Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:912/13.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL: DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. GERENTE DE DIREITO. GERENTE DE FACTO.
PROVA DO EXERCÍCIO DE FACTO DAS FUNÇÕES DE RESPONSÁVEL SOCIETÁRIO PARA EFEITOS DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PELAS DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS.
Sumário:1) O gerente de direito só é responsável subsidiário pelas dividas de tributos quando se prove que o mesmo exerceu de facto tais funções nos corpos sociais de uma sociedade, inexistindo qualquer presunção do seu exercício decorrente da sua designação para o cargo societário- cfr corpo do artº 24º da LGT.

2) A circunstância de um gerente de direito ter assinado cheques em nome da empresa, não significa, de “per si”, o exercício efectivo de tal gerência, sem se apurar em concreto se tal se traduziu em actos relativos ao assim designado “giro comercial” da sociedade, porquanto tal responsabilidade não é objectiva, antes resulta numa vontade subjectiva do agente em vincular interna ou externamente a respectiva pessoa colectiva.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

A F.P,vem deduzir recurso da sentença proferida pelo TAF de Loulé, que julgou procedente a oposição deduzida pela oponente S..... , por reversão da execução contra si dirigida, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

“ 1 - A, aliás douta sentença recorrida, enferma de erro de julgamento porque os elementos fornecidos pelo processo impunham uma decisão diversa.

2 - Versão dos factos disponível a partir dos documentos junto ao processo, coincidente com a gerência de direito plasmada no pacto social.

3 - Por outro lado, ofende preceitos do direito substantivo, como sejam as disposições do art.º 24 da LGT e dos artºs. 252º, 259º, 260º e 261º, do CSC.

4 - Desde logo a assinatura de cheques é um acto que se subsume integralmente à noção de gerência de facto.

5 - Porque dessa forma se vincula e viabiliza a actividade económica da empresa, que supõe necessariamente o estabelecimento de relações jurídicas com terceiros.

6 - Pelo que, mal se concebe não os interpretar como exercício efectivo da gerência.

7 - Suporte bastante para a legal efectivação da responsabilidade subsidiária da oponente.

8 - Por outro lado, tal como vem sendo jurisprudencialmente decidido, provada a gerência de direito, como no caso acontece, infere-se a gerência de facto, por presunção judicial.

9 - Ora, face aos dados de facto emergentes do material produzido, independentemente de terem ou não resultado por impulso da parte sobre que pesava o ónus de as produzir, quer por impulso da parte contrária, quer por iniciativa do tribunal, (art.º 413 CPC), parece-nos, que essa presunção não foi abalada.

1O - Daí vem que, na hipótese sub judice, se verifica o requisito do efectivo exercício das funções de gerente, legalmente exigido à responsabilização subsidiária.

11 - Assente o qual, é claro que não podia ser julgada procedente a oposição em causa.

Assim, pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.”

*

A recorrida não apresentou contra-alegações.

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O D.M.M.P. emitiu douto Parecer em que sustenta a procedência do recurso, com base no seguinte entendimento fundamentador:

“A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença do TAF de Loulé que julgou procedente a Oposição deduzida por S...... contra a reversão operada no proc. executivo ....., nos termos do artigo 24°, nº 1, alínea b) da LGT - cfr. fls. 114.

Os fundamentos do recurso constam dos termos conclusivos de fls.180 a 182 ....; cujo teor aqui se reproduz, invocando o recorrente que a sentença padece de erro de julgamento porquanto, face à prova produzida não podia o Tribunal " a quo" ter concluído não resultar demonstrado que a oponente exercia de facto a gerência da sociedade originária.

Invoca o Recorrente a contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação da decisão, defendendo designadamente, que a subscrição dos cheques pela Oponente, não obstante a circunstância de ser sobre a indicação de outrem, configura " ... um acto que se integra no acervo de funções de um gerente de facto, que faz parte do núcleo básico dos poderes dos gerentes, no desenvolvimento que forma o objecto social. ....".

