Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1485/18.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:GERÊNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
PROVA
Sumário:O recorrente não conseguiu provar que utilizou os bens ou serviços da sociedade devedora originária de forma a não diminuir o valor dos bens, ou até a sua perda ou deterioração. A oneração do património para garantir interesses terceiros e a canalização do produto da venda para pagamento de tais interesses, é evidenciador da culpa do recorrente na insuficiência de bens para pagamento integral da dívida exequenda. Não pode, pois, considerar-se que o recorrente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

R....., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a Oposição à Execução fiscal deduzida pelo próprio contra a liquidação adicional de IRC respeitante ao ano de 2016, no valor global de € 1.109.612,40€, desencadeada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«A) - A douta sentença recorrida julgou improcedente a oposição à execução fiscal, por considerar que não foi ilidida a presunção de culpa que impende sobre o Recorrente.

B) - Contudo, o recorrente entende que a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que não considerou ilidida a presunção de culpa que impende sobre si.

C) - A reversão operada contra o Recorrente foi sustentada legalmente na alínea b) do n.° 1 do art.° 24° da LGT, segundo a qual o gerente é responsável subsidiário pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não prove que não lhe é imputável a falta de pagamento.

D) - Contudo, o recorrente/oponente logrou provar que não foi por sua culpa que não foi satisfeito o crédito tributário, vejamos:

E) - A sociedade devedora originária tem como objeto social a compra e venda de imóveis.

F) - Em dezembro de 2009, adquiriu por via de um contrato de permuta, à sociedade "O....., SA’, as frações A a D, H a O do prédio urbano sito na Praça dos Restauradores, e em troca a sociedade devedora originária cedeu àquela sociedade O....., SA, várias frações.

G) - Quer as frações adquiridas pela sociedade devedora originária (J....., Lda.), quer as frações que esta cedeu à sociedade O....., SA estavam oneradas com hipotecas a favor de entidades bancárias.

H) - As frações adquiridas pela J..... garantiam dívidas da sociedade O....., SA., para com o banco BPN, S.A., tendo este banco cedido os seus créditos à P....., S.A, a qual moveu uma ação executiva contra a J....., Lda., com vista à cobrança da dívida.

I) - Neste contexto, em 2016 foi feita a venda das referidas frações, A a D e H a O do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ....., frações que estavam registadas contabilisticamente como mercadoria na sociedade devedora originária, pelo valor de € 8.850.000,00, valor muito superior ao valor patrimonial (€ 2.373.984,00).

J) - O produto da venda serviu para pagamento das dívidas elencadas no ponto 11 dos factos provados, bem como para pagamento das dívidas à Autoridade Tributária, conforme consta do ponto 12 dos factos provados.

L) - O oponente, enquanto gerente da sociedade devedora originária, atuou de forma diligente, uma vez que a venda foi realizada no âmbito da atividade normal da empresa (compra e venda de imóveis), tendo sido realizada pelo preço de mercado, bastante superior ao valor patrimonial (€ 2.373.984,00).

M) - O produto da venda foi afeto ao pagamento de dívidas garantidas pelas frações, ao pagamento de indemnizações pela cessação dos contratos de arrendamento e, ainda, ao pagamento à AT dos ónus garantidos pelas frações.

N) - Deste modo, o recorrente acautelou o pagamento das dívidas garantidas pelas hipotecas, bem como o pagamento das demais dívidas, pagamentos que foram efetuados diretamente aos credores, não tendo sequer existido depósito dos valores na conta da devedora originária.

O) - De realçar que à data da venda não existia a dívida revertida para o recorrente, a qual foi apurada posteriormente, daí que não se possa dizer que o oponente atuou com o intuito de se frustrar ao pagamento dos créditos tributários.

P) - O oponente vendeu o imóvel da sociedade, pelo valor de mercado, apesar do mesmo se encontrar fortemente onerado, o que em muitas situações condiciona os termos e os valores dos negócios, o que no caso concreto não sucedeu.

Q) - A atuação do gerente tem que ser avaliada perante factos concretos e atuais, e não no pressuposto da existência de situações futuras adversas, que podem ou não vir a acontecer, como entendeu a douta sentença, ainda que de forma inadequada.

R) - A venda das frações A a D e H a O, não teve como objetivo a diminuição do património da sociedade mas antes o normal desenvolvimento da atividade para a qual estava registada - compra e venda de Imóveis, dai não fazer sentido falar-se em agir no sentido de preservar o património, mas sim, no sentido do cumprimento do objeto social da empresa.

S) - O oponente confrontado com os ónus que incidiam sobre o património da empresa, agiu como agiria o homem médio, ou seja, proveu pela venda do património pagando as dívidas existentes e inerentes àquele património, sendo certo que na referida data não existiam dividas fiscais.

T) - Atendendo aos factos dados como provados nos autos entende o oponente que se encontra ilidida a presunção de culpa que recai sobre si, concluindo- se, deste modo, que a douta sentença recorrida incorreu em erróneo julgamento de facto e de direito.

U) - Concluindo-se, deste modo, que a douta sentença recorrida incorreu em erróneo julgamento de facto e de direito, e violou o disposto art.° 74° da LGT e art.° 24° da LGT.

V) - A douta sentença recorrida atribuiu à causa o valor de € 1.109.612 40, valor que o recorrente manteve no presente recurso, tendo pago taxa de justiça pelo escalão máximo da tabela 1-B. Nos termos do disposto no art.° 6°, n.° 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), as causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se for dispensar o pagamento.

X) - O Recorrente entende que estão preenchidos os requisitos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porquanto, atenta a complexidade da causa, não se vislumbram questões de elevada especialização ou complexidade técnica a dirimir, nem se verificam nenhum dos requisitos do n.° 7 do art.° 530° do CPC.

Z) - O recorrente limitou-se a alegar tão só o essencial à boa apreciação da causa e à descoberta da verdade material, por essa razão não deve o recorrente ser penalizado, em sede de custas judiciais, face ao seu comportamento processual e face à questão objeto dos autos.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e em consequência ser julgada extinta a execução quanto ao revertido.»

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A Fazenda Pública notificada, não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer, datado de 18 de dezembro de 2019, no sentido da improcedência do recurso, por entender «que a douta sentença recorrida fez uma correta apreciação da factualidade apurada bem como das normas legais aplicáveis, não padecendo dos vícios que lhe são imputados».

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.


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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se ocorre o alegado erro de julgamento porquanto a sentença recorrida não considerou ilidida a presunção de culpa que impende sobre o oponente/recorrente.


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 II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«
1. Em 11.10.2017, pelo serviço de finanças de Leiria 1, foi instaurado o processo de execução fiscal [PEF] n.° ....., contra a sociedade “J....., LDA.", por dívida de IRC, por dívida de IRC do exercício de 2016, no valor global de € 1.109.612,40 com data limite de pagamento voluntário situada em 21.09.2017.
[cfr. cópia de autuação e certidão de dívida de fls. 86-87 e ofício de “citação pessoal de fls. 88 do processo físico].

2. Em 15.11.2018 o ora Oponente recebeu o ofício de "citação(reversão)" no PEF
n.° ....., pela quantia exequenda de € 1.109.612,40, remetido na sequência de despacho de reversão que apresenta o seguinte teor:
"(...) Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (...).
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão de pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do seu cargo [art. 24.°/n.° 1/b) LGT].
1)Inexistência de bens do devedor originário (...) compulsados os sistemas informáticos da Autoridade Tributária (...), verifica-se que em nome do devedor originário não existem quaisquer bens, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, suscetíveis de penhora."
[cfr. cópia de ofício de "citação (reversão), registo e aviso de receção de fls. 152-154v do processo físico].

3. Da certidão permanente relativa à sociedade "J......", NIPC ....., constam as seguintes menções:
"Matrícula (...)
Ap.28/20061227 (...) Contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais
Firma: J....., LDA.
NIPC: ..... (…)
Objeto: compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim
(...) sócios e quotas (...) M..... (...) J..... (...)
Forma de Obrigar (...): (...) pela assinatura de um gerente (...)
Órgão designados: M.....
J..... (...)

Data da deliberação: 20061227

Ap. 01/20090827 (...) cessação de funções de membros de órgãos sociais (...)
Gerência:
(...) J..... (...)
Causa: renúncia Data: 2009-08-25
(...) M..... (...)
Causa: renúncia Data: 2009-08- 25

INSC. 2; Ap. 4/20090827 (...) transformação em sociedade unipessoal por quotas (online) e designação de membros de órgãos sociais (online)
Firma: J....., LDA.
NIPC: ..... (...)
Objeto: compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (...) sócios e quotas (...) R..... (...)
Forma de Obrigar (...): (...) pela assinatura de um gerente (...)
Órgão designados: R..... (...)
Data da deliberação: 2009-08-25

INSC. 3; Ap. 16/20101007 (...) transformação de unipessoal por quotas em sociedade por quotas (online)
Firma: J....., LDA.
NIPC: ..... (…)
(...) sócios e quotas (...) R..... (...) G....., SA
Forma de Obrigar (...): (...) com a intervenção de dois gerentes (...)

INSC. 4; Ap. 2/20101008 (...) designação de membros de órgãos sociais (online)
Órgão designados: M..... (...) J.....
Data da deliberação: 2010-09-29

Ap. 52/20160224 (...) cessação de funções de membros de órgãos sociais (online)
Gerência:
(...) J..... (...)
Causa: renúncia
Data: recebida pela sociedade em 20160110

Ap. 45/20170227 (...) cessação de funções de membros de órgãos sociais (online)
Gerência:
(...) M..... (...)
Causa: renúncia Data: 20161227 (...)"
[cfr. cópia de certidão permanente do Registo comercial fls. 127-132v do processo físico]

Mais se provou o seguinte,

4.         Em 23.12.2009 entre o ora Oponente R....., na qualidade de sócio gerente em representação da sociedade "J....., LDA." e M..... e J....., na qualidade de administradores e em representação da sociedade "O....., SA." foi celebrado contrato de permuta, por escritura pública, em que o primeiro declarou que a sua representada é dona e legítima possuidora das frações autónomas ali identificadas nos pontos 1 a 26, cuja soma dos valores patrimoniais totaliza o valor de € 2.345.630,00, sobre as quais existem as hipotecas ali especificadas, que se mantém e, em que os segundos declaram que a sua representada é dona e legítima possuidora das frações autónomas ali identificadas nas alíneas a) a l), frações estas identificadas pelas letras A a D e H a O, do prédio urbano sito na ....., inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ....., inscrito na matriz sob o artigo ....., freguesia de Santa Justa, cuja soma dos valores patrimoniais totaliza o valor de € 2.345. 630,00, sobre as quais existem duas hipotecas voluntárias, uma a favor do BPN - BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS SA e outra a favor do BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS SA, que se mantém, e em que o primeiro e os segundos declararam que a representada do primeiro cede à representada dos segundos os imóveis identificados nos pontos 1 a 26 e, a representada dos segundos em troca cede à representada do primeiro os imóveis identificados nas alíneas a) a l), e que sendo todos os imóveis permutados de valor zero não há tornas a pagar ou receber pelos permutantes, sendo a diferença de valores patrimoniais de € 1.000,00.

[cfr. documento de fls. 179 a 188 do processo físico - cópia de escritura pública]

5.         Em 05.08.2010, o ora Oponente R..... e J....., na qualidade de únicos administradores e em representação da em representação da sociedade "O....., SA.", e o ora Oponente na qualidade de único sócio e gerente da sociedade "J....., LDA." e o BPN - BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS SA, foi celebrado contrato de mútuo com hipoteca, em que o primeiro declarou que a sociedade "J....., LDA.", sendo dona das frações autónomas A a D, H a O do prédio urbano sito na ....., inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ....., inscrito na matriz sob o artigo ....., freguesia de Santa Justa, registadas a seu favor, constitui sobre as mesmas hipoteca a favor do banco para garantia do empréstimo que o mesmo concedeu à "O....., SA.", no valor de € 500.000,00, tendo declarado existir justificado interesse na constituição da referida hipoteca a favor da sociedade "O....., SA.", nos termos do artigo 6.° do Código das Sociedade Comerciais.

[cfr. documento de fls. 50v a 60 do processo físico - cópia de escritura pública]
6.         Por escritura pública de 30.12.2010 o BPN - BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, SA. cedeu à sociedade P....., SA, os créditos, garantias e acessórios do crédito concedido à sociedade "O....., SA.", cujo montante era à data de € 6.098.580,64, para garantia do qual o mesmo tinha constituído hipoteca sobre as frações autónomas A a D, H a O do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ....., inscrito na matriz sob o artigo ....., freguesia de Santa Justa, registadas a seu favor e do crédito concedido à sociedade "O....., SA.", cujo montante era à data de € 508.285,86, para garantia do qual o mesmo tinha constituído hipoteca sobre as frações autónomas A a D, H a O do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ....., inscrito na matriz sob o artigo ....., freguesia de Santa Justa, registadas a seu favor.
[cfr. documento de fls. 15v a 34 do processo físico - cópia de escritura pública]

7. Pela P....., SA foi apresentado um requerimento executivo contra a sociedade devedora originária identificada no ponto 1, o ora Oponente, "O....., SA.", M....., J..... e M....., que deu origem ao processo 14547/13.5YYLSB, Lisboa - 3.° Juízo, 2.ª secção, Sec-Geral Execuções, para pagamento do valor de € 6.500.000,00 correspondente ao capital mutuado, acrescido de juros e custas, no total € 8.089.080,94.
[cfr. documento de fls. 10 a 15 do processo físico - cópia de ofício de citação e requerimento executivo]
8. A sociedade originária devedora, o Oponente e outros apresentaram embargos de executado no âmbito do processo 14547/13.5YYLSB.
[cfr. documento de fls. 65v a 71 do processo físico - cópia de petição de embargos]
9. Em face de diligencias encetadas pelo ora Oponente para se alcançar um acordo com P....., SA no âmbito do processo 14547/13.5YYLSB, mediante o pagamento do capital em dívida com o preço da venda das frações penhoradas propriedade da sociedade originária devedora, a P....., SA dirigiu ao mesmo uma comunicação nos seguintes termos:

"(…)

O....., SA.
Exmo. Sr. R.....
Assunto: Resposta à Vossa Carta de 09 de Dezembro de 2015 (em anexo)
Exm°. Sr. Senhor R.....,
Vimos pelo presente e na sequência da vossa carta em anexo datada de 09 de Dezembro de 2015 comunicar-lhe que uma vez analisados os termos da vossa proposta de regularização da dívida foram as condições por vós propostas aceites nos exactos termos propostos clarificando-se que:
1. A P..... considerará a divida da sociedade "O....., S.A extinta se ocorrer o pagamento das quantias indicadas na vossa carta, isto é de € 200.000,000 (duzentos mil euros) até 23 de Dezembro de 2015 e de € 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil euros) até ao dia 01 de Março de 2016, assim como a assunção por contrato a celebrar entre a P..... e o Sr. R..... de uma divida de € 200.000,00 (duzentos mil euros) que ficará garantia pela hipoteca do prédio descrito na 1- Conservatória de Leiria sob o número .....nas condições descritas na vossa proposta.
2. A emissão de um documento de distrate de hipoteca registada a favor da P..... sobre as frações autónomas designadas pelas letras "A", B, "C", "D", "H", "I", "J", "L", "M", "N", "O", do prédio urbano, silo em S....., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa. sob o número .....e inscrito na matriz sob o artigo urbano ...... freguesia de Santa Maria Maior, apenas ocorrerá se forem ocorrer cumulativamente o pagamento de € 200.000.00 (duzentos mil euros), até 23 de Dezembro de 2015, de € 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil euros) até 01 de Março de 2016 e a assunçao de divida pelo Sr. R..... de € 200.000,00 (duzentos mil euros) conforme por vós proposta.
3. A desistência da ação executiva n.° 14547/13.5YYLSB ocorrerá apenas depois de se confirmarem os pagamentos anteriormente referidos. (...)".
[cfr. documentos de fls. 95 a 96 e 100 a 109]
10. Em 10.03.2016 a sociedade originária devedora, representada no ato pelo ora Oponente e outro, na qualidade de gerentes, outorgou escritura pública através da qual vendeu as frações autónomas A a D, H a O do prédio urbano sito na ....., inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° ....., da extinta freguesia de São José, a que corresponde o artigo matricial ....., pelo preço de € 8.850.000,00.
[cfr. documento de fls. 134v a 145 do processo físico - cópia de escritura pública]

11. O valor € 8.850.000,00 foi entregue pela compradora do imóvel às entidades a favor de quem estavam registadas garantias sobre os mesmos imóveis e, ainda, à mediadora do negócio, e a inquilina como indemnização por cessação do contrato de arrendamento, da seguinte forma:
- €6.500.000,00 à P....., SA;
- € 500.000,00 à G....., Lda./Banco Comercial Português;
- € 400.000,00 à E....., SA;
- € 27.883,50 à S....., Lda.;
- € 1.000.000,00 à Caixa Económica Montepio Geral;
- € 122.116,50 à B....., Lda.;
- € 300.000,00 à S......
[cfr. documento de fls. 134v a 145 do processo físico - cópia de escritura pública]

12. A sociedade originária devedora pagou à AT as dívidas que correspondem aos pontos c) e d) da escritura pública a que se refere o ponto 10 antecedente.

[cfr. documento de fls. 134v a 145 do processo físico - cópia de escritura pública]


13. A sociedade originária devedora pagou a City Lounge, Lda e Lithonext indemnizações por acordo de cessação de contratos de arrendamento.
[cfr. documento de fls. 134v a 145 do processo físico - cópia de escritura pública]

**
Não se apuraram outros factos que cumpra assentar como provados ou como não provados.
*
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados assentou, essencialmente, na alegação integrada nas peças processuais e na prova documental integrada nos autos.
Os factos atinentes à instauração dos processos executivos, ao teor dos títulos executivos e à tramitação dos processos executivos são de conhecimento oficioso do Tribunal em função do exercício das suas funções, não carecendo de ser alegados [artigo 412.°, n.° 2 CPC, ex vi artigo 2.° alínea e) do CPPT].
Os meios probatórios que, no cômputo da prova produzida, apresentaram relevo na formação da convicção alcançada quanto a cada um dos factos assentes encontram-se expressamente indicados junto de cada um dos pontos dos factos assentes.
No que respeita aos documentos, através da indicação das folhas dos autos em que os mesmos se encontram, tendo a sua valoração sido efetuada atendendo ao seu teor e valor probatório correspondente e aos factos alegados na petição inicial que os mesmos comprovam, em si mesmos, ou em conjugação com o teor dos demais documentos.
Cumpre salientar que os depoimentos das testemunhas L..... e M....., para a formação da convicção do tribunal, relevaram apenas no sentido da corroboração do que resulta dos documentos referidos em cada um dos pontos do probatório integrados nos autos, na medida em que os concretos factos sobre os quais as testemunhas foram inquiridas, alegados na petição inicial, atinentes à permuta, compra e venda e empréstimo com constituição de hipoteca se demonstram através dos concretos documentos que formalizam os negócios e constituição das garantias em causa, não sendo o depoimento testemunhal meio probatório idóneo à sua demonstração [artigos 371.º, 392.° e 393.° do Código Civil].
Por outro lado, o modo como eventualmente se possa ter procedido à relevação contabilística, em sede da escrita da sociedade originária devedora, das referidas operações económicas, seria suscetível de ser cabalmente demonstrado através dos documentos contabilísticos aptos a evidenciar essa mesma relevação.
E, sendo certo que a prova testemunhal é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada, a força probatória correspondente é livremente apreciada pelo tribunal, quanto aos factos para dos quais é admitida, considerando-se in casu que os concretos contornos das eventuais relevações contabilísticas atinentes aos negócios e constituição de garantias em que teve intervenção a sociedade devedora originária, cujos contornos essenciais nestes autos foram documentalmente demonstrados e levados aos factos assentes, não resultam demonstrados pela vaga referência ao modo como a essa relevação se procedeu.
***

II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a presente oposição com a seguinte fundamentação, em síntese:

«Ante os factos assentes e o enquadramento jurídico supra especificados, conclui-se que o Oponente não alegou e provou factos suscetíveis de demonstrar especificamente como e em que medida se verificou justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação de garantia, e no pagamento de dívida no valor de € 500.000,00, que não era da sociedade devedora originária e, bem assim, de demonstrar especificamente como e em que medida a atuação por si desenvolvida, patenteada através dos factos assentes acima respigados, no sentido do pagamento de dívida de 6.000.000,00, que não era da sociedade devedora originária, se dirigiu a providenciar e assegurar o desenvolvimento da atividade da sociedade originária devedora e a preservação dos seus bens e património, com vista a possibilitar o cumprimento das suas próprias obrigações e a sua continuidade, incluindo estas, designadamente, as tributárias eventualmente geradas em função dessa mesma atuação, tudo com vista a proteger interesses próprios da sociedade originária devedora.

Deste modo, impõe-se determinar a improcedência da presente Oposição à execução

fiscal.»

Inconformado com a referida decisão, o oponente veio interpor recurso invocando erróneo julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, pois entende que, atendendo aos factos dados como provados nos autos, se encontra ilidida a presunção de culpa que sobre si recai, concluindo que a sentença recorrida violou o disposto no art. 74º da LGT e art. 24º da LGT [conclusões de recurso B), T) e U)].

Vejamos.

Embora o recorrente alegue erro de julgamento de facto, a verdade é que não impugna a matéria de facto, nem cumpre os requisitos previstos no art. 640º do CPC, razão pela qual este Tribunal não irá apreciar tal alegação.

Estabilizada a matéria factual, passemos a apreciar o erro de julgamento de direito.

Nos presentes autos, a eventual responsabilidade subsidiária do Recorrido deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24 da LGT.

A responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual. O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.I; artº.239, nº.2, do C.P.T; artº.153, nº.2, do C.P.P.T).


Analisemos agora o regime aqui aplicável.

“Artigo. 24º da LGT

Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al. b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.

Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr. alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al. b), do normativo em exame).


Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da LGT, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor.

A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als. a) e b), do artº.24, da LGT, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al. c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T.


Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13.

No presente caso, não é facto controvertido, sendo mesmo facto assente, que o oponente era gerente de direito e de facto da sociedade devedora originária, na data em que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas terminou, aplicando-se, assim, o art. 24º, nº 1, al. b) da LGT.

Pelo que passamos a ver o outro pressuposto da responsabilidade subsidiária, no que diz respeito à culpa.

Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).

A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).

É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.

A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).

Retornando ao caso concreto, alega o oponente/recorrente que logrou provar que não foi por culpa sua que não foi satisfeito o crédito tributário, alegando que A sociedade devedora originária tem como objeto social a compra e venda de imóveis. Em dezembro de 2009, adquiriu por via de um contrato de permuta, à sociedade "O....., SA’, as frações A a D, H a O do prédio urbano sito na Praça dos Restauradores, e em troca a sociedade devedora originária cedeu àquela sociedade O....., SA, várias frações. Quer as frações adquiridas pela sociedade devedora originária (J....., Lda.), quer as frações que esta cedeu à sociedade O....., SA estavam oneradas com hipotecas a favor de entidades bancárias. As frações adquiridas pela J..... garantiam dívidas da sociedade O....., SA., para com o banco BPN, S.A., tendo este banco cedido os seus créditos à P....., S.A, a qual moveu uma ação executiva contra a J....., Lda., com vista à cobrança da dívida. Neste contexto, em 2016 foi feita a venda das referidas frações, A a D e H a O do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ....., frações que estavam registadas contabilisticamente como mercadoria na sociedade devedora originária, pelo valor de € 8.850.000,00, valor muito superior ao valor patrimonial (€ 2.373.984,00). O produto da venda serviu para pagamento das dívidas elencadas no ponto 11 dos factos provados, bem como para pagamento das dívidas à Autoridade Tributária, conforme consta do ponto 12 dos factos provados. O oponente, enquanto gerente da sociedade devedora originária, atuou de forma diligente, uma vez que a venda foi realizada no âmbito da atividade normal da empresa (compra e venda de imóveis), tendo sido realizada pelo preço de mercado, bastante superior ao valor patrimonial (€ 2.373.984,00). O produto da venda foi afeto ao pagamento de dívidas garantidas pelas frações, ao pagamento de indemnizações pela cessação dos contratos de arrendamento e, ainda, ao pagamento à AT dos ónus garantidos pelas frações. Deste modo, o recorrente acautelou o pagamento das dívidas garantidas pelas hipotecas, bem como o pagamento das demais dívidas, pagamentos que foram efetuados diretamente aos credores, não tendo sequer existido depósito dos valores na conta da devedora originária. [conclusões de recurso D) a N)]

Apreciando.
Resulta da factualidade provada (factos nºs 10 e 11) que em 10.03.2016 a sociedade originária devedora, representada no acto pelo ora Oponente e outro, na qualidade de gerentes, outorgou escritura pública através da qual vendeu as frações autónomas A a D, H a O do prédio urbano sito na ....., inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° ....., da extinta freguesia de São José, a que corresponde o artigo matricial ....., pelo preço de € 8.850.000,00.
E que o valor de € 8.850.000,00 foi entregue pela compradora do imóvel às entidades a favor de quem estavam registadas garantias sobre os mesmos imóveis e, ainda, à mediadora do negócio, e a inquilina como indemnização por cessação do contrato de arrendamento, da seguinte forma:
- €6.500.000,00 à P....., SA;
- € 500.000,00 à G....., Lda./Banco Comercial Português;
- € 400.000,00 à E....., SA;
- € 27.883,50 à S....., Lda.;
- € 1.000.000,00 à Caixa Económica Montepio Geral;
- € 122.116,50 à B....., Lda.;
- € 300.000,00 à S......

Ora, embora o recorrente faça referência a esta factualidade, nunca conseguiu justificar de que modo a sua actuação se desenvolveu no interesse da sociedade devedora originária.
Nunca conseguiu explicar porque constituiu hipotecas sobre imóveis da SDO para garantir empréstimos concedidos à sociedade O....., Lda, cfr. nº 5 da factualidade provada.
Por outro lado, e embora o recorrente alegue que a venda das fracções cabe no normal desenvolvimento da actividade, verificamos que o produto da venda dos imóveis da SDO serviu, na sua maioria, para pagar empréstimos concedidos à sociedade O....., Lda (facto provado nº 11), tal como admite o recorrente nas conclusões de recurso M) e N) quando refere que o produto da venda foi afecto, entre outros, ao pagamento de dívidas garantidas pelas fracções, e considerando, que deste modo, o recorrente acautelou o pagamento das dívidas garantidas pelas hipotecas, reconhecendo mesmo que depois da venda dos imóveis não existiu qualquer depósito dos valores na conta da devedora originária.
Não conseguiu o recorrente explicar ou justificar porque motivo a SDO tinha o seu património onerado com hipotecas para garantir responsabilidades que não eram suas, mas sim de sociedade terceira, a ponto de ter de vender tal património para cumprimento de tais responsabilidades.

Vem, ainda, o recorrente alegar que que à data da venda não existia a dívida revertida para o recorrente, a qual foi apurada posteriormente, daí que não se possa dizer que o oponente atuou com o intuito de se frustrar ao pagamento dos créditos tributários.

Se à data da venda ainda não existia a dívida revertida a mesma era já uma dívida expectável e previsível em virtude da venda dos imóveis. E ainda que o intuito do recorrente não fosse frustrar os créditos tributários, o certo, é que o recorrente também não conseguiu provar a utilização dos bens e património da SDO de forma a não diminuir o seu valor ou até a sua perda.


Deste modo, concorda-se inteiramente com a sentença recorrida quando na mesma se escreveu que:

«Ante os factos assentes e o enquadramento jurídico supra especificados, conclui-se que o Oponente não alegou e provou factos suscetíveis de demonstrar especificamente como e em que medida se verificou justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação de garantia, e no pagamento de dívida no valor de € 500.000,00, que não era da sociedade devedora originária e, bem assim, de demonstrar especificamente como e em que medida a atuação por si desenvolvida, patenteada através dos factos assentes acima respigados, no sentido do pagamento de dívida de 6.000.000,00, que não era da sociedade devedora originária, se dirigiu a providenciar e assegurar o desenvolvimento da atividade da sociedade originária devedora e a preservação dos seus bens e património, com vista a possibilitar o cumprimento das suas próprias obrigações e a sua continuidade, incluindo estas, designadamente, as tributárias eventualmente geradas em função dessa mesma atuação, tudo com vista a proteger interesses próprios da sociedade originária devedora.

Consideramos, pois, que o oponente/recorrente, não provou que tenha tomado quaisquer medidas destinadas a satisfazer os interesses da Fazenda Pública enquanto sua credora.

Não conseguiu provar que utilizou os bens ou serviços da SDO de forma a não diminuir o valor dos bens, ou até a sua perda ou deterioração.

A oneração do património para garantir interesses terceiros e a canalização do produto da venda para pagamento de tais interesses, é evidenciador da culpa do oponente/recorrente na insuficiência de bens para pagamento integral da dívida exequenda.

 

«A análise dos pressupostos sobre os quais assenta a responsabilização dos sujeitos referidos no artigo 24°- pressupõe o conhecimento dos deveres funcionais que lhes assiste, na qualidade de administradores. É no Código das Sociedades Comerciais, designadamente, que encontramos os deveres funcionais dos administradores das sociedades e extraímos em que medida é que a violação dos mesmos é susceptível de determinar a sua responsabilização, no domínio tributário. A responsabilização dos administradores (aqui entendidos no sentido lato da palavra) prende-se, sobretudo, com a necessidade de combater os abusos da utilização da personalidade colectiva, designadamente para prosseguir outros fins que não os fins societários. Saldanha Sanches aponta para a necessidade de “garantir para estes um dever de conduta de modo a que não se verifique a sistemática preterição das obrigações para com o Estado, a favor de outros credores com maiores possibilidades de pressionar a empresa no sentido do cumprimento (em especial, em impostos retidos na fonte ou cobrados pela empresa, como o IVA)."

Dispõe o artigo 64° do CSC que "Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores." O incumprimento destes deveres é sancionado em termos genéricos pela lei comercial, estatuindo o artigo 78°- que "Os gerentes ou administradores respondem para com os credores sociais da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos."

Compete, pois, aos administradores das sociedades um especial dever de diligência, impondo-lhes a tomada de decisões ponderadas e criteriosas, de modo a salvaguardar os interesses societários, através da prossecução de meios lícitos». [1]

Deste modo, forçoso será concluir que o oponente/recorrente não usou da diligência devida de modo a impedir o resultado que se veio a produzir.

Não pode, pois, considerar-se que o recorrente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve improceder o presente recurso e, consequentemente, julgar parte legítima para a execução fiscal quanto a tais dívidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.


Concluindo, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso.


***

Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 1.109.612,40.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


***

III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

                                                             Lisboa, 25 de Março de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


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                  [Lurdes Toscano]

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                 [Maria Cardoso]

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            [Catarina Almeida e Sousa]


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[1] Anotação nº 12 ao artigo 24º da Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, José Maria Fernandes Pires e Outros, Ed. Almedina, 2015.