Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:121/14.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EXECUÇÃO. FALTA DE CITAÇÃO. MEIO PROCESSUAL ADEQUADO.
Sumário:O meio processual próprio para dirimir a questão da falta de citação consiste no incidente de arguição de nulidade insanável junto do órgão de execução fiscal. O autor pode sempre deduzir reclamação judicial contra a decisão desfavorável do incidente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
P………………………..deduziu a presente acção administrativa especial contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico deduzido contra o indeferimento da reclamação graciosa, tendo em vista que sejam efectuadas as notificações na sua pessoa no âmbito do processo de execução fiscal nº ………………….., que corre termos no Serviço de Finanças de Loures-4.
Alega ter sido notificado em 29/04/2013 para apresentação de documento de veículo penhorado no âmbito de processo de execução fiscal, a correr contra si, e que só nessa data tomou conhecimento das mesmas.
Em 03/06/2013, apresentou reclamação graciosa na qual alegou nunca ter exercido cargos de gestão na sociedade devedora e que sofreu vários acidentes vasculares cerebrais (AVC) e que entre Novembro de 2011 e Março de 2013 não recebeu qualquer comunicação da Autoridade Tributária.
Termina peticionando o reconhecimento do justo impedimento e que seja declarado nulo todo o processado posterior às invocadas notificações.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por despacho saneador proferido a fls. 152 e ss., (numeração do SITAF), datado de 2016-10-18, julgou procedente a excepção de erro na forma do processo, abstendo-se de conhecer da acção administrativa especial, determinando a convolação da petição de reclamação graciosa em requerimento a juntar ao processo de execução fiscal nº ………………….., que corre termos no Serviço de Finanças de Loures-4, com vista à arguição de nulidade de citação.
A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional contra o despacho em crise. Alega nos termos seguintes:
«) A) Destarte, salvo o devido respeito, somos da opinião que a douta decisão, procedeu à errónea apreciação dos factos e consequente aplicação do direito ao caso concreto.
B) A sentença ora recorrida resulta de erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 52 n.º do CPPT, 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 CPPT, ao ter convolado a petição inicial de reclamação graciosa em requerimento de arguição de nulidade.
C) Entende ainda a Recorrente que os fundamentos invocados quer na reclamação graciosa quer na Acção Administrativa apresentadas pelo ora Recorrido são fundamentos de oposição à execução fiscal, pelo que deveria a decisão a quo ter concluído pelo erro na forma do processo e averiguado da impossibilidade de convolação por intempestividade, concluindo pela absolvição da AT ser absolvida do pedido nos termos do n.º 3 do Art.º 576º do CPC ex vi da al. e) do Art.º 2º do CPPT.O que se Requer
D) Caso assim não se considere, sempre entenderemos que o douto Tribunal a quo deveria se ter pronunciado sobre a questão de mérito dos autos, ao demitir-se do conhecimento de mérito, o douto tribunal a quo violou o princípio pro actione, economia processual, aproveitamento dos actos e da justiça.
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Pedro M…………………………, na qualidade de recorrido, não apresentou contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação.
A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:
«1. Por despacho de 12/11/2012 o Chefe do Serviço de Finanças de Loures-4 determinou a preparação do processo de execução fiscal n.º ……………., instaurado para cobrança da quantia de € 135.647,76, originariamente contra a sociedade "O ………………, S.A." para efeitos de reversão contra o aqui A., determinando a sua notificação para efeitos de audição prévia (cfr. fls. 5 e 6 do processo administrativo apenso).
2. A notificação do A., registada com aviso de recepção, para efeitos de audição prévia a que alude o ponto anterior, foi devolvida com a indicação de "objecto não reclamando" (cfr. fls. 7 a 10 do processo administrativo apenso).
3. Repetida a notificação para efeitos de audição prévia, veio a ser devolvida com a indicção de "objecto não reclamado" (cfr. fls. 11 a 14 do processo administrativo apenso).
4. Em 27/12/2012 foi proferido despacho de reversão da execução fiscal contra o A., nos termos contantes de fls. 15 do processo administrativo apenso.
5. As cartas de citação do A. para a execução fiscal vieram devolvidas com a indicação de "objecto não reclamado" (cfr. fls. 17 a 21 e 22 a 26 do processo administrativo apenso).
6. Em 03/06/2013, em requerimento dirigido ao Chefe de Finanças de Loures-4, o A. deduz reclamação graciosa invocando justo impedimento para receber notificações da Administração Tributária, por ter estado internado e peticionou a revogação do despacho de reversão e que fosse ordenado nova citação/notificação para efeitos de reversão e audição prévia (cfr. procedimentos de reclamação graciosa).
7. A reclamação graciosa referida no ponto anterior foi indeferida liminarmente, por despacho de 30/07/2016, por esse não ser o meio idóneo para os pedidos formulados (cfr. fls. 50 a 60 do procedimento de reclamação graciosa).
8. Através do ofício com a referência 053929 de 31/07/2013, o A. foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 64 a 72 do procedimento de reclamação graciosa).
9. Em 26/08/2013 o A. deduziu recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 74 e segs. do PA apenso).
10. Em 16/01/2014 o A. deduziu a presente acção administrativa especial contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico (cfr. fls. 4 dos presentes autos).
11. Por despacho de 24/01/2014 do Subdirector-Geral de Finanças foi indeferido o recurso hierárquico, por não ser o meio próprio para os pedidos formulados, notificado ao A. pelo ofício com a referência 009972, datado de 12/02/2014 (cfr.94 a 96 e 98 a 102 do PA apenso).
Motivação: O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados.»
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2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido o despacho impugnado.
2.2.2. No dispositivo do mesmo consignou-se o seguinte: «a) Julgo procedente a excepção de erro na forma do processo e, consequentemente, abstenho-me de conhecer da presente acção administrativa especial. // b) Determino a convolação da petição de reclamação graciosa em requerimento a juntar ao processo de execução fiscal n.º ………………….., que corre termos no Serviço de Finanças de Loures-4».
Para tanto, o despacho estruturou, em síntese, a fundamentação seguinte:
«(…) A "falta de citação" no processo de execução fiscal trata-se de uma nulidade insanável, a conhecer oficiosamente ou a arguir nesse mesmo processo até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigos 165.º, n.º 4 e 190.º, n.º 6 do CPPT). // Assim sendo, o A. podia arguir a nulidade da citação na data em que apresentou a reclamação graciosa, sendo que a Administração Tributária não pode demitir-se do dever de conhecer da nulidade da citação (que não foi tão pouco referida na decisão de reclamação graciosa), estando mesmo, obrigada a proceder à convolação na petição de reclamação graciosa em requerimento de arguição de nulidade, já que o dever de convolação é oficioso. // Com efeito, o princípio do aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos encontra-se consagrado no n.º 3, do artigo 98.º do CPPT. // Face ao exposto, não se vislumbra qualquer obstáculo legal à convolação da petição inicial de reclamação graciosa em requerimento a juntar aos autos de execução fiscal, para apreciação da nulidade de citação suscitada, porquanto é essa a via processual adequada à tutela dos interesses em causa».
2.2.3. A recorrente sustenta que o despacho em crise incorreu em erro de julgamento. Invoca que: «A sentença ora recorrida resulta de erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 52 n.º do CPPT, 97.º, n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 4 CPPT, ao ter convolado a petição inicial de reclamação graciosa em requerimento de arguição de nulidade. // Entende ainda a Recorrente que os fundamentos invocados quer na reclamação graciosa quer na Acção Administrativa apresentadas pelo ora Recorrido são fundamentos de oposição à execução fiscal, pelo que deveria a decisão a quo ter concluído pelo erro na forma do processo e averiguado da impossibilidade de convolação por intempestividade, concluindo pela absolvição da AT ser absolvida do pedido nos termos do n.º 3 do Art.º 576º do CPC ex vi da al. e) do Art.º 2º do CPPT.O que se Requer».
Apreciação. Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) A notificação do A., registada com aviso de recepção, para efeitos de audição prévia a que alude o ponto anterior, foi devolvida com a indicação de "objecto não reclamando" (n.º 2).
ii) Repetida a notificação para efeitos de audição prévia, veio a ser devolvida com a indicção de "objecto não reclamado" (n.º 3).
iii) Em 27/12/2012 foi proferido despacho de reversão da execução fiscal em apreço contra o A., nos termos contantes de fls. 15 do processo administrativo apenso (n.º 4).
iv) As cartas de citação do A. para a execução fiscal vieram devolvidas com a indicação de "objecto não reclamado" (n.º 5).
v) Em 03/06/2013, em requerimento dirigido ao Chefe de Finanças de Loures-4, o A. deduz reclamação graciosa invocando justo impedimento para receber notificações da Administração Tributária, por ter estado internado e peticionou a revogação do despacho de reversão e que fosse ordenado nova citação/notificação para efeitos de reversão e audição prévia (n.º 6).
Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que o recorrido alega a falta da efectividade das notificações e da citação na sua pessoa para os termos do processo de execução fiscal n.º ……………………. Invoca justo impedimento. Pelo que o pedido formulado incide sobre a necessidade da repetição dos actos de comunicação em apreço.
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
a) «A nulidade da citação não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável. // Invocada a nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal, há que ponderar se é possível a convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), possibilidade a que não obsta o facto de o pedido formulado ter sido o de anulação do despacho de reversão, se o mesmo puder ser interpretado como de declaração de nulidade da citação (…)». (1)
b) «A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável. // Invocada a nulidade da citação em processo de execução fiscal, há que ponderar a possibilidade de convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT) (…)».(2)
c) «A jurisprudência do STA-SCT tem-se pronunciado, de forma reiterada e uniforme, no sentido de que a apreciação das nulidades do processo de execução fiscal incumbe ao OEF, devendo ser suscitada em específico requerimento de arguição, sendo eventual decisão desfavorável passível de reclamação para o tribunal tributário (…)» (3).
d) «Da obrigação, cometida à AT, de convolar para a forma adequada os pedidos dos contribuintes inseridos no procedimento tributário (art. 52º do CPPT) não resulta que possa ou lhe caiba ordenar a convolação para uma forma de processo judicial tributário que seja adequada, pois esta competência cabe apenas ao tribunal tributário (nº 4 do 98º do CPPT e nº 3 do art. 97º da LGT). (4)
Em face dos elementos referidos não se vê como acompanhar a tese da recorrente. No caso, o recorrido invoca a falta de citação na execução, pelo que o meio próprio para dirimir a questão em apreço consiste no incidente de arguição de nulidade insanável (artigo 165.º/1/a), do CPPT), junto órgão de execução fiscal (artigo 151.º/1, do CPPT). Sem prejuízo da possibilidade de o autor deduzir reclamação judicial contra a decisão desfavorável do incidente (artigo 276.º do CPPT). A presente solução é a mais adequada à garantia da tutela judicial efectiva, dado que observa a distribuição legal de competências entre os órgãos investidos com poderes de decisão no caso (artigo 103.º/1 e 2, da LGT).
Ao decidir no sentido apontado, o despacho impugnado não enferma do erro de julgamento que lhe é apontado, pelo que deve ser confirmado na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto- Hélia Gameiro Silva)

(2º. Adjunto –Ana Cristina Carvalho)


(1) Acórdão do STA, de 04.03.2015, P 01271/13.
(2) Acórdão do STA, de 07.05.2014, P. 0283/14.
(3) Acórdão do STA, 04.12.2019, P. 0224/19.7BELRS
(4) Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 10.04.2013, P. 01159/12