Com relevância, tendo em conta que são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer ficou provado designadamente, que:

- foi instaurado processo executivo contra a devedora originária para cobrança de IRC do ano de 2010, cujo prazo limite de pagamento ocorreu em 7.9.2011 - alíneas

A) a E) do probatório;

- a devedora originária foi declarada insolvente por sentença proferida em 6.2.2013 - alínea B) do probatório;

- a oponente foi nomeada gerente da devedora originária desde da constituição desta em 27.03.2009 – alínea A ) do probatório;

- para obrigar a sociedade bastava a intervenção de qualquer dos gerentes - alínea A ) do probatório;

- a devedora originária pagou rendimentos a I..... e à Oponente durante os anos de 2009 e 201O - alínea G) do probatório;

- a oponente ficou impedida de aceder ao estabelecimento da sociedade devedora originária no ano de 2011 - alínea H) do probatório;

-., - a Oponente assinou os cheques juntos a fls. 68, da conta bancária na CCA de que era titular a devedora originária em 30.07.2011, 30.08.2011 e 30.09.2011 - alínea C) do probatório;

- o I..... é que pagava aos funcionários e em numerário, as compras aos fornecedores eram feitas por ele e as ordens de pagamento vinham dele, limitando-se a oponente a preencher e assinar os cheques - alínea J) do probatório;

- durante o ano de 2011 a oponente foi trabalhar para o Pingo Doce - alínea K) do probatório.

Como resulta da sentença recorrida, não se provou que a oponente tenha ficado impedida de aceder ao estabelecimento a partir de Abril de 2011.

Face à prova produzida concluiu a douta sentença não ficou provado que a oponente tenha exercido a gerência de facto no termo do prazo legal de pagamento e que foi por culpa sua que se verificou a insuficiência do património societário e o incumprimento das obrigações tributárias.

" O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação "sub judice" que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida." cfr., douto Ac. do TCA Sul de 30.10.14.

Como se escreve no douto Ac. do TCA Sul de 30.10.14. :

" ... A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409º, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Ili, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.)...".

Verifica-se, assim, que o gerente tem poder para praticar uma série de actos face à sociedade - actos administrativos e representativos - nada resultando em contrário, quanto à existência de uma gerência partilhada por mais de um gerente nem quanto à possibilidade de partilha dos poderes inerentes a tal função.

Por outro lado, como se escreve no douto Ac. do TCA Sul

de 19.02-2015, 65484/12 :

" recorde-se que a assinatura de cheques necessários ao giro comercial da sociedade faz prova do exercício de facto de poderes de gerência da mesma (cfr.Ac.T.C.A.Sul- 2ª. Secção, 4/5/2004, proc.1179/03; Ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 7/3/2006, proc.933/05) ...."

Ora, a assinatura dos cheques de fls. 68 pela oponente em nome da sociedade, sendo que a sociedade devedora se vincula com a assinatura de qualquer dos gerentes, como está provado, configura acto resultante do exercício do poder de representação da sociedade pela oponente que não pode ser afastada pela factualidade dada como provada em J) pois, nada há que impeça a gerência partilhada quanto ao exercício dos poderes dos gerentes face à sociedade.

Só assim não seria se estivesse provado que a oponente assinou os cheques sob coacção, o que não se pode retirar da factualidade dada como provada .

E, também o exercício de facto da gerência, não pode ser afastado pela factualidade provada em H) e em K) pois, a data limite de pagamento da quantia exequenda ocorreu ainda no ano de 2011 - em 7.9.2011 - para além de que o exercício de poderes de representação da sociedade não tem subjacente a sua prática exclusiva no estabelecimento da devedora originária e também tal prática não é inconciliável com a prestação de serviço por um gerente em funções diferentes noutro local, independente da devedora originária.

Acresce que, o despacho de reversão foi efectuado ao abrigo do artigo 24°, nº1 , alinea b) da LGT e que a dedução da Oposição pela Oponente assentou na sua ilegitimidade por não ter exercício o exercício de facto da gerência na data da entrega/pagamento e, em consequência de tal circunstância, não poder ter culpa na insuficiência do património societário.

Estabelece o artigo 24° da LGT:

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiaria mente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado

depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.".

Na previsão da alínea a), do normativo em análise pretendem­ se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.

Na alínea. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.

Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

Ora, também da prova produzida não resulta que a Oponente tenha ilidido aquela presunção, ou seja, dela se não pode retirar - se que a falta de pagamento não lhe foi imputável.

Em consequência, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que a douta sentença recorrida deverá ser revogada.

Pelo exposto, emito parecer no sentido da procedência do recurso.”

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Dispensados os vistos legais dos Exm.º s Adjuntos e com o seu consentimento, cumpre decidir –cfr. nº4, do art.º 657º, do CPC.

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Na sentença proferida nos autos a Mª Juiz apurou os seguintes factos:



A) Em 30/09/2011 instaurado processo de execução fiscal com o nº ..... contra a sociedade P....., Lda. para cobrança de IRC, no valor €2.334,59 (cfr. fls. 29 a 32 dos autos);

B) Em 06/02/2013 a sociedade P....., Lda. foi declarada insolvente, por sentença, proferida no processo n.º 70/13.1TBOLH que correu termos no Tribunal Judicial de Olhão (cfr. fls. 55 a 61 dos autos);

C) A Oponente assinou diversos cheques da conta bancária na Caixa de crédito Agrícola de que era titular a devedora originária, emitidos em 30/07/2011; 30/08/2011; 30/09/2011 (cfr. fls. 68 dos autos);

D) Em 23/05/2013, foi proferido despacho de reversão contra a Oponente (cfr. fls. 114 dos autos);

E) Em 23/05/2013 foi emitida “Citação (Reversão)” junto com certidão de dívida onde consta como prazo limite de pagamento, o dia 07/09/2011 (cfr. fls. 111 a 113 dos autos);

F) A Oponente apresentou no Tribunal Judicial de Olhão, pedido de arrolamento dos bens que estavam no interior do estabelecimento comercial explorado pela sociedade devedora, cujo auto foi feito em 23/03/2012 (cfr. fls. 16 a 24 dos autos);

G) A sociedade devedora originária pagou rendimentos a I..... e à Oponente, durante os anos de 2009 e 2010 (cfr. fls. 51 a 54 dos autos);

H) A oponente ficou impedida de aceder ao estabelecimento da sociedade devedora originária, onde a mesma trabalhava, por I....., seu marido, durante o ano de 2011 (cfr. depoimento da testemunha);

I) A Oponente foi nomeada gerente desde a constituição da sociedade devedora originária – em 27/03/2009 – e bastava a intervenção de qualquer um dos gerentes para obrigar a sociedade (cfr. fls. 70 a 71 dos autos),

J) I..... é que pagava aos funcionários e em numerário, as compras aos fornecedores eram feitas por ele e as ordens de pagamento vinham dele, limitando-se a sua irmã, a preencher e assinar os cheques (cfr. depoimento da testemunha);

K) Durante o ano de 2011, a Oponente foi trabalhar para o Pingo Doce (cfr. depoimento da testemunha);

III-2. Factualidade não provada:

Não ficou provado que a Oponente ficou impedida de aceder ao estabelecimento da sociedade devedora originária, por I....., seu marido a partir de Abril de 2011.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

“Fundamentação do julgamento:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, cuja veracidade não foi posta em causa e ainda no depoimento da testemunha, que não obstante ser irmão da Oponente, depôs com conhecimento dos factos atento o facto de ter sido TOC na sociedade devedora originária.

Relevou o seu depoimento, que foi claro e coerente, quanto às funções da Oponente na sociedade originária, tendo afirmado que a irmã, era quase uma administrativa, que servia ao balcão e às mesas. O Sr. I..... é que pagava aos funcionários e em numerário, as compras aos fornecedores eram feitas por ele e as ordens de pagamento vinham dele, limitando-se a sua irmã, a preencher e assinar os cheques, pois o mesmo não tinha conhecimentos suficientes para preencher um cheque, dava muitos erros de escrita. Mais referiu que no início de 2011, talvez em Abril, a Oponente e o Sr. I....., desentenderam-se, tendo esta sido expulsa do estabelecimento à força, o que originou uma queixa na polícia e um pedido de arrolamento dos bens que estavam no interior do mesmo, já que o Sr. I..... lhe retirou as chaves da sede e mudou a chave da fechadura de outro estabelecimento que também tinham, impedindo a Oponente de entrar.

Quanto aos factos não provados, tal resultou da contradição de datas, pois enquanto a testemunha refere que a partir início de 2011 a Oponente deixou de ter acesso ao estabelecimento, consta dos autos, a assinatura de cheques pela Oponente em Julho, Agosto e Setembro de 2011 e a mesma, na p.i., refere Abril de 2011. Acresce que resulta do depoimento da testemunha, que deixou de ser TOC na empresa em Dezembro de 2010 e que não assistiu à expulsão da Oponente do estabelecimento.

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Quanto aos vícios imputados à decisão controvertida, a F.P. vem sustentar que a decisão proferida pela Mª Juiz do TAF de Loulé , padecia de erro de julgamento de direito consubstanciada na aplicação incorrecta aos factos da norma jurídica correcta, na medida em que, no seu entender os factos apurados demonstrariam a efectiva gerência de facto pela recorrida, sendo que estando este tribunal vinculado a conhecer apenas dos vícios invocados nas respectivas conclusões, delas não se extraem quaisquer vícios dos factos provados e não provados, quer motivadas por erro na apreciação da prova, quer na fixação dos factos materiais da causa.- cfr artºs 639º e 640º, do CPC.

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O Tribunal “a Quo”, para concluir no sentido da procedência da oposição, teceu as seguintes razões que a sustentam.:

“ Análise fáctico-jurídica:

A Oponente alega que não exercia a gerência de facto da sociedade devedora originária e que, inclusive, a partir de Abril de 2011, o sócio I....., retirou-lhe a chave da porta de acesso ao estabelecimento em causa, desconhecendo por completo os aspectos relacionados com a vida comercial da sociedade.

Mais alegou que não lhe pode ser imputada qualquer culpa pela falta de cumprimento das obrigações da sociedade devedora originária.

Vejamos.

A ilegitimidade da pessoa citada por falta de prova de culpa dos gerentes e por inexistência de gerência de facto, é fundamento de Oposição nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P.T..

A Oponente considera-se parte ilegítima porque apesar de ter sido gerente de direito, nunca exerceu de facto as funções da gerência, tendo inclusive deixada de poder aceder fisicamente à sociedade devedora originária, antes do término do prazo legal de pagamento das dívidas tributárias exequendas.

A legitimidade dos executados vem prevista no art. 153.º do C.P.P.T., prevendo o seu nº 2 que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) "Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores";

b) "Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que a órgão da execução disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido".

Em articulação com a norma supra, e atendendo à natureza da dívida (imposto) e sendo que a mesma respeita ao ano de 2010 o regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o que decorre do da Lei Geral Tributária que entrou em vigor no dia 01/01/1999.

Segundo o art. 23.º da L.G.T.:

“1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão. (…)”

São pressupostos da reversão; a insuficiência do património do devedor principal; o exercício de facto da gerência e a culpa do gerente por o património da executada se ter tornado insuficiente para o pagamento da dívida em causa.

Segundo o artigo 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária:

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si:

a) pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

Da referência, nesta disposição, às expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, se conclui que, “não basta, para responsabilização das pessoas aí indicadas, a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas a respectivas funções” - neste sentido, veja-se o acórdão do STA de 11/03/2009, recurso n.° 0709/08, in www.dgsi.pt.

A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs. 259º e 260º, do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr. Acórdão do S.T.A. de 03/05/1989, proc. 10492; do T.C.A. Sul de 08/05/2012, proc. 5392/12, ambos consultáveis em www.dgsi.pt; Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código do Processo e Procedimento Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.351).

É no art.º 64º, do C. S. C., que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

Assim, o gerente goza de poderes representativos - se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros - e de poderes administrativos face à sociedade - se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra. Em suma, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr. Acórdão do T.C.A. Sul de 08/05/2012, proc.5392/12 consultável no sítio www.dgsi.pt; Raul Ventura in “Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III”, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, in “A vinculação das sociedades anónimas”, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).

Analisados os actos que o gerente pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.

Há que apurar, a quem pertence o ónus da prova da gerência de facto e verificar a culpa do gerente pelo facto do património da executada se ter tornado insuficiente para o pagamento da dívida em causa.

Não existe presunção da gerência de facto se existir gerência de direito, mas, já existe presunção legal de culpa para quem tem a gerência de facto.

A LGT veio prever dois tipos de culpa, sendo o critério de distinção, o do momento a que se reporta o imposto (facto constitutivo ou termo do prazo legal de pagamento) em relação com o período de exercício efectivo do cargo de gerente, administrador ou da pessoa que exerce de facto essas funções.

