Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1492/11.8BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
Sumário:I- Da conjugação dos artigos 140.º nº 4, alínea a) do CIRS e 102.º n.º 1 do CPPT (ambos, na redacção à data), resulta que o prazo para deduzir a impugnação judicial contra a liquidação oficiosa de IRS por falta de entrega da respectiva declaração de rendimentos é de 90 dias, contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.
II- No caso concreto, tendo sido provado que a notificação das liquidações de IRS de 2008 e 2009 e respectivos juros, ocorreu a 24/01/2011, 20/11/2011, 11/02/2011 e 10/02/2011 respectivamente, e a petição de impugnação judicial sido apresentada a 19/12/2011, conclui-se ser esta intempestiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem I......, apresentar recurso jurisdicional da sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e em consequência absolveu a Fazenda Pública do pedido, mantendo as liquidações de IRS do ano de 2008 e 2009 nos montantes de € 19.982,05 e € 19.166,91 respectivamente.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“40. Impugna a ora recorrente toda a factualidade dada como provada, considerada pela douta sentença com interesse para a apreciação da excepção suscitada, exceptuando a evidenciada nas alíneas de O) a S), na medida em que em momento algum teve conhecimento dos elementos ali indicados, estando por isso impedida de se pronunciar sobre tal documentação, designadamente quanto ao facto de poder ilidir a presunção do registo.

41. Os documentos referidos não integram a contestação da Fazenda Pública notificada efectuada pelo Tribunal à recorrente e tão pouco lhe foram notificados por alguma outra forma.

42. A simples referência ao registo postal e data, presumindo-se o contribuinte notificado, não pode ser suficiente para considerar a recorrente notificada, desde logo porque não conhecendo os documentos estava impedida de ilidir qualquer presunção do registo, a que acresce a falta de similitude entre o n.° …e … da mesma rua.

43. Refere a Fazenda Pública, corroborando a douta sentença a mesma tese, ter a AT, notificado a recorrente para apresentar a declaração de IRS em falta e por força dessa notificação, a presente situação ficaria enquadrada no artigo 60° n° 2 alínea b) da LGT.

44. Tal notificação reitera, nunca foi por si recebida.

45. Impunha-se que a AT indicasse o registo postal de cada uma das alegadas notificações, demonstrando a conexão do registo postal com a notificação que a afirma ter realizado.

46. Devendo indicar ainda a identificação de quem recepcionou o registo postal face à comprovada diferença de números de endereço - Lote …. e n°…..

47. Essa prova não foi em momento algum apresentada, ensaiando a Fazenda Pública demonstrar, sem qualquer outro elemento, que a correspondência enviada para qualquer desses endereços foi recebida pela ora recorrente.

48. Ainda que assim fosse, conhecendo a realidade dos correios e alteração e substituição frequente de distribuidores de correspondência, para a mesma zona de distribuição postal, não fica provada nem poderia ficar, a recepção, da notificação da AT para apresentação de declaração de rendimentos.

49. Ora, se de tal facto o tribunal não obteve prova, não é correcto o enquadramento legal realizado no artigo 60° n° 2 alínea b) da LGT.

50. Não se mostrando feita a prova necessária, há, incontornavelmente, falta de audição prévia relativamente à liquidação oficiosa de IRS de 2008 e 2009.

51. Com a agravante, de que essa falta de audição prévia importa de sobremaneira na diminuição da defesa da recorrente.

52. Assim acontece, naturalmente, na medida em que fica impedida de apresentar os rendimentos efectivamente obtidos nos exercícios de 2008 e 2009.

53. E que, definitivamente, não apresentam qualquer correspondência com os valores desajustados da realidade, obtidos pela AT na liquidação oficiosa que leva a efeito para os dois exercícios.

54. A terem alguma vez correspondência com os efectivamente obtidos, mal se compreenderia que tivesse a recorrente cessado a actividade no decorrer do exercício de 2009, conforme resulta dos dados constantes dos arquivos da AT

55. Naturalmente que continuaria a actividade em 2009 ao invés de a cessar.

56. Reitera a ora recorrente, não é suficiente a indicação de números de registo e datas, que segundo a douta sentença, resultam indicadas em registos colectivos, que só demonstram isso mesmo, mas de forma alguma o recebimento de tais notificações pela recorrente.

57. Sendo certo que tão pouco alguma vez pode ilidir qualquer presunção, por não dispor de elementos para o efeito.

58. A apresentação do expediente administrativo e postal, devidamente relacionado - manifestação do princípio da transparência do procedimento - por forma a que ficasse a recorrente habilitada a exercer convenientemente o seu direito, privilegiando um controle preventivo, por parte do particular, em relação à Administração, torna-se imprescindível.

59. O princípio da audiência prévia, constitui a concretização do princípio da participação procedimental consagrado no n.° 5 do artigo 267° da CRP e tem de prevalecer sobre todas as normas contidas em leis especiais, ainda que não se mostre garantido em igual extensão à consignada no CPA.

60. Como bem referem Diogo Leite de Campos/Benjamim da Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa LGT comentada e anotada 2ª edição 2000 p.255, a omissão de audiência do contribuinte antes da liquidação, constitui preterição de formalidade legal essencial do procedimento de liquidação, que não pode ser justificada, pela previsão de a realização da diligência comprometer a utilidade do acto tributário a praticar.

61. Ademais porque, a ter sido notificada a recorrente, teria todo o interesse em exercer esse direito, justamente porque o tributo apurado em sede de liquidação oficiosa, jamais apresenta correspondência ao efectivamente obtido acrescendo ainda no que se refere ao exercício de 2009, que cessa a actividade no decurso do exercício.

62. Insiste a recorrente quanto à total ausência de fundamentação dos actos de liquidação, desde logo por não terem sido recepcionados.

63. É inquestionável a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto.

64. É face à fundamentação do acto, que pode aferir o contribuinte da legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.

65. Motiva a Fazenda Pública, a legalidade e apresentação de fundamentação nos actos de liquidação de IRS de 2008 e 2009, remetendo o artigo 76° n° 1 do CIRS, sendo que tal nem foi apreciado por verificada a excepção deduzida.

66. A ser admissível, tinha a mesma de ser expressa e contemporânea aos actos de liquidação de IRS de 2008 e 2009.

67. E, do conhecimento que adquiriu à posterior, para além de não ter recebido qualquer das notificações indicadas, não acompanha a decisão de tributação oficiosa fundamentação alguma, o que só se motiva pela possibilidade que tem o Tribunal ad quem, de apreciar ou acrescentar à matéria de facto. 

68. Mais, a liquidação oficiosa é uma forma de liquidação de imposto manifestamente inconstitucional pois assenta em pressupostos abusivos e inúmeras vezes afastados da realidade.

69. Donde, foram violados princípios constitucionais de tributação através de critérios de verdade material além de outros princípios como o da segurança jurídica dos contribuintes

70. Para mais, quando, mesmo que por hipótese se admitisse que foi a notificação da liquidação de IRS dos exercícios em causa recebida pela recorrente, tratando de liquidações oficiosas, não integram as mesmas qualquer elemento que dê conhecimento ao contribuinte quanto à forma de apuramento do tributo.

71. Donde, para além de não poderem produzir as liquidações eficácia na esfera jurídica da recorrente por nunca lhe terem sido notificadas, sempre seriam as mesmas nulas por omissão dos normativos legais em que assentam e logo ineficazes.

72. Devendo por tudo o que se invoca, ser considerada tempestiva a apresentação de impugnação judicial nos termos do que dispõe o n°3 do artigo 102° do CPPT.

Termos em que requer a V. Ex.a sejam as presentes alegações recebidas por estarem em tempo, concedendo-se provimento ao recurso, por provado, decidindo a douta decisão do Tribunal ad quem, pela revogação da decisão proferida em primeira instância, substituindo-a por outra que determine a anulação das liquidações de IRS de 2008 e 2009, na medida em que os elementos apresentados pela Fazenda Pública e que consubstanciam a douta decisão não são suficientes para decidir da forma em que foi decidido, mormente pela falta de similitude entre o n ° …. e … da R. F. em Almeirim.”.

* * *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a apreciação da exceção suscitada, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos os seguintes factos:


A)

Em 22-07-2010 a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à impugnante, mediante correio registado com o n.º RY…062PT, endereçado para a R. F., lote…., em Almeirim, notificação para proceder à entrega da declaração Mod. 3 de IRS em falta relativa ao ano de 2008. – (cfr. doc. de fls. 48 do processo administrativo apenso).

B)

O registo n.º RY…062PT, referido na alínea anterior, consta nas bases de dados da AT da documentação dos CTT como recebido em 23-07-2010. – (cfr. fls. 50 dos autos).

C)

Em 07-10-2010 a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à impugnante, mediante correio registado com o n.º RY…904PT, endereçado para a R. F., lote….., em Almeirim, notificação para proceder à entrega da declaração Mod. 3 de IRS em falta relativa ao ano de 2009. – (cfr. doc. de fls. 49 do processo administrativo apenso).

D)

O registo n.º RY…904PT, referido na alínea anterior, consta nas bases de dados da AT da documentação dos CTT como recebido em 08-10-2010. – (cfr. fls. 50 dos autos).

E)

Em 10-01-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da ora impugnante a demonstração da liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios n.º 20115000010778, relativa ao ano de 2008, no montante total de € 19.982,05, com data limite de pagamento de 23-02-2011, endereçada sob correio registado n.º RY…505PT para a R. F., n.º…., Almeirim. – (cfr. fls. 22 do processo administrativo apenso).

F)

Na mesma data a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração da liquidação de juros relativas à liquidação identificada na alínea anterior, endereçada sob correio registado n.º RY…276PT para a mesma morada. – (cfr. fls. 25 do processo administrativo apenso).

G)

Os registos identificados nas alíneas anteriores foram enviados para os CTT através das guias de expedição de correio coletivo n.º 87/2011 de 20-01-2011 e 80/2011 de 19-01-2011, respetivamente. – (cfr. docs. de fls. 71 a 74 dos autos).

H)

O registo n.º RY…505PT consta nas bases de dados da AT da documentação dos CTT como recebido em 24-01-2011. – (cfr. fls. 88 do processo administrativo apenso).

I)

O registo n.º RY…276PT consta nas bases de dados da AT da documentação dos CTT como recebido em 20-01-2011. – (cfr. fls. 89 do processo administrativo apenso).

J)

Em 31-01-2011 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da ora impugnante a liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios n.º 20115000067238, relativa ao ano de 2009, no montante total de € 19.166,91, com data limite de pagamento de 16-03-2011, endereçada sob correio registado n.º RY…159PT para a R. F., n.º….., Almeirim. – (cfr. fls. 23 do processo administrativo apenso).

K)

Na mesma data a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a demonstração da liquidação de juros relativas à liquidação identificada na alínea anterior, endereçada sob correio registado n.º RY…052PT para a mesma morada. – (cfr. fls. 24 do processo administrativo apenso).

L)

Os registos identificados nas alíneas anteriores foram enviados para os CTT através das guias de expedição de correio coletivo n.º 178/2011 de 10-02-2011 e 171/2011 de 09-02-2011, respetivamente. – (cfr. docs. de fls. 75 a 78 do processo administrativo apenso).

M)

O registo n.º RY…159PT consta nas bases de dados da AT da documentação dos CTT como recebido em 11-02-2011. – (cfr. fls. 95 do processo administrativo apenso).

N)

O registo n.º RY…052PT consta nas bases de dados da AT da documentação dos CTT como recebido em 10-02-2011. – (cfr. fls. 96 do processo administrativo apenso).

O)

Em 25-05-2011 foi inscrito no Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes da AT o domicílio fiscal da ora impugnante na R. F. n.º … em Almeirim. – (cfr. fls. 80 e 82 do processo administrativo apenso).

P)

Em 01-06-2011 foi inscrito no Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes da AT o domicílio fiscal da ora impugnante na R. F., lote … em Almeirim. – (cfr. fls. 81 e 82 do processo administrativo apenso).

Q)

À data do envio das notificações das liquidações identificadas nas alíneas E), F), J) e K) o domicílio fiscal da impugnante constante do Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes da AT era a R. F., n.º 47, em Almeirim. – (cfr. docs. de fls. 51 a 65 dos autos).

R)

Em 01-09-2011, o Serviço de Finanças de Almeirim, endereçou à ora impugnante, o ofício n.º 3230, de citação para o processo de execução fiscal n.º ….090 e apenso, contra si instaurado por divida de IRS dos anos de 2008 e 2009, com a quantia exequenda de € 39.148,96, rececionado em 05-09-2011. – (cfr. fls. 99 e 100 do processo administrativo apenso).

S)

Em 19-12-2011, deu entrada neste TAF a petição inicial da presente impugnação judicial. – (cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial).

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Inexistem outros factos cuja não prova releve para a decisão a proferir”.


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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A ora Recorrente apresentou impugnação judicial contra as liquidações de IRS de 2008 e 2009 pedindo a sua anulação, com os seguintes fundamentos:
i) Falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia;
ii) Falta de notificação das liquidações de imposto;
iii) Falta de fundamentação dos actos de liquidação;
iv) Inconstitucionalidade da liquidação oficiosa (invocada em sede de alegações).

Na contestação, foi suscitada pela Fazenda Pública a questão da caducidade do direito de acção, igualmente defendida pelo Ministério Público, tendo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgado procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e em consequência absolveu a Fazenda Pública do pedido com referência às liquidações de IRS de 2008 e 2009.

Na decisão ora recorrida o Tribunal a quo considerou provadas as notificações das liquidações de IRS de 2008 e 2009 porquanto “(…) Como resulta da matéria de facto assente, as notificações das demonstrações das liquidações de imposto e de juros compensatórios, foram remetidas à impugnante, mediante carta registada, nos termos do art.º 149.º, n.º 3 do CIRS para o respetivo domicílio fiscal, declarado à data, sito na R. F. n.º….., em Almeirim.
E, com base no registo dos CTT, recolhido pela Autoridade Tributária, foi considerado que a liquidação de IRS do ano de 2008 e a respetiva demonstração dos juros compensatórios, constantes das alíneas E) e F) do probatório, foram entregues em 24-01-2011 e 20-01-2011, respetivamente.

Mais menciona que “No caso dos autos, tratando-se de liquidação oficiosa efetuada após notificação do contribuinte para proceder à sua entrega, a respetiva notificação é feita por carta registada para o domicílio fiscal declarado, nos termos dos números 1 e 3 do art.º 149.º do CIRS e art.º 39.º do CPPT, considerando-se a notificação efetuada no 3.º dia posterior ao do registo.
Como resulta do probatório, a AT juntou aos autos os registos comprovativos da expedição da notificação da liquidação do imposto e dos juros compensatórios seja relativamente ao ano de 2008 quer quanto ao ano de 2009, ou seja, cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, no sentido de demonstrar o efetivo envio das notificações em causa, as quais não foram devolvidas ao remetente.”

Para concluir que “a Fazenda Pública apresentou cópia dos documentos relativos à liquidação em causa e os dados dos registos, que indicam a data da sua emissão, o número do registo postal dessas notificações, as guias de expedição em correio coletivo, a indicação de que foi recebida e a data da sua receção. Face a este conjunto de provas produzidas, é de concluir que o registo foi efetuado e a impugnante, com grande grau de probabilidade, foi notificada.
Por outro lado, a impugnante sempre poderia ter elidido a presunção do registo, o que não fez, pois limitou-se à alegação genérica de que não recebeu as notificações em causa, sem indicar quaisquer motivos concretos que justificassem esse não recebimento.”.

E analisou a tempestividade da impugnação judicial nos seguintes termos “importa então saber se a impugnante respeitou o sobredito prazo de 90 dias, previsto no mencionado art.º 102.º do CPPT, para intentar a presente impugnação judicial.
Neste particular, há que ter em consideração que é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, que o prazo de impugnação judicial é um prazo de natureza substantiva, de caducidade e perentório, que se conta nos termos do art.º 279.º do Código Civil, aplicável ex vi art.º 20.º, n.º 1, do CPPT.
Ora, conforme resulta dos documentos constantes dos autos, quanto à liquidação de 2008, a notificação do imposto foi rececionada pela impugnante em 24-01-2011 com a indicação da data limite de pagamento de 23-02-2011, sendo este, por conseguinte, o dia a partir do qual se inicia a contagem do prazo de 90 dias para a apresentação da impugnação, conforme previsto no art.º 102.º, n.º 1 al. a) do CPPT.
Tendo a petição inicial de impugnação sido apresentada em 19-12-2011, é claro que o sobredito prazo foi largamente ultrapassado.”

Concluiu ainda pela intempestividade face ao disposto no nº 4 do art. 140º do CIRS dado “No caso particular do IRS, face ao mencionado normativo, o prazo de impugnação é, como vimos, o de 90 dias contados não a partir da data do termo do prazo para o pagamento voluntário mas a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação, estabelecendo assim o art.º 140º nº 4 do CIRS um termo inicial especial do prazo de impugnação de 90 dias para atos de liquidação de IRS.
No caso dos autos, e como resulta do probatório, a liquidação foi notificada à impugnante em 24-01-2011 pelo que o prazo de 90 dias que, em vez de contar a partir da notificação para pagamento voluntário, como estabelece a alínea a) do nº 1 do art.º 102º do CPPT, se conta a partir do 30º dia posterior àquela data, sendo este o termo inicial do prazo de impugnação.
Todavia, ainda assim, é seguro concluir, por simples operação matemática, que tal prazo foi largamente ultrapassado.
Quanto à liquidação de 2009, recebida pela impugnante em 11-02-2011, com a indicação da mesma data limite de pagamento (23-02-2011), é seguro que, também quanto a esta, face ao acima referido e por identidade de razão, o prazo foi em muito ultrapassado.”.

E acrescentou que “face à factualidade assente, não se vê qualquer possibilidade da impugnante aproveitar qualquer um dos demais prazos de impugnação previstos no n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, uma vez que o termo do prazo de pagamento voluntário das liquidações em causa ocorreu em fevereiro de 2011 e a presente impugnação foi apresentada em dezembro do mesmo ano, data em que já havia decorrido o prazo de 90 dias ali referido.
Não releva também a data da citação da impugnante pois esta foi citada na qualidade de devedora originária, sendo por isso de excluir a aplicação da al. c) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT.”

Finalmente refere-se ainda que “não estão em causa nos autos quaisquer vícios dos atos de liquidação passíveis de serem sancionados com nulidade. É certo que os atos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção da nulidade podem ser impugnados a todo o tempo, como resulta do preceituado no art.º 102.º, n.º 3, do CPPT, em consonância, aliás, com o disposto no art.º 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e também com o art.º 58.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
No entanto, os vícios de forma e de violação de lei que a impugnante imputou aos atos de liquidação impugnados não têm como consequência a nulidade do ato, mas a mera anulabilidade, conforme tem entendido a este propósito o Supremo Tribunal Administrativo que considera que por regra os vícios dos atos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade.
O que quer dizer que no caso de os vícios imputados ao ato tributário impugnado apenas determinarem a anulabilidade do mesmo, o direito de impugnação fica sujeito aos prazos estabelecidos no n.º 1 do art.º 102.º do CPPT.”.

Contra o assim decidido vem a Recorrente no presente recurso jurisdicional desde logo “impugnar toda a factualidade dada como provada”, com excepção da factualidade vertida nas alíneas O) a S), por não ter tido conhecimento dos elementos aí referidos, na medida em que “os documentos referidos não integram a contestação da Fazenda Pública notificada pelo Tribunal à recorrente e tão pouco lhe foram notificados por alguma outra forma.” (cfr. conclusões 40 e 41 das alegações).

Mais alega que “a simples referência ao registo postal e data, presumindo-se o contribuinte notificado, não pode ser suficiente para considerar a recorrente notificada, desde logo porque não conhecendo os documentos estava impedida de ilidir qualquer presunção do registo, a que acresce a falta de similitude entre o n.° .. e .. da mesma rua (…) não tendo sido notificada para apresentar a declaração de IRS em falta” (…) e que “impunha-se que a administração fiscal demonstrasse a conexão do registo postal com a notificação”, não o tendo feito (cfr. conclusões 42 a 47 das alegações).

Reitera ainda os fundamentos da impugnação judicial quanto à falta da notificação para o exercício do direito de audição prévia e quanto à falta de fundamentação dos actos de liquidação, aduzindo ainda que a liquidação oficiosa é inconstitucional.

Decidindo.

Quanto à “impugnação de toda a factualidade dada como provada”, com excepção da factualidade vertida nas alíneas O) a S), alegando a Recorrente não ter tido conhecimento dos elementos aí referidos, afirmamos desde já que a mencionada impugnação da matéria de facto está votada ao insucesso.

O artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, consagra que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.

Resulta da disposição legal acima transcrita que a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, que não sendo cumprido implica a imediata rejeição do recurso, quanto à impugnação da matéria de facto. O Recorrente tem assim de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diferente da adoptada na sentença recorrida ou o aditamento de novos factos ao probatório.

Do art. 640º do CPC decorre não ser possível formular a impugnação da matéria de facto de forma genérica, sendo que, no caso em apreço, a Recorrente limita-se a impugnar “toda a factualidade dada como provada” sem qualquer especificação e particularização, não densificando, como era seu ónus, os concretos pontos da matéria de facto que considerou incorrectamente valorados.

Face ao exposto improcede a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a factualidade constante do probatório.

Vem a Recorrente invocar que os elementos probatórios que sustentaram os factos elencados na sentença recorrida não lhe foram notificados com a contestação da Fazenda Pública.

Nos termos do art. 110º do CPPT, após a notificação da Fazenda Pública deve ser apresentada a contestação e junto o processo administrativo. Compulsados os autos verifica-se que a Fazenda Pública ao apresentar a sua contestação menciona também a junção do processo administrativo constituído por 105 folhas (como consta de fls. 21 do suporte físico).

Mais resulta ter a Fazenda Pública na contestação suscitado a caducidade do direito de acção, invocando expressamente factualidade suportada em documentos constantes do processo administrativo. E da notificação da contestação à Recorrente consta expressamente a menção “Mais fica notificado de que se encontra junto aos autos o processo administrativo organizado nos termos do art. 111º do CPPT, podendo proceder à sua consulta em horário de expediente” (cfr. teor de fls. 28 dos autos), sendo certo que a Recorrente não respondeu à matéria de excepção.

Reafirma-se que, nos termos do art.º 110.º, n.º 4, do CPPT, o processo administrativo deve ser junto aos autos pela Fazenda Pública, aquando da apresentação da contestação, devendo ser organizado nos termos do art.º 111.º do CPPT.

Importa ainda referir o disposto no art.º 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi art.º 2.º, al. c), do CPPT, que impõe à entidade administrativa a obrigação de junção do PA.

Da conjugação destes normativos decorre que o legislador entendeu ser suficiente, para assegurar, desde logo, o respeito pelo princípio do contraditório, a notificação da junção do processo administrativo, o que in casu ocorreu.

Com a notificação de tal junção, fica o Impugnante na posse de informação sobre a disponibilidade para consulta e análise do processo administrativo para que possa examinar os documentos juntos ou apensos, para controlo da respectiva autenticidade e suficiência, estando, por essa via, assegurado o direito ao contraditório (Cfr. Ac. do TCA Sul de 07/12/2021– proc. 968/10.9BELRS).

Como se afirma no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31/05/2012 -proc. 00264/10.1BECBR: “Remetido o processo administrativo ao Tribunal, ou porque a Fazenda Pública o fez no cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou porque o juiz do processo o ordenou nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, devem todas as partes serem notificadas, com excepção da Fazenda Pública, se a hipótese de remessa tiver sido a primeira, da sua junção aos autos, por aplicação subsidiária (artigo 2.º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário) na falta de norma expressa no Código de Procedimento e de Processo Tributário o disposto no artigo 84.º, n.º 6 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. // Realce-se que a notificação é da junção do processo administrativo e não a notificação integral do processo administrativo”. (sublinhado nosso)

Destarte resulta que o teor do processo administrativo não teria de ser notificado, mas apenas a sua junção aos autos, tendo a Recorrente a faculdade de consultar o processo administrativo e, caso assim o entendesse, requerer algo nesse seguimento, o que não fez, vindo agora em sede de recurso jurisdicional invocar não ter sido notificada do teor dos documentos que sustentam a factualidade constante do probatório da sentença recorrida.

Em face do exposto improcede a alegada falta de notificação dos documentos constantes do processo administrativo.

Prosseguindo.

A Recorrente discorda ainda da decisão do Tribunal a quo com referência à validade das notificações das liquidações de IRS de 2008 e 2009, alegando para o efeito que, a AT não logrou provar as referidas notificações porquanto impunha-se a identificação do registo postal de cada uma das notificações e demonstrar a conexão do registo postal com a notificação, prova que, em seu entender, não foi feita.

Mas não lhe assiste razão como veremos de seguida.


In casu estamos perante liquidações efectuadas pelos serviços da administração tributária nos termos do art. 76º, alínea b) e nº 3 do CIRS na redacção à data, decorrentes da falta de entrega das declarações de rendimentos para efeitos de IRS dos anos de 2008 e 2009 e realizadas após a notificação da impugnante para proceder à entrega das mencionadas declarações, sem que aquela o tenha efectuado (cfr. alíneas A) a K) do probatório).

Assim a falta de apresentação atempada das declarações de rendimentos, deu origem à emissão das liquidações oficiosas de IRS respeitantes aos anos de 2008 e 2009, as quais foram notificadas através de carta registada (cfr. alíneas G) a I) e L) a N) do probatório) endereçadas para a morada R. F., …. Almeirim (cfr. alíneas E) e J) do probatório.

A sentença recorrida refere que “No caso dos autos, tratando-se de liquidação oficiosa efetuada após notificação do contribuinte para proceder à sua entrega, a respetiva notificação é feita por carta registada para o domicílio fiscal declarado, nos termos dos números 1 e 3 do art.º 149.º do CIRS e art.º 39.º do CPPT, considerando-se a notificação efetuada no 3.º dia posterior ao do registo.”, tendo ainda, face aos elementos constantes do probatório, sido entendido que a administração tributáriacumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, no sentido de demonstrar o efetivo envio das notificações em causa, as quais não foram devolvidas ao remetente” e que a impugnante “sempre poderia ter elidido a presunção do registo, o que não fez, pois limitou-se à alegação genérica de que não recebeu as notificações em causa, sem indicar quaisquer motivos concretos que justificassem esse não recebimento.”.
A Recorrente defende que a administração tributária deveria ter provado a conexão entre a notificação das liquidações e o registo postal das mesmas.
Dos elementos probatórios que suportaram os factos dados como assentes, resulta que a administração tributária logrou efectuar a conexão entre os registos postais e as notificações, porquanto constam de fls. 67 a 70 do processo administrativo, fotocópias das notas demonstrativas das liquidações de IRS e dos juros compensatórios referentes aos anos de 2008 e 2009, nas quais consta expressamente o nome da impugnante, a morada (R. F., n…., 2080-0,, Almeirim) e os números dos registos postais (RY…505PT, RY…159PT, RY…052PT e RY…276PT, respectivamente. Para além destes elementos, constam ainda as guias de expedição daqueles registos emitidas pelos CTT (cfr. documentos de fls. 73 a 78 do processo administrativo) e finalmente, constam ainda documentos nos quais se encontram identificados os números dos registos postais e a indicação de “recebido” e respectiva data (cfr. fls. 88 a 96 do processo administrativo).

Tais documentos ora expressamente mencionados, suportaram os factos assentes e elencados na sentença recorrida.

Da concatenação de todos os elementos já referidos, pode concluir-se com elevado grau de segurança, que as notificações das liquidações de IRS do ano de 2008 e respectivos juros, concretizaram-se em 24/01/2011 e 20/01/2011, respectivamente, e a notificação das liquidações de IRS de 2009 e respectivos juros ocorreu a 11/02/2011 e 10/02/2011, respectivamente.

Cumpre apenas referir que a impugnante não logrou ilidir a presunção prevista no nº 2 do art. 39º do CPPT porquanto em sede de impugnação judicial limita-se a invocar não ter sido notificada, e agora em sede de recurso alega que a Fazenda não provou a notificação, mencionando de forma vaga e genérica “a substituição frequente de distribuidores de correspondência para a mesma zona de distribuição postal”.

Atentas as datas das notificações das liquidações acima mencionadas, importa agora decidir se a apresentação da petição de impugnação judicial em 19/12/2011 é tempestiva ou não.

De acordo com o disposto no art. 140º, nº 4, alínea a) do CIRS (na redacção à data), os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação. E o art, 102º do CPPT (na redacção à data) consagrava que a impugnação seria apresentada no prazo de 90 dias.

Resta apenas referir que os vícios invocados pela impugnante e imputados aos actos tributários são determinantes da sua anulabilidade, não sendo passíveis de nulidade, razão pela qual não é aplicável o disposto no nº 3 do art. 102º do CPPT.

Assim, da conjugação dos artigos 140.º nº 4, alínea a) do CIRS (na redacção à data), e 102.º n.º 1 do CPPT, resulta que o prazo para deduzir a impugnação judicial contra a liquidação oficiosa de IRS por falta de entrega da respectiva declaração de rendimentos é de 90 dias, contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.

Ora no caso concreto, tendo sido provado que a notificação das liquidações de IRS de 2008 e 2009 e respectivos juros, ocorreu a 24/01/2011, 20/11/2011, 11/02/2011 e 10/02/2011 respectivamente, e, tendo a petição de impugnação judicial sido apresentada a 19/12/2011, conclui-se ser esta intempestiva.

Destarte consideramos que a sentença recorrida não merece qualquer censura sendo de manter na ordem jurídica.

Fica assim prejudicado o conhecimento, em substituição, dos fundamentos invocados na impugnação judicial, a saber, a falta de notificação para o exercício do direito de audição prévia, a falta de fundamentação dos actos de liquidação, bem como a inconstitucionalidade da liquidação oficiosa porquanto “a intempestividade do meio processual em causa impede a discussão, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso” (cfr. Ac. STA de 14/10/2020 – proc. 01/18.2BEPDL).

Desta forma confirma-se a decisão de procedência da excepção peremptória de caducidade do direito de acção, negando-se provimento ao recurso.
* * *
DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 18 de Maio de 2023

Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto