Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1452/21.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PEDIDO DE REVISÃO DO ATO TRIBUTÁRIO
DECURSO DO PRAZO DE RECLAMAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
IMPUGNAÇÃO/ ATO CONSEQUENTE
Sumário:I - O pedido de revisão do ato tributário plasmado no artigo 78.º da LGT, quando materializado ao abrigo do seu n.º 1, 2.ª parte não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se reporta o artigo 52.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal e bem assim do artigo 196.º do CPPT, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido.

II-O pedido de revisão do ato tributário, só quando apresentado no prazo de reclamação, na medida em equivale a esta, pode ser considerado apto para efeitos de suspensão da execução fiscal.

III-A aludida interpretação não só resulta da falta de previsão expressa no texto da lei, mormente, do artigo 169.º do CPPT, como se encontra em conformidade com outras soluções legislativas, designadamente, a regulada no artigo 49.º da LGT, e mediante a interpretação conjugada dos seus n.ºs 1 e 4, alínea b).

IV-Não tendo o pedido de revisão oficiosa, deduzido após o decurso do aludido prazo, a virtualidade de determinar, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, a suspensão da execução fiscal, igualmente não poderá esse desiderato ser alcançado através da impugnação do indeferimento desse mesmo pedido de revisão oficiosa, sob pena de, por um lado, subverter-se a ratio legis subjacente à insusceptibilidade de efetivação da suspensão do processo de execução fiscal e, por outro lado, admitir-se uma forma de contornar a aludida limitação legal, em claro prejuízo da coerência do sistema jurídico, desvirtuando ainda a certeza e a segurança jurídica enquanto princípios e norteadores basilares.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO



O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, (doravante DRFP) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, através da qual julgou procedente a reclamação deduzida por M..., (Recorrido) contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças (SF) das Caldas da Rainha, datada de 27 de setembro de 2021, pela qual foi determinado o prosseguimento dos autos para a marcação de venda de bens penhorados e indeferido o seu pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal (PEF) n.º ..., que naquele serviço contra si corre termos para cobrança coerciva de dívidas provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referentes ao ano de 2013, no valor total de €36.525,86.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


A. O presente recurso vem interposto contra a douta sentença julgou procedente por provada, a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta por M..., contra decisão do Chefe do Serviço de Finanças (SF) das Caldas da Rainha, datada de 27/09/2021, pela qual foi determinado o prosseguimento dos autos para a marcação de venda de bens penhorados e indeferido o seu pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal (PEF) n.º ..., instaurado para cobrança coerciva de dívida provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao exercício de 2013, no valor total de €36.525,86.


B. O órgão de execução fiscal, para negar provimento à pretensão suspensiva formulada pelo reclamante, considerou que o pedido de revisão oficiosa da liquidação não é um meio de defesa que, acompanhado da prestação de garantia idónea, possa ter a virtualidade de suspender a execução fiscal, a menos que seja apresentado dentro do prazo previsto para a reclamação graciosa.


C. O que se entende não merecer censura.


D. Tem sido jurisprudência consolidada provinda dos tribunais superiores que apenas o pedido de revisão oficiosa efetuado pelo contribuinte dentro do prazo de reclamação graciosa, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, pode determinar a suspensão da execução fiscal, ao contrário do pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo de iniciativa da AT previsto no disposto no artigo 78°/1, 2ª parte da LGT, que não tem efeito suspensivo da cobrança da prestação em dívida. (v. Acórdão do STA de 03/05/2017, proferido no recurso n.º 0427/17, disponível para consulta em www.dgsi.pt).


E. O pedido de revisão do acto tributário apresentado pelo reclamante excedeu muito além o prazo de reclamação graciosa, e ainda que associado a garantia idónea, não tem a virtualidade de suspender o processo de execução fiscal nos termos do artigo 169.º do CPPT, e, por conseguinte, de suspender a cobrança da prestação tributária.


F. Consequentemente, também a impugnação judicial enquanto acto resultante daquele.


G. A matéria em análise e com contornos semelhantes ao presente caso mereceu debruce e pronuncia no Ac. do STA prolatado no recurso n.º 0427/17de 03/05/2017, em que é relator o Sr. Juiz Conselheiro CASIMIRO GONÇALVES, disponível para consulta em www.dgsi.pt , que se transcreve o sumário:


“I - Está legalmente fundamentado o despacho que contém as razões de facto e de direito em que a respectiva decisão assenta, delas se apropriando, e se as mesmas esclarecem de forma clara e adequada para um normal destinatário os motivos dessa decisão.


II - Não tendo o pedido de revisão oficiosa, deduzido ao abrigo do disposto no segmento final do nº 1 do art. 78° da LGT, a virtualidade de determinar, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, a suspensão da execução fiscal, igualmente não poderá esse desiderato ser alcançado através da impugnação do indeferimento desse mesmo pedido de revisão oficiosa.”


III- Nessa circunstância, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não fica dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT ou de quaisquer esclarecimentos a solicitar ao executado, em ordem a estabelecer o valor desses bens.”


H. Por conseguinte a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental junta aos autos, violando as disposições contidas nos artigos 52º/4 e 78º/1 da LGT e 169º do CPPT, razão pela qual deve ser revogada.


Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal, com o que se fará como sempre Justiça!”



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O Recorrido devidamente notificado optou por não apresentar contra-alegações.



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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.



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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.



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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:


“Com interesse para a decisão da presente reclamação, fixo a seguinte factualidade:


1. Em 26.01.2017 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em nome do Reclamante, liquidação adicional de IRS referente ao exercício de 2013, no valor total de €36.525,86 (cf. nota de fls. 25 do Proc. n.º 1165/17.8BELRA no SITAF);

2. Em 19.07.2017 o Reclamante apresentou, junto do SF das Caldas da Rainha, impugnação judicial contra a liquidação referida em 1., que neste Tribunal correu termos sob o n.º 1165/17.8BELRA (cf. vinheta de fls. 24 e petição de fls. 3 e seguintes, todas do Proc. n.º 1165/17.8BELRA no SITAF);

3. Em 27.11.2020 foi proferida sentença no âmbito do Proc. n.º 1165/17.8BELRA, pela qual foi julgada procedente a exceção perentória da caducidade do direito de ação e absolvida a Fazenda Pública do pedido (cf. sentença de fls. 77 e seguintes do SITAF);

4. Em 27.01.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF das Caldas da Rainha, pedido de revisão oficiosa da liquidação referida em 1. (cf. requerimento de fls. 67 e seguintes do SITAF);

5. Em 13.08.2021 o Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Leiria indeferiu o pedido de revisão oficiosa referido em 4. (cf. despacho de fls. 94 do SITAF);

6. Em 10.09.2021 o Reclamante apresentou, junto deste Tribunal, impugnação judicial da liquidação referida em 1., que aqui corre termos sob o n.º 1254/21.4BELRA (cf. assinatura a posta a fls. 1 do Proc. n.º 1254/21.4BELRA no SITAF);

7. Em 04.08.2021 o Reclamante apresentou, junto do SF das Caldas da Rainha requerimento através do qual solicitava a suspensão do PEF n.º ... até ao trânsito em julgado da impugnação que viesse a ser apresentada na sequência do indeferimento do procedimento de revisão oficiosa da liquidação de IRS referente ao exercício de 2013 (cf. requerimento de fls. 64 e seguintes do SITAF);

8. Em 14.09.2021 o SF das Caldas da Rainha elaborou informação na qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. informação de fls. 50 e seguintes do SITAF):

“(…)

- Na sequência da sentença de improcedência proferida no âmbito do Processo de Impugnação Judicial n.º 1165/17.8BELRA, foi enviada, no passado dia 21.07.2021, carta ao executado, informando que a execução fiscal foi suspensa nos termos dos artigos 169.° e 199.° do Código de Procedimento e de Processo de Execução fiscal (CPPT), com prestação de garantia por constituição de penhora sobre os seguintes prédios:

- artigo urbano inscrito na união de freguesias de Caldas da Rainha - Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório sob o n.º ...,

- artigo misto, inscrito na união de freguesias supra identificada, na matriz rústica sob o art. … e na matriz urbana sob o art. …,

- artigo urbano inscrito na mesma união de freguesias sob o n.º …

Devendo o executado proceder ao pagamento integral da dívida ou ao pedido do pagamento da mesma em prestações, sob pena do prosseguimento dos autos e a execução da garantia.

- Em 04.08.2021 veio o executado, através do seu mandatário, alegar que a suspensão do processo de execução fiscal deve manter-se «até ao trânsito em julgado da impugnação que venha a ser apresentada na sequência do indeferimento do procedimento de revisão oficiosa.»

Em 10.09.2021 a executada foi notificada do Despacho de 25.08.2021 com o seguinte teor: «Considerando a presente informação. Considerando que a revisão do ato tributário, prevista no artigo 78° da LGT, não tem o efeito suspensivo referido no art. 52.° da LGT ou 169.° do CCPT, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa, caso em que equivale a esta e, por isso, pode ser considerado como reclamação com os efeitos previstos naqueles artigos. Considerando que há muito foi ultrapassado o prazo para o pedido de reclamação graciosa, indefiro o pedido, devendo os autos prosseguir para marcação da venda. Notifique.»

Em 14.09.2021 o executado vem informar a apresentação de impugnação judicial, na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, requerendo a manutenção da suspensão do processo de execução fiscal, até trânsito em julgado da respetiva impugnação.

Ora, conforme o Despacho de 25.08.2021, que recaiu sobre o pedido efetuado em 04.08.2021 no sentido manter a suspensão do processo de execução fiscal até ao trânsito em julgado da impugnação que venha a ser apresentada na sequência do indeferimento do procedimento de revisão oficiosa, a pretensão do executado não pode merecer deferimento.

O pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte ao abrigo do art. 78.° da LGT não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se refere o art. 52.°, n.° 1, da mesma lei e o art. 169.° do CPPT, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa. A falta de previsão na lei, de não conferir efeito suspensivo ao pedido de revisão efetuado para além do referido prazo, tem o entendimento jurídica e fiscalmente aceite que os meios impugnatórios indicados nos referidos artigos têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, enquanto o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver sido pago o tributo, o que significa que, a ser-lhe concedido efeito suspensivo da execução fiscal, existiriam consequências negativas relevantes ao nível da segurança jurídica e da celeridade na cobrança das receitas tributárias prosseguida pela execução fiscal, não podendo ficar ao dispor do contribuinte o alargamento dos prazos.

Face ao exposto, julgo que a impugnação apresentada na sequência de um pedido de revisão oficiosa não deverá suspender a execução fiscal. (…)”

9. Em 27.09.2021 o Chefe do SF das Caldas da Rainha apôs na informação referida em 8. o despacho “Considerando a presente informação, prossigam os autos para marcação da venda. Notifique.” (cf. despacho de fls. 50 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:


De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), que aqui tem aplicação por força da al. e) do artigo 2.º do CPPT, na fundamentação da sentença “o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.


Para a prova dos factos acima elencados sob os números 1. a 9., foi determinante a análise da prova documental junta aos autos pelo órgão da execução fiscal aquando da remessa do processo a este Tribunal, bem como daquela que foi junta pela Reclamante no âmbito deste processo de reclamação, sem que qualquer das partes tenha apresentado oposição à junção dos sobreditos documentos ou por qualquer forma impugnado a referida documentação, tudo conforme supra se encontra devidamente identificado em frente a cada um dos pontos do probatório – cf. artigos 374.º e 376.º do Código Civil.


Foi ainda determinante a consulta da plataforma informática de apoio à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, à qual a signatária tem acesso no âmbito do exercício das suas funções, e através da qual foi possível pesquisar a existência de processos existentes no Tribunal em nome da Reclamante, designadamente os associados à dívida que se encontra em cobrança coerciva neste processo executivo.”



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Consta ainda na decisão recorrida que “Nenhum outro facto foi considerado provado ou não provado com interesse para a presente decisão.”



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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo TAF de Leiria contra a decisão do Chefe do SF das Caldas da Rainha, que ordenou o prosseguimento dos autos para a marcação de venda de bens penhorados e o indeferimento do seu pedido de manutenção da suspensão do processo de execução fiscal n.º ..., que naquele serviço contra si corre termos para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS referentes ao ano de 2013, no valor total de €36.525,86.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, face ao exposto e ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, porquanto interpretou erroneamente a realidade fática dos autos, e com isso julgou, incorretamente, que o órgão da execução fiscal incorreu em erro sobre os pressupostos de direito consagrados nos artigos 52.º, da LGT, em conjugação com o artigo 169.º do CPPT, quando indeferiu o seu pedido de suspensão da execução fiscal.

Vejamos, então.

A Recorrente sustenta, desde logo, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que é jurisprudência consolidada dos tribunais superiores que apenas o pedido de revisão oficiosa efetuado pelo contribuinte dentro do prazo de reclamação graciosa, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, é causa de suspensão do processo de execução fiscal.

Logo, no caso vertente, tendo o pedido de revisão do ato tributário sido apresentado pelo Reclamante após o decurso do prazo de reclamação graciosa, e ainda que associado a garantia idónea, não tem a virtualidade de suspender o processo de execução fiscal nos termos do artigo 169.º do CPPT, e, por conseguinte, de suspender a cobrança da prestação tributária, donde também a impugnação judicial enquanto ato resultante daquele, não poderá ter essa virtualidade.

Termina sustentando que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental junta aos autos, violando, nessa medida, as disposições contidas nos artigos 52.º, nº 4 e 78.º, nº1 da LGT e 169.º do CPPT, razão pela qual deve ser revogada.

Atentemos, desde já, no quadro normativo que releva para o caso dos autos.

Dispõe o artigo 85.º, nº3 do CPPT relativamente à proibição da moratória e da suspensão da execução fiscal que:

“3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.”

No concernente à regulamentação da suspensão da execução fiscal, dispunha, à data, o artigo 169.º, do CPPT que:

“1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
2 - A execução fica igualmente suspensa, desde que, após o termo do prazo de pagamento voluntário, seja prestada garantia antes da apresentação do meio gracioso ou judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dívida, o período a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicação da intenção de apresentar meio gracioso ou judicial para discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
3 - O requerimento a que se refere o número anterior dá início a um procedimento, que é extinto se, no prazo legal, não for apresentado o correspondente meio processual e comunicado esse facto ao órgão competente para a execução.
4 - Extinto o procedimento referido no número anterior, aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 200.º
5 - A execução fica ainda suspensa até à decisão que venha a ser proferida no âmbito dos procedimentos a que se referem os artigos 90.º e 90.º-A.
6 - Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efetiva prestação.
7 - Caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.
8 - Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.º, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução (…)”

De convocar, outrossim, o artigo 199.º, números 1 a 5, e 8 do CPPT, sob a epígrafe de “garantias”, o qual estatui que:

“1 – Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.
2 – A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195º, com as necessárias adaptações.
3 – Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.
4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efetuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7.
5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.
(…)
8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4.”

Preceituando, ainda neste particular, o artigo 52.º, nºs 1, 2 , 3 e 7, da LGT, relativamente à garantia da cobrança da prestação tributária que:

“1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
3 - A administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.(…)
7 - A garantia pode, uma vez prestada, ser excecionalmente substituída, em caso de o executado provar interesse legítimo na substituição e daí não resulte prejuízo para o credor tributário.”

Visto o direito que releva para o caso dos autos, importa, então, apurar se a decisão recorrida padece do arguido erro de julgamento.

Comecemos por ter presente o acervo fático dos autos, para cabal perceção da questão.

Da factualidade assente resulta que a 26 de janeiro de 2017, a AT emitiu, em nome do Recorrido, liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2013, no valor total de €36.525,86, a qual foi objeto de impugnação judicial a 19 de julho de 2017, tendo sido julgada verificada a caducidade do direito de ação, mediante decisão prolatada a 27 de novembro de 2020.

Mais resulta que, a 27 de janeiro de 2021, o Recorrido apresentou, junto do SF das Caldas da Rainha, pedido de revisão oficiosa relativamente ao mesmo ato de liquidação, peticionando a sua anulação por padecer de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Sendo que, a 21 de julho de 2021, atenta a improcedência da impugnação judicial, o órgão da execução fiscal notifica o Recorrido para proceder ao pagamento da dívida exequenda, sob pena do prosseguimento dos autos e execução da garantia.

Nessa sequência, a 04 de agosto de 2021, o Recorrido apresenta requerimento no qual peticiona a suspensão do PEF n.º ... até ao trânsito em julgado da impugnação que vier a ser apresentada na sequência do indeferimento do procedimento de revisão oficiosa da aludida liquidação de IRS referente ao ano de 2013.

Promanando, outrossim, que a 13 de agosto de 2021, o Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Leiria indeferiu o pedido de revisão oficiosa, e nessa decorrência, a 25 de agosto de 2021, foi prolatado despacho de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal, porquanto a revisão do ato tributário, prevista no artigo 78.° da LGT, não tem o efeito suspensivo referido nos artigos 52.° da LGT e 169.° do CCPT, a menos que seja apresentado no prazo da reclamação graciosa.

E bem assim, e em resultado do exposto, o Recorrido a 10 de setembro de 2021, deduz impugnação judicial relativamente ao indeferimento expresso do pedido de revisão do ato tributário, a qual corre termos junto do TAF de Leiria, sob o número de processo 1254/21, apresentando, nessa decorrência, novo requerimento informando, desde logo, a dedução de impugnação judicial, e renovando, por esse facto, o pedido de suspensão do processo executivo até ao trânsito em julgado da aludida impugnação judicial.

Por seu turno, e em resposta, ao aludido requerimento, o órgão da execução fiscal renova os fundamentos de direito já expendidos anteriormente e coadunados, como visto, com a insusceptibilidade da revisão do ato tributário poder lograr efeito suspensivo na medida em que apresentado após o decurso do prazo de reclamação graciosa, relevando, adicionalmente, que com base nessa argumentação a impugnação apresentada na sequência de um pedido de revisão oficiosa não deverá suspender a execução fiscal. Despacho esse, que constitui o ato, ora, reclamado, e que motivou a apresentação da presente reclamação.

Ora, atento o circunstancialismo fático supra expendido, dimana, desde logo, que os fundamentos constantes do ato reclamado são os seguintes:

1) A revisão do ato tributário quando apresentada após o decurso do prazo de reclamação não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido.

2) Donde, a impugnação apresentada na sequência de um pedido de revisão do ato tributário não pode, igualmente, suspender a execução fiscal.

E a verdade é que, na senda do propugnado pela Recorrente e atenta a realidade fática dos autos, não se afigura que o Tribunal a quo tenha interpretado da melhor forma o dissídio ao anular o ato.

Senão vejamos.

Ab initio, importa, desde já, evidenciar que a AT relevou, expressamente, o pressuposto de facto atinente à existência da impugnação judicial, entendendo-a, porém, na perspetiva e enquanto ato consequente de um meio gracioso que, no caso, não daria lugar a suspensão do processo de execução fiscal, como visto, por ter sido deduzido após o decurso do prazo de reclamação graciosa, não tendo, por isso, incorrido numa errónea interpretação dos pressupostos de facto. Aliás, o Recorrido reconhece, desde logo, essa expressa assunção no artigo 22.º e conclusão L) da sua p.i.

E por outro lado, o entendimento preconizado pela AT na fundamentação do ato reclamado é secundado, unânime e de forma consolidada, pela Jurisprudência, mormente, do STA, destacando-se, designadamente os Acórdãos prolatados pelo Plenário no âmbito dos processos nºs 460/11, de 16 de novembro de 2011, e 0932/12, de 12 de dezembro de 2012, e bem assim, no âmbito dos seguintes Arestos prolatados nos processos nºs 65/09, de 15 de abril de 2009, 649/09, de 29 de julho de 2009, 1237/09, de 20 de janeiro de 2010, 01/12, de 25 de janeiro de 2012, 01058/13, de 28 de junho de 2013 e mais recentemente nos processos números 0242/18, de 16 de janeiro de 2019, 0257/18, de 09 de janeiro de 2019 e 261/18, de 05 de dezembro de 2018.

Com efeito, a Jurisprudência vem doutrinando que o pedido de revisão oficiosa do ato tributário plasmado no artigo 78.º da LGT, e quando materializado ao abrigo do seu n.º 1, 2.ª parte não tem o efeito suspensivo da cobrança da prestação tributária a que se reporta o artigo 52.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal e bem assim do artigo 196.º do CPPT, ainda que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se encontre garantido. Noutra formulação, o pedido de revisão do ato tributário, só quando apresentado no prazo da reclamação graciosa, na medida em equivale a esta, pode ser considerado apto para efeitos de suspensão da execução fiscal.

Mais entendendo que a solução legislativa de não conferir efeito suspensivo ao pedido de revisão efetuado para além do referido prazo, mesmo que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido esteja garantido, não só resulta de falta de previsão expressa no texto da lei, particularmente, do expendido no citado artigo 52.º, n.º 1, da LGT, e bem assim no normativo 196.º, n.º 1, do CPPT, como se encontra em conformidade com outras soluções legislativas, designadamente, a regulada no artigo 49.º da LGT, concretamente, da interpretação conjugada dos seus n.ºs 1 e 4, alínea b).

Sendo, ainda, destacado e sublinhado que o supra expendido não se mostra desajustado, e isto desde logo, atenta a segurança jurídica e a celeridade na cobrança das receitas tributárias materializada na execução fiscal, face aos prazos de reação, porquanto, como é consabido, as garantias consignadas nos já citados artigos 52.º da LGT e 196.º do CPPT têm prazos relativamente diminutos-quando comparados com o pedido de revisão oficiosa do ato tributário, que pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo.

Neste particular, e por forma a melhor expender as razões subjacentes ao entendimento supra expendido, extratamos, ora, pela clara e pormenorizada apreciação da questão a doutrina vertida no citado Aresto proferido no processo nº 0261/18, datado de 05 de dezembro de 2018, e demais jurisprudência nele citada, a cuja fundamentação jurídica se adere:

“Com efeito «(…..) a não inclusão do pedido de revisão no catálogo do art. 169.º do CPPT não pode ter-se como devida a um lapso ou esquecimento do legislador, tanto mais que também o art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) – que não constituindo lei de valor reforçado, assume a natureza de lei que fixa os princípios e fundamentos do sistema tributário (DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotações 1 e 3 ao art. 2.º, págs. 64 a 66, afirmam: «A LGT não é uma lei constitucional nem sequer uma lei reforçada. […] Contudo, foi intenção do legislador que a LGT fosse uma lei de “cúpula” do sistema tributário, fixando os seus princípios estruturantes e fundamentantes em matéria axiológica», visando «como regra, regular exaustivamente as matérias de que trata».) – não inclui a revisão entre as causas de suspensão da execução fiscal. Ademais, concomitantemente, embora o n.º 1 do art. 49.º da LGT confira efeito interruptivo da prescrição ao «pedido de revisão oficiosa» (que não confunde com a “reclamação”, também aí prevista), quando, na alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, confere efeito suspensivo da prescrição à paragem da execução fiscal não inclui o “pedido de revisão oficiosa” entre as causas dessa paragem.
É certo que a revisão, embora configurada como um meio oficioso, pode ser impulsionada a pedido do sujeito passivo [cfr. n.ºs 1 e 7 do art. 78.º da LGT; vide também a alínea e) do n.º 2 do art. 46.º, o n.º 1 do art. 49.º e a alínea c) do n.º 1 do art. 54.º da LGT].

É também certo que, no caso de pedido de revisão, a jurisprudência (Para além da citada na sentença, que deixámos referida supra em (3), vide também os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 15 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 65/09, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04c500a0579f5bd88025759f00508122;
- de 25 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 735/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/748897845d55a87b80257e83003368c0.
Vide também os seguintes acórdãos do Pleno da mesma Secção, em que não se admitiu o recurso por oposição de acórdãos, deduzida ao abrigo do art. 284.º do CPPT, com o fundamento de que constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que só o pedido de revisão oficiosa efectuado pelo contribuinte dentro do prazo de reclamação administrativa, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, pode provocar a suspensão da execução fiscal:

- de 16 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 460/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e388449baed9e228025795300418206;
- de 12 de Dezembro de 2012, proferido no processo n.º 932/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/49948aac0e4e5dec80257ae80057f692.) e a doutrina têm admitido o efeito suspensivo quando a revisão tenha sido requerida dentro do prazo da reclamação graciosa (cfr. art. 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT), mas apenas porque, nesse caso, fazem equivaler o pedido de revisão à reclamação graciosa. Na verdade, a revisão a pedido do sujeito passivo prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT consubstancia uma reclamação graciosa, pois tem o mesmo prazo, é dirigida ao próprio autor do acto e por ele decidida e, sobretudo, o mesmo fundamento, ou seja, “qualquer ilegalidade” (cfr. os arts 70.º, n.º 1, e 99.º do CPPT).

«[A] reclamação graciosa, prevista no CPPT, e a revisão dos actos tributários por iniciativa do sujeito passivo, prevista na LGT, são um só instituto, pese as suas diferentes denominações e as discrepâncias existentes entre as duas normas quanto ao órgão competente para decidir, pelo que concluímos que o mecanismo previsto no art. 78.º, n.º 1 da LGT obedece à disciplina procedimental constante do capítulo VI do CPPT» (RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 167.).

Assim, por força do preceituado no art. 52.º, n.º 1, da LGT, que faz uma referência genérica a “reclamação”, este pedido de revisão terá efeito suspensivo, dentro do condicionalismo do n.º 1 do art. 169.º. Por outro lado, em caso de procedência a AT fica obrigada à «reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade» (cfr. art. 100.º da LGT), designadamente com o pagamento de juros indemnizatórios, contados desde o pagamento até à emissão da nota de crédito (cfr. art. 61.º, n.º 3, do CPPT).

Já quando a revisão seja por iniciativa da AT (caso em que não pode configurar-se como uma reclamação) ou a pedido do sujeito passivo mas após estar esgotado o prazo da reclamação graciosa – ou seja, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo, caso o tributo não tenha sido pago (art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT) –, a lei não lhe reconhece efeito suspensivo. Neste caso, o pedido de revisão não se assume como um verdadeiro meio impugnatório, com efeito de destruição retroactiva dos efeitos do acto, mas antes «reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação» (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 3 ao art. 78.º, pág. 705.), como resulta do facto de os juros indemnizatórios só serem devidos caso haja atraso na decisão do pedido e já não da data do pagamento [cfr. art. 43.º, n.º 3, alíneas b) e c), da LGT].

Ora, não podemos olvidar que o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários impede a AT de conceder moratórias no pagamento das correspondentes dívidas. A indisponibilidade dos créditos tributários está expressamente prevista no n.º 2 do art. 30.º da LGT, que dispõe: «O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária» (Aplicando este princípio, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 816/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/719aa594c06ff0c080257a2b003ac5a3.

Neste acórdão acolheu-se a tese de que «a lei fiscal determina a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributárias, prevalecendo esta disposição sobre qualquer legislação especial – artigo 30.º/2 e 3 da LGT, na redacção dada pelo art. 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro», motivo por que «[…] a indisponibilidade dos créditos tributários impõe-se à própria AT e a todos os particulares e não pode ser afastada por vontade das partes ou de terceiros, sendo decorrência directa dos fundamentais princípios da legalidade e igualdade tributárias, os quais encontram guarida nos artigos 266.º, 13.º, 103.º e 104.º, todos da CRP».).

A indisponibilidade dos créditos tributários – que significa que AT não pode discricionariamente alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos – decorre, em última análise, do princípio da legalidade tributária (O princípio da legalidade, consagrado no art. 266.º, n.º 2, da CRP – «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei […]» – impõe aos órgãos da AT que actuem no sentido da obtenção das prestações devidas nos termos da lei fiscal, certificando-se que os cidadãos cumprem a obrigação decorrente, desde logo, do n.º 3 do art. 103.º, n.º 3, da CRP, de pagar os impostos que «tenham sido criados nos termos da lei e cuja liquidação e cobrança» se façam nas formas «prescritas pela lei».), que impõe à AT que actue com vista à obtenção da prestação efectivamente devida nos termos da lei fiscal [cfr. arts. 103.º, n.º 3, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art. 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], e do princípio da igualdade [cfr. arts. 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP e art. 6.º, do CPA], que lhe impõe a obrigação de prosseguir o objectivo de tratar igual e uniformemente todos os contribuintes, maxime na exigência, modificação ou extinção das obrigações tributárias deles. Ambos os princípios estão também consagrados no art. 55.º da LGT, que enumera os princípios a observar pela AT na sua actividade.

Por outro lado, o art. 36.º da LGT, no seu n.º 2, é inequívoco: «Os elementos essenciais da relação jurídica não podem ser alterados por vontade das partes» (Como dizem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., anotação 8 ao art. 36.º, pág. 297, «nenhum elemento da relação tributária pode ser alterado por vontade das partes: nem o objecto da obrigação; nem os juros; nem o prazo de pagamento, etc.» pois «[a] isto se opõe o princípio da legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da actividade administrativa».); concretizando, no campo das moratórias, o princípio do citado n.º 2, o n.º 3 do mesmo artigo afirma: «A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei». Em sintonia com o n.º 3 do art. 36.º da LGT, o art. 85.º, n.º 3, do CPPT («A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária».), prevê que possam ser responsabilizados subsidiariamente os que, dolosamente, concederem moratórias fora dos casos previstos na lei.

Tendo presente o que vimos de dizer, podemos avançar no sentido de que a indisponibilidade do crédito tributário e a impossibilidade de a AT conceder moratórias só consentem excepções concretizadas mediante intervenção legislativa, concretizada em lei formal da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, na sequência de uma Lei de Autorização Legislativa emitida pelo Parlamento para esse efeito, sob pena de violação do princípio da legalidade e da tipicidade tributária.

A não concessão de efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão formulado para além do prazo da reclamação graciosa não se apresenta sequer como uma solução desajustada ou desproporcionada.

Na verdade, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA (Ver nota (2) supra.), enquanto os meios impugnatórios indicados no art. 52.º da LGT e no art. 196.º do CPPT têm de ser deduzidos dentro de prazos relativamente curtos, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado até quatro anos após a liquidação ou até a qualquer momento, se não tiver havido pagamento do tributo. O que significa que, se o legislador lhe tivesse conferido a virtualidade de suspender a execução fiscal (fora das situações em que é apresentado dentro do prazo da reclamação graciosa, situação em que deve merecer o mesmo tratamento que esta, como vimos), a suspensão ocorreria as mais das vezes num momento em que a execução fiscal se encontraria já numa fase em que a suspensão teria efeitos negativos muito superiores àqueles que advirão da suspensão numa fase precoce do processo (A título de exemplo, o Autor refere: «basta ter presente que, se um pedido de revisão oficiosa fosse apresentado no segundo ou terceiro ano posterior à liquidação, por exemplo, poderia a execução fiscal estar já em fase de pendência de anúncios de venda ou de período de apresentação de propostas ou mesmo em fase posterior à venda, antes da sua entrega aos compradores, e a suspensão nesse momento seria mais onerosa não só para o exequente (os anúncios da venda perderiam a sua utilidade) como para os potenciais compradores, que poderiam já ter efectuado despesas para conhecerem e avaliarem os bens em que pudessem estar interessados».). Por outro lado, como salienta o mesmo Autor, «com a possibilidade de pedir a revisão oficiosa com efeito suspensivo da execução fiscal, colocar-se-ia ao dispor dos executados um meio de paralisarem a execução repetidamente em momentos em que tal paralisação era inconveniente para o interesse público, com previsível descrédito da eficácia das vendas efectuadas em execução fiscal e desmotivação de potenciais compradores, com os evidentes efeitos a nível da obtenção de melhores preços de venda que a concorrência entre os interessados pode propiciar».

São patentes e compreensíveis, em face da finalidade essencial do processo de execução fiscal (a cobrança célere das dívidas tributárias, assegurando-se que o Estado obtém as receitas imprescindíveis ao seu funcionamento e ao cumprimento das tarefas que lhe estão cometidas) e do modo em que o mesmo está estruturado – «em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 2 ao art. 148.º, pág. 28.) –, os motivos que terão levado o legislador a não conferir efeito suspensivo da execução fiscal ao pedido de revisão da liquidação apresentado para além do termo do prazo da reclamação graciosa.”


Concluindo, in fine, que tal interpretação em nada traduz uma violação do princípio da igualdade nem um “[e]ntrave desproporcionado ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, pois este tem de ser balanceado com o interesse público da cobrança célere do tributo, de que é expressão o art. 177.º do CPPT”.

Face ao exposto e tendo presente, outrossim, o disposto no artigo 8.º, nº 3 do CC, tendo em vista promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito, concluiu-se, assim, que o pedido de revisão quando apresentado após o decurso do prazo de reclamação graciosa, não tem efeitos suspensivos do processo de execução fiscal.

Mas, como visto, a questão em contenda coloca-se já no plano subsequente e passível de qualificação como de “segundo grau”, impondo-se, por isso, indagar se a fundamentação jurídica supra expendida é transponível para uma situação em que já existe indeferimento do pedido de revisão do ato tributário e se encontra pendente impugnação judicial.

No fundo, importa indagar se a impugnação judicial deduzida do indeferimento do pedido de revisão não é meio processual suscetível de proporcionar a suspensão do processo de execução fiscal, se acompanhada da prestação de garantia idónea, e a resposta é negativa.

De facto, como visto, a letra dos normativos que vimos analisando expressam no seu teor a impugnação judicial, inexistindo qualquer exceção, expressamente consignada, no domínio impugnatório, mas a verdade é que a admitir-se essa possibilidade estar-se-ia a subverter a ratio legis subjacente à insusceptibilidade de efetivar a suspensão do processo de execução e devidamente densificadas anteriormente.

Com efeito, não podemos descurar, tendo sempre de valorar o ato que lhe subjaz, e no caso não há dúvidas que é, de facto, uma impugnação judicial que tem na sua génese um indeferimento de um pedido de revisão do ato tributário, o qual foi deduzido após ser julgada verificada a exceção da caducidade do direito de ação de uma primeira impugnação judicial deduzida e após o decurso de quatro anos e quase oito meses após a emissão do ato tributário.

Entende-se, nessa medida, que todo o supra exposto é inteiramente transponível, enquanto “ato consequente”, sob pena de estarmos a permitir uma abertura que não foi, de todo, intencionada pelo legislador. No fundo, a admitir-se tal interpretação estar-se-ia a admitir uma forma de contornar a aludida limitação legal, em claro prejuízo da coerência do sistema jurídico, permitindo, de resto, nos casos em que os tributos não são objeto de pagamento-podendo, como visto, a revisão ser a todo o tempo-que as liquidações nunca se consolidem. No fundo, a admitir-se o supra expendido, tal permitiria que o recurso ao expediente do artigo 78.º, nº1, 2ª parte, da LGT e ulterior dedução de impugnação judicial perpetuassem, ad eternum, a cobrança coerciva das dívidas, subvertendo, assim, a certeza e a segurança jurídica enquanto norteador basilar.

Este é, também, o sentido doutrinado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 427/17, datado de 03 de maio de 2017, segundo o qual:

“Não tendo o pedido de revisão oficiosa, deduzido ao abrigo do disposto no segmento final do nº 1 do art. 78° da LGT, a virtualidade de determinar, quando associado à constituição ou prestação de garantia idónea, a suspensão da execução fiscal, igualmente não poderá esse desiderato ser alcançado através da impugnação do indeferimento desse mesmo pedido de revisão oficiosa.”

Pelo que, face ao exposto não sufragamos o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, entendendo-se que o despacho reclamado não padece da errónea interpretação que lhe é assacada pelo Recorrido, porquanto inexistindo fundamento para a suspensão da execução fiscal pelos motivos supra expendidos inexiste qualquer violação dos convocados normativos 52.º da LGT e 196.º do CPPT, legitimando a prossecução dos termos normais da execução, em ordem ao consignado no artigo 199.º, particularmente, nºs 4 e 8, do CPPT.

Face a todo o exposto, inexistindo quaisquer outras questões por apreciar e julgadas prejudicadas, e sem necessidade de outros considerandos, assiste razão à Recorrente, procedendo, assim, o recurso interposto pela DRFP, revogando-se a decisão recorrida, com a consequente manutenção do ato reclamado, conforme se decretará, de seguida, no dispositivo do presente acórdão.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO jurisdicional interposto pela DRFP, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação, mantendo-se o ato reclamado com todas as legais consequências.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)