Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1439/12.4 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:OPOSIÇÃO
LIQUIDAÇÃO
PROVA DA NOTIFICAÇÃO VÁLIDA 
Sumário:A prova da notificação válida dos actos tributários, quando aplicável a notificação através de carta registada, pode ser efectuada pela conjugação de um documento interno com um documento externo cuja informação é prestada pelos CTT, por forma a operar-se a presunção judicial de que os documentos foram objecto de expedição sob registo, corroborada pelos elementos detidos pelos CTT atestando o seu recebimento na data indicada, desde que seja possível deles extrair a prova relativa à identificação do seu destinatário e seu endereço.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a acção de oposição deduzida por M. C., contra o processo de execução fiscal n.º ….033 que contra si foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Sintra -1, com vista à cobrança coerciva de dívidas proveniente da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2007 veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida relativamente ao modo como logrou concluir pela não notificação ou pela inválida notificação da liquidação adicional ao sujeito passivo, ora Oponente, o qual com o devido respeito, deriva não só da incorrecta percepção e valoração da prova mas também pelo uso de um suporte jurisprudencial desadequado aos factos aqui em presença perante a jurisprudência a mais avisada do Colendo STA citada pelo ora recorrente.

II. Há um ato de liquidação que deve ser realizado por carta registada simples, porquanto emitida na sequência da apresentação da declaração do contribuinte - inexistindo qualquer dúvida relativamente à forma e regularidade da notificação, nos termos do nº3, do art.38º do CPPT.

III. O Tribunal a quo considera que não tendo a AT juntado aos autos o registo (ainda que colectivo) comprovativo do envio da liquidação tendo como destinatário o sujeito passivo, limitando-se a juntar os registos informáticos que na sua óptica constituem documentos por si internamente elaborados não provam a remessa da liquidação nem o seu recebimento, concluindo pela ineficácia de tal acto, nos termos do art.39°, nº1, do CPPT afirmando, ademais, que o ónus da prova relativamente aos factos por esta alegados, previsto no art.74°, nº1, da LGT, não se cumpriu - merecendo a presente Oposição ser declarada procedente.

IV. A conclusão assim, para além de paradoxal, pois que não permite ao douto tribunal apurar se a notificação foi enviada ainda que irregularmente, ou não enviada de todo (não obstante os CTT certificaram que sim, e que foi entregue), revela, de resto que para o tribunal a quo um print retirado a partir das aplicações informáticas da própria AT (como aquele que se mostra consubstanciado no probatório B)) insere-se no mesmo âmbito e comunga do mesmo valor probatório que um "print de pesquisa dos CTT" (probatório C)) - evidência que não tem mínima aderência à realidade, e só por desconhecimento se pode fazer essa equiparação.

V. O próprio OEF alega que a liquidação nº20117258984 (identificada com o código de registo dos CTT RY…234PT) foi emitida em 02-12-2011, e foi certificado pelos próprios CTT de que o registo existe e foi entregue no destinatário.

VI. Relativamente à nota de liquidação enviada ao contribuinte e como exemplo paradigmático daquilo que juridicamente se qualifica de Probatio diabolica, seguramente não se pode pedir à Administração Fiscal que seja ela a juntar o original algo que enviou ao Oponente, e que convenientemente, o mesmo afirma não ter recebido - pelo que a esta mais não resta do que juntar o print interno.

VII. Fosse junta a segunda via da liquidação sendo a mesma retirada do sistema informático interno da AT que valor probatório tem ela acrescido relativamente ao print?? Nenhum, naturalmente.

VIII. Mas também não se pode afirmar, como afirma a douta sentença recorrida, que dos autos resultam apenas prints internos para assim concluir que a notificação tendo sido realizada, foi de forma irregular, ou se não foi de todo, pois que que o print de pesquisa dos CTT não constitui print interno para este efeito.

IX. Nem se pode concluir que só com a junção aos autos do registo comprovativo do envio da liquidação (colectivo ou não) a prova pode ser feita, pois que relativamente ao teor desta nossa asserção há jurisprudência mais avisada sobre a matéria, nomeadamente jurisprudência do Colendo STA vertida no acórdão proferido em 16 de maio de 2012, no processo 01181/2011, sucessivamente consolidada (consultável em www.dgsi.pt).

X. Na óptica da Fazenda Pública a conclusão de que da notificação da liquidação ao contribuinte se efectivou pode ser conseguida mediante a conjugação da prova, nomeadamente, dos seus registos internos com o registo dos CTT, que, na sua óptica, entende não serem internos.

XI. A pesquisa de objectos dos CTT é um serviço on-line (disponível na internet) colocado à disposição de todo e qualquer cliente dos CORREIOS de Portugal (não é uma prerrogativa da AT) que tendo apresentado uma encomenda registada (seja ela uma carta ou mercadoria à qual foi atribuído um número7referência de registo) a fim de ser enviada a um qualquer destinatário, permite ao remetente saber se a mesma logrou ter sido entregue/recebida, ou não, se foi reencaminhada, a data da aceitação (pelos CTT), a data do recebimento, ou do não recebimento.

XII. A pesquisa destes objectos (e desta notificação em particular) só é passivei, obviamente, tratando-se de carta registada, e sendo registada, se o foi de forma simples ou com aviso de recepção. As notificações enviadas sem registo, de forma simples, são enviadas e colocadas no receptáculo postal do destinatário, pelo que sem o preenchimento do registo e a atribuição da respectiva referência não é passivei aos CTI assegurar o sucesso da sua chegada ao destinatário

XIII. Ora, daqui resulta sem grande exercício mental que se o registo informático dos CTI certifica a entrega/recebimento deste tipo notificações forçoso será, mais do que pressupor, deduzir que a mesma obviamente foi apresentada pela AT junto dos serviços postais nessa qualidade, ou seja, registada na data da sua aceitação (está lá escrito) - funcionando a presunção do registo e o ónus que sobre si impende, nos termos do art.39°, n°1, do CPPT.

XIV. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, afigura-se-nos manifesto que face aos factos levados ao probatório e aos elementos carreados para os autos, designadamente, o facto de existir uma entidade exterior que certifica a entrega de um registo referente a uma notificação de um ato de liquidação coincidente nas datas, tinham pelo menos a virtude de criar a dúvida no julgador e que aliás se revela na conclusão a que chegou (ou não chegou) a decisão recorrida.

XV. Quem conclui ter dúvidas sobre a efectivação do ato de notificação não obstante duas entidades distintas o afirmarem comprovadamente, é o próprio tribunal a quo.

XVI. Se o douto tribunal a quo estava em dúvida, cumpria-lhe o dever de suprir o défice instrutório dos autos que o mantém nesse estado, diligenciando, por si ou junto da AT, solicitando a exibição do respectivo talão de registo (que face ao exposto supra não se nos afigura pertinente, mas enfim...) ou o fornecimento dos elementos que permitam solicitar informação aos CTT sobre a remessa e entrega da carta do à luz do principio do inquisitório (art.99°, nº1, da LGT e 13° do CPPT).

XVII. Entende, pois, a Fazenda Pública que não tendo a douta sentença recorrida sufragado semelhante entendimento perante os factos que deu por provados e por via da má apreciação da prova, à luz da jurisprudência do Colendo STA que se nos afigura a adequada, incorreu em erro de julgamento violando o disposto nos arts.36°, nº1, do CPPT e 74° da LGT impondo-se a sua revogação por acórdão que dando por provada a efectivação da notificação da liquidação ao ora Oponente dentro do prazo de caducidade, determine a improcedência da presente Oposição e bem assim da extinção do processo de execução fiscal subjacente.

XVIII. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, sempre se impunha lançar mão do princípio do inquisitório suprindo o défice instrutório a que os autos supostamente padecem no entender da douta decisão recorrida, nos termos e para os efeitos do artº99°, nº1, da LGT e 13° do CPPT, que assim se mostram violados

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que determine a improcedência da presente Oposição e bem assim da extinção do processo de execução fiscal subjacente.

Sem prejuízo de, caso assim não se entenda, lançar mão do principio do inquisitório suprindo o défice instrutório que os autos padecem inquisitório, nos termos e para os efeitos do art.99°, nº1, da LGT e 13° do CPPT, que assim se mostram violados


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida não contra-alegou.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos ao concluir que não foi feita prova do envio da notificação da liquidação ao oponente, por apenas terem sido juntos aos autos documentos internos ou “prints” internos da liquidação de IRS de 2007, bem como “prints” dos documentos dos CTTs da remessa e o recebimento da notificação da liquidação.



*



III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A)- Em 1 de Fevereiro de 2012, foi instaurado o processo de execução fiscal n°…033, contra ao ora oponente, por dívidas provenientes de liquidação sobre o imposto rendimento das pessoas singulares (IRS), relativo ao ano de 2007, no montante de €16.051,55 (cfr. fls. 15, 17-22 e 25 dos autos);

B)- Dá-se por integralmente reproduzido o instrumento de fls.12 dos autos que constitui um print, do qual se extrai que o documento de liquidação n.º2011 7258984 foi emitido em 02/12/2011 e remetido ao ora oponente pelo “CTT c/ registo, sem aviso, RY…234PT” e que o documento de liquidação de juros nº2011 7258984, foi emitido em 02/12/2011 e remetido ao ora oponente pelo “CTT c/ registo, sem aviso, RY…922PT” (cfr. fls.12 e 14 dos autos);

C)– Dá-se por integralmente reproduzido o instrumento de fls. 13 dos autos que constitui um print dos CTT, do qual se extrai que o Registo com o n.º RY…234PT, dirigido ao “local 2710 - Sintra”, foi entregue em 07.12.2011 (cfr. fls. 13 dos autos);

D)– Dá-se por integralmente reproduzido o instrumento de fls. 27 dos autos, relativo ao processo de execução fiscal nº…033, que constitui um aviso de recepção, com vista à “citação - notificação via postal”, assinado pelo ora opoente, em 02.11.2012 (cfr. fls. 27 dos autos).


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Com relevância para a decisão da causa nada mais se provou.

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Motivação: A decisão sobre a matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme referido em cada alínea do probatório.»

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III. 2 – Apreciação do recurso

Está em causa nestes autos a invocação pelo oponente, ora recorrido, da falta de notificação da liquidação exequenda, fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Assim sendo, tanto a notificação intempestiva, como a falta de notificação, afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que, em princípio, devem ser invocadas.

De acordo com o estatuído no artigo 45.º, n.ºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (LGT), o direito à liquidação do imposto caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que tivesse ocorrido o facto tributário.

O Tribunal recorrido julgou procedente a oposição no entendimento de que o oponente, ora recorrente, foi citado sem que se tenha provado a efectiva notificação da liquidação subjacente à dívidas exequenda, ónus que cabia à AT.

A recorrente imputa à sentença a verificação de erro de julgamento por errada apreciação dos factos ao concluir que não foi feita prova do envio da notificação da liquidação ao oponente, por apenas terem sido juntos aos autos “prints” internos da liquidação de IRS de 2007, bem como “prints” dos documentos dos CTTs da remessa e entrega da notificação da referida liquidação.

Vejamos, antes de mais, qual o regime de notificação aplicável.

Dispõe-se no artigo 36.º, n.º 1 do CPPT que «os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 38.º do CPPT, na redacção vigente à data dos factos, estatuia que «[a]s notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências

Resulta do n.º 3 da aludida norma que: «[a]s notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada

Vejamos então.

Não constitui facto controvertido que a liquidação em causa é uma liquidação adicional decorrente do decurso do prazo de suspensão da tributação de mais valias pela alienação de imóvel, suspensão essa resultante da declaração pelo recorrido da pretensão de reinvestir o valor da realização, sem recurso a crédito.

O Tribunal recorrido julgou a acção de oposição procedente, enfrentando a questão de saber «se, face à prova produzida nos autos, é possível concluir, que a AT notificou o executado da liquidação de IRS de 2007, podendo-se, desde já, antecipar que a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.»

A procedência da acção sustentou-se na seguinte fundamentação: «(…) por força do disposto no artigo 74.° da LGT, cabia à AT o ónus de demonstrar a efectivação da notificação da liquidação.

In casu, consideramos que esse ónus não foi cumprido, uma vez que a AT não juntou aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do sujeito passivo (nem sequer juntou um registo colectivo ou o respectivo aviso de recepção, se foi utilizado, apenas o que consta dos autos é o aviso de citação do processo de execução fiscal - cfr. alínea D) do probatório), antes se limitando a juntar prints informativos, conforme decorre das alíneas B) e C) do probatório.

Aliás, de acordo com os aludidos prints, os n.ºs dos registos dos CTT com o envio da nota de liquidação de imposto (cfr. alínea B) do probatório) e dos correspondentes juros (cfr. alínea C) do probatório) não são os mesmos, e isto apesar de o número do documento de liquidação coincidir, pelo que são informações que não se afiguram inteiramente claras e seguras.

Por outro lado, como, aliás, tem vindo a ser reconhecido pela jurisprudência dos nossos tribunais administrativos, enunciando-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCA Norte de 12.04.2013, proferido no processo n.º 01727/07.1BEPRT, com acuidade nos presentes autos, tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria AT, para efeitos internos, e que, nessa medida, não se podem considerar oponíveis ao executado, ora oponente, pois, “[Na] verdade, os ditos prints não provam a remessa da liquidação em causa para o domicílio da[o] oponente, nem o seu recebimento, sendo que nada nos garante que os prints juntos estejam em conformidade com os elementos com base nos quais foram, alegadamente, elaborados, esses sim, com valor probatório”.

Aqui chegados, resta-nos, pois, referir que o concreto prazo de caducidade do direito a liquidar os tributos, quando, como no caso sub judice, está em causa IRS de 2007, deve ser aferido em função do disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, que prescreve um prazo de 4 anos, o que determinaria que, in casu, o termo daquele prazo corresponderia ao dia 31.12.2011 - o que, aliás, diga-se, não é controverso nos presentes autos.

Nesta conformidade, atento o acima exposto, forçoso será concluir que o ora oponente foi citado em 02.11.2012 para os termos de uma execução fiscal (cfr. alínea D) do probatório) sem que se tenha provado a efectiva notificação da liquidação subjacente à dívida em cobrança, cabendo esse ónus da prova à AT, o qual não foi cumprido nos presentes autos, nos termos acima assinalados.

Por conseguinte, não tendo sido efectuada a notificação da liquidação ou não se tendo aqui demonstrado que houve uma notificação validamente efectuada, concluímos pela ineficácia de tal acto (cfr. artigos 77.º, n.º 6, da LGT e 36.º, nº 1, do CPPT), o que impede que o mesmo produza efeitos em relação ao executado, ora oponente, obstando, por isso, a que a dívida possa ser exigida, nos termos do disposto na alínea i), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT.»

Importa em primeiro lugar determinar qual a forma de notificação legalmente estabelecida para o caso que nos ocupa.

Dispõe o n.º 2 artigo 149.º do CIRS na redacção vigente à data dos factos: «[a]s notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.»

Estabelecendo o n.º 3 da aludida norma, que «[a]s restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil.»

Aqui chegados, a notificação por via postal através de aviso de recepção, era aplicável, aos casos previstos no n.º 2 artigo 149.º do CIRS, ou seja, à notificação dos actos de fixação ou alteração previsos no supra aludido artigo 65.º, por remissão expressa. Nos restantes casos (não incluídas no n.º 2), determinava o n.º 3 que as «notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, aso esse dia não seja dia útil.»

Ora o artigo 66.º estabelece, no que se refere à notificação, o seguinte:

«1 - Os actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respectiva fundamentação. (…)»

Por seu turno, o artigo 65.º que tem por epígrafe «Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos» dispõe o seguinte:

«1 - O rendimento colectável de IRS apura-se de harmonia com as regras estabelecidas nas secções precedentes e com as regras relativas a benefícios fiscais a que os sujeitos passivos tenham direito, com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal e noutros elementos de que a Direcção-Geral dos Impostos disponha.

2 - A Direcção-Geral dos Impostos procede à fixação do conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação quando ocorra alguma das situações ou factos previstos no n.º 4 do artigo 29.º, no artigo 39.º ou no artigo 52.º.

(…)»

O n.º 4 do artigo 29.º do CIRS é aplicável a situações de discordância da AT quanto ao valor de mercado atribuído pelo sujeito passivo na afectação de bens do património particular à sua actividade ou da actividade para o património particular, o que não constitui a situação subjacente aos autos.

Por seu turno, o artigo 39.º cuja epígrafe «Aplicação de métodos indirectos» é elucidativa da sua inaplicabilidade no caso concreto, já que regula as situações em que a AT está autorizada a proceder à determinação dos rendimentos do sujeito passivo recorrendo à aplicação de tais métodos, o que não vem invocado, nem resulta dos autos.

Por fim, o artigo 52.º do CIRS estabelece as regras aplicáveis na tributação de incrementos patrimoniais, em caso de divergência entre o valor declarado e o real que também não está em causa na situação vertente, na medida em que o valor da realização foi declarado e serviu de base para a liquidação adicional exequenda, após o decurso do prazo de suspensão da tributação em consequência da declaração pelo recorrido da pretensão de reinvestir tal valor, no prazo de 24 meses. Não resultando dos autos que tenha existido qualquer divergência em ralação ao valor da realização declarado.

Aqui chegados, impõe-se concluir que, nos termos do n.º 1 do artigo 149.º do CIRS na redacção vigente à data dos factos até à republicação do mesmo pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, norma especial, os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não o seja.

Importa agora retomar a questão de saber se, como alega a recorrente, foi feita a prova da notificação. Para tal sustenta que, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal recorrido, a prova constante dos autos não é apenas de índole interna, pois da correspondência entre a liquidação e o n.º do registo postal com o documento extraído da pesquisa na base de dados dos CTT se retira que o registo existe e foi entregue, não constituindo este um documento interno.

Vejamos.

No ponto B) da matéria de facto provada deu-se por reproduzido o documento de fls. 12 e 14 dos autos. De tal documento resulta provado que a liquidação adicional de IRS n.º 2011 5005142389 relativa ao ano de 2007 foi emitida em 02/12/2011 e que lhe corresponde o documento de identificação n.º 2011 7258984.

Este documento consta da base de dados da AT como tendo sido registado sem aviso, através de registo postal dos CTT n.º RY…922PT.

Dos documentos extraídos da base de dados dos CTT, com recurso a ferramentas de pesquisa resulta provado que o objecto postal a que corresponde o registo dos CTT n.º RY…922PT foi remetido em 06/12/2011, sob registo, sem aviso e recebido pelo destinatário em 07/12/2011, conforme se retira da conjugação dos pontos B) e C) da matéria de facto provada.

Da conjugação de um documento interno com um documento externo cuja informação é prestada pelos CTT, operar-se-á a presunção judicial de que os documentos foram objecto de expedição sob registo, facto corroborado pelos elementos detidos pelos CTT, elementos de prova atestando o seu recebimento na aludida data.

No entanto, os referidos documentos não esclarecem para quem foi dirigida a notificação, nem para que morada foi efectuado o registo postal, pelo que deles não se pode extrair a prova de que o envio da notificação se operou para o domicílio do contribuinte para o efeito de se operar a presunção do seu recebimento. Daí que a sentença tenha concluído não se ter demonstrado que houve uma notificação validamente efectuada.

Dito de outro modo, não se ignora, nem se desconsidera a valia de um documento externo consubstanciado nos prints extraídos do site dos CTT, como se verifica no caso dos autos. Contudo, esses elementos de prova devem ser coadunados com outros elementos (a montante) de modo a que se permita extrair a prova de que o registo postal identificado, remetido e recebido pelo destinatário, nas datas indicadas foram dirigidas ao executado e para o seu domicílio fiscal. Na falta de tais elementos de prova complementares, não é possível afirmar-se, com certeza, que a correspondência em causa foi dirigida correctamente ao oponente e para a sua morada. Tanto mais, que vem invocado por este, que apenas tomou conhecimento da liquidação com a citação efectuada a 1/2/2012.

Ora, a AT, poderia ter demonstrado tais factos com a junção, ao menos, de um registo colectivo do qual constassem os elementos aptos a comprovar que a correspondência foi remetida para o domicílio fiscal do oponente, ora recorrido. Tal prova, concatenada com os prints extraídos do site dos CTT, poderia permitir dar a notificação como validamente efectuada.

Com efeito, a notificação por carta registada, implica que seja assegurada a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através de recibo assinado pelo próprio ou por outrem por ele mandatado para o efeito, nos termos do previsto no artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreendendo os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo. Neste sentido v.g. Acórdão do STA de 08/01/2020, proc. 01639/17.0BELRA.

Ainda no mesmo sentido, o Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 3/14em 11/03/2015: «I – À AT cabe o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais aplicáveis.

II – O recibo de aceitação e o recibo de entrega da carta registada pelos serviços postais, previstos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada ao alcance do destinatário.

III – Trata-se, porém, de formalidade ad probationem (cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova), sendo que o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo, uma presunção legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando, presunção que, tendo por base o registo postal, só existe quando se prove que o registo foi efectuado.»

Também este Tribunal se pronunciou no mesmo sentido podendo ver-se por todos o Acórdão proferido no processo n.º 397/11.7BEALM de 16/09/2021 (colectivo que a ora relatora e a 1ª adjunta integraram como adjuntas) aqui aplicável, não obstante a diferença relativa à existência de registo colectivo, em vez de documento de pesquisa de objecto postal: «[c]ompulsados os autos, verifica-se que a recorrente junta um registo interno (fls. 120) e um registo colectivo dos CTT (fls. 119/verso). Tais elementos, só por si, não logram comprovar a efectividade da recepção pelo destinatário da notificação em causa, dado que não existem elementos nos autos que comprovem a entrada na esfera de cognoscibilidade dos oponentes da mesma.»

No que se refere às conclusões XIV a XVI e XVIII, alega a recorrente que tendo o Tribunal a quo dúvida sobre a efectiva notificação do acto, «cumpria-lhe o dever de suprir o défice instrutório dos autos que o mantém nesse estado, diligenciando, por si ou junto da AT, solicitando a exibição do respectivo talão (…)».

Importa afirmar, antes de mais, que o princípio do inquisitório não serve para suprir o incumprimento do ónus alegatório e probatório que incumbe às partes cumprir.

Não está em causa a existência de défice instrutório, na medida em que foram várias as oportunidades que a recorrente teve ao longo do processo para juntar os documentos necessários à prova dos factos que alega.

Com efeito, o órgão da execução, no âmbito da elaboração da informação a que alude o n.º 1 do artigo 208.º do CPPT, procedeu à junção dos documentos que reputou de convenientes, entre os quais os documentos com base nos quais foi dada como assente a matéria de facto. Reportamo-nos aos documentos internos relativos à correspondência entre o n.º da liquidação e o n.º do registo CTT, bem como o documento externo extraído do site dos CTT.

Já no âmbito da contestação teve a recorrente a oportunidade de juntar documentos de prova, não tendo logrado fazê-lo, fazendo alusão aos já existentes nos autos, juntos pelo órgão da execução. Saliente-se que este era o momento privilegiado para o cumprimento do ónus de alegar e de proceder à junção dos documentos destinados à prova dos factos que sustentava e que considerava essenciais à sua defesa, não o tendo feito.

Notificadas as partes para apresentação de alegações, poderia ter procedido à junção de documentos.

Afirmando-se na sentença que a AT não cumpriu com o ónus da demonstração da efectividade da notificação da liquidação, não tendo junto aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação, admite-se que a FP ainda em sede do presente recurso tentasse proceder a essa prova (sem prejuízo de se sujeitar ao julgamento do TCA sobre a sua admissibilidade) juntando documentos em falta, o que, como se vê, nem sequer foi tentado.

Não constituindo tal documento o único meio de prova, reitera-se, o que importava era que fosse provado o envio da referida liquidação para o recorrido e provado o envio para o seu domicílio, de modo a que se pudesse daí extrair a prova da entrega da notificação ao executado, o que não logrou efectuar.

Do exposto se conclui que não se impondo ao Tribunal substituir-se à parte no ónus da alegação e prova, não há défice instrutório, nem se mostra violado o princípio do inquisitório que implique a baixa dos autos para a realização de diligências complementares de prova, julgando-se assim totalmente improcedente o recurso.


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A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

Ficando a recorrente vencida na acção, sobre ela impende a responsabilidade tributário das custas do processo (cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.




IV – CONCLUSÕES


A prova da notificação válida dos actos tributários, quando aplicável a notificação através de carta registada, pode ser efectuada pela conjugação de um documento interno com um documento externo cuja informação é prestada pelos CTT, por forma a operar-se a presunção judicial de que os documentos foram objecto de expedição sob registo, corroborada pelos elementos detidos pelos CTT atestando o seu recebimento na data indicada, desde que seja possível deles extrair a prova relativa à identificação do seu destinatário e seu endereço.


V – DECISÃO


Termos em que, acordam as juízas que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Maio de 2023.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta