Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20008/16.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
DEVER DE RECONSTITUIÇÃO
REPOSIÇÃO SITUAÇÃO EX ANTE
LIQUIDAÇÃO CORRETIVA
Sumário:I- No âmbito de um processo de execução de julgado, não compete avaliar e aquilatar se o Tribunal a quo fez ou não a adequada interpretação de toda a realidade retratada no processo de impugnação judicial, donde se decidiu acertadamente, mormente da exteriorização de subida da impugnação após revogação parcial, e se a inutilidade superveniente foi corretamente decidida. Assim, conformando-se a Recorrente com a mesma, cumpre apenas ajuizar do concreto alcance da sentença de impugnação judicial e se a decisão recorrida a interpretou em conformidade.
II- Existindo dúvidas relativamente ao âmbito e alcance da decisão recorrida e bem assim ao concreto montante abrangido, poderia/deveria ter interposto recurso e requerido, desde logo, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
III- A emissão de uma liquidação corretiva e sem embargo de a mesma não carecer de impugnação autónoma, tal, per se, não permite lograr provimento à tese da Recorrente, porquanto se em nenhum momento se retira que a lide concernente ao exercício de 1995, sofreu uma modificação superveniente passando a ter como objeto o ato corretivo, e mais ainda que foi analisada a pretensão da Recorrente -entenda-se de mérito- concernente às correções remanescentes, então o ato impugnado coadunar-se-á com o primitivo e elencado enquanto tal no probatório, o mesmo sucedendo quanto à devolução do imposto indevidamente pago.
IV- A manutenção da decisão recorrida, em nada pode comportar uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem uma restrição de direitos e garantias, em ordem ao consignado, designadamente, no artigo 18.º da CRP, porquanto na sequência da decisão judicial de inutilidade superveniente da lide a mesma poderia ter reagido interpondo o competente recurso, e a verdade é que não o fez.
V- Inexistindo uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expetativas, tudo se reconduzindo a meras expetativas fáticas, não sendo estas juridicamente tuteladas, não se verifica a arguida violação da confiança jurídica.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

A…, Lda, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que na Execução de Julgados por si intentada julgou verificada a inutilidade superveniente parcial da lide e extinta a instância no que respeita ao pedido de reembolso das quantias indevidamente liquidadas e, ainda, procedente a ação quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

A Recorrente, apresentou alegações de recurso nas quais formulou as conclusões que infra se reproduzem:

“1ª) Na formulação do juízo sobre a pertinência da matéria de facto, o juiz deve ter presente todas as questões que lhe foram colocadas e todas as soluções plausíveis de direito que, relativamente a cada uma delas possa, ser defendida.

2ª) Da sentença de que se recorre deveriam constar todos os factos que os presentes autos evidenciam, de acordo com os respectivos documentos e que provam à saciedade que à Recorrente não foi restituído o imposto indevidamente pago, relativamente ao IRC do exercício de 1995.

3ª) Devem ser dados como assentes os factos enunciados pela Recorrente de acordo com os documentos juntos aos autos e identificados nas presentes alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

4ª) A presente execução de julgados é instaurada na sequência de uma Impugnação Judicial da liquidação adicional reportada ao IRC relativo ao exercício de 1995, por a Recorrente considerar que a decisão da Administração Tributária consubstanciava uma errada qualificação dos factos tributários e uma errada qualificação dos resultados que a ela deram origem.

5ª) A Impugnação Judicial é proposta pela Recorrente em 09.02.2000, por ter considerado indeferida tacitamente a Reclamação Graciosa apresentada em 02.09.1999, com os mesmos fundamentos de facto e de direito.

6ª) Por despacho de 25.07.00, por conseguinte, já depois de instaurada a Impugnação Judicial, a AT considerando como custos a remuneração variável atribuída ao gerente, no valor de ESC. 9.049.403$00, proferiu decisão que importou a revogação parcial do acto impugnado.

7ª) A Recorrente, perante a notificