Código Civil, da lei nova se aplicar aos factos posteriores à sua entrada em vigor, com respeito do regido pela lei antiga, tal como reconhecido na sentença sob recurso, sendo aplicáveis os dois regimes, em concorrência e sucessivamente.
Note-se que a Lei nº 67/ 2007, de 31 de dezembro, criou no respetivo capítulo III um regime específico de responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional, até então inexistente.
Certo é que, anteriormente à sua entrada em vigor, o citado artigo 22.º da CRP, pela sua abrangência, já impunha a responsabilização do Estado pela sua atuação no exercício da função jurisdicional, conforme era então entendimento que se crê consensual da doutrina e jurisprudência (cf. os acórdãos do STA de 07/03/1989, proc. n.º 26535, de 19/11/2009, proc. 0533/09, de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10, e de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13; na doutrina, Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, págs. 927/934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, pág. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, págs. 60/61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, págs. 576/620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, págs. 7/13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, págs. 40/46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, págs. 8/9).
A obrigação de indemnizar constava do artigo 2.º, n.º 1, daquele Decreto-Lei n.º 48.051, com os seguintes termos:
“O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”
O artigo 12.º da Lei nº 67/ 2007, de 31 de dezembro, veio prever a aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, constando a obrigação de indemnizar do respetivo artigo 3.º com os seguintes termos:
“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2- A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos e agentes assenta nos mesmos parâmetros do conceito civilístico da responsabilidade civil extracontratual (cf. artigos 483.º e ss. do Código Civil), exigindo-se, também por referência aos normativos a seguir indicados do regime aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos legais:
- o facto, que se pode traduzir numa ação ou numa omissão, cf. artigo 7.º;
- a ilicitude, ação ou omissão violadora de normas ou deveres objetivos de cuidado, podendo ainda traduzir-se em funcionamento anormal do serviço, cf. artigos 7.º e 9.º;
- a culpa, juízo de censura dirigido ao agente, em função da diligência e aptidão exigíveis no caso concreto, cf. artigo 10.º;
- o dano, lesão ou prejuízo, patrimonial ou não patrimonial, resultante da ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos, cf. artigos 3.º e 9.º;
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano, cf. artigo 7.º.
Verificados estes pressupostos, constitui-se na esfera do Estado a obrigação de indemnizar.

Na sentença sob recurso, entendeu-se não estarem verificados os pressupostos ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, pelo que foi julgado improcedente o pedido dos autores.
Partindo do facto, incontornável, um processo crime que se iniciou em março de 2002 e foi concluído em janeiro de 2013, vejamos então se bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

São de considerar ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos – artigo 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
O Estado será ainda responsável quando os danos devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço, que ocorre, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, quando seja razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos – artigo 7.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Na ótica dos recorrentes, a ilicitude decorre da demora de 11 anos para decidir um processo comum em tribunal singular, em que não existia originalidade nos fundamentos da ação, não revestia a matéria de facto especial complexidade, não era volumoso o processo, não existia um número considerável de partes no processo (dois assistentes e dois arguidos, ao princípio; um arguido no final), nem era elevado o número de testemunhas ou peritos ou outros elementos de prova.
Mais invocam que esta ilicitude assenta na violação da obrigação de realização de um julgamento em tempo útil ou em prazo razoável e, por consequência, na ofensa ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.º, n.os 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 47.º, segundo Parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e nos artigos 6.º e 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia e, nesta perspetiva, infringidos estão os mecanismos de receção e de aplicação do Direito Internacional e do Direito da União Europeia estabelecidos no artigo 8.º, n.os 1, 2, 3 e 4, da Constituição Portuguesa.

Sumariamente, da factualidade fixada retira-se o seguinte:
- o processo crime iniciou-se em março de 2002;
- em setembro de 2003 foi formulado pedido de aceleração processual;
- em novembro de 2004, o MP encerrou o inquérito, deduzindo acusação contra dois arguidos médicos, por prática de crime de homicídio negligente;
- os autores deduziram acusação particular e pedido de indemnização cível;
- em dezembro de 2004, os arguidos requereram a abertura de instrução;
- em julho de 2005 os arguidos foram pronunciados;
- em 2006 foram deduzidas contestações pelos arguidos, Hospital Fernando da Fonseca e Império Bonança;
- o processo comum singular foi julgado em abril de 2007 e abril de 2008, e decidido por sentença de junho de 2008, que absolveu os arguidos;
- os autores interpuseram recurso para o TRL, que em setembro de 2009 concedeu parcial provimento ao recurso, condenando um arguido médico pela prática de crime de homicídio por negligência, e ordenando a remessa dos autos à 1.ª instância para reabertura da audiência e determinação da pena a aplicar e apreciação do pedido de indemnização;
- o arguido interpôs recurso desta decisão para o STJ, ocorrendo recusa de admissão, reclamação, pedido de aclaração, recurso para o TC, nova reclamação, baixa dos autos à 1.ª instância e designada data para julgamento em janeiro de 2011;
- em abril de 2011 foi realizada audiência de julgamento e proferida sentença, que condenou o arguido médico em pena de prisão suspensa na sua execução e no pagamento de indemnização, solidariamente com o Hospital, de € 40.000,00;
- os autores recorreram da decisão para o TRL, que em novembro de 2011 concedeu parcial provimento ao recurso;
- o arguido médico recorreu para o STJ, ocorrendo rejeição, arguição de nulidade, indeferimento, requerimento de declaração de prescrição, nova rejeição, reclamação para a conferência, e confirmação da decisão em janeiro de 2013.

Quanto ao facto ilícito:
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48.051, são de considerar ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
Já o artigo 9.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 considera ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Quanto a saber em que medida o atraso na decisão de um processo judicial põe em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, existe profusa jurisprudência do nosso STA, com uma evolução clara nos anos mais recentes, que em seguida se deixa sintetizada:
Acórdão de 08/07/2009, proc. n.º 0122/09:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4 da CRP, em sintonia com o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, gera uma obrigação de indemnizar, desde que estejam verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
II - Para efeitos de integração do conceito de "prazo razoável", ínsito nas disposições legais citadas, haverá que considerar todas as coordenadas do caso, designadamente, a complexidade, incidentes suscitados, ocorrências especiais, tempo de atraso injustificado que tenha ficado a dever-se à atuação da parte que pede a indemnização.
Acórdão de 10/09/2009, proc. n.º 083/09:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.
II - Os preceitos legais que estabelecem os prazos para a prática, no processo, dos atos de magistrados e funcionários são normas disciplinadoras da atividade processual, cuja violação, por si só, não constitui facto ilícito.
III - Todavia, a não efetivação desses atos processuais num prazo razoável contraria o preceituado no art. 20/1 da Constituição da República Portuguesa e viola também o artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, e aplicável, por isso, na ordem jurídica interna.
IV - A determinação do que seja, para esse efeito, um prazo razoável não pode fazer-se em abstrato, antes havendo que ter em consideração as circunstâncias concretas do caso.
V - Não constitui, em concreto, violação do direito à administração da justiça em prazo razoável o atraso, relativamente aos prazos legalmente estabelecidos, da instrução de um processo em que se investigavam ilícitos criminais de grande complexidade e dificuldade, como o branqueamento de capitais e o tráfico de droga, os quais se suspeitava terem sido praticados não só em Portugal como no estrangeiro e em que, por isso, teve de haver relacionamento com as polícias desses países.
Acórdão de 05/05/2010, proc. n.º 0122/10:
I - Num processo para efetivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de atraso na administração da justiça, se se considerar globalmente excedido o prazo razoável de modo manifesto ou indiscutível, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato processual, porque, mesmo que se concluísse pelo respetivo cumprimento, não se infirmaria a conclusão obtida sobre o excesso do prazo razoável, antes deveria concluir-se que os meios de resolução daquele conflito pela justiça estadual não são adequados e não estão estruturados de forma eficiente, o que envolve também responsabilidade do Estado por deficiência da organização.
II - É violado o direito a uma decisão em prazo razoável, assegurado pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se num processo de recuperação de empresa seguido de falência decorrem mais de sete anos e meio entre a data em que foi apresentada uma reclamação de créditos e aquela em que ficou definido que não havia verba suficiente para o pagar.
Acórdão de 27/11/2013, proc. n.º 0144/13:
I - A duração global de um processo judicial, por mais de 8 anos, traduz um anormal funcionamento da justiça e é, por si só, violadora, pelo Estado, dos art.º 6º §1º e art.º 20º, n. º4 da CRP.
II - O facto de as partes utilizarem os vários meios processuais que a lei lhes permite para defesa dos seus interesses não pode relevar como comportamento censurável a atender para efeitos de excluir a responsabilidade do Estado pela duração de um processo para além do prazo razoável, a não ser que deles façam um uso abusivo ou pré-determinado a atrasar o processo.
III - É que cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna.
Acórdão de 10/09/2014, proc. n.º 090/12:
I – O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado.
II – Quando, considerando o processo na sua globalidade, é manifesto que a sua duração ultrapassou o prazo razoável, não há que apreciar se foram cumpridos os prazos processuais relativos a cada ato, pois, ainda que assim se considerasse, não se poderia infirmar aquela conclusão, porque o Estado sempre teria que prover à criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização para atingir o objetivo de administrar a justiça em prazo razoável.
III – Tratando-se de um meio processual de tramitação simplificada e não revestindo a matéria nele em causa especial complexidade ou dificuldade, não pode deixar de se concluir que ultrapassou o prazo razoável a alteração da regulação do exercício do poder paternal que, até à obtenção de uma decisão transitada em julgado, durou cerca de 7 anos.
Acórdão de 21/05/2015, proc. n.º 072/14:
I - O atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade civil do Estado.
II - A apreciação da razoabilidade de duração dum processo terá de ser feita em concreto, apreciação essa em que importa atender, nomeadamente, à complexidade do processo, ao comportamento das partes, à atuação das autoridades competentes no processo e à natureza do litígio [assunto objeto de apreciação, tipo de consequências que dele resultam para a vida pessoal ou profissional das pessoas ou sujeitos envolvidos, mormente, a importância que a decisão tem para as partes - l’ enjeu du litige].
III - Não tendo os AA., após prolação de sentença que decretou a falência duma sociedade, deduzido qualquer reclamação de créditos, cujo pagamento visassem vir a obter através da massa falida e em função da respetiva sentença de graduação, não lhes assiste o direito a indemnização por atraso ocorrido na tramitação do apenso de reclamação e graduação de créditos, visto não poderem invocar que tenha existido, in casu, atuação ilícita lesiva da sua esfera jurídica por falta de emissão de decisão judicial em prazo razoável.
Acórdão de 08/03/2018, proc. n.º 0350/17:
I - Para aferição do concreto prazo que se deve entender por “razoável” não se pode adicionar o tempo de duração do processo penal ao da ação cível sem se demonstrar que a possibilidade legal de decidir o pedido cível em separado determinada pelo juiz criminal carece de sentido.
II - A demora excessiva de um processo, que resulta de dificuldades encontradas na ação executiva, nomeadamente na efetivação das penhoras ordenadas pelo tribunal - bens móveis, contas bancárias, quota social - e na venda dos bens penhorados, com recurso à negociação particular não deriva de insatisfatória regulamentação legal imputável ao Estado nem da falta de andamento dos referidos processos em moldes normais e aceitáveis.
Acórdão de 05/07/2018, proc. n.º 259/18:
I - Constatada uma violação do art. 06.º, § 1.º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não veem as suas pretensões resolvidas por um ato final do processo em tempo razoável.
II - Àquela vítima impenderá um ónus de alegação e de prova dos danos não patrimoniais que excedam aquele dano comum e se mostrem relativos à sua específica situação concreta.
III - Tal presunção é, todavia, ilidível pelo demandado, impendendo sobre este o ónus de alegação e de prova em concreto da inexistência daquele dano e do afastamento do automatismo entre a violação constatada da Convenção e aquele dano.
IV - O demandante, para poder beneficiar da operatividade e aplicação daquela presunção, carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.
Acórdão de 13/03/2019, proc. n.º 0437/12:
I - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos de idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos (cfr. arts. 7º e 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Coletivas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31/12 e art. 483º e seguintes do CC).
II - A obrigação que não foi cumprida pelo réu Estado é a obrigação de garantir o direito constitucional a uma decisão em prazo razoável, que pode consubstanciar responsabilidade civil extracontratual, não é uma obrigação pecuniária, pelo que não tem aqui aplicação a norma do art. 806º, nº1 do CC.
III - Não tendo alegado e demonstrado os danos que lhe foram causados pelo atraso nas decisões definitivas nos processos expropriativos, não podia o Réu ser condenado na indemnização respetiva.
IV - O TCAS não podia conhecer do pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais causados pelo anormal funcionamento dos serviços de administração da justiça, já que a aqui Recorrida, não o efetuou, como devia, na PI, tendo sido violado o princípio da estabilidade da instância (cfr. arts. 260º, 264º e 265º do CPC) e o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 e 415º do CPC), visto que o Réu Estado não teve oportunidade de se pronunciar sobre esse pedido em sede própria, e, sobre o qual a sentença de primeira instância não se havia pronunciado ao não ter sido formulado pedido nesse sentido na petição inicial ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, no qual veio o R. a ser condenado.
V - Assim, o TCAS incorreu na nulidade de decisão prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, já que decidiu questão e pedido de que não podia conhecer, por ter sido efetuado extemporaneamente.
VI - A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários suportados em excesso nos processos expropriativos, por recurso à equidade, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, pressupunha que a aqui recorrida tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, o qual foi superior, mesmo que não apurado um valor exato, àquele que seria caso os referidos processos não tivessem sofrido atrasos, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.
Seguindo as linhas orientadoras destes arestos, por sufragarmos o entendimento neles expresso, temos que a análise da eventual verificação de violação do direito a uma decisão em prazo razoável passa por ter em consideração, num primeiro momento, se foram cumpridos os prazos legais para a prática de atos e para a ocorrência das várias fases processuais.
Constatada a violação de um ou múltiplos prazos, haverá que atender às circunstâncias do caso concreto, e designadamente:
- à complexidade do caso;
- ao comportamento processual das partes;
- à atuação das autoridades competentes no processo; e
- à relevância do assunto do processo e do significado que ele pode ter para os interessados.
Num segundo momento, passará a ter-se em consideração a totalidade do período de tempo em que o processo se desenvolveu.

Apreciada analiticamente a fase de inquérito, verifica-se, que teve início em março de 2002, e que cerca de um ano e meio depois não estava concluída, levando a que os autores formulassem um pedido de aceleração processual.
A fase de inquérito veio a ser concluída em novembro de 2004, ou seja cerca de dois anos e oito meses depois da sua abertura.
Sem que seja percetível a realização de diligências de grande complexidade no inquérito, estamos inequivocamente perante uma demora irrazoável e como tal ilícita, por se mostrar claramente ultrapassado o prazo de 8 meses previsto no artigo 276.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), ainda que se trate de prazo meramente ordenador e não perentório.
Igualmente se constata que o prazo previsto para a instrução, quatro meses, cf. artigo 306.º, n.º 1, do CPP, não se mostra respeitado, aqui de forma menos notória, na medida em que foi requerida em dezembro de 2004, e apenas em julho de 2005 os arguidos foram pronunciados.
Atraso significativo, para o qual não se encontra assente qualquer justificação, decorre entre esta pronúncia, de julho de 2005, e a realização da audiência de julgamento em abril de 2007 e abril de 2008, com decisão por sentença de junho de 2008.
A decisão da 2.ª instância surge em setembro de 2009, o que não merece reparo, ocorrendo após isso diversas vicissitudes processuais, com recusas de admissão, reclamações, pedidos de aclaração, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional, levando a que os autos apenas baixassem à 1.ª instância, com nova designação de data para julgamento em janeiro de 2011.
Nos eventos posteriores, realização de audiência de julgamento e prolação de sentença em abril de 2011, recurso decidido em 2.ª instância em novembro de 2011, recurso para o STJ, ocorrendo rejeição, arguição de nulidade, indeferimento, requerimento de declaração de prescrição, nova rejeição, reclamação para a conferência, e confirmação da decisão em janeiro de 2013, não se constata atraso irrazoável.
Temos, pois, por verificada uma demora não justificada do processo nas fases iniciais de inquérito, instrução e julgamento.

Vejamos então as circunstâncias do caso concreto.
Têm razão os autores quando sustentam que não estamos perante um processo de especial complexidade, atenta a matéria de facto em questão e os intervenientes processuais envolvidos.
No que respeita à atuação das partes, impressionou o Tribunal a quo que as partes, desde o início do processo até ser proferida decisão final, tenham usado todos os mecanismos processuais que lhes são facultados pela lei do processo penal, pela Constituição da República Portuguesa e pelas normas do Tribunal Constitucional.
Para daí retirar a conclusão que a duração do processo não foi consequência da inoperância do sistema de administração da justiça.
Não se pode partilhar este entendimento.
Quase onze anos de atividade processual não encontram adequada justificação apenas com a atividade processual das partes que, pelo que é dado ver, se limitaram a sustentar até onde a lei permite as posições que desde o início defenderam.
E é inequivocamente de realçar que a maior parte da atividade processual salientada na sentença foi realizada pelo arguido, quando foi reconhecida a final, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a razão estava do lado dos aqui autores/recorrentes.
Como não reconhecer, então, que se sancionou a atividade processual que adotaram?
Quanto à atuação das autoridades competentes no processo, poder-se-á sustentar que parte desta demora, claramente irrazoável (para mais com os contornos que rodeiam os presentes factos), possa não ser integralmente imputável ao aparelho de administração da justiça, mas também às leis que nos regem, em particular ao ordenamento processual.
Ainda que assim seja, o Estado não pode deixar de ser responsabilizado pela verificação de casos como o presente, sem que se note a verificação de eventos que tenham inapelavelmente atrasado a tramitação dos autos, em que a obtenção de uma decisão transitada em julgado no âmbito de um processo crime não especialmente complexo ultrapasse os dez anos.
Quanto ao assunto do processo e significado que ele pode ter para os autores, dificilmente poderia alvitrar-se situação de maior significado pessoal, em termos de impacto emocional, quando está em causa a perda do filho recém nascido e a atuação negligente do médico que assistiu a autora no parto.
Por outro lado, perfilha-se o entendimento adotado nas decisões do TEDH, invocadas na sentença sob recurso, de 02/12/1999 (caso Tomé Mota c. Portugal) e de 23/10/2003 (caso Roseiro Bento c. Portugal), disponíveis em www.hudoc.echr.coe.int, quanto a considerar o instituto legal da aceleração processual um recurso preventivo e efetivo, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º, n.º 1, e 13.º da CEDH, e um meio adequado de tutela do direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável previsto no artigo 6.º da CEDH.
Sendo certo que no caso vertente ficou demonstrada a sua prévia utilização, tendo assim os autores esgotado os meios de recurso internos que o TEDH considera como meios efetivos.
Pelo que nem sequer se pode sustentar que omitiram os autores/recorrentes a diligência exigível com a qual poderiam ter evitado a produção de danos.

A duração global do processo foi de quase onze anos.
Os atrasos de monta encontram-se, como já sublinhado, na fase inquérito, que demorou aproximadamente dois anos e oito meses, na fase de instrução, que demorou cerca de oito meses, e na primeira fase de julgamento, que demorou perto de três anos.
Acresce que, como se reconheceu em acórdão do STA de 09/10/2008, tirado no proc. n.º 0319/08 (disponível em http://www.dgsi.pt/), após análise da globalidade do tempo de duração da ação e o seu estado e “a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos atos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.”
No caso vertente, impõe-se concluir que em particular nas apontadas fases processuais a administração da justiça não funcionou de acordo com os padrões médios de resultado expectáveis num Estado de Direito, assim impedindo a sua conclusão num prazo mais curto.
Tendo presente que, conforme já sublinhado, é orientação do TEDH que uma carga excessiva de trabalho ou a falta de meios disponíveis nos Tribunais não é fundamento legal para isentar ou obstar à efetivação da responsabilidade por atrasos na administração da justiça, respondendo o Estado pela ineficiência do aparelho de administração de justiça no seu todo.
Isto posto, temos de reconhecer que inexiste justificação adequada para a duração do processo.
O atraso configura, pois, um facto ilícito.

Quanto ao terceiro dos invocados pressupostos, previa o artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, que a culpa é apreciada nos termos do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
E segundo o artigo 10.º do Regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor (n.º 1), presumindo-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos (n.º 2).
Parte-se, pois, de uma conceção de culpa em abstrato, à semelhança do que sucede na lei civil, sem perder de vista as circunstâncias particulares do caso concreto, pela diligência que é exigível em abstrato a um titular de órgão, funcionário ou agente, e não segundo a diligência habitual do autor do dano (cf. Carlos Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2008, págs. 162/163).
Não é exigível, contudo, uma culpa subjetivada, sendo de aceitar a culpa do serviço, que pode decorrer do deficiente funcionamento dos serviços de justiça de acordo apurado em função das circunstâncias e a padrões médios de resultado, expectáveis num Estado de Direito, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 67/2007.
Por outro lado, haverá que ter aqui em consideração a inversão da regra geral do ónus da prova, posto que se presume a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 67/2007.
No caso vertente, o atraso já apurado na resolução do processo em causa, que consubstancia um facto ilícito, permite igualmente concluir que se encontra preenchido o pressuposto da culpa.

Quanto ao dano, não suscita dúvidas que o direito à indemnização a título de responsabilidade extracontratual depende da sua existência, pois “para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1989, pág. 567).
Já se constatou que foi violado o direito da autora à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável.
Pelo que, conforme vem reconhecendo o STA, opera a seu favor a presunção natural da verificação de um relevante dano de natureza não patrimonial, atento o decurso daquele prazo.
Esta presunção judicial opera automaticamente perante a existência de uma violação objetiva do prazo razoável, presumindo-se a verificação de um dano psicológico e moral comum, sem prejuízo de se poderem verificar outros danos morais autónomos (cf. acórdão deste TCAS de 04/04/2019, proc. n.º 1045/16.4BEALM, disponível em http://www.dgsi.pt/).
Tal presunção é naturalmente ilidível pelo demandado Estado Português, a quem caberá provar que a demora excessiva do processo não causou aquele dano psicológico e moral comum.
No caso é patente que tal não se verifica, pois nada foi alegado e provado em concreto quanto à inexistência daquele dano, o que importaria o afastamento do automatismo entre a violação do direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável e o apontado dano.
Está, pois, verificado o quarto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.

Quanto ao quinto pressuposto, a necessidade de existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano encontrava-se prevista no já citado artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de novembro de 1967: “[o] Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício” (sublinhado nosso).
Tal como se encontra previsto no artigo 7.º do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, que “[o] Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas” (sublinhado nosso).
Prevendo o artigo 563.º do Código Civil, com a epígrafe 'nexo de causalidade', que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Aqui se consagra a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, “segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção. À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo” (acórdão do STJ de 05/07 /2017, proc. n.º 4861/11.0TAMTS.Pl.Sl, disponível em http://www.dgsi.pt).
Ensina Antunes Varela que podem ocorrer “danos que o lesado muito provavelmente não teria sofrido se não fosse o facto ilícito imputável ao agente, e que, no entanto, não podem ser incluídos na obrigação de indemnização, porque isso repugnaria ao pensamento da causalidade adequada, que o art. 563º indubitavelmente quis perfilhar. (...) [P]ara que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano” (Direito das Obrigações, Vol. I, 1991, p. 899).
Uma condição deixará de ser causa adequada se for irrelevante para a produção do dano, segundo as regras da experiência, ocorrendo essa irrelevância quando a ação não é de molde a agravar o risco de verificação do dano (Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1982, pág. 321).
E o facto tem de ser, em concreto, condição sine qua non do dano, e ao mesmo tempo constituir, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1984, pág. 518).
Valem aqui as considerações já feitas quanto ao automatismo operante entre a violação do direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável e a verificação de um relevante dano de natureza não patrimonial
Verificado está, assim, o nexo de causalidade entre facto e dano, assim como os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.

Apurada a responsabilidade do Estado Português quanto à violação do direito a uma decisão em prazo razoável, haverá que apurar o montante indemnizatório da respetiva condenação.
Ponderando a relevância temporal do atraso, o facto concreto que esteve na sua génese, o grau de culpa que o mesmo evidencia, a importância do objeto do processo em questão para os autores, e os parâmetros indemnizatórios definidos pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, em particular do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Seguindo de perto a jurisprudência convocada no acórdão do STA de 11/05/2017 (proc. n.º 01004/16, disponível em http://www.dgsi.pt), vejam-se as seguintes condenações decididas no TEDH e no STA:
- € 4.000,00 (acórdão do TEDH de 27/10/2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 4 anos e 9 meses para uma só instância);
- € 3.500,00 (acórdão do TEDH de 13/04/2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 7 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição);
- € 28.000,00 para um autor e € 11.000,00 para outros dois autores (acórdão do TEDH de 12/04/2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 6 meses e 19 dias, numa só instância);
- € 1.200,00 (acórdão do TEDH de 20/09/2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 8 anos, 8 meses e 12 dias para três instâncias percorridas);
- € 7.600,00 (acórdão do TEDH de 04/10/2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 6 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 5 meses e 1 dia para duas instâncias, e 9 anos e 14 dias para quatro instâncias);
- € 16.400,00 (acórdão do TEDH de 31/05/2012, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 5 meses e 3 dias, para três instâncias, e 4 anos, 3 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de € 14.400,00 (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de € 2.000,00 (relativa aos danos pelo atraso na outra ação);
- € 5.000,00 para uns requerentes e € 4.800,00 para outros requerentes (acórdão do TEDH de 16/04/2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 1 mês e 1 dia, para três instâncias, 18 anos, 4 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 3 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 5 meses e 12 dias numa só instância);
- € 15.600,00 (acórdão do TEDH de 30/10/2014, no c. «Sociedade C. Martins &Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 9 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - € 5.200,00);
- € 3.750,00 (acórdão do TEDH de 04/06/2015, no c. «Liga Portuguesa de Futebol Profissional», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 9 anos e 7 meses, para três instâncias);
- € 11.830,00 (acórdão do TEDH de 29/10/2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 9 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição).
E do STA:
- € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos autores (acórdão do STA de 28/11/2007, proc. n.º 0308/07, relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18/01/1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias);
- € 5.000,00, sendo 2.500,00 € para cada um dos autores (acórdão do STA de 09/10/2008, proc. n.º 0319/08, relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias);
- € 10.000,00 (acórdão do STA de 09/07/2009, proc. n.º 0365/09, relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15/07/1983 e que perdurou até 30/10/2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância);
- € 10.000,00 para um autor e € 5.000,00 para cada um dos dois outros autores (acórdão do STA de 01/03/2011, proc. n.º 0336/10, relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13/12/1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias);
- € 3.550,00 para um autor e € 1.500,00 para o outro (acórdão do STA de 15/05/2013, proc. n.º 01229/12, relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19/02/2003 só foram julgados em 18/10/2006, isto é, cerca de 3 anos e 8 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância);
- € 4.000,00 (acórdão do STA de 14/04/2016, proc. n.º 01635/15, relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07/07/1999 e concluído em 18/01/2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 4 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a autora interveio, após ter atingido a maioridade);
- € 4.800,00 para cada um dos autores (acórdão do STA de 30/03/2017, proc. n.º 0488/16, relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30/04/2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»).
Isto posto, vejamos então o montante a indemnizar.
A valoração do dano não patrimonial assenta, como é consabido, decisivamente num juízo de equidade, cf. artigos 496.º, n.º 4, e 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Sem prejuízo deste juízo partir sempre do direito positivo, “como expressão histórica máxima da justiça, embora tenha muito particularmente em conta as circunstâncias do caso concreto, mediante a sua ponderação à luz de regras da boa prudência, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida”, tendo os respetivos critérios uma origem intrajurídica, o que o aproxima mais do direito do que do plano factual (acórdão do STA de 30/03/2017, proc. n.º 0488/16, disponível em http://www.dgsi.pt).
Ora, sem abstrair deste critério normativo, haverá que ponderar as particularidades e especificidades do caso concreto, mormente os atrasos verificados nas fases iniciais de inquérito, instrução e julgamento, a duração superior a 10 anos do processo, o grau de culpa dos serviços evidenciado nesse atraso, e a importância do objeto do processo em questão para os autores, de eminente significado pessoal, em termos de impacto emocional, quando está em causa a perda do filho recém nascido e a atuação negligente do médico que assistiu a autora no parto.

Tendo como pano de fundo os atrasos verificados nas fases iniciais de inquérito, instrução e julgamento, bem como a duração global do processo, superior a dez anos e a verificação presumida de um dano psicológico e moral comum, à míngua de prova de quaisquer outros.
Ponderadas adequadamente estas circunstâncias e os critérios jurisprudenciais supra expostos, afigura-se de estabelecer indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 a cada um dos autores.


Em suma, é de julgar parcialmente procedente o recurso.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento parcial ao recurso, revogar a sentença e condenar o Estado português a pagar a cada um dos autores a quantia total de 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Acrescem os juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efetivo pagamento (cf. artigos 805, n.os 1 e 3, e 806.º, n.os 1 e 2, do Código Civil).
Custas nas duas instâncias a cargo de ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 6 de junho de 2019

(Pedro Nuno Figueiredo)


(Ana Celeste Carvalho)


(Cristina dos Santos)