Assim sendo, nas situações da al. a) do art. 24º do CPPT a responsabilidade baseia-se numa culpa subjectiva, sendo o ónus de prova da Administração Tributária.

Nas situações da al. b) do art. 24º do CPPT a responsabilidade baseia-se numa culpa funcional presumida, cabendo o ónus da prova ao Gerente (Oponente).

Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas, antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a) do supra referido art. 24º). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (a Fazenda Pública não tem qualquer esforço probatório, porque se presume a culpa - cfr. alínea b), do supra referido art.º 24º).

Concluindo, se a gerência de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública; se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gerente (cfr. Acórdão do T.C.A. Sul de 27/11/2012, proc. nº 5979/12; Sérgio Vasques, “A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade” - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, “Lei Geral Tributária comentada e anotada”, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, “Código do Processo e Procedimento Tributário anotado e comentado”, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.342 e seg.).

A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova prevista no normativo acima transposto, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr. Acórdão do S.T.A. de 23/6/2010, rec. nº 304/10; de 6/10/2010, rec. nº 509/10 e Acórdão do T.C.A. Sul de 08/05/2012, proc. nº 5392/12 todos consultáveis no sítio ww.dgsi.pt).

No que diz respeito à prova da gerência de facto, se diga que não existe uma presunção legal de que quem tem a gerência de direito, tem automaticamente a gerência de facto, sem necessidade de prova em contrário. Podem é existir indicadores externos dos quais resultem indícios fortes de que a gerência também é exercida de facto.

No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA de 02/03/2011, rec. nº 0944/10 in www.dgsi.pt., onde se afirma que “o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido.

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.”

Compulsados os autos, verifica-se que, apesar de não ter sido provada uma data precisa, a Oponente ficou impedida de aceder à sociedade devedora originária, durante o ano de 2011 porque o marido lhe retirou as chaves do estabelecimento, tendo nessa altura sido obrigada a começar a trabalhar no Pingo Doce, para prover pelo sustento das filhas.

Ficou provado que a Oponente se limitava a seguir as instruções do Sr. I....., exercendo funções de atendimento ao público. Quem tomava todas as decisões referentes à actividade comercial da sociedade era o seu marido, o Sr. I....., estando a Oponente afastada dessa actividade, limitando-se a ser praticamente uma administrativa.

O facto de a Oponente ter preenchido e assinado os cheques não releva para prova do exercício da gerência de facto, pois, como se viu, a mesma, limitou-se a preencher e assinar os cheques sob instruções do Sr. I....., por este não ter conhecimentos intelectuais para o fazer, não tendo qualquer interesse na actividade comercial da sociedade.

Mais, o facto de a Oponente ter auferido rendimentos da sociedade devedora originária, tal também não releva, já que, em termos temporais, tais factos ocorreram em 2009 e 2010, quando os factos a que se refere a presente Oposição dizem respeito ao ano de 2011.

Assim, atendendo a que a gerência de facto não se presume da gerência de direito, cabe à Administração Tributária invocar factos que se subsumam a esse conceito, e do despacho de reversão apenas consta a reprodução do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT sem qualquer referência a factos que integrem o conceito de gerência de facto – mas já caberá à Oponente, atento o facto de nunca ter deixado de ser gerente de direito, provar que não foi por culpa sua que se verificou a insuficiência do património da devedora originária e o incumprimento das obrigações tributárias.

Resulta dos autos que não ficou provado que a Oponente, gerente de direito, tenha exercido de facto, a gerência da sociedade devedora originária, no termo do prazo legal de pagamento e que foi por sua culpa que se verificou a insuficiência do património daquela e o incumprimento das obrigações tributárias, termos em que a presente Oposição tem que proceder.”.

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Vejamos então se a oposição não deveria proceder pelas razões expendidas pela F.P. nas suas conclusões.

Em 1º lugar, sustenta a recorrente que os factos dados como provados relativamente à nomeação da recorrida como gerente de direito e de proceder à assinatura de cheques, demonstraria a dita gerência de facto da recorrida. O que se oferece dizer sobre tal questão é o seguinte:

Como bem refere a Mª Juiz da 1ª Instância, a simples titularidade do cargo de gerente de direito, não tem a virtualidade de desencadear de “per si”, a verificação da gerência de facto, a qual constitui pressuposto da responsabilidade subsidiária de tais membros dos corpos sociais das pessoas colectivas, em qualquer das situações relativas ao exercício do seu cargo, sejam as mesmas contemporâneas do prazo de pagamento das dívidas tributárias, ou caso as mesmas se constituam no período da constituição do facto tributário, conforme resulta do disposto no corpo do art.º 24º da LGT.

