Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14/12.8BELLE-A
Secção:CA - 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:PROCESSO EXECUTIVO
URBANISMO
RAN
ACTO NULO
EFEITOS PUTATIVOS
Sumário:I - Os interesses de ordem pública prevalecem sobre as expectativas individuais, podendo o "jus aedifícandi", ceder por razões relacionadas com a protecção de integridade geofísica, ambiental ou paisagística da zona em questão pelo que um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a actos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível - cfr. art.° 162° do CPA – sendo que, no caso vertente, há ainda que atender ao interesse público na reposição e manutenção da legalidade que não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem 35,38m2 de pavimentos e arranjos exteriores em solos RAN.

II - Os denominados efeitos putativos, para além de deverem decorrer, em princípio, da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, dependem, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que directa, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do acto à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados, devendo a sua admissão estar sempre ligada à ideia de persecução do interesse público.

III - Admitir in casu a legalidade do acto nulo contenciosamente recorrido, a reboque da produção de efeitos putativos, seria admitir uma verdadeira sanação de actos de licenciamento nulos, em benefício de quem (requerente do licenciamento e entidade licenciadora) foi responsável pelas ilegalidades geradoras dessa mesma nulidade.

IV - Tal entendimento não põe em causa a garantia hipotecária que inclusivamente o Banco Contra-Interessado detém sobre o prédio dos autos pelo que não têm que ser chamados à colação os efeitos putativos da nulidade da deliberação sob escrutínio.

V - É que a reposição da legalidade poderá ser feita com a demolição desse excesso, subsequente produção de novo ato de licenciamento, expurgado do vício, o que não se compara com a situação em que estejam em causa edifícios ou moradias unifamiliares, embora o Estado tenha a obrigação constitucional de "assegurar um correto ordenamento do território" e de salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado -cfr. arts. 9°, e) e 66°/1 da CRP- sendo que tais obrigações e interesses não podem ser afastados por um qualquer direito a embelezamentos no exterior da habitação, que contrariam as regras que presidiram à imposição de restrições de utilidade pública decorrentes do enquadramento na RAN.

VI - Assim, na execução da sentença existia o dever de a entidade administrativa reconstituir a situação que existiria actualmente sem o ato inválido – é o chamado efeito repristinatório da sentença declarativa exequenda-, aqui se incluindo: (i) obrigação de praticar actos dotados de eficácia retroactiva; (ii) a obrigação de remover, reformar ou substituir outros actos jurídicos; (iii) a obrigação de alterar situações que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença declarativa de invalidação (incluindo o dever de anular, modificar ou substituir os actos administrativos consequentes do ato anulado e (iv) o dever de dar cumprimento aos deveres que a Administração não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.

VII - Ora, na sequência dos efeitos retroactivos e repristinatórios resultantes da anulação, pode haver “o eventual poder de praticar “apenas” novo ato administrativo no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”, ou seja, sem as concretas ilegalidades formais ou procedimentais detectadas pelo tribunal, ainda que (eventualmente) com o mesmo sentido decisório (“substituição sanatória nos termos da sentença invalidante, no reexercício da mesma competência”: cfr. artigo 173º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 161º, 162º, 163º e 166º do Código do Procedimento Administrativo).

VIII - Solução imposta pelos princípios constitucionais do Estado de Direito, da tutela jurisdicional efectiva e da autoridade de caso julgado das decisões jurisdicionais, sem embargo de se cumprir o previsto nos nº 1 e 2 do artigo 173º cit., o disposto no n.º 3 do art.º 176.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que não significa a vinculação do tribunal a seguir o caminho indicado pelo exequente, nada impedindo o tribunal de condenar a Administração em coisa diversa do que seja pedido, desde que isso constitua a forma legalmente adequada de execução do julgado invalidante. Isto é assim, porque o que está em causa é o cumprimento do decidido no processo declarativo, repondo a ordem jurídica violada, e a forma como tal deve ser feito, e, sendo assim, se houver desacordo entre as partes ou inércia, cabe ao tribunal indicar a forma correta de dar cumprimento à decisão jurisdicional transitada em julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

O Ministério Público intentou no TAF de Loulé, Execução de Sentença de anulação de actos administrativos (artº 176º, nºs 1 e 2 do CPTA) contra o Município de Silves, pedindo (i) a cassação do alvará de utilização emitido para a moradia em causa; (ii) a demolição de todo o edificado e (iii) a reposição do solo na situação anterior à realização das obras de construção cujo licenciamento foi declarado nulo, na totalidade e sem restrições, pela decisão proferida na acção administrativa 14/12.8BELLE, com a fixação de um prazo não superior a 12 meses nos termos do artº 176º, nº 4 do CPTA e, caso o Município de Silves não dê execução às mencionadas acções, que seja determinada a imposição aos titulares do órgão incumbido da execução que, à data a proferir, compuserem o executivo camarário, que para o efeito deverão ser individualmente identificados, de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artº 169º do CPTA, ex vi do artº 176º, nº4 do mesmo Código, por cada dia de incumprimento, após o prazo de 12 meses referido que considera razoável para executar.

Indicou como contra-interessados Isabel ....., residente em Lagoa e Banco ....., com sede no Porto.

Por sentença de 30.10.2017, a Mmª Juiz do TAF de Loulé julgou a acção procedente.

Recorre o Município de Silves, enunciando nas suas alegações as conclusões seguintes:


“1ª - O presente recurso vem interposto da sentença judicial executiva do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que, negando razão ao ora Recorrente, ordenou a "demolição do construído a mais na moradia" da contra-interessada, destinada a habitação própria e permanente.
2.ª - A construção da projecto, devidamente de construção e de Agrícola do Algarve casa de habitação destes autos foi precedida do respectivo aprovado pelo Município de Silves, da correspondente licença prévio parecer favorável da Comissão Regional de Reserva.
3.ª - É convicção do Recorrente que a operação urbanística é legalizável à luz dos artigos 22.°, n.°1, e 23º actual, e do artigo 14. artigo 102.°-A do RJU0 do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, na sua redacção 0 da Portaria n.°162/2011, de 18 de Abril, e nos termos do e dos artigos 131.° e 141.° do RMUE do Município de Silves.
4.ª - A ordem de demolição constante da sentença recorrida ofende, na letra e no espírito, designadamente por invadir áreas que são da exclusiva competência do Município de Silves, as seguintes normas legais: artigo 22.°, n.°1, e 23.° do Decreto-Lei n.°73/2009, de 31 de Março, na sua redacção actual; artigo 14.° da Portaria n.°162/2011, de 18 de Abril, e artigo 9.° do Decreto-Lei n.°196/89, de 14 de Junho.
5.ª - A casa de habitação destes autos tem potencialidade para ingressar ria ordem jurídica, sem ofender qualquer norma do ordenamento jurídico, dada existência de um parecer favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola do Algarve e revisão em curso do PD.M de Silves, já na sua fase final.
6.ª - Ao ordenar sem mais a demolição do edificado, sem admitir a legalização do que se mostra efectivamente legalizável em face da lei, a sentença recorrida desrespeitou nomeadamente o artigo 106.° do RJUE e o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.°, n.° 2, e 266.°, n.° 2, da CRP, o que se alega para todos os efeitos legais.
7.ª - A execução integral do julgado exigia a fixação de um prazo razoável para que o Município de Silves (pela via da legalização oficiosa, já encetada) e/ou a contra-interessada (pela via da legalização voluntária) promovessem as diligências necessárias à regularização do edificado, devendo, no decurso desse prazo, ser emitido o acto válido de legalização.
8.ª - A Câmara Municipal de Silves deliberou em 19 de Julho de 2017 proceder oficiosamente à legalização, nos termos do n.°8 do artigo 102.°-A do RJUE e do artigo 141.° do RMUE do Município de Silves, circunstancialismo desvalorizado injustificadamente pela sentença recorrida;
9.ª - A sentença ora recorrida não se debruça de forma fundamentada sobre as referidas questões invocadas pelo ora Recorrente, pelo que, no seu entender, e salvo o devido respeito, é nula, por violação do artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa e do artigo 154.° do Código do Processo Civil, subsidiariamente aplicável, o que expressamente se invoca.
10.ª - A moradia, custeada com recurso a um empréstimo hipotecário, está a ser habitada e quer na aludida construção, quer no contrato de mútuo garantido por hipoteca, todos os interessados agiram de harmonia com os mais rigorosos ditames de boa-fé.
11.ª - A sentença recorrida, não valorando este elemento essencial - o escrupuloso respeito pelo princípio da boa-fé -, que incorpora o princípio do respeito da confiança, decorrente do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito -, desrespeitou, na letra e no espírito, designadamente a norma do artigo 227° do Código Civil.
12.ª -A entender-se que o acto administrativo de licenciamento da moradia unifamiliar é nulo, deverá esse Tribunal aplicar, neste caso concreto, a regra geral do artigo 134.°, n.° 3, do pretérito Código do Procedimento Administrativo, ou do seu sucedâneo previsto no actual n.° 3 do artigo 162.,° do novo Código do Procedimento Administrativo, atribuindo aos actos impugnados os efeitos jurídicos próprios de actos válidos, com as legais consequências.
Pelo exposto e pelo mais de Direito que os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores não deixarão de suprir, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida,
FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”

O Ministério Público contra-alegou, concluindo do modo que segue:

“1. A sentença recorrida foi proferida com explicitação dos fundamentos de facto e de direito, indicação das normas legais aplicáveis e foram tratadas as duas questões jurídicas suscitadas pelo recorrente na contestação, que foram individualizadas e abordadas autonomamente. Assim, não existe nulidade da sentença, designadamente por falta de fundamentação - art.° 615°/1b) do CPC -nem foi violado o art.° 205° da CRP.
2. A legalização do edificado, tal como está e pretendido pelo recorrente, é meramente hipotética e o Executado não demonstrou a sua possibilidade, nem podia, uma vez que está dependente de atos obrigatórios e vinculativos, a praticar por entidades terceiras - a CCDR Algarve, enquanto Entidade Regional da RAN.
3. O necessário parecer da CCDR não foi emitido e o recorrente não pode garantir que o seu sentido vai ser positivo.
4. Ao contrário do alegado, a área de impermeabilização construída em excesso - 35,38m2 -, que corresponde a pavimentação e arranjos exteriores, não é suscetível de legalização face ao quadro legal vigente, uma vez que não são usos permitidos nos termos dos arts. 22° do Dec. Lei n° 73/2209 e 14° da Portaria 162/2011.
5. A impermeabilização de solo RAN com mera pavimentação exterior não se enquadra no corpo do n°1 do art,° 22° do RJRAN, que apenas admite utilizações não agrícolas quando não exista alternativa viável fora de solos RAN, exigência que remete para o caráter essencial dessa impermeabilização, essencialidade que não existe quando estão em causa embelezamentos.
6. Tal utilização não agrícola também não se enquadra em qualquer das alíneas do mesmo art.° 22°/1, designadamente pavimentação exterior e arranjos não são habitações, não têm finalidade agrícola nem a casa construída no local está afeta a exploração agrícola e não podem ser considerados ampliações da casa existente.
7. Porque as condições descritas no art.° 14° da Portaria n° 162/2011 são de verificação cumulativa, a situação dos autos também não as preenche: a edificação existente não está licenciada, por o seu licenciamento ter sido declarado nulo pela sentença proferida na AAE 14/12.8BELLE e a impermeabilização com arranjos e pavimentação não poderá ser validamente justificada por razões de necessidade do uso corrente da habitação, sendo certo que também não são suscetíveis de gerar bem-estar relevante e que legitime a degradação de solos RAN.
8. A revisão do PDM, porque futura e hipotética, não passa de um projeto, que não está concluído e não está em vigor.
9. Face ao quadro legal existente a obra, tal como está, é ilegalizável.
10. O executado não demonstrou, nem podia, que irá obter um parecer positivo da CCDR para a impermeabilização de mais 35,38m2 de solos RAN, para arranjos e pavimentação, pelo que a legalização é uma mera hipótese, condicionada por atos que o Executado não domina nem pode influenciar, não uma certeza.
11. A obra poderá vir a ser legalizada após a demolição dos 35,38m2 de pavimentação e arranjos exteriores construídos em excesso, seguida da produção de novo ato de licenciamento do remanescente edificado, expurgado dos vícios, mas não de outro modo, designadamente, não sem a referida demolição.
12. Face ao quadro legal vigente e à situação de facto existente e demonstrada nos autos, a legalização - sem mais - não é uma forma possível de cumprimento da decisão judicial proferida e a única forma possível de executar o julgado é a demolição - eventualmente apenas da área construída em excesso -, como determinado pela sentença recorrida.
13. A boa-fé dos contrainteressados não é suficiente para obstar ao cumprimento do julgado anulatório e à demolição do edificado em excesso, sendo certo que no âmbito do licenciamento urbanístico, não há, por regra, lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em atos nulos.
14. O interesse público na reposição e manutenção da legalidade não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem 35,38m2 de pavimentos e arranjos exteriores cm solos RAN.
15. A obrigação do Estado em "assegurar um correto ordenamento do território" e salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado - cfr. arts. 9°, e) e 66°/1 da CRP - não podem ser preteridos por um direito a embelezamentos no exterior da habitação, que contrariam as regras que presidiram à imposição de restrições de utilidade pública decorrentes do enquadramento na RAN.
16. De tudo o exposto resulta que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente do disposto nos artigos 22° e 23° do Dec. Lei n° 73/2009, de 31/03, art.° 106° do RJUE e 162°/3 do CPA, não tendo violado estas ou outras normas aplicáveis, nem o princípio da proporcionalidade.
Assim, pelos motivos expostos, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve confirmar-se a sentença recorrida, fazendo-se, desta forma, JUSTIÇA!”

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.

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2. Fundamentação

2.1. De facto

A sentença recorrida, com relevância para a decisão, atenta a prova documental produzida, constante dos autos e bem assim da petição inicial do processo principal, considerou provados os factos inscritos da sentença nele proferida e que ora se transcrevem:
A) Em 17 de Junho de 1998, a Câmara Municipal de Silves, deferiu o pedido de licença de construção de uma moradia unifamiliar a favor da Contra-Interessada, Isabel ..... (cfr doe n° l da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
B) Em 25 de Junho de 1996, Robert ..... submeteu ao Executado, o projecto de arquitectura do prédio rústico com a área total de 11.130 m2 de que era proprietário, localizado na Serra da Boiça, Pêra, em Silves (cfr docs n°s 2 e 3 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
C) Pelo ofício de 19 de Abril de 1996, o Senhor Presidente da CRRAA, comunicou a Robert ..... que "em 96.03.29, deliberou emitir parecer FAVORÁVEL ao solicitado no seu requerimento de 96.03.05 (...) ficando o parecer em causa condicionado, a que sejam respeitados os condicionalismo s impostos pela autarquia, ou seja, a que a construção seja implantada de modo a serem mantidos os afastamentos regulamentares, tanto em relação ao caminho existente, como às extremas do prédio rústico, mas não se sobrepõe às disposições regulamentares do Plano Municipal em vigor" (cfr doc n° 4 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
D) Em 15 de Novembro de 1996, o Executado elaborou Informação Técnica (cfr doc n° 5 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
E) A Senhora arquitecta, Margarida ....., veio "dar satisfação ao parecer técnico emitido " na Informação referida em D) (cfr doc n° 6 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
F) Por deliberação de 15 de Julho de 1997 da Câmara Municipal de Silves, foi aprovado o projecto de arquitectura (cfr doc n° 7 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
G) Na Informação de 14 de Julho de 1997, com o assunto 'Construção de Edifício/ Junção de elementos' indicando como requerente, 'Robert .....', foi exarada a deliberação de 15 de Julho de 1997 (cfr doc n° 7 dacpi do Processo n° 14/12.8BELLE);
H) Na Informação Técnica de 24 de Maio de 2005 do Executado pode ler-se, designadamente, o seguinte:
"projecto aprovado a 15/7/1997... 311,00 m2
- projecto aprovado a 3/3/1998... 285,22 m2 projecto aprovado a 2/8/2000... 307,00 m2
- pela construção da piscina (de acordo com a informação dos serviços de fiscalização), é de 128,80 m2.
A área total impermeabilizada, de acordo com o último projecto aprovado, é portanto de (307,00 m2 + 128,80 m2) = 435,80 m2 " (cfr doc n° 8 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
I) Em 30 de Dezembro de 1997, a Contra-Interessada, Isabel ....., veio requerer junto do Executado, "a aprovação das alterações constantes da memória descritiva e justificativa anexa e em conformidade com o projecto que se junta" naquela referindo que "Com as alterações propostas a área do r/chão será de 223,5 m2 e ado l "andar de 95 m2 " (cfr doc n° 9 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
J) Em 3 de Março de 1998, a Câmara Municipal de Silves, aprovou o projecto de arquitectura (cfr doc n° 10 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
K) Em 23 de Fevereiro de 1999, a Câmara Municipal de Silves emitiu o Alvará de obras n° 72/99 com o averbamento em nome da Contra-Interessada, Isabel ..... (cfr doc n° 11 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
L) Em 26 de Novembro de 1999, o Contra-Interessado, Banco ....., SÁ, registou hipoteca sobre o prédio em causa para garantia do empréstimo concedido à Contra-Interessada, Isabel ..... (cfr doc n° 3 da pi do Processo n° 14/12.8BELLE);
M) Em 21 de Junho de 2016, foi proferida sentença no Processo n° 14/12.8BELLE (cfr doc n° 1 dos presentes autos);
N) Em 1 de Junho de 2017, o Exequente vem intentar a presente acção (cfr fls 1 dos autos físicos e virtuais).

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2.2. Do Direito:

Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que nele se colocam são as de saber:
a)-Se a sentença é nula por falta de fundamentação- conclusão 9ª;
b)-se a sentença padece de erro de julgamento cometido:
(i) na aplicação do direito e violação do princípio da proporcionalidade ao ordenar a demolição do edificado quando o mesmo é susceptível de legalização-conclusões 2ª a 8ª;
(ii) na aplicação do direito e violação dos princípios da tutela da confiança e segurança jurídica por não ter atendido à boa fé dos contrainteressados-conclusões 10ª e 11ª;
(iii) na aplicação do direito ao não ter reconhecido efeitos putativos dos actos nulos –conclusão 12ª.
Assim:
Haverá que conhecer em primeiro lugar da nulidade da sentença face à conclusão em que se afirma não ter a sentença ora em recurso se debruçado de forma fundamentada sobre as questões invocadas pelo ora Recorrente, o que constitui violação do artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa e do artigo 154.° do Código do Processo Civil, subsidiariamente aplicável.
Sucede, porém, que, como bem denota o recorrido Ministério Público, as causas de nulidade da sentença estão expressa e taxativamente previstas no art.° 615°/1 do CPC, aplicável por força do art.° 1° do CPTA, segundo o qual e ao que ao caso releva, "-1 - É nula a sentença quando (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A sentença é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais (artº 4º do ETAF). Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 615º do CPC ex vi do artº 1º do CPTA.
Vejamos então se é nula em virtude de, como diz a recorrente na conclusão 9ª, carecer de fundamentação a sentença recorrida.
A alegada falta de fundamentação da sentença só poderia violar o artº 615º, nº1, alínea b) em atenção ao caso concreto, de acordo com a qual a sentença é nula «Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
Os actos dos magistrados estão subordinados ao dever geral de fundamentar a decisão consagrado no artº 154º do CPC face ao qual a omissão de fundamentação acarreta a nulidade mesmo do simples despacho nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 154º, 607º, nº3, 615º, nº 1, al. b), aplicáveis «ex-vi» do artº 1º do CPTA.
Mas a nulidade da al. b) do nº 1 do artº 615º do CPC só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, irrelevando a deficiente, errada ou incompleta fundamentação.
Nesse sentido, expende-se no Acórdão da RL de 17/1/91, CJ, XVI, Tomo 1º, pág. 122 que há que distinguir cuidadosamente «a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade».
Ora, a sentença recorrida contém fundamentação fáctica e jurídica, pelo que improcede a conclusão sob análise tanto mais, que, como bem adverte o Ministério Público recorrido, o recorrente não esclarece que questões considera não terem sido abordadas de forma fundamentada. Ou seja e ainda na senda do recorrido, “Falta de fundamentação e fundamentação sucinta ou incompleta são conceitos distintos, sendo que só o primeiro caso é gerador da nulidade”, sendo pertinentes e de acolher os ensinamentos de Antunes Valera, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora vazados no seu Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 687/689, de acordo com os quais "Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. (...)
Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar. Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador."
Ora, como salienta o recorrido, basta ler a decisão recorrida para constatar que foi proferida com explicitação dos fundamentos de facto e de direito, com indicação das normas legais aplicáveis e que foram tratadas as duas questões jurídicas suscitadas pelo recorrente em sede de contestação, as quais foram individualizadas e abordadas autonomamente.
Por todo o exposto, julga-se inverificada a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.

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Conhecendo agora de fundo, determinemos se a sentença interpretou correctamente os factos e os preceitos legais aplicáveis pela ordem supra delineada:

Do erro de julgamento na aplicação do direito e violação do princípio da proporcionalidade ao ordenar a demolição do edificado quando o mesmo é susceptível de legalização (-conclusões 2ª a 8ª).

Em substância e ancorado em jurisprudência que cita abundantemente, considerou-se na sentença recorrida que os interesses públicos urbanísticos prevalecem sobre as expectativas individuais, e que no âmbito do direito urbanístico são nulos os actos de deferimento e as licenças ou deliberações autárquicas que colidem com normas de interesses e ordem públicas, bem como o princípio de que o direito de propriedade e consequente "jus aedificandi" não são absolutos, devendo confrontar-se com razões prevalentes de salubridade, higiene, estética derivadas do respeito pelas incidências da construção na área envolvente.
Mais aí se considera que o Município de Silves advoga que a moradia é passível de legalização, o que não se encontra garantido, desde logo, à míngua do conhecimento da deliberação de 19 de Julho de 2017 daquela autarquia, a que acresce que o quadro normativo actualmente vigente não permite aquela legalização, o que vale por dizer que à luz do determinado no n° 1 do art° 173° do CPTA, impende sobre o Município de Silves a obrigação de executar a decisão judicial. Sendo que a consequência da reposição natural que emerge da execução da sentença, implica a demolição do construído a mais na moradia em apreço, o que consubstancia uma verdadeira sanção punitiva ou sancionatória do acto administrativo proferido pela Administração e que foi julgado nulo. Isso porque a ordem de demolição é uma das medidas de tutela da legalidade urbanística - vide epígrafe da subsecção m, em que se inserem os art°s 102° a 109° do RJUE - que é imposta a quem infringiu a lei, designadamente construindo, sem licença ou autorização administrativa ou que estas tenham sido declaradas nulas, de toda ou parte de uma obra que não pode ser legalizada, nomeadamente pela classificação e natureza do terreno onde foi implantada e independentemente dos direitos de terceiros sobre este.
Adversamente, no seu recurso (conclusões 2ª a 8ª), o Município recorrente sustenta que a construção da projecto, devidamente de construção e de Agrícola do Algarve casa de habitação destes autos foi precedida do respectivo aprovado pelo Município de Silves, da correspondente licença prévio parecer favorável da Comissão Regional de Reserva e por isso é sua convicção que a operação urbanística é legalizável à luz dos artigos 22.°, n.°1, e 23º actual, e do artigo 14, artigo 102.°-A do RJU0 do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, na sua redacção e da Portaria n.°162/2011, de 18 de Abril, e nos termos do e dos artigos 131.° e 141.° do RMUE do Município de Silves.
Mais aduz o recorrente que a ordem de demolição ofende, na letra e no espírito, designadamente por invadir áreas que são da exclusiva competência do Município de Silves, as seguintes normas legais: artigo 22.°, n.°1, e 23.° do Decreto-Lei n.°73/2009, de 31 de Março, na sua redacção actual; artigo 14.° da Portaria n.°162/2011, de 18 de Abril, e artigo 9.° do Decreto-Lei n.°196/89, de 14 de Junho.
É que, afirma, a casa de habitação destes autos tem potencialidade para ingressar na ordem jurídica, sem ofender qualquer norma do ordenamento jurídico, dada existência de um parecer favorável da Comissão Regional da Reserva Agrícola do Algarve e revisão em curso do PD.M de Silves, já na sua fase final pelo que, ao ordenar sem mais a demolição do edificado, sem admitir a legalização do que se mostra efectivamente legalizável em face da lei, a sentença recorrida desrespeitou nomeadamente o artigo 106.° do RJUE e o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.°, n.° 2, e 266.°, n.° 2, da CRP.
Por fim, ainda defende que a execução integral do julgado exigia a fixação de um prazo razoável para que o Município de Silves (pela via da legalização oficiosa, já encetada) e/ou a contra-interessada (pela via da legalização voluntária) promovessem as diligências necessárias à regularização do edificado, devendo, no decurso desse prazo, ser emitido o acto válido de legalização, sendo que a Câmara Municipal de Silves deliberou em 19 de Julho de 2017 proceder oficiosamente à legalização, nos termos do n.°8 do artigo 102.°-A do RJUE e do artigo 141.° do RMUE do Município de Silves, circunstancialismo desvalorizado injustificadamente pela sentença recorrida.
Quid juris?
Depara-se-nos, assim, que o seguinte status quaestionis: os 35,38m2 que excedem a área máxima de impermeabilização do solo permitida pelo parecer da CCDR Algarve, enquanto Comissão Regional da RAN, são passíveis de merecer parecer positivo desta entidade e, nessa medida, de serem legalizados, e, por isso, foram violadas as normas supra referidas e o princípio da proporcionalidade?
Preliminarmente se diga que a demolição não é uma consequência necessária da nulidade do licenciamento, devendo sempre aquilatar-se em casuisticamente a possibilidade de legalização face às normas em vigor.
E essa ponderação foi efectuada na sentença recorrida considerando-se que a pretendida legalização estava dependente de um parecer positivo de uma entidade externa ao Município, mais concretamente a CCDR, enquanto Entidade Regional da RAN.
Ora, o certo é que o Município recorrente não logrou provar nem a existência desse parecer nem que o mesmo irá ser positivo, prova impossível pela singela razão de que a emissão e o sentido do parecer não estão na disponibilidade do Município, mas da referida entidade terceira.
Assim e em abstracto, poderá a legalização ser viável desde que tal parecer venha a ser emitido, ainda que, conforme bem afiança o julgador e o recorrido, o sentido do mesmo possa vir a ser positivo, levando em conta que a área de impermeabilização construída em excesso, que corresponde, nas palavras do recorrente, a pavimentação e arranjos exteriores, não é susceptível de legalização.
Se não vejamos.
Por força do art.° 22° do Dec. Lei 73/2009, que aprovou o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RJRAN), “1-As utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN só podem verificar-se quando, cumulativamente, não causem graves prejuízos para os objetivos a que se refere o artigo 4.° e não exista alternativa viável fora ; das terras ou solos da RAN, no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural, devendo localizar-se, preferencialmente, nas terras e solos classificados como de menor aptidão, e quando estejam em causa:
a) Obras com finalidade agrícola, quando integradas na gestão das explorações ligadas à atividade agrícola, nomeadamente, obras de edificação, obras hidráulicas, vias de acesso, aterros e escavações, e edificações para armazenamento ou comercialização;
b) Construção ou ampliação de habitação para residência própria e permanente de agricultores em exploração agrícola;
c) Construção ou ampliação de habitação para residência própria e permanente dos proprietários e respectivos agregados familiares, com os limites de área e tipologia estabelecidos no regime da habitação a custos controlados em função da dimensão do agregado, quando se encontrem em situação de comprovada insuficiência económica e não sejam proprietários de qualquer outro edifício ou fração para fins habitacionais, desde que daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados pelo presente decreto-lei;
d) Instalações ou equipamentos para produção de energia a partir de fontes de energia renováveis;
e) Prospeção geológica e hidrogeológica e exploração de recursos geológicos, e respetivos anexos de apoio à exploração, respeitada a legislação específica, nomeadamente no tocante aos planos de recuperação exigíveis;
f) Estabelecimentos industriais, comerciais ou de serviços complementares à atividade agrícola, tal como identificados no regime de licenciamento de estabelecimentos industriais, comerciais ou de serviços aplicável;
g) Empreendimentos de turismo no espaço rural e de turismo de habitação, bem como empreendimentos reconhecidos como turismo de natureza, complementares à atividade agrícola;
h) Instalações de recreio e lazer complementares à atividade agrícola e ao espaço rural;
i) Instalações desportivas especializadas destinadas à prática de golfe, comparecer favorável pelo Turismo de Portugal, I. P., desde que não impliquem alterações irreversíveis na topografia do solo e não inviabilizem a sua eventual reutilização pela actividade agrícola;
j) Obras e intervenções indispensáveis à salvaguarda do património cultural, designadamente de natureza arqueológica, recuperação paisagística ou medidas de minimização determinados pelas autoridades competentes na área do ambiente;
I) Obras de construção, requalificação ou beneficiação de infraestruturas públicas rodoviárias, ferroviárias, aeroportuárias, de logística, de saneamento, de transporte e distribuição de energia elétrica, de abastecimento de gás e de telecomunicações, bem como outras construções ou empreendimentos públicos ou de serviço público;
m) Obras indispensáveis para a proteção civil;
n) Obras de reconstrução e ampliação de construções já existentes, desde que estas já se destinassem e continuem a destinar-se a habitação própria;
o) Obras de captação de águas ou de implantação de infraestruturas hidráulicas;
p) Obras decorrentes de exigências legais supervenientes relativas à regularização de atividades económicas previamente exercidas.
2 - Apenas pode ser permitida uma única utilização não agrícola das áreas integradas na RAN, no que se refere às alíneas b) e c) do número anterior.
3 - Compete aos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ordenamento do território, do desenvolvimento rural e da tutela respetiva aprovar, por portaria, os limites e as condições a observar para a viabilização das utilizações referidas no n.°1, após audição das entidades regionais da RAN.
4 - As utilizações não agrícolas previstas nas alíneas b) e c) do n.°1 constituem, respetivamente, o agricultor e o proprietário na obrigação de alteração do domicílio fiscal para a área da residência própria e permanente ali referida."
É por demais manifesto que a impermeabilização de solo RAN mediante pavimentação exterior não se subsume no corpo do n°1 do art.° 22°, desde logo porque este normativo só consente utilizações não agrícolas quando não exista alternativa viável fora de solos RAN, o que vale por dizer, em linha com a tese da sentença secundada pelo recorrido, que a impermeabilização teria de ser essencial, sendo que os arranjos e pavimentação exteriores não revestem esse carácter de essencialidade ou imprescindibilidade.
Depois, percorrendo todas as situações tipificadas nas várias alíneas do normativo transcrito, topa-se que em nenhuma delas são enquadráveis as impermeabilizações, já que a pavimentação exterior e arranjos não são habitações, não têm finalidade agrícola nem a casa existentes está afecta a qualquer exploração agrícola, tal como não podem ser consideradas ampliações da casa existente.
A conclusão a extrair é, pois, que o art.° 22° do Dec. Lei n° 73/2209 não consente a legalização do edificado em excesso.
Vejamos, então, se a legalização do edificado em excesso é viável a coberto do art.° 14° da Portaria 162/2011, como ainda sustenta o recorrente.
Visando concretizar a regulamentação da alínea n) do n.° 1 do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 de Março, estabelece-se naquela Portaria que "À pretensão identificada pode ser concedido parecer favorável desde que cumpra, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) A edificação existente esteja licenciada, nos termos legalmente exigidos;
b) Seja justificada pelo requerente, por razões de necessidades decorrentes do uso existente;
c) Não implique uma área total superior a 300 m2 de impermeabilização, incluindo a requerida ampliação;
d) Poderão ser consideradas outras acções de impermeabilização do solo que contribuam para o bem-estar habitacional, sem prejuízo do limite da área estabelecida na alínea anterior."
Da simples leitura do dispositivo logo se concluir que nele se consagra uma enumeração cumulativa de requisitos, o que afasta a sua aplicabilidade ao caso concreto por duas ordens de razões:
(i) a edificação existente não está licenciada (o seu licenciamento foi declarado nulo pela sentença proferida na AAE 14/12.8BELLE);
(ii) a impermeabilização com arranjos e pavimentação poderá ser validamente justificada por razões de necessidade do uso corrente da habitação, sendo certo que também não são susceptíveis de gerar bem-estar relevante e que legitime a degradação de solos RAN.
Perante este quadro legal, é forçoso concluir, em sintonia com a sentença e o recorrido Ministério Público, que o executado jamais poderá demonstrar ou garantir, que irá obter um parecer positivo da CCDR para a impermeabilização de mais 35,38m2 de solos RAIM, para arranjos e pavimentação.
Assim e com base neste conjunto de razões em que também se ancora a sentença e são esgrimidas pelo Ministério Público, a obra, tal como está, não é legalizável. Ou, dito de outro modo: a obra só será legalizável desde que se proceda à demolição dos 35,38m2 de pavimentação e arranjos exteriores construídos em excesso, e, subsequentemente, se provoque a emissão de novo acto de licenciamento do remanescente edificado que não padeça dos vícios geradores das nulidades declaradas na sentença.
De resto, isso é imposto pelo artº 173º, nº1 do CPTA que, inserido no Capítulo IV (que regula a execução de sentenças de anulação de actos administrativos) sob a epígrafe (Dever de executar), prevê no seu nº1 a possibilidade da prática de novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado. Ou seja, a execução ou cumprimento do caso julgado invalidante implica, nos termos do nº 1 e nº 2 do artigo 173º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e igualmente no artigo 172º do Código do Procedimento Administrativo, o dever de a administração pública respeitar e executar a sentença declarativa, dando corpo à modificação operada pela sentença, tanto no plano do direito objectivo, como no plano dos factos.
Neste conspecto, cabe chamar à colação o que se expende no Acórdão do TCAS de 09/11/2017, prolatado no Recurso nº 846/09.4BELLE-A, publicado em www.dgsi.pt, subscrito pelo relator desta formação e citado nas doutas alegações do recorrido:
"(i) não sendo por acaso que em Portugal são milhares as ilegalidades de edificação, mas raras as demolições por causa dessas ilegalidades, o Direito não tolera um equívoco que vem sendo frequente quanto a este tópico. É que, num caso como o presente (igual a milhares de outros), o que está mesmo em causa é apenas o rigoroso cumprimento do previsto (i) no art. 134° do CPA/1991 (atual art. 162° do CPA) e (ii) no importantíssimo art. 173°/1/2 do CPTA. Sob pena de os processos declarativos servirem apenas para decoração;
(ii) a mera possibilidade ou hipótese de legalização futura não é fundamento bastante para o juiz aplicar, em sede de art. 173°/1/2 do CPTA, o regime previsto no art. 106° do velho RJUE de 1999; quer porque isso seria fragilizar o específico art. 173°/1/2 do CPTA de um modo injustificado, quer porque isso seria sempre desrespeitar o rigor do art. 106° do RJUE atual, interpretado harmoniosamente de acordo com a natureza do processo executivo e ainda de acordo com o art. 342° do CC.
É que a legalização e a tese da "ultima ratio" não podem ignorar o texto do n° 2 do art. 106° do RJUE, nem ser ancoradas numa mera possibilidade ou hipótese futura, até porque há aqui um verdadeiro ónus dos interessados.
Em síntese, o interessado, agora fora do âmbito do art. 134°/3 do CPA/1991 e no âmbito do art. 106° do RJUE, tem o ónus de demonstração de que a edificação ilegal é hoje legalizável e não que talvez o vá ser no futuro, só assim sendo depois exigível a ponderação racional expressa inerente à proporcionalidade implicada na boa aplicação do art. 106° do RJUE. É o que hoje está claro no n° 2 do art. 106° cit; "a demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração" (cf. assim Fernanda Paula Oliveira et al., RJUE Comentado, 4a ed., no comentário ao art.106°).
(...)
Outro ponto importante a reter aqui é que o art. 134°/3 nunca poderá funcionar a favor de quem deu causa à nulidade, ou seja, a quem não esteja de boa fé, como é o caso do dono da obra ou do autor do ato administrativo nulo (cf. assim, por ex., Marcello Caetano, Manual..., H, pp. 619 ss).
(...)
Além disso, certo é que não ficou minimamente demonstrado por parte do B. (cf. art. 342° do CC) que esta obra é realmente legalizável. Coisa diferente - e imprópria de um Estado de Direito - é que as normas jurídicas possam talvez se adaptar no futuro a uma ilegalidade grave (nulidade) preexistente e já declarada.
(...)
Os arts. 173° e 179° do CPTA têm sempre a ver com a reposição efetiva da legalidade administrativa, mesmo nos casos previstos nos arts. 102° ss do RJUE, maxime no art. 106°."
A essa luz, dúvidas não podem subsistir de que a pretendida legalização não dá cumprimento à decisão judicial proferida apresentando-se a demolição da área construída em excesso como a única forma possível de executar o julgado, como determinado pela sentença recorrida, solução que não é desproporcional em face do quadro legal vigente supra referenciado.
Diga-se, no entanto, que a proporcionalidade, não era uma questão a resolver, mas um elemento da questão colocável pelo art. 134º/3 do CPA e pelo art. 106º do RJUE actual, mas sempre à volta do art. 173º/1/2 do CPTA, como se fez na sentença e acabamos de explicitar.
Improcedem, pois, as conclusões sob análise.

*
Da violação dos princípios da tutela da confiança e segurança jurídica por não ter atendido à boa fé dos contrainteressados (conclusões 10ª e 11ª) e ao não ter reconhecido efeitos putativos dos actos nulos (conclusão 12ª).
Segundo o recorrente, a afronta a tais princípios decorre do facto de a moradia, custeada com recurso a um empréstimo hipotecário, estar a ser habitada e quer na construção, quer no contrato de mútuo garantido por hipoteca, todos os interessados agiram de harmonia com os mais rigorosos ditames de boa-fé, pelo que a sentença recorrida, não valorando este elemento essencial - o escrupuloso respeito pelo princípio da boa-fé -, que incorpora o princípio do respeito da confiança, decorrente do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito -, desrespeitou, na letra e no espírito, designadamente a norma do artigo 227° do Código Civil.
Por outro lado, defende o recorrente que em face da nulidade do acto licenciador da moradia unifamiliar, deverá o Tribunal aplicar a regra geral do artigo 134.°, n.°3, do pretérito Código do Procedimento Administrativo, ou do seu sucedâneo previsto no actual n.°3 do artigo 162.,° do novo Código do Procedimento Administrativo, atribuindo aos actos impugnados os efeitos jurídicos próprios de actos válidos.
Na senda do douto aresto acabado de citar e como resulta do regime próprio do acto nulo, este não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, salvo se os princípios gerais da boa fé, da protecção da confiança legítima e da proporcionalidade, porventura associados a uma petrificação por causa do tempo decorrido, imponham ao juiz a atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes do ato nulo.
Neste particular, começa por afirmar-se – em consonância com a sentença e o recorrido, que a boa-fé dos contrainteressados não tem a virtualidade de obstar ao cumprimento do julgado anulatório e à demolição do edificado em excesso, porquanto não é o único requisito previsto no invocado art.° 134°/3 do CPA (e agora no art.° 162°/3 do CPA) para o reconhecimento de efeitos dos actos nulos, decorrentes do decurso do tempo.
Pontifica a respeito o Acórdão do STA de 9/07/2014, tirado no Recurso nº 01561/13 de cujo sumário dimana a seguinte doutrina:
"I - A atuação correta, leal e de boa fé dos intervenientes no procedimento, ignorando a violação de qualquer disposição legal, não convalidará ou não fará desaparecer ilegalidade invalidante de que enferme o ato administrativo impugnado.
II - Os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios, não se destinando a preservar ou manter na ordem jurídica um ato administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade, e, assim, impedir que o mesmo seja declarado em processo judicial deduzido com tal objetivo."
Um indício especialmente relevante na aplicação do art. 134º/3 ao caso em apreço é, aliás, o prazo de 10 anos previsto no art. 69º/4 do RJUE.
Porém, o art. 134º/3 nunca poderá funcionar a favor de quem deu causa à nulidade, ou seja, a quem não esteja de boa fé, como é o caso do dono da obra ou do autor do ato administrativo nulo (vide, Marcello Caetano, Manual…, II, pp. 619 ss).
Ademais, como já dito e redito, não ficou demonstrado por parte do recorrente como era seu ónus (cf. art. 342º do CC) que a obra em causa é legalizável.
Acontece que em sede do art. 179º do CPTA (uma sentença condenatória), o juiz só pode pronunciar-se no sentido de impor a repristinação, sem prejuízo da eventual “renovação” lícita sanatória do ato anulado (cf. Mário Aroso/C.C., Comentário…, 4ª ed., p. 1284), sendo, pois, neste espírito que deve ser tido em conta o previsto nos arts. 102º-A/1 e 106º do RJUE (e não ao contrário) - cf. Mário Aroso/C.C., ob. cit., nota nº 1623.
Importa neste contexto referir que os arts. 173º e 179º do CPTA têm sempre a ver com a reposição efectiva da legalidade administrativa, mesmo nos casos previstos nos arts. 102º ss do RJUE, em especial no art. 106º.
E o certo é que no âmbito do licenciamento urbanístico, não há, por regra, lugar ao reconhecimento da relevância jurídica de situações de facto, criadas e duradouramente mantidas com base em actos nulos, sendo que os efeitos putativos têm sido tradicionalmente reconhecidos na jurisprudência, em especial, nas relações laborais entre a administração e os seus funcionários.
Mas, em matéria de urbanismo, como é sabido, os interesses de ordem pública prevalecem sobre as expectativas individuais, podendo o "jus aedifícandi", ceder por razões relacionadas com a protecção de integridade geofísica, ambiental ou paisagística da zona em questão (cfr. Acs. TCA-Sul de 27.09.2013 e de 08/05/2014, proferido no processo 10124/13, bem como Fernando Alves Correia, "Manual de Direito do Urbanismo", Almedina, Vol. III, p.172 e ss)."
Ora, como diz o recorrido, um reconhecimento amplo e generalizado de efeitos a actos nulos redundaria na sua sanação, também generalizada, a qual não é nem pode ser legalmente admissível - cfr. art.° 162° do CPA – sendo que, no caso vertente, há ainda que atender ao interesse público na reposição e manutenção da legalidade que não pode ser afastado por um interesse de particulares em terem 35,38m2 de pavimentos e arranjos exteriores em solos RAN.
Como bem se expendeu na sentença recorrida “Os denominados efeitos putativos, para além de deverem decorrer, em princípio, da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, dependem, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que directa, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do acto à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados, devendo a sua admissão estar sempre ligada à ideia de persecução do interesse público (cfr. Ac. STA de 16.06.98 - Rec. n°43.415).
Admitir in casu a legalidade do acto nulo contenciosamente recorrido, a reboque da produção de efeitos putativos, seria admitir uma verdadeira sanação de actos de licenciamento nulos, em benefício de quem (requerente do licenciamento e entidade licenciadora) foi responsável pelas ilegalidades geradoras dessa mesma nulidade ".
Entende-se, também, de referir que a análise e decisão sobre a presente matéria não põe em causa a garantia hipotecária que inclusivamente o Contra-Interessado, Banco ....., SA, detém sobre o prédio dos autos pelo que não têm que ser chamados à colação os efeitos putativos da nulidade da deliberação sob escrutínio.
Como já se disse, a reposição da legalidade poderá ser feita com a demolição desse excesso, subsequente produção de novo ato de licenciamento, expurgado do vício, o que não se compara com a situação em que estejam em causa edifícios ou moradias unifamiliares.
E, como salienta o recorrido, “o Estado tem a obrigação constitucional de "assegurar um correto ordenamento do território" e de salvaguardar e garantir o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado - cfr. arts. 9°, e) e 66°/1 da CRP.
Tais obrigações e interesses não podem ser afastados por um qualquer direito a embelezamentos no exterior da habitação, que contrariam as regras que presidiram à imposição de restrições de utilidade pública decorrentes do enquadramento na RAN.”
Assim, existia o dever de a entidade administrativa reconstituir a situação que existiria actualmente sem o ato inválido – é o chamado efeito repristinatório da sentença declarativa exequenda-, aqui se incluindo:
-A obrigação de praticar actos dotados de eficácia retroactiva,
-A obrigação de remover, reformar ou substituir outros actos jurídicos,
-A obrigação de alterar situações que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença declarativa de invalidação (incluindo o dever de anular, modificar ou substituir os actos administrativos consequentes do ato anulado: Mário Aroso, in F. de Quadros et al., Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, 2016, págs. 377-378);
-E o dever de dar cumprimento aos deveres que a Administração não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.
Evocando, mais uma vez, o Acórdão deste TCAS de 09-11-2017, Processo nº846/09.4BELLE-A “Na sequência dos efeitos retroativos e repristinatórios resultantes da anulação, pode haver “o eventual poder de praticar “apenas” novo ato administrativo no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado”, ou seja, sem as concretas ilegalidades formais (2) ou procedimentais (3) detetadas pelo tribunal, ainda que (eventualmente) com o mesmo sentido decisório (“substituição sanatória nos termos da sentença invalidante, no reexercício da mesma competência”: cfr. artigo 173º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 161º, 162º, 163º e 166º do Código do Procedimento Administrativo).
Cfr. assim o Acórdão do STA de 22-7-87, Processo nº 13018A, o Acórdão do STA de 13-11-2007, P. nº 341-A/03, o Acórdão do STA/Pleno de 15-10-2008, Processo nº 28055ª (4), o Acórdão do STA de 13-12-2008, Processo nº 047824ª (5), o Acórdão do STA de 30-9-2010, Processo nº 01388A/03 (6), o Acórdão do STA de 23-10-2012, Processo nº 0262/12; e o Acórdão do TCA Sul de 12-03-2009, p. nº 2211/06.
Tratam-se de corolários dos princípios constitucionais (i) do Estado de Direito, (ii) da tutela jurisdicional efetiva e (iii) da autoridade de caso julgado das decisões jurisdicionais;
Por outro lado, porque o que se impõe é sempre cumprir o previsto nos nº 1 e 2 do artigo 173º cit., o disposto no n.º 3 do art.º 176.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não significa a vinculação do tribunal a seguir o caminho indicado pelo exequente, nada impedindo o tribunal de condenar a Administração em coisa diversa do que seja pedido, desde que isso constitua a forma legalmente adequada de execução do julgado invalidante. Isto é assim, porque o que está em causa é o cumprimento do decidido no processo declarativo, repondo a ordem jurídica violada, e a forma como tal deve ser feito, e, sendo assim, se houver desacordo entre as partes ou inércia, cabe ao tribunal indicar a forma correta de dar cumprimento à decisão jurisdicional transitada em julgado.
Vd., assim, por ex., o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 22.3.2007, P. nº 024690-A e o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo-Pleno de 18-9-2008, P. nº 024690-A; e Mário Aroso de Almeida/C.C., Comentário ao CPTA, 4ª ed., p. 1305, nota 1642.”
Improcedem, pois e in totum as conclusões recursórias, o que se traduz no improvimento do presente recurso e, consequentemente, na confirmação da sentença recorrida.
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3. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo Município de Silves e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 19 de Abril de 2018


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[José Gomes Correia]


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[António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos]


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[Sofia David]