Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1588/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE.
CONCURSO.
PARTICIPANTES EM NÚMERO INFERIOR AO DA RESERVA.
Sumário:Se o titular da capacidade contributiva não pratica qualquer facto tributário nem beneficia de qualquer acréscimo patrimonial, não há lugar à intervenção do substituto mediante retenção na fonte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: FAZENDA PÚBLICA
RECORRIDOS: C........, S.A.
OBJECTO DO RECURSO:
Sentença proferida pelo MMº juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C........, S.A., contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento da Reclamação graciosa interposta da liquidação de IRS - "Retenções na Fonte" e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2004, no montante de € 182.757,84,

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
«I. A questão a decidir prende-se com a valor da base tributável sujeita a retenção na fonte de IRS.
II. Apuraram os serviços de inspeção tributária (SIT) verificaram que o prémio aos colaboradores da seguradora num concurso de produção, foi tributado em função do número efetivo de participantes, quando o mesmo deveria ter sido tributado sobre o valor global contratado com a operadora turística, nos termos do art. 9° do CIRS.
III. A referida tributação ocorre, por sua vez, de acordo com o disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 71.° do Código do IRS, mediante retenção na fonte à taxa liberatória de 35%, incidente sobre o valor ilíquido dos prémios.
IV. Ora, no caso, a seguradora, aqui impugnante, será a responsável e principal devedora do imposto ao abrigo do art. 21° do CIRS, através da figura da substituição tributária, nos termos do art. 20°, n° 1 e 2 da LGT.
V. Contudo, não existindo identificação dos premiados, é determinante que a tributação seja feita através da substituta, em sede de rendimentos da categoria G, por ser a única forma possível, uma vez que não é possível tributá-los individualmente.
VI. De facto, se a impugnante contratou e pagou a totalidade das viagens, a tributação deverá incidir sobre essa totalidade, por estarem em causa rendimentos tributáveis á luz do art. 9°, n° 2 do CIRS.
VII. Assim sendo, o valor do prémio a atribuir a cada beneficiário deve ser apurado através da uma proporcionalidade entre o valor global do prémio (valor contratado com a operadora turística) e o número de participantes efetivos.
VIII. Nestes termos, erra a sentença recorrida ao não dar como provada a falta de identificação dos beneficiários dos prémios, facto relevante para a decisão da causa.
IX. Pelo que, ao decidir como decidiu viola a douta sentença recorrida o disposto nos art. 9°, n° 2, 21° e 103° do CIRS.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

Há CONTRA-ALEGAÇÕES apresentadas pela F........:

Ia) No presente processo estão em causa prémios atribuídos pela recorrida a mediadores de seguros que com ela colaboram, prémios esses que consistiam em viagem de recreio por via marítima;
2a) Estabelecia o art° 9o, n° 2 do CIRS, que esses prémios eram incrementos patrimoniais (Categoria G) e, como tal, tributados;
3a) Os sujeitos passivos dessa tributação são os premiados, porque eles têm um incremento patrimonial ou um ganho ou uma vantagem consistente na realização de uma “viagem de recreio” de forma gratuita;
4a) A recorrida não é sujeito passivo de tal imposto, cabendo-lhe, apenas, efectuar a retenção na fonte, em sede de IRS, sobre tais incrementos patrimoniais;
5a) Se a tributação incide sobre as pessoas que têm esse ganho ou vantagem, a inerente retenção na fonte só incide sobre os efectivos e reais prémios;
6a) Pretender, como o fez a Administração Tributária, que a tributação incida sobre quantitativos pagos pela recorrida referente a reservas de viagens que não se realizaram, é tributar situações e pessoas que não tiveram qualquer ganho ou vantagem;
7a) Não se está, aliás, perante a figura de prémios não levantados, porque não houve pessoas premiadas que não tivessem usufruído de tais prémios; 
8a) O que houve foi, apenas e só, uma reserva de um número de viagens que se constatou, no final, ser superior ao número de concorrentes e, portanto, de premiados;
9a) Aliás, mesmo que se estivesse perante “prémios não levantados", a doutrina tem defendido que sobre tais prémios não há tributação precisamente porque não há pessoas que tenham tido uma vantagem ou um ganho, vantagem ou ganho que é o pressuposto ou o facto tributário.
10a) Sendo certo, ainda, que a redacção da lei, ao sujeitar a tributação os prémios “efectivamente pagos ou postos à disposição” (n° 2 do art° 9o do C.IRS), afasta, de modo claro, a tributação sobre prémios que não chegaram a ser atribuídos.
11a) Assim, o recurso não pode proceder.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, como como é de Justiça

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo, a final, pela improcedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.

O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IR - retenções na fonte, relativa a 2004.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. A ora impugnante é uma Empresa Seguradora, legalmente autorizada;

2. No âmbito da sua actividade, actua, em muitos casos, através de Mediadores de Seguros;

3. A ora impugnante, como forma de "estimular" e "promover" os esforços dos mediadores, na medida em que uma grande parte dos clientes e dos contratos de seguros são agenciados por tais mediadores, efectua, com regularidade, concursos tendo como destinatários os referidos mediadores;

4. Muitas vezes são feitos concursos com determinados prémios a que podem concorrer os mediadores que atingiram determinados objectivos na captação de clientes e contratos;

5. Num desses concursos, que teve lugar em 2004, o prémio consistia numa determinada viagem marítima de recreio, vulgo, "cruzeiro";

6. A ora Impugnante, tendo em conta o disposto no, então em vigor, n° 2 do art. 9.° do Código de IRS, considerou estar em causa um rendimento tributável da Categoria G - "Incremento Patrimonial";

7. Este incremento patrimonial, previsto no n.° 2 do art. 9 ° do CIRS está(estava) sujeito a retenção na fonte, com a natureza liberatória ou definitiva;

8. A Impugnante efectuou a retenção na fonte sobre o valor destas viagens, isto é, destes prémios;

9. A referida retenção na fonte foi feita pela Impugnante tendo como base de tributação as efectivas viagens feitas pelos mediadores;

10. Para a concretização dessas viagens era necessário, prévia e atempadamente, reservar lugares junto da empresa prestadora dos serviços de cruzeiros;

11. A Impugnante reservou um determinado número de lugares — e fez o respectivo pagamento;

12. O número de concorrentes e de premiados foi menor do que estava previsto;

13. A Administração Fiscal veio considerar que a base tributável da retenção na fonte era o valor referente à reserva feita pela Impugnante junto da empresa prestadora do serviço do "cruzeiro" e não o valor referente aos efectivos participantes nesse cruzeiro;

14. Em consequência, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de "IR — retenção na fonte" a que se referem os autos, contra a qual a Impugnante deduziu reclamação graciosa;

15. Tendo esta sido indeferida, foi deduzido recurso hierárquico e tendo este sido julgado improcedente, contra tal decisão foi interposta a presente impugnação.


*

Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa.

*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, bem como, no acordo das partes.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

F………….. S.A impugnou o indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra o indeferimento da reclamação apresentada contra a liquidação de IR- Retenções na Fonte, referente ao ano de 2004, alegando em síntese, que no âmbito da sua atividade organizou, em 2004, um concurso destinado a promover e estimular os esforços dos mediadores e que consistia num cruzeiro. Por entender que a atribuição gratuita de uma viagem consubstanciava rendimento para o “viajante”, considerou que o beneficiário deveria ser tributado em IRS, na categoria G, ao abrigo do disposto no art. 9º/2 e 71º/1-2-b) do CIRS, pelo que efetuou retenção na fonte sobre o valor destas viagens. A Impugnante reservou um determinado número de lugares e fez o seu pagamento. Contudo, o número de concorrentes e de premiados foi menor do que estava previsto, tendo feito a retenção apenas em relação aos efetivos participantes.

Porém, a AT entendeu que a base tributável da retenção na fonte era o valor referente à reserva feita pela Impugnante junto da empresa prestadora do serviço de “Cruzeiro” e não o valor referente aos efetivos participantes nesse cruzeiro.

Diversamente, a Impugnante entende que os premiados são os sujeito passivos, os quais devem ser tributados apenas na medida da sua concreta e real vantagem patrimonial. A Impugnante é apenas substituta dos sujeito passivos, sendo o imposto devido apenas na medida em que o substituído tenha uma determinada vantagem ou ganho. Como substituto, limita-se a cobrar e a entregar nos cofres do Estado o imposto que é devido pelos substituídos/premiados. Pretender tributar viagens não realizadas, implicaria que os premiados seriam tributados por ganhos/vantagens que não tiveram.

O MMº juiz proferiu sentença concluindo pela procedência da impugnação.

A fundamentação foi a seguinte:

“... estipulava o n.° 2 do artigo 9.° do Código do IRS, na redacção introduzida pela Lei n.° 107-B/2003, de 31 de Dezembro:

"2 - São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas, Totoloto, jogos do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição, com excepção dos prémios provenientes do denominado «Euromilhões», explorado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.(Red. Lei 107- B/2003 de 31 de Dezembro- vigorou até à Lei 60-A/2005 )”.

Dos próprios termos da lei resulta de forma clara que, apenas os prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição dos beneficiários constituem incrementos patrimoniais, ficando excluídas situações aqui não enquadráveis.

Ou seja, apenas o custo das viagens, de facto, atribuídas aos beneficiários estará incluído no rendimento tributável, ou seja, formará a base tributável sobre a qual deveria ter sido efectuada a retenção na fonte.

Vide, a propósito, o Acórdão do STA, proferido em 07.03.2007, no processo n.° 0498/06.

Assim, não resta senão julgar procedente a presente Impugnação”.

A AT discorda. Defende que a sentença errou ao não dar como provada a falta de identificação dos beneficiários dos prémios, facto relevante para a decisão da causa.

E que não existindo identificação dos premiados, é determinante que a tributação seja feita através da substituta, em sede de rendimentos da categoria G, por ser a única forma possível, uma vez que não é possível tributá-los individualmente.

Se a Impugnante contratou e pagou a totalidade das viagens, a tributação deverá incidir sobre essa totalidade, por estarem em causa rendimentos tributáveis à luz do art. 9º/2 CIRS.

Assim sendo, o valor do prémio a atribuir a cada benificiário deve ser apurado através de uma proporcionalidade entre o valor global do prémio (valor contratado com a operadora turística) e o número de participantes efetivos.

A nosso ver a Recorrente não tem razão. Vejamos porquê.

O art. 9º do CIRS com epígrafe Rendimentos da categoria G”, na redação vigente em 2004, dispunha que:

“Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

(...)

2 - São também considerados incrementos patrimoniais os prémios de quaisquer lotarias, rifas e apostas mútuas, Totoloto, jogos do loto e bingo, bem como as importâncias ou prémios atribuídos em quaisquer sorteios ou concursos, efectivamente pagos ou postos à disposição, com excepção dos prémios provenientes do denominado «Euromilhões», explorado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”.

Os rendimentos em causa constituem incrementos patrimoniais auferidos pelas pessoas beneficiadas com a atribuição dos prémios, sujeitos à taxa liberatória de 35%, como resulta do disposto no art. 71º/2-b) do CIRS.

A impugnante, como entidade promotora dos prémios/concurso, é sujeito passivo de imposto, por estar vinculada ao cumprimento da prestação tributária como substituto total (total, por a retenção se efetuar a título definitivo cfr. art. 18º/3 e 28º/1 LGT e 71º do CIRS).

Mas o substituído não deixa de possuir, também, a qualidade de sujeito passivo porque é em relação a ele que se verifica o facto tributário e que dá origem ao nascimento da obrigação tributária.

O substituído é o titular da capacidade contributiva que preencheu o facto tributário com o incremento patrimonial decorrente do prémio auferido.

Assim, se o titular da capacidade contributiva não pratica qualquer facto tributário nem beneficia de qualquer acréscimo patrimonial, não há lugar à intervenção do substituto pelo mecanismo da retenção na fonte. Nada há para reter.

No caso concreto, a obrigação de retenção na fonte a cargo da Impugnante não recai sobre os pagamentos que efetuou na reserva dos lugares no cruzeiro porque, com esta reserva, nenhum incremento patrimonial ingressou na esfera dos potenciais interessados ou concorrentes.

Só quando um sujeito concreto vê consolidado o direito a participar no cruzeiro é que nasce o enriquecimento na sua esfera jurídico patrimonial e, em simultâneo, o respetivo facto tributário, de onde resulta a obrigação tributária cujo cumprimento recai sobre o substituto.

Pretender que o imposto deve ser pago pela totalidade das viagens reservadas, sem que tenham sido utilizadas na totalidade, equivale a criar um encargo para o substituto sem que haja substituído.

A esta luz, a alegação de que o valor do prémio o valor do prémio a atribuir a cada benificiário deve ser apurado através de uma proporcionalidade entre o valor global do prémio (valor contratado com a operadora turística) e o número de participantes efetivos também, com o devido respeito, carece de sentido. Desde logo, porque o prémio é individual (cada sujeito recebe o seu prémio, correspondente à sua viagem) e não global.

Depois, se porventura se apurasse a proporcionalidade entre o valor global do prémio (valor contratado com a operadora turística) e o número de participantes efetivos estar-se-ia a tributar o substituído por um acréscimo que não obteve.

O facto de não estarem identificados os premiados não altera a conclusão a que chegámos. Não é por não estarem identificados os premiados (aliás, nem consta que a AT tenha solicitado à Impugnante a sua identificação) que a Impugnante terá de entregar como substituto um imposto de que o substituído não é, também, devedor.

A menos que a AT demonstre que o número de premiados coincide com o número de reservas efetuadas pela Impugnante, o que de modo algum fez, não pode tributar com base em acréscimo que se não verificou.

E assim sendo, também não se descortinam razões para a alteração da matéria de facto requerida pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Por tudo o exposto, o recurso deverá improceder, mantendo-se a sentença recorrida.

Quanto a custas:

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida no presente recurso, a Recorrente Fazenda Pública esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2).

E portanto, deve ser suportar as respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 11 de março de 2021.


[Nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, o relator consigna e atesta que têm voto de conformidade as Exmas. Senhoras Desembargadoras Patrícia Manuel Pires e Susana Barreto que integram a presente formação de julgamento.]


(Mário Rebelo)