Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1420/08.8BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/23/2017
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PENSÃO
JUROS DE MORA
Sumário:I – Não obstante o n.º 2 do artigo único do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30.10, determinar que “a pensão requerida ao abrigo no número anterior vence-se a partir do dia 1 do mês imediato ao da recepção do requerimento no serviço competente”, exigindo que a pensão seja paga pela CGA a partir de 01-10-1981, já no referente à obrigação do pagamento de juros, por aplicação dos art.ºs. 798.º, 799.º, 804.º, n.º 2 e 813.º, do CC, a mora da CGA constitui-se só a partir de 28-01-2008, a data em que se tornou possível a prestação pela CGA.

II - Não se pode imputar à CGA a culpa pelo não pagamento da pensão devida a partir de 01-10-1981, quando, nessa data, A. ainda não tinha demonstrado cumprir os requisitos necessários para a atribuição da pensão que peticionava.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Caixa Geral de Aposentações
Recorrido: Irene …………………..

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A Caixa Geral de Aposentações (CGA), interpôs recurso da decisão do TAC de Lisboa que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de reconhecimento do direito de Irene Rodrigues Gouveia, A. e ora Recorrida, à pensão de aposentação e procedente o pedido de pagamento de juros devidos desde 01-10-1981 a Dezembro de 2007.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “A - A autora só completou a instrução do processo em janeiro de 2008. Assim resulta que a Caixa Geral de Aposentações só naquela data lhe poderia ter reconhecido o direito á pensão de aposentação, uma vez que só naquela data foi feita a prova do preenchimento dos requisitos de que dependia o reconhecimento ao direito.
B - É que constituindo a mora um simples retardamento da prestação, sendo imputável ao devedor, constitui-o na obrigação de reparar os danos causados ao credor, que nas obrigações pecuniárias corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora cfr. n.º 1 do artigo 804.º e n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil.
C - O pagamento de juros moratórios, pressupõe, em primeiro lugar, que exista uma obrigação pecuniária, ainda possível, a satisfazer em determinado prazo e em segundo lugar, que o prazo esteja ultrapassado sem que a mesma tenha sido satisfeita, por causa imputável ao devedor cfr. n.º 2 do artigo 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil.
D - A obrigação da Caixa Geral de Aposentações só existe a partir do momento em que a Autora fez prova do preenchimento dos requisitos de que dependia o reconhecimento do direito com a entrega da certidão de contagem de tempo de efetividade de serviço e de terem sido efetuados descontos para compensação de aposentação.
E - Antes disso a obrigação relativa à prestação de aposentação não era exigível, e a exigibilidade da obrigação é requisito de mora.
F - Os juros moratórios só são devidos desde 28 de janeiro de 2008, aos quais corresponde a quantia de € 220,08 que foi creditada na conta à ordem da Autora no 16 de abril de 2010.”
A Recorrida apresentou requerimento prescindindo do prazo para apresentar contra-alegações.
A DMMP apresentou a pronúncia de fls. -sem número – no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório por ter sido determinado o pagamento de juros de mora desde 01-10-1981, quando esse pagamento só era devido a partir de 28-01-2008, a data em que foi feita a prova, pela A. do preenchimento dos requisitos necessários para lhe ser atribuída a pensão de aposentação.

Diga-se, desde já, que o presente recurso procede.

Conforme factos provados em a) a f) e h) - factualidade que ora não é impugnada - em 03-09-1981 a A. e ora Recorrida apresentou na CGA um requerimento a solicitar o pagamento da sua pensão de aposentação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30.10. Porém, a A. não instruiu esse requerimento com os documentos comprovativos do preenchimento dos correspondentes requisitos legais. Quanto a esta comprovação, só foi feita frente à CGA em 28-01-2008, data em que a A. e Recorrida fez juntar ao seu processo a certidão comprovativa de ter estado ao serviço de 27-09-1968 a 10-11-1975 e de ter efectuado os correspondentes descontos para a aposentação.
Assim sendo, só nessa mesma data – de 28-01-2008 – a A. e Recorrida demonstrou o cumprimento dos requisitos exigíveis pelo Decreto-Lei n.º 363/86, de 30.10, para lhe ser atribuída a pensão de aposentação.
Por conseguinte, não obstante o n.º 2 do artigo único do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30.10, determinar que “a pensão requerida ao abrigo no número anterior vence-se a partir do dia 1 do mês imediato ao da recepção do requerimento no serviço competente”, exigindo que a pensão seja paga pela CGA a partir de 01-10-1981, já no referente à obrigação do pagamento de juros, por aplicação dos art.ºs. 798.º, 799.º, 804.º, n.º 2 e 813.º, do CC, a mora da CGA constitui-se só a partir de 28-01-2008, a data em que se tornou possível a prestação pela CGA.
Na verdade, no caso em apreço, não se pode imputar à CGA a culpa pelo não pagamento da pensão devida a partir de 01-10-1981, porquanto, nessa data, A. ainda não tinha demonstrado cumprir os requisitos necessários para a atribuição da pensão que peticionava. Só após a apresentação desses documentos pela A. - em 28-01-2008 – ficou a CGA a saber que a A. preenchia os requisitos legais. Portanto, só a partir dessa data a CGA poderia ter deferido o pedido de pagamento da pensão formulado pela A. e ficaria obrigada a pagar os correspondentes juros de mora pelo incumprimento – culposo – da sua obrigação.
Até 28-01-2008 a CGA não entrou em mora, pois o atraso no pagamento da pensão não lhe era imputável, mas antes, era devido a um facto do (próprio) credor (ou à mora deste). Para a obrigação se tornar exigível era necessário que a A. – credora – comprovasse os necessários requisitos, ficando, nessa medida, aquela obrigação sujeita ao cumprimento de uma condição que dependia, unicamente, de um facto a prestar pela credora. Logo, estando a obrigação dependente da verificação de uma condição – cuja observância era imputável à credora – até à data dessa verificação, a CGA não entrou em inexecução da obrigação, pois a mesma ainda não lhe era exigível. Igualmente, até à data do envio dos documentos em falta a CGA não podia saber que existia – de facto - uma obrigação a cumprir, isto é, que o pagamento da pensão da A. era uma obrigação efectivamente devida (cf. em sentido próximo , o Ac. do TCAS n.º 02337/07, de 27-09-2007).
Mais se refira, que apesar da obrigação de pagamento da pensão retroagir a 01-10-1981, por aplicação do n.º 2 do artigo único do Decreto-Lei n.º 363/86, de 30.10, e nessa medida ser uma obrigação com prazo certo (cf. art.º 805.º, n.º 2, al. a). do CC), a certeza quanto à obrigação de pagamento da pensão e respectiva data inicial de pagamento, só ocorreu em 28-01-2008, com o envio dos documentos em falta para a CGA. Assim, até 28-01-2008 não havia a certeza da obrigação e consequentemente do prazo inicial para o seu cumprimento, pelo que, aqui, não pode operar o art.º 805.º, n.º 2, al. a), do CC.
Da factualidade apurada nos autos, verifica-se, também, que em Abril de 2010 foram pagos juros de mora à A. e Recorrida desde 28-01-2008 - cf. factos K e M.
Mais se verifica nestes autos, que a PI foi enviada por correio para o tribunal em 23-06-2008 e que o mencionado pagamento dos juros moratórios já ocorreu na pendência dos autos. Consequentemente, ainda que se se venha a dar provimento ao recurso interposto pela CGA, a determinação que é feita na sentença recorrida quanto às custas pela CGA mantém-se correcta, pois foi esta entidade que deu causa à acção.
Portanto, o presente recurso terá de proceder, tendo-se que revogar a decisão recorrida no segmento em que condenou a CGA no pagamento de juros de mora “entre Outubro de 1981 e Dezembro de 2007 “.

III - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida na parte em que reconheceu o direito da A. no pagamento de juros de mora, devidos desde 01-10-1981 e condenou a CGA a pagar esses mesmos juros;
- em substituição, julga-se improcedente o indicado pedido de pagamento de juros;
- custas em 2.º instância pela Recorrida.

Lisboa, 23 de Novembro de 2017.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)