Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:392/10.3BELRA
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.615, Nº.1, AL.C), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVE BASEAR-SE NUM RESULTADO RACIONALMENTE SUSTENTADO.
REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA.
PROCEDIMENTO DE CONSULTA, RECOLHA E CRUZAMENTO DE ELEMENTOS.
ARTº.63, Nº.3, DA L.G.T.
LIMITAÇÃO DOS PODERES DE FISCALIZAÇÃO DA A. TRIBUTÁRIA.
REPETIÇÃO DE UM PROCEDIMENTO EXTERNO DE FISCALIZAÇÃO.
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA.
ARTº.60, DA L.G.T.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO-TRIBUTÁRIO.
REQUISITOS.
ARTº.37, DO C.P.P.T.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO.
C.I.V.A. OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
DEDUÇÃO E REEMBOLSO DE I.V.A. NOÇÃO.
ARTº.19, Nº.3, DO C.I.V.A.
ÓNUS DA PROVA NO ÂMBITO DO ARTº.19, Nº.3, DO C.I.V.A.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.

4. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Como decorre do texto legal, só releva, para efeito desta nulidade, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.

5. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

6. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

7. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

8. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.

9. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

10. O Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado.

11. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).

12. Do exame do artº.29, do R.C.P.I.T., deve concluir-se que a A. Fiscal, no âmbito do procedimento de inspecção, e ao abrigo dos princípios da colaboração e do contraditório (cfr.artº.45, do C.P.P.T., artº.8, do R.C.P.I.T., e artº.59, da L.G.T.), pode solicitar aos contribuintes que forneçam informações e documentos relevantes para, designadamente, comprovar a veracidade dos valores inscritos nas declarações fiscais apresentadas.

13. De acordo com o regime do procedimento de inspecção tributária consagrado no R.C.P.I.T., é possível haver acções de inspecção para efeitos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, como decorre, designadamente, do seu artº.46, nº.4, al.a), norma que, inclusivamente, prevê a dispensa de emissão de Ordem de Serviço nestes casos. Este procedimento de consulta, recolha e cruzamento de elementos, nos termos do artº.14, nº.2, do R.C.P.I.T., é reputado de "procedimento parcial", tendo em conta o seu âmbito.

14. O artº.63, nº.3, da L.G.T. (actual nº.4) introduziu uma importante limitação dos poderes de fiscalização da A. Tributária, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação do novo procedimento.

15. De acordo com a norma em exame, apenas em situações excepcionais é possível inspecionar novamente o mesmo sujeito passivo quanto ao mesmo imposto e período de tributação, a saber:
a-Verificando-se a ocorrência de “factos novos”;
b-Tendo por objectivo a confirmação dos pressupostos de direitos que o sujeito passivo invoca perante a Administração tributária;
c-Quando a inspecção ou inspecções efectuadas visem terceiros com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas.

16. Deverão considerar-se como “factos novos”, para efeito do preceito sob exame, aqueles que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a este normativo, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes. Pelo contrário, não podem considerar-se “factos novos” aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de fiscalização na anterior acção fiscalizadora.

17. O examinado artº.63, nº.3, da L.G.T. (actual nº.4), direcciona-se para situações de fiscalização "stricto sensu", na medida em que faz referência à irrepetibilidade do "procedimento externo de fiscalização" e não do procedimento de inspecção em sentido amplo. Aliás, basta atentar na letra da norma, na qual o legislador faz uma primeira referência ao "procedimento da inspeção e os deveres de cooperação", mas que, para efeitos de irrepetibilidade, se refere claramente ao "procedimento externo de fiscalização". Por outras palavras, a lei apenas proíbe a existência de mais do que um procedimento de fiscalização externo, quanto ao mesmo sujeito passivo, período e imposto.

18. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).

19. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor).

20. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.

21. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.

22. O artº.37, do C.P.P.T., somente compreende os casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado. Só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências da mesma notificação, nada tendo a ver com o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do artº.37, do C.P.P.T., a A. Fiscal apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. O acto notificado tem o conteúdo que tem independentemente da notificação, e podem-lhe ser imputados todos os vícios de que enferme, independentemente de ser adequadamente notificado ou não. Assim, não é aplicável este regime quando as deficiências não são da notificação, mas sim do próprio acto notificado. Isto é, este regime de sanação de deficiências aplica-se aos casos em que o acto notificado contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respectiva notificação, visto que são coisas diferentes o acto de notificação e o acto notificado.

23. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.

24. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.

25. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.

26. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.

27. Diz-nos o artº.19, nº.3, do C.I.V.A., que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente. Se a operação ou o preço são simulados não é admitido o direito à dedução do I.V.A. respectivo a fim de se não obter a dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo. Mais se dirá que o utilizador da factura falsa que pagou o I.V.A. ao respectivo emitente não tem direito a deduzi-lo nos termos do preceito em exame, devendo interpretar-se a expressão “operação simulada” como querendo referir-se a qualquer operação total ou parcialmente inexistente.

28. No âmbito do artº.19, nº.3, do C.I.V.A., a decisão correctiva tem de assentar em “indícios fundados”, não se impondo, como ónus probatório, à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam. Bastam indícios fundados (tanto externos, obtidos junto dos emitentes das facturas, como internos, colhidos junto do contribuinte) para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte consagrada no artº.75, nº.1, da L.G.Tributária, de verdade e boa-fé das declarações pelo mesmo emitidas. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova. Efectuada esta prova, passa então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transacção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"C………. - CENTRO ……………………………, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.403 a 474 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente visando liquidações adicionais de I.V.A. e respectivos juros compensatórios, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007 e no montante total de € 728.002,98.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.509 a 589 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-As liquidações impugnadas padecem de obscuridade pois a recorrente não compreende como porque as correcções se cingem às aquisições às empresas E…………….., R…………… e G………………e não atingem as operações com as empresas JOSÉ …………….., F. J………… & FILHO LDA, LUIS …………& FILHOS LDA, C………. E …… LDA;
2-Para o Fisco todas as operações rema falsas, mas corrige apenas algumas delas, sem se compreender o critério assumido;
3-A Administração demite-se inclusivamente de investigar as outras empresas, referindo as relações da recorrente com as mesmas apenas para tentar lançar dúvida sobre a sua actividade;
4-A sentença recorrida, comete omissão de pronúncia pois: não se pronuncia sobre as questões levantadas pela ora recorrente sobre as empresas C…………. LDA, ……………., C ……….., JOSÉ ……………, F. J. ……….. & FILHO LDA, LUIS ………… & FILHOS LDA, C…………. E C…………. LDA, e ao invés tenta justificar a inexistência de correcções às operações com as empresas M………….. ou M………..C………. pelo facto de as operações com as mesmas se reportarem a um exercício abrangido pela caducidade;
5-A recorrente não contesta a não existência de correcções em relação às operações realizadas com M………….. ou M………..C……….;
6-Mais, caso o Fisco tivesse cumprido o dever da descoberta da verdade material e tivesse investigado as relações da recorrente com as referidas empresas teria verificado que os negócios com as demais são reais, pois tais empresas posicionam-se a jusante do circuito comercial com E………………, R…………. e G…………….;
7-Destarte é por demais evidente a obscuridade do critério de correcção o que deverá conduzir à anulação da sentença recorrida e das liquidações, por violação do disposto no art. 77.º da LGT e do art. 125.º do CPA e do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material;
8-A sentença recorrida e as liquidações impugnadas são também ilegais por violação frontal do princípio do ónus da prova, previsto no n.º 1 do art. 74.º da LGT, segundo o qual, a prova de factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque;
9-Quando estejam em causa actos simulados, conforme refere a sentença recorrida e muito bem, a jurisprudência dos Tribunais nacionais tem entendido que não cabe porém, à Administração Fiscal provar a simulação, bastando-lhe provar a existência de indícios da simulação;
10-Sucede porém, que in casu o Fisco não faz prova para o que alega: a Administração Fiscal não prova nem indícios, nem simulação!
11-A Administração Fiscal não junta, nem com o RIT notificado à recorrente como fundamentação das liquidações impugnadas, nem com o processo administrativo junto aos autos qualquer elemento de prova;
12-A Sra. Juiz de Direito do Tribunal ad quo aceita e dá por provado tudo quanto o Fisco invoca no RIT sem um único documento de suporte, sem uma única prova testemunha;
13-No entender do Tribunal ad quo basta ao Fisco alegar indícios - não factos para os mesmos serem automaticamente dados por provados;
14-A situação assume ainda maior gravidade quando a quase totalidade dos supostos indícios se reportam não à recorrente mas à actividade de outros sujeitos passivos;
15-A sentença recorrida sabe que o Fisco não prova, mas mesmo assim deixa passar a omissão;
16-Donde, a factualidade e indícios dados por provados pela sentença recorrida deverão ser considerados não provados, o que deverá conduzir à anulação da decisão ora em crise e das liquidações que mantém, por violação do princípio do ónus da prova, previsto no art. 74.º n.º 1 da LGT;
17-Para além disso nos procedimentos das liquidações impugnadas foi violado o direito de audição prévia da recorrente previsto no art. 60.º da LGT:, não foi concedido à recorrente um verdadeiro direito de audição antes das liquidações impugnadas;
18-A notificação do projecto de relatório de correcções remetido à recorrente não lhe permitia o exercício de um direito substancial, pois expunha factos mas não era acompanhado de qualquer documento que permitisse aferir ou sindicar as alegações do Fisco;
19-O Fisco apresentou à recorrente meros juízos conclusivos baseados em elementos que a recorrente não dispõe, nunca viu, ou sequer sabe se na realidade existem, pois reportavam-se a outros contribuintes;
20-E não se trata de esquecimento ou lapso no envio de qualquer documento, pois pelo índice do documento verifica-se que o mesmo não compreendia anexos;
21-A Administração Fiscal não só não prova o alegado como, bem mais que isso, impede a recorrente de sindicar as correcções;
22-A sentença recorrida, não reconhece tal vício e indica que, caso o projecto de relatório não contivesse anexos a recorrente deveria tê-los pedido, nos termos do art. 37.º do CPPT;
23-A referida decisão entra assim em total contradição com o expendido na decisão recorrida sobre a violação do ónus da prova;
24-Se a sentença considera que o Fisco não tem que provar os indícios, bastando relata-los: porque motivo teria que enviar quaisquer outros elementos à Recorrente nos termos do art. 37.º do CPPT?
25-Ou o relatório chega e nada mais havia que remeter à recorrente, ou não chega e a recorrente até dispunha do direito de pedir mais elementos;
26-Mais, sabendo o Tribunal ad quo que do processo administrativo não consta qualquer elemento de prova, sendo o mesmo constituído apenas pelo relatório de inspecção que outros elementos poderia a recorrente solicitar ao Fisco e serem-lhe fornecidos por este último para complementar o direito de audição? Nenhuns;
27-Novamente a sentença recorrida entra em clara contradição, na medida em que assume que, por um lado, o projecto de decisão não continha todos os elementos, e por outro que a recorrente podia pedir para lhe serem notificados os elementos que não existiam sequer no processo administrativo!
28-Pelo que, a decisão recorrida é também ilegal por contradição e violação do disposto no art. 60.º da LGT, o que deverá conduzir igualmente à sua anulação, bem como das liquidações impugnadas;
29-E note-se que o disposto no n.º 1 do art. 37.º do CPPT, nem sequer seria aplicável in casu, pois a norma não se aplica aos casos de omissão de prova;
30-Conforme indica Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, Àreas Editora, 2006, I volume, a referida norma apenas se aplica aos casos de falta de fundamentação e indicação dos meios de reacção e da indicação da entidade que praticou o acto e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências;
31-Donde, também pelo referido a decisão recorrida deverá ser alvo de anulação, bem como as liquidações que mantém;
32-Mais a decisão recorrida e as liquidações que mantém são também ilegais, pois estas últimas decorrem de um procedimento de inspecção que incidiu em segunda inspecção sobre os mesmos factos, impostos e exercícios, em clara violação do disposto no art. 63.º n.º 3 da Lei Geral Tributária;
33-No caso vertente o procedimento de inspecção externo na sequência do qual foram operadas as presentes correcções é ilegal pois foi o segundo realizado à recorrente aos exercícios de 2005 a 2007, a IRC e IVA;
34-Em 2007 a recorrente foi alvo de um procedimento de inspecção externo, a IRC e IVA, aos exercícios de 2004 a 2007, que embora sob a égide de procedimento de cruzamento e recolha de dados incidiu sobre: extractos de contas de fornecedores de 2004 a 2007, em especial M……………., R…………….., M……….. C…………, E…………. e G…………….; dossiers fiscais de 2004 a 2007; relações de cheques; elementos de vários clientes; balancetes do razão; cópias de facturas; respostas a pedidos de esclarecimentos; fotocópias das facturas para exportação; existências;
35-Donde as presentes correcções e liquidações impugnadas deverão ser alvo de anulação integral, por violação do disposto no art. 63.º n.º 3 da LGT, em virtude da acção de inspecção de 2007 não ter sido autorizada pelo Director Geral dos Impostos;
36-A sentença recorrida invoca que “No caso, sendo certo que houve um procedimento para recolha de elementos relativos aos exercícios em causa, este foi um mero procedimento de recolha de informação, não se destinando a qualquer imposto em específico.” pelo que não houve duplicação dos procedimentos de inspecção;
37-Porém, falece qualquer razão à decisão recorrida, pois se a inspecção efectuada em 2007 fosse um mero cruzamento de dados singelo, teria havido apenas cruzamento com um ou outro fornecedor e não um pedido generalizado de dados;
38-Para além de que o Fisco nunca revelou o que cruzou e com quem;
39-Conforme depoimento da 1.ª testemunha, o Fisco levou pastas com documentação para analisar e andou meses a fazê-lo;
40-Ora, tal manifestamente não configura um mero cruzamento de dados mas um acção de inspecção externa completa;
41-É claro que o procedimento de 2007 não visava um imposto específico: o procedimento de inspecção realizado em 2007 não foi de âmbito parcial, mas geral ou seja, abrangeu todos os impostos - conforme art. 14.º n.º 1 al. a) do RCPIT;
42-O procedimento de inspecção externa de 2009, de onde resultam as liquidações impugnadas, volta a incidir sobre o IRC e o IVA da impugnante;
43-Mais veja-se o motivo invocado pelo Fisco para a acção de inspecção as aquisições às empresas M……………..M……….C……….., E…………, R………… e G……………..(pág. 7 do Relatório de Inspecção);
44-E note-se que os elementos da recorrente referidos no Relatório foram os tais cruzados em 2007!
45-Donde, não podem existir dúvidas que a recorrente foi alvo de 2 procedimentos de inspecção externa a IRC e IVA nos anos de 2005, 2006 e 2007, o que só poderá conduzir à anulação integral da decisão recorrida e das liquidações impugnadas;
46-Para além do mais a decisão recorrida em ainda ilegal ao erradamente valorar a prova dos depoimentos das testemunhas;
47-A decisão recorrida apenas de indicar que confiou no depoimento das primeiras 3 testemunhas inquiridas desvaloriza-os e omite muitos factos com relevância para o processo provados pelas mesmas;
48-Para além disso, desconsidera os depoimentos das 4.ª e 5ª testemunhas inquiridas por parcialidade, quando na sua generalidade os mesmos são totalmente consentâneos com todas a documentação junta aos autos e com os depoimentos das outras testemunhas;
49-Donde a matéria de facto dada por provada deve ser corrigida, conforme exposto pela recorrente;
50-Conforme consta dos elementos de prova, as transacções da recorrente com as empresas do Sr. JOÃO ……………….., R…………… e G……………são reais;
51-A impugnante vendeu 6.000.000,00 € de chapa, mosaicos e ladrilhos, de mármore, entre 2004 e 2007 - o que a sentença recorrida assume e não contesta;
52-Porém, comprava as bancadas na pedreira por extrair e blocos de pedra com toneladas - depoimento das 2 primeiras testemunhas;
53-É assumido por 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª testemunha que a recorrente nada percebia do negócio dos mármores e que era o Sr. JOÃO ................., através das empresas que representava, que orientava e controlava a extracção da pedra, o corte, polimento e que angariava os clientes;
54-Em especial a 2.ª testemunha, que se assumiu como um fornecedor de pedra da recorrente atesta que o SR. JOÃO ................. através das respectivas empresas, controlava a extracção, transportava e cortava, serrava e polia as pedras para a recorrente;
55-A 3.ª testemunha assumiu que trabalhou para as empresas do Sr. JOÃO ................. onde cortava, serrava e polia as pedras. Mais assumiu que essa empresa trabalhava para a recorrente;
56-A 1.ª testemunha atestou que conhecia o circuito documental e o relacionamento comercial com o Sr. JOÃO ................. com a recorrente, pelos pagamentos realizados, intervenção do mesmo perante os clientes e pelos trabalhos efectuados;
57-Mais, conforme tal testemunha declarou, a recorrente não tinha outros fornecedores de trabalho de serração, corte, polimento, etc. que possibilitassem transformar a pedra vendida pela recorrente;
58-A recorrente não teria conseguido realizar as vendas de mercadorias que alcançou em 2005, 2006 e 2007 sem as referidas aquisições de bens;
59-A actividade da recorrente não existia sem o Sr. JOÃO .................;
60-A recorrente era totalmente autónoma das empresas E................., R................. e G................. o que nem a sentença recorrida contesta e assume;
61-Para a recorrente E................., R................. e G................. era tudo a mesma coisa - empresas do Sr. JOÃO .................;
62-A recorrente comprava ao Sr. JOÃO ................. através da empresa que ele utilizasse para o efeito;
63-Os depoimentos das 4.ª e 5.ª testemunhas, embora pudessem ser ouvidos com reservas, explicaram, nessa parte sem contradições, como o negócio entre as empresas surgiu e o posicionamento de cada uma no circuito económico, correspondendo ao relatado pelas restantes 3 testemunhas inquiridas nos autos;
64-A recorrente esteve do boa fé e saiu muito prejudicada com os negócios com o Sr. JOÃO ................., pois as respectivas empresas ficaram a dever-lhe dinheiro. Mas a recorrente esteve refém do mesmo pois era ele que dominava o produto, o circuito de produção e que tinha os clientes;
65-Os factos relatados e nada mais pelo Fisco como indícios de que as empresas do Sr. JOÃO ................. não existiam são falsos, deturpados e incorrectos;
66-TERMOS EM QUE REQUER A ANULAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA E DAS LIQUIDAÇÕES IMPUGNADAS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.603 a 608 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.613 e 616 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.407 a 459 dos autos):
1-Entre 2005 e 2007, o capital social da sociedade impugnante era detido pelas sociedades “J. S..... & Filho, SA.”, “J…… ……, Lda” e “A………… Soc. Agrícola e .a, Lda”, tal como por Joaquim ………………….. e Dina …………………. (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
2-Joaquim ……………….. estava registado, no sistema informático da DGCI, com indicação de ter cargo de administrador / gerente das sociedades referidas no nº.1, pelo menos até 19/12/2008, exceto no caso da sociedade “A..................... Soc. Agrícola e …………, Lda.”, onde o registo data até 2006 (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
3-Até 2004, a impugnante tinha como objeto social o comércio e transformação de carnes (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
4-Em 2004, foi alterada a atividade principal da impugnante para comércio de equipamentos e materiais para a construção civil e construção civil, indicando, como atividades secundárias, aluguer de espaços, comércio de produtos e equipamentos agropecuários, transportes rodoviários nacionais e internacionais de mercadorias e logística, distribuição e armazenagem de mercadorias (cfr.documento junto a fls.105 a 107 dos presentes autos; relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
5-Em novembro de 2006, a impugnante ampliou o seu objeto social, passando a abranger a extração de mármores e outras rochas carbonadas (compra, arrendamento e exploração de quaisquer tipos de pedreiras) e extração de saibro, areia e pedra britada/ compra, arrendamento e exploração de quaisquer tipos de inertes (cfr.documento junto a fls.108 a 110 dos presentes autos; relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
6-Desde momento não concretamente apurado, mas anterior a 2004, João ................. e Joaquim ……………......., este, então, gerente da impugnante, tinham relações de cariz comercial, pelo menos através da sociedade A..................... (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso; depoimentos das testemunhas João ……………................, a pessoa sempre referida como tendo ligações ou sendo o representante dos fornecedores de bens ou das prestações de serviços titulados pelas faturas postas em crise e que deram origem às liquidações impugnadas, e Joaquim …………....., o então gerente da impugnante, ambos tendo confirmado o que já decorria do relatório de inspeção tributária nesse sentido);
7-João ................. tem, desde 1990, ligações a várias sociedades, cujo objeto social se relaciona com o negócio da extração, transformação e comercialização de mármores (cfr.decorre do RIT que, desde 1990, João ................. surgia como administrador da sociedade B……… Exportação ………….., o que está em consonância com o depoimento prestado pelo próprio João .................. Do teor do RIT, a par das declarações prestadas pelas testemunhas João ……….................. - com a razão de ciência já referida - Joaquim ……………… - com a razão de ciência já referida - e Jorge ……………, industrial de mármores, que teve relações profissionais com a impugnante, resulta a existência desta ligação. Não resultou provada com segurança a natureza desta ligação, porquanto os testemunhos foram contraditórios, referindo João ….................. que por vezes atuava como gerente de direito e/ou de facto e por vezes como mero comercial, enquanto que as demais testemunhas não fazem tal destrinça);
8-A impugnante contabilizou a aquisição de bancadas de mármore no exercício de 2005, designadamente na sequência de contrato celebrado com a sociedade F.J. …….. e/ou C………., Lda (cfr.teor do RIT, em consonância com o depoimento de Jorge …………….., industrial de mármores, nas sociedades "Luís …………… & Filhos, Lda.", "C………., Lda." e "C………., Lda.", que teve relações profissionais com a impugnante, e que confirmou a contratualização em causa);
9-As bancadas de mármore constituem um volume grande de matéria prima por extrair - vários cortes ou um piso completo - e que deve ser extraída num determinado espaço de tempo, que pode ser condicionado por fatores exteriores, designadamente de clima, sendo que a compra de uma bancada tem, em regra, associados pagamentos feitos de forma deferida no tempo (cfr.depoimentos de João ………................, Joaquim …………….... e Jorge …………………., com a razão de ciência já referida e congruentes em termos de descrição do funcionamento do setor, resultou clara a definição de bancada e a forma de funcionamento da extração e contratualização, feita, em geral, no setor. Não foi clara a forma de pagamento ou a forma como são definidos os vários pagamentos, dado que, enquanto Jorge ………………… referiu que o valor é dividido pelo número de meses previsto para a extração da pedra, Joaquim ……………...... refere que grande parte do valor era pago com a contratualização, sendo o demais feito de forma deferida em 7 ou 8 meses);
10-A impugnante apresentou, junto da Administração Tributária, vários pedidos de reembolso de IVA, designadamente entre 2004 e 2007 (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
11-Na sequência do referido no nº.10, a impugnante forneceu à AT elementos documentais, entre 2004 e 2007 (cfr.documentos juntos a fls.115 a 123 e 175 a 187 dos presentes autos);
12-A impugnante foi objeto de procedimento de inspeção, com objetivo de consulta, recolha e cruzamento de elementos, conforme despachos n.ºs ………….., para os exercícios compreendidos entre 2003 e 2006, e ……………, para o exercício de 2007, cujas cópias foram entregues à impugnante, na pessoa da sua diretora financeira, a 16/07/2007 (cfr.documentos juntos a fls.124 e 125 dos presentes autos);
13-De ofício da impugnante, datado de 18/07/2007, dirigido à AT, consta designadamente o seguinte:

«Texto no original»

14-De ofício da AT, datado de 14/09/2007, dirigido à impugnante, por referência aos despachos identificados no nº.12, foi efetuado um pedido de informações e esclarecimentos (cfr.documento junto a fls.126 a 129 dos presentes autos, cujo teor se dá integralmente por reproduzido);
15-A impugnante foi objeto de ação de fiscalização, em cumprimento das Ordens de Serviço nºs. …………. e ……, pela Direção de Finanças de Leiria (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
16-Da ação de fiscalização referida no nº.15 resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 19 de agosto de 2009, do qual consta designadamente o seguinte:
“(…)

Texto no original
(…)
17-Foram emitidas, pela Administração Fiscal, em nome da impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, tendo como data limite para pagamento voluntário o dia 30/11/2009 e sendo no montante global de € 728.002,98:
(…)
(cfr.documentos juntos a fls.52 a 104 e 170 dos presentes autos);
18-A presente impugnação deu entrada neste Tribunal, através de envio de correio electrónico, a 01/03/2010 (cfr.teor de comprovativo de entrega de documento junto a fls.2 do processo).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dão-se como não provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:
A) João ................., entre 2005 e 2007, através das empresas E................., R................. e G................., forneceu à impugnante bancadas e/ou blocos de pedra mármore, trabalhou-os, cortando, serrando, polindo e engastalhando-os (embalando­os) e angariou clientes (a prova testemunhal produzida não se revelou suficientemente convincente e esclarecedora. Com efeito, no que respeita à testemunha Ana ……………, diretora financeira do "grupo S.....", no qual se integra a impugnante, tendo trabalhado com a impugnante entre 2004 e 2010, o seu conhecimento é sobretudo do circuito documental, circuito esse que não foi posto em causa, sendo sim posta em causa, no Relatório de Inspeção Tributária, a efetividade das operações tituladas por esses documentos. Os depoimentos das testemunhas João ………….................., a pessoa sempre referida como tendo ligações ou sendo o representante dos fornecedores de bens ou das prestações de serviços titulados pelas faturas postas em crise e que deram origem às liquidações impugnadas, e Joaquim ………......., o então gerente da impugnante, não oferecem a imparcialidade que é necessária, para efeitos de valoração da prova; não obstante, limitaram-se a afirmar que as operações em causa foram reais, sem que isso fosse consubstanciado em factos concretos. A maior concretização foi em relação à sociedade R................., mas ainda assim a contradição dos depoimentos, aliada à falta de imparcialidade já referida, não permitiu ao tribunal formar uma convicção no sentido da efetividade dos fornecimentos; com efeito, desde logo, não resultou clara a intervenção de João ................. nessa sociedade, uma vez que o mesmo claramente refere que se quis afastar do negócio, enquanto sócio, porque viu que o mesmo não tinha viabilidade e que a sociedade Mármores Cabanas tinha dificuldade em continuar, mas que, ainda assim, quis permanecer como comercial da referida sociedade R.................; já a testemunha Joaquim …………....... refere que era o João ................. que "encabeçava" a R.................. Por outro lado, a testemunha Jorge ……………….., industrial de mármores, que teve relações profissionais com a impugnante, refere que "tem ideia" de que João ................. fosse prestador de serviços à …….., sem entrar igualmente em detalhe que se revele prova suficiente do alegado. Finalmente, o depoimento da testemunha Agnelo ………………, ex-trabalhador da ………. e de João ................. (testemunha que não foi indicada à factualidade em causa, mas sem prejuízo do princípio da aquisição processual, previsto no art.º 515.º do CPC), não foi suficientemente esclarecedor, porquanto referiu, com efeito, que passou a desempenhar funções na … desde 2008, que antes trabalhava para o João ................. e que conhecia Joaquim …………… de o ver passar no local onde trabalhava mensalmente, mas não esclareceu minimamente que tipo de relação existia entre a C....... e João ................. ou as empresas emitentes das faturas que foram desconsideradas).
B) Joaquim ………………… assumia parte do risco do negócio ao adquirir a matéria-prima e a fazer adiantamentos a João ................. para que este pudesse trabalhar, ficando com uma margem do negócio, como intermediário (a prova feita limitou-se aos depoimentos dos dois intervenientes no negócio testemunhas João …………................. e Joaquim ………………....... - o que retira isenção e imparcialidade, para efeitos de valoração do mesmo. Por outro lado, os próprios depoimentos relevaram-se contraditórios, sendo que, enquanto que Joaquim ……… refere a existência de margem de João ................., este refere a inexistência de qualquer margem, que o ganho dele viria exclusivamente de um rappel futuro).
C) João ................. tinha uma considerável carteira de clientes no mercado do mármore, designadamente clientes estrangeiros, libaneses e sauditas (a prova feita limitou-se aos depoimentos de João ………..................., a pessoa sempre referida como tendo ligações ou sendo o representante dos fornecedores de bens ou das prestações de serviços titulados pelas faturas postas em crise e que deram origem às liquidações impugnadas, e Joaquim ..………….., o então gerente da impugnante, o que retira isenção e imparcialidade, para efeitos de valoração do mesmo e se revela insuficiente para efeitos de convicção do Tribunal).
*
Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal assentou na prova documental e testemunhal produzida, conforme indicado em cada um desses factos…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
19-Nos anos de 2005 a 2007 a sociedade impugnante, "C……….. - Centro ……………………, S.A.", com o n.i.p.c. ………….., era sujeito passivo de I.V.A., enquadrado no regime normal e mensal (cfr.relatório de inspecção constante a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
20-A desconsideração das facturas identificadas no nº.16 da matéria de facto e emitidas pelas empresas “E.................”, “R.................” e “G.................”, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007 e contendo I.V.A. deduzido no montante global de € 651.969,33, baseou-se no artº.19, nº.3, do C.I.V.A., visto que a A. Fiscal concluiu que as mesmas resultavam de operações simuladas (cfr.relatório de inspecção junto a fls.1 a 91 do processo administrativo apenso);
21-Os despachos identificados no nº.12 da matéria de facto supra exarada foram realizados ao abrigo do artº.46, nºs.4 e 5, do R.C.P.I.T., sendo que os procedimentos de inspecção em causa não se destinavam a nenhum imposto específico (cfr.documentos juntos a fls.124 e 125 dos presentes autos);
22-No âmbito da acção de fiscalização identificada no nº.15 supra, a sociedade impugnante foi notificada, através de carta registada em 27/07/2009, com vista ao exercício do direito de audição, tendo-se fixado em quinze dias o prazo para o mesmo (cfr.documento junto a fls.92 do processo administrativo apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, devido ao decaimento dos respectivos fundamentos, mais julgando válidos os actos de liquidação objecto do processo (cfr.nº.17 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia, pois não se pronuncia sobre as questões levantadas pela ora recorrente sobre as empresas BENTO …………, C………….., JOSÉ ……………….., F. J. ……….. & FILHO LDA., LUIS ……………… & FILHOS LDA., C................ E C................ LDA. (cfr.conclusão 4 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Analisemos se a sentença recorrida sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.362 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
Revertendo ao caso dos autos, pode concluir-se, seguramente, que as relações comerciais entre a sociedade impugnante e as empresas mencionadas pelo recorrente (cfr.as sociedades “Bento ………..”, “C………..”, “José …..................”, “F.J. C................ & Filho, L.da.”, “Luís .............. & Filhos, L.da.”, “C................” e “C................, L.da.”), nenhum relevo têm no exame e decisão dos presentes autos. Assim é, dado que, e desde logo, as ditas relações não constituem causa de pedir estruturante do articulado inicial do presente processo. Recorde-se que na p.i. junta a fls.8 a 51 do processo, o apelante apenas menciona algumas destas sociedades nos artºs.111, 115, 118 e 232 do mesmo petitório, não consubstanciando tais menções qualquer causa de pedir estruturante da impugnação deduzida. Por outro lado, também no relatório da inspecção tributária fundante das liquidações objecto do presente processo a menção a tais sociedades é acessória e sem nenhum relevo quanto à factualidade fundante dos actos tributários aqui em equação (cfr.facturas identificadas no nº.16 da matéria de facto e emitidas pelas empresas “E.................”, “R.................” e “G.................”, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007 e contendo I.V.A. deduzido no montante global de € 651.969,33).
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia sobre qualquer questão (nos termos configurados acima) suscitada nos articulados e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
Defende o recorrente, igualmente, que a decisão recorrida refere que, caso o projecto de relatório não contivesse anexos o apelante deveria tê-los pedido, nos termos do artº. 37, do C.P.P.T. Que a sentença do Tribunal “a quo” entra em clara contradição, na medida em que assume que, por um lado, o projecto de decisão não continha todos os elementos e, por outro, que o apelante podia pedir para lhe serem notificados os elementos que não existiam, sequer, no processo administrativo (cfr.conclusões 22 a 28 do recurso), pretendendo assacar à decisão do Tribunal "a quo", supomos, o vício de nulidade devido a contradição na sua fundamentação.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Como decorre do texto legal, só releva, para efeito desta nulidade, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14).
No caso “sub judice”, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Concretizando, a decisão recorrida não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela improcedência da impugnação deduzida, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido, chegando o Tribunal “a quo” à conclusão de que os vícios carreados pelo ora recorrente para o processo no articulado inicial não vingam.
Por outro lado, não vislumbra este Tribunal que padeça a sentença recorrida de qualquer contradição na sua fundamentação (a qual, como se vincou, a existir não gera qualquer nulidade da respectiva peça processual), não consubstanciando qualquer incoerência o facto de a decisão do Tribunal “a quo” fazer menção (cfr.fls.68 da sentença /fls.470 do processo) à não existência de anexos ao relatório da inspecção tributária e, por outro lado, à utilização do mecanismo legal de suprimento de deficiências de notificação previsto no artº.37, do C.P.P.T. E recorde-se que no mesmo parágrafo a sentença recorrida conclui pela devida fundamentação do mesmo relatório da inspecção tributária.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico (obscuridade; contradição) na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
O apelante discorda do decidido aduzindo, igualmente e em síntese, que a sentença do Tribunal “a quo” valora, erradamente, a prova constante dos depoimentos testemunhais produzidos. Que apenas valorizou o depoimento das primeiras 3 testemunhas inquiridas, apesar de omitir muitos factos, com relevância para o processo, resultantes dos mesmos depoimentos. Que desconsidera os depoimentos das 4.ª e 5ª testemunhas inquiridas devido a parcialidade, quando os mesmos depoimentos são totalmente consentâneos com todas a documentação junta aos autos e com os depoimentos das outras testemunhas. Que a matéria de facto provada deve ser corrigida. Que a recorrente nada percebia do negócio dos mármores e que era o Sr. João ................., através das empresas que representava, que orientava e controlava a extracção da pedra, o corte, polimento e que angariava os clientes da apelante. Que a apelante não tinha outros fornecedores de trabalho de serração, corte e polimento, os quais possibilitassem transformar a pedra por si vendida. Que a recorrente não teria conseguido realizar as vendas de mercadorias que alcançou em 2005, 2006 e 2007, sem as referidas aquisições de bens. Que as transacções da recorrente com as empresas E................., R................. e G................. são reais (cfr.conclusões 46 a 63 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada, e menciona os pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc. 7396/14; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc.1770/06.8TVLSB-B.L1-2).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
O Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285).
No caso concreto, o apelante põe em causa o exame da prova testemunhal produzida em 1ª. Instância, visando a modificação da matéria de facto no sentido de considerar reais as transacções havidas com as empresas “E.................”, “R.................” e “G.................”, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, facturas desconsideradas pela A. Fiscal e fundantes das liquidações impugnadas. Pois bem, nesta sede e sem prejuízo de estarmos perante meio de prova a que se aplica a regra da livre apreciação (cfr.artº.396, do C.Civil), este Tribunal concorda com a decisão da matéria de facto efectuada pela sentença recorrida, concordância esta que se estende à matéria de facto não provada e à fundamentação da mesma (cfr.al.A) da factualidade não provada).
Mais se deve recordar que a desconsideração da facturação emitida à ordem da sociedade impugnante se baseou no exame da documentação contabilística apresentada pela mesma e respectivo cruzamento com as empresas suas fornecedoras “E.................”, “R.................” e “G.................”. Portanto, as conclusões da Fazenda Pública foram fundadas no exame de prova documental.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
O apelante discorda do decidido sustentando, igualmente e em sinopse, que o procedimento de inspecção externa de 2009, o qual fundamentou a estruturação das liquidações impugnadas, foi o segundo a incidir sobre o I.R.C. e o I.V.A. do recorrente e relativo aos anos de 2005 a 2007. Que em 2007 o recorrente já tinha sido alvo de um procedimento de inspecção externo, a I.R.C. e I.V.A., aos exercícios de 2004 a 2007. Que a decisão recorrida e as liquidações impugnadas são ilegais, pois estas últimas decorrem de um procedimento de inspecção que incidiu, em segunda inspecção, sobre os mesmos factos, impostos e exercícios, em clara violação do disposto no artº.63, nº.3, da L.G.T., na versão então em vigor (cfr.conclusões 32 a 45 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Por outro lado, refira-se que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/04/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/03/2017, proc.5428/12).
Do exame do artº.29, do R.C.P.I.T., deve concluir-se que a A. Fiscal, no âmbito do procedimento de inspecção, e ao abrigo dos princípios da colaboração e do contraditório (cfr.artº.45, do C.P.P.T., artº.8, do R.C.P.I.T., e artº.59, da L.G.T.), pode solicitar aos contribuintes que forneçam informações e documentos relevantes para, designadamente, comprovar a veracidade dos valores inscritos nas declarações fiscais apresentadas (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/07/2014, proc.7844/14; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.147 e seg.).
De acordo com o regime do procedimento de inspecção tributária consagrado no R.C.P.I.T., é possível haver acções de inspecção para efeitos de consulta, recolha e cruzamento de elementos, como decorre, designadamente, do seu artº.46, nº.4, al.a), norma que, inclusivamente, prevê a dispensa de emissão de Ordem de Serviço nestes casos. Este procedimento de consulta, recolha e cruzamento de elementos, nos termos do artº.14, nº.2, do R.C.P.I.T., é reputado de "procedimento parcial", tendo em conta o seu âmbito (cfr.Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.88).
Avançando, a legalidade do procedimento de inspecção externo que fundamentou as liquidações impugnadas, deve ser aferida pelo regime previsto no artº.63, nº.3, da L.G.Tributária, na redacção em vigor em 2007/2009, que era a seguinte:
Artigo 63º.
“Inspecção”

3-O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se a fiscalização visar apenas a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

Na exegese da norma deve mencionar-se, desde logo, que esta introduziu uma importante limitação dos poderes de fiscalização da A. Tributária, estabelecendo-se a regra de que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efectivação do novo procedimento.
Deverão considerar-se como “factos novos”, para efeito do preceito sob exame, aqueles que chegaram ao conhecimento da Administração Tributária após a primeira acção de fiscalização e não apenas os objectivamente supervenientes. Com efeito, é esta a única interpretação que assegura um alcance útil apreciável a este normativo, já que os factos que são objecto de acções de fiscalização são normalmente referentes a períodos de tributação anteriores ao tempo em que ocorrem aquelas e, por isso, não são factos objectivamente supervenientes. Pelo contrário, não podem considerar-se “factos novos” aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de fiscalização na anterior acção fiscalizadora. O princípio da proporcionalidade, expressamente invocado neste preceito (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.), impõe à Administração Tributária o dever de só incomodar os contribuintes na medida do estritamente necessário para os fins que tem em vista e, por isso, ela deve agir com diligência no cumprimento dos seus deveres de fiscalização, apurando adequadamente tudo o que deve averiguar no âmbito da inspecção, assim não sendo admissível, por força daquele princípio que, se ela não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus deveres, seja o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência, sem que esta falta tenha qualquer consequência para a Fazenda Pública. Por outras palavras e de acordo com a norma em exame, apenas em situações excepcionais é possível inspecionar novamente o mesmo sujeito passivo quanto ao mesmo imposto e período de tributação, a saber:
1-Verificando-se a ocorrência de “factos novos”;
2-Tendo por objectivo a confirmação dos pressupostos de direitos que o sujeito passivo invoca perante a Administração Tributária;
3-Quando a inspecção ou inspecções efectuadas visem terceiros com quem o sujeito passivo mantenha relações económicas.
Ou seja, trata-se de uma baliza que visa conferir estabilidade à relação jurídico-tributária, constituindo dessa forma um limite à discricionariedade da Administração Tributária. E essa estabilidade apenas pode ser colocada em crise, permitindo a repetição de um procedimento de inspecção externo respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, mediante decisão, fundamentada com base em factos novos e oriunda do dirigente máximo do serviço, conforme o já supra mencionado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7343/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.548 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.206 e 209 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.656 e seg.).
Em conclusão, o examinado artº.63, nº.3, da L.G.T. (actual nº.4), direcciona-se para situações de fiscalização "stricto sensu", na medida em que faz referência à irrepetibilidade do "procedimento externo de fiscalização" e não do procedimento de inspecção em sentido amplo. Aliás, basta atentar na letra da norma, na qual o legislador faz uma primeira referência ao "procedimento da inspeção e os deveres de cooperação", mas que, para efeitos de irrepetibilidade, se refere claramente ao "procedimento externo de fiscalização". Por outras palavras, a lei apenas proíbe a existência de mais do que um procedimento de fiscalização externo, quanto ao mesmo sujeito passivo, período e imposto (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/07/2012, proc.5303/12; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.206; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.52 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, da factualidade provada (cfr.nºs.11 a 15 e 21 do probatório), sendo certo que houve um procedimento de inspecção relativo aos exercícios em causa, este foi um mero procedimento de recolha de informação, não se destinando a qualquer imposto específico, tudo conforme se retira do exame do teor dos documentos juntos a fls.124 e 125 dos presentes autos.
Assim sendo, não se pode considerar a factualidade provada no processo como subsumível ao disposto no examinado artº.63, nº.3, da L.G.T., desde logo, em virtude de o primeiro procedimento de inspecção não incidir sobre qualquer imposto específico.
Face ao exposto, nega-se provimento ao presente esteio do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida neste segmento.
O apelante discorda do decidido aduzindo, ainda e em sinopse, que no procedimento que fundamentou as liquidações impugnadas foi violado o direito de audição prévia do recorrente previsto no artº.60, da L.G.T. dado que não foi concedido ao mesmo um verdadeiro direito de audição. Assim é, porquanto, a notificação do projecto de relatório de correcções remetido ao recorrente não lhe permitia o exercício de um direito substancial, pois expunha factos mas não era acompanhado de qualquer documento que permitisse aferir ou sindicar as alegações da A. Fiscal (cfr.conclusões 17 a 21 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/10/2016, proc.9810/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/03/2017, proc.5428/12; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).
“In casu”, conforme se retira do exame do probatório (cfr.nº.22 da factualidade provada), foi facultado ao recorrente o exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção, nos termos do artº.60, nº.1, al.e), da L.G.T., assim não se verificando qualquer vício de forma do respectivo procedimento tributário, nenhum relevo dando a lei à existência/não existência de documentos que acompanham o relatório de inspecção notificado ao contribuinte, para efeitos de exercício do direito de audição.
Sem necessidade de maiores considerandos, nega-se provimento ao presente fundamento da apelação, mais se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, nesta fracção.
Aduz o recorrente, igualmente, que se deve anular a sentença recorrida, tal como as liquidações impugnadas, por violação do disposto no artº.77, da L.G.T. Que a A. Fiscal não apresenta qualquer elemento de prova, nem com o RIT que lhe foi notificado, nem com o processo administrativo junto aos autos por apenso. Que a decisão recorrida não reconhece tal vício, mais indicando o uso pelo recorrente do regime previsto no artº.37, do C.P.P.T. Que tal regime nem sequer seria aplicável “in casu”, pois a norma não se aplica aos casos de omissão de prova (cfr.conclusões 1, 7, 11, 22 e 29 a 31 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, supomos, novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Se bem entendemos, o recorrente imputa o vício de falta de fundamentação aos actos tributários impugnados.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo, então em vigor).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo, então em vigor). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
No caso concreto, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que os actos de liquidação impugnados se encontram devidamente fundamentados.
Concretizando, do probatório (cfr.nºs.15 e 16 da factualidade provada) é possível, através das razões de facto e de direito vertidas no relatório de inspeção, saber o que motivou a A. Fiscal a proceder às liquidações em causa, mostrando-se essa fundamentação suficiente, clara e congruente, mais tendo permitido ao recorrente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela Fazenda Pública (como ressalta do teor da petição inicial) pelo que não ocorre a alegada falta de fundamentação do acto tributário objecto do processo.
Ainda em relação ao relatório de inspecção deve vincar-se que o mesmo é exaustivo na descrição de diversa documentação contabilística (documentação contabilística esta que, em grande medida, foi apresentada pela sociedade impugnante/recorrente, conforme já realçado supra), contendo vários mapas com a respectiva identificação. A falta de constituição de anexos e notificação dos documentos à impugnante não fere a fundamentação dos actos de liquidação objecto do processo.
Vertendo, agora, ao artº.37, do C.P.P.T., somente compreende o regime constante desta norma os casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado. Só tem a ver com a notificação dos actos, destinando-se a estabelecer as consequências das deficiências da mesma notificação, nada tendo a ver com o regime dos vícios dos actos notificados. No âmbito do artº.37, do C.P.P.T., a A. Fiscal apenas pode suprir as deficiências da notificação, mas não as do acto notificado. O acto notificado tem o conteúdo que tem independentemente da notificação, e podem-lhe ser imputados todos os vícios de que enferme, independentemente de ser adequadamente notificado ou não. Assim, não é aplicável este regime quando as deficiências não são da notificação, mas sim do próprio acto notificado. Isto é, este regime de sanação de deficiências aplica-se aos casos em que o acto notificado contém os elementos exigidos por lei, mas eles não foram comunicados na respectiva notificação, visto que são coisas diferentes o acto de notificação e o acto notificado (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 6/6/2007, rec.155/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6670/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.7964/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.349).
No caso “sub judice”, apesar do relatório de inspecção consubstanciar a necessária e suficiente fundamentação dos actos de liquidação impugnados e da documentação contabilística em que se baseia o mesmo relatório ser oriunda da sociedade impugnante/recorrente, sempre poderia esta utilizar o mecanismo previsto no examinado artº.37, do C.P.P.T., embora tal não tenha acontecido, provavelmente por se considerar devidamente esclarecida da motivação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios identificadas no nº.17 do probatório, sendo disso sintoma o conteúdo e extensão do articulado inicial deste processo.
Em decorrência do acabado de relatar, julga-se improcedente também o presente esteio do recurso e confirma-se a sentença recorrida, neste segmento.
Por último, defende o apelante, em síntese, que a sentença recorrida e as liquidações impugnadas são também ilegais por violação frontal do princípio do ónus da prova, previsto no artº.74, nº.1, da L.G.T., segundo o qual, a prova de factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque. Que não existem indícios de facturação falsa, situação que conduz à anulação da decisão do Tribunal “a quo” e das liquidações impugnadas (cfr.conclusões 8 a 10 e 12 a 16 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g) (cfr.actual artº.29, nº.1, al.g), do C.I.V.A.). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A., na versão então em vigor; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6525/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9125/15).
Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9125/15; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2006, pág.157 e seg.).
Voltando ao caso concreto, entendeu a A. Fiscal (com a concordância do Tribunal “a quo”), resumidamente, desconsiderar as facturas em causa nos autos, baseando-se no artº.19, nº.3, do C.I.V.A., visto que concluiu que as mesmas resultavam de operações simuladas (cfr.nºs.16 e 20 do probatório).
Fora dos casos em que a dedução do imposto é afastada por irregularidades formais (cfr.artº.35, nº.5, do C.I.V.A.), encontram-se as situações em que a realidade da operação descrita nas facturas é posta em causa pela A. Fiscal, nomeadamente, quando as considera como consubstanciando operações simuladas (cfr.artº.19, nº.3, do C.I.V.A.).
Diz-nos o artº.19, nº.3, do C.I.V.A., que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente. Se a operação ou o preço são simulados não é admitido o direito à dedução do I.V.A. respectivo a fim de se não obter a dedução de um imposto que não foi suportado pelo sujeito passivo. Mais se dirá que o utilizador da factura falsa que pagou o I.V.A. ao respectivo emitente não tem direito a deduzi-lo nos termos do preceito em exame, devendo interpretar-se a expressão “operação simulada” como querendo referir-se a qualquer operação total ou parcialmente inexistente (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; Nuno Sá Gomes, Relevância jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua destruição pelos contribuintes, C.T.F. nº.377, pág.7 a 22).
A razão de ser da norma (cfr.artº.19, nº.3, do C.I.V.A.) assenta no facto do I.V.A. incidir sobre operações económicas reais, e não sobre operações fictícias ou inexistentes, sem prejuízo de ser, em qualquer caso, devido o valor do imposto indevidamente mencionado na factura, conforme resulta do artº.2, nº.1, al.c), do C.I.V.A. Acresce que nestas situações é frequente que não ocorra o pagamento do I.V.A. liquidado, pelo que permitir a dedução representaria um efectivo duplo prejuízo na perspectiva do Estado (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.241).
A utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação real subjacente, mesmo sem existir nenhuma outra circunstância tipificada na lei, chega para que se encontre preenchido o tipo de crime de fraude qualificada, o que revela a intenção do legislador no sancionamento acrescido desta conduta (cfr.artº.104, nº.2, do R.G.I.T.).
Nas situações em que a Fazenda Pública desconsidera as facturas/documentos equivalentes que reputa de falsos, em virtude de documentarem operações simuladas, aplicam-se as regras do ónus da prova (cfr.artº.74, da L.G.T.) incumbindo à A. Fiscal a produção da prova de que estão verificados os indícios sérios/fundados de que as operações em causa não correspondem à realidade. Efectuada esta prova, passa então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transacção. Por outras palavras, não tem a Fazenda Pública que provar a falsidade dos documentos contabilísticos em causa (e muito menos os pressupostos da simulação previstos no artº.240, do C.Civil), bastando-lhe alegar factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nos mesmos não serem verdadeiras, abalando-se, desta forma, a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados que constam na sua contabilidade. O contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artº.19, do C.I.V.A. (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9125/15; Joaquim Manuel Charneca Condesso, Operações simuladas em sede de I.V.A. e de I.R.C. Perspectiva da jurisprudência tributária, Revista Cadernos de Justiça Tributária, edição do CEJUR-Centro de Estudos Jurídicos do Minho, nº.12, Abril/Junho 2016, pág.21 e seg.).
No âmbito do direito tributário, a doutrina e a jurisprudência falam em indícios, para tanto havendo que recorrer à prova indirecta, a vestígios, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova. Por outras palavras, os indícios são aqueles factos que permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9125/15; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.154; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa, 2000, 2ª. Edição, pág.311).
Revertendo ao caso dos autos, concorda-se com a decisão recorrida, quando conclui que a factualidade constante do probatório, apreciada à luz das regras da experiência, fundamenta materialmente a actuação da A. Fiscal, pois baseando-se nela logrou provar o bem fundado da formação da sua convicção quanto à simulação das operações subjacentes às facturas em causa no processo.
Efectivamente, a série de indícios (tanto externos, obtidos junto dos emitentes das facturas, como internos, colhidos junto do contribuinte) consta do ponto III do relatório de inspecção, estando sintetizada no ponto III.16, no qual se encontram elencados, designadamente:
1-Falta de cumprimento, por parte das empresas fornecedoras em causa, das respetivas obrigações declarativas perante a A. Fiscal, bem como das obrigações de pagamento de impostos;
2-Sede ou fábrica de todas as sociedades no mesmo local, cujos encargos, de alguma forma, eram suportados pela impugnante, não havendo pagamento de rendas a esta empresa;
3-Utilização do mesmo programa informático de faturação pelas fornecedoras;
4-Falta de licenciamento das fornecedoras, junto da Direção Regional de Economia, para a actividade de exploração em causa;
5-Fornecedores e trabalhadores das fornecedoras serem comuns;
6-A impugnante ter pago uma indemnização a um trabalhador que foi dispensado pela empresa “R.................” e que esteve em litígio com esta no Tribunal do Trabalho;
7-Alguns documentos que titulam as compras fazem referência às facturas de exportação da C........ Os fornecedores conhecem as quantidades, valores de venda e clientes da C.......;
8-Nos documentos de pagamento aos fornecedores analisados detectaram-se várias situações anómalas (v.g. no mesmo dia a emissão de vários cheques para pagar a mesma factura; no mesmo dia emissão para a mesma entidade de diversos meios de pagamento; pagamento de facturas mais recentes sem que as anteriores estejam integralmente pagas; nota de pagamento emitida em nome do fornecedor mas meio de pagamento com destino diverso, por vezes a própria C......., entidades terceiras, empresas do mesmo acionista da C.......);
9-Os fornecedores emitem facturas com vencimento imediato; a C....... não cumpriu com os pagamentos, entrando em mora, e em alguns casos o atraso atingiu os 24 meses. De acordo com os dados do sistema informático da DGCI os fornecedores revelam situação financeira débil, mas não se teve conhecimento que tenham movido processo para recuperar os seus créditos ou mesmo a constituição/existência de garantias para os mesmos;
10-A C....... celebrou, pelo menos, um contrato com uma das sociedades de Luís Alves C................, onde consta a evidência que sobre parte do valor acordado não incidirá I.V.A. e, consequentemente, não sendo facturado. Detectou-se o pagamento de uma tranche não objeto de facturação, a qual, contabilisticamente, foi relevada como pagamento à empresa “E.................” (cfr.Nota de Pagamento A38 de 22/02/2006);
11-Os inventários demonstram quantidades de mármore oriundas das pedreiras "C................s" em quantidades superiores às facturadas por estes à C........ Consta na certificação legal de contas da C......., elaboradas por Luís …………. e Luís G……………….., exercícios de 2006 e 2007, referência ao facto de se encontrarem compras por facturar por parte de fornecedores em valores muitos significativos (1,8 milhões de euros em 2006 e 1,6 milhões de euros em 2007);
12-As explicações prestadas pela C....... quanto aos bens e serviços adquiridos a estes fornecedores e respectivo circuito dos bens nunca foram devidamente esclarecedoras e, nalgumas situações, até foram contraditórias;
13-A pedreira M …., Herdade ……………, administrada por Sousa ………… & …………………, pelo menos já em 05/01/2005 era explorada pela C........ Contudo, a C....... tem contratos de compra de mármore desse local datados de 08/06/2005 e 28/04/2006;
14-Os fornecedores evidenciam sócios e representantes legais diferentes da pessoa conhecida como seu representante, João .................. Desde há muito que o administrador de C......., …….. se relaciona com João .................;
15-Nos documentos contabilísticos da C....... existem evidências de que João ................. intervém nas compras e vendas da mesma empresa, ora impugnante.
Foi com base, designadamente, nestes indícios que a A. Fiscal veio a entender não ser admissível a dedução do I.V.A. relativo às facturas emitidas, entre 2005 e 2007, pelas sociedades “E.................”, “R.................” e “G.................”, elencadas no relatório de inspecção, atendendo ao disposto no relatado artº.19, nº.3, do C.I.V.A.
Mais se deve vincar que não existe qualquer contradição entre as circunstâncias/ indícios enumerados e o facto de a contabilidade da impugnante/recorrente estar formalmente correcta. Aliás, nestas situações o que está em causa não é a regularidade formal da contabilidade, mas sim a substancial, ou seja, a realidade não ter correspondido àquilo que surge contabilisticamente evidenciado. Portanto, mais importante do que explicar o circuito documental ou pôr em causa um ou outro dos indícios elencados, é fundamental demonstrar que as operações tituladas pelas facturas efectivamente ocorreram, não obstante a existência dos indícios recolhidos pela Fazenda Pública.
“In casu”, examinando os indícios enumerados supra, conclui-se com o Tribunal “a quo”, que os mesmos são suficientes para desconsiderar as facturas em causa, em sede do regime de dedução do I.V.A. Efectivamente, o facto de os fornecedores em causa serem faltosos perante a A. Fiscal, em termos declarativos e de pagamento de impostos, é um ponto de partida relevante. É indiferente aqui se a impugnante/recorrente conhecia ou não esta situação dos fornecedores, pois estamos a falar em indícios relativos aos próprios fornecedores que evidenciam uma potencial falta de actividade efectiva, com a consequente falta de adesão à realidade das facturas emitidas.
Por outro lado, o circuito documental é confuso, pouco claro, com várias contradições evidenciadas, em que as sociedades se confundem entre si e com João ................., ao mesmo tempo que este surge como membro de órgão social nuns casos e sem qualquer ligação formal noutros. O circuito de pagamentos efectuados é igualmente pouco claro, trabalhadores e fornecedores das empresas fornecedoras da impugnante são comuns, chega-se a utilizar o mesmo programa de facturação (sendo, nesta sede, também indiferente se a impugnante/recorrente sabia, ou não, dessa utilização). A morada de contacto de todas as empresas é a mesma. O papel de João ................. surge com indícios de pouca clarificação, se actua por conta da impugnante, em sua representação ou como prestador.
Rematando, as regras da experiência dizem que existem indícios fortes para concluir pela não prestação dos serviços constantes das facturas postas em causa pela Fazenda Pública, assim se questionando a veracidade das operações económicas subjacentes às mesmas (cfr.artº.75, nºs.1 e 2, al.a), da L.G.T.).
Consequentemente, incumbia ao recorrente o ónus de demonstrar a efectiva prestação dos serviços facturados.
Ora, face à prova testemunhal produzida, conclui-se que a impugnante/recorrente não logrou provar a materialidade das operações em causa (cfr.al.A) da matéria de facto não provada). Como refere o Tribunal “a quo”, não foi produzida prova sobre tal factualidade, tendo apenas sido questionadas as testemunhas sobre se as operações eram reais, ao que responderam afirmativamente, o que é conclusivo, não tendo sido provados factos conducentes a tal desfecho, prova essa indispensável para a consubstanciação da materialidade das ditas operações de fornecimento.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente vector do recurso, o qual se reconduz à questão do ónus da prova no âmbito da actuação da A. Fiscal ao abrigo do artº.19, nº.3, do C.I.V.A.
Por tudo o que deixámos dito, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 7 de Junho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)