Quanto à factualidade vertida na alínea H), do probatório e o descritivo dos factos não provados, deve-se sublinhar que, não obstante a, eventual, confusão que possam gerar tais factos, a verdade é que atentando na motivação da matéria de facto com a aludida factualidade, se retira que o que o Tribunal “a quo” pretendia dizer é que “em data não concretamente apurada, mas, seguramente, durante o ano de 2011, a Recorrente foi impedida de aceder ao estabelecimento da sociedade devedora originária .-veja-se nesse sentido o segmento jurídico da sentença.

Quanto à 2º circunstância levada ao probatório relacionado com a assinatura de cheques, é bom não esquecer que a convicção do julgador a partir dos factos apurados e da sua subsunção ao direito, se encontram legitimados na sua decisão devidamente fundamentada, como corolário imanente do principio da livre apreciação das provas a que se refere o nº 5, do art.º 607º, do CPC, analiticamente motivada e judicialmente sustentada na aplicação dos factos ao direito, não estando submetida às alegações das partes, como melhor resulta do disposto no nº 3, do art.º 5º, do CPC, pelo que a conclusão que a Mª Juiz da 1ª Instância retira desses factos, como não demonstrando que tal representava o exercício das funções de gerente de facto, é em si o corolário do silogismo acolhido na sentença, como este Tribunal superior acolhe por concordar com o mesmo. De resto,

Não tendo sido impugnada a matéria de facto, e constando, tão-só, no probatório a alusão genérica a três cheques não se retira que o Tribunal a quo tenha incorrido em qualquer erro de julgamento.
A circunstância alegada pelo Mº PGA de a emissão de cheques da devedora originária e assinadas pela gerente de direito fazer presumir a gerência de facto, será relevante se for esse o juízo de prognose póstuma que a Mº Juiz da causa entender ser de retirar desse facto, nunca podendo constituir uma presunção judicial inilidível de tal exercício de facto da dita gerência.

De resto, nada sabemos se tais documentos se destinariam ao giro comercial da sociedade devedora originária, i. e. se se destinavam ao pagamento a quem e por força de que vínculo jurídico estabelecido pela dita sociedade ( relativo, por exemplo, a fornecedores ou outrem). Improcede desse modo as conclusões retiradas dos pontos 2, e 4-7, das conclusões do recurso.

Quanto à dita presunção da gerência de facto decorrente da prova da gerência de direito (pontos 8 a 10,das ditas conclusões recursivas ), é pacifico o entendimento jurisprudencial de que inexiste tal presunção que, de resto, só resultaria, no caso da culpa pela insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, nas situações em que tal divida se venceu no período do exercício do cargo de gerente, como resulta do disposto na alínea b), do nº 1, do artº 24º, da LGT, o qual na realidade se traduz num caso de determinação legal do ónus da prova a cargo do contribuinte, ao contrário da regra ínsita na alínea a), do mesmo preceito legal que impõe tal ónus à Adm. Fiscal, como bem aponta a sentença da 1ª instância.

Assim reafirmando e reiterando os fundamentos de direito e jurisprudenciais aí mencionados, enquanto reportados à aqueloutra presunção judicial tirada da experiência comum, a que se refere o sublinhado Acórdão do STA 02/03/2011, Rec. nº 0944/10.

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Assim sendo, entende-se que improcede “in totum ” o recurso deduzido da sentença proferida nos autos, a qual vai inteiramente confirmada nos respectivos fundamentos e demais considerações aqui tecidas em seu abono, sendo mantida a decisão aí proferida sobre a inexigibilidade da obrigação tributária na pessoa do recorrido, por não ser responsável pelo pagamento da dívida.

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Dispositivo

Nos termos expostos vai negada a pretensão recursiva, sendo mantida na ordem jurídica a sentença proferida nos autos que considerou procedente a oposição deduzida pela recorrida.

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Custas pelo recorrente nas duas instâncias.

Notifique.

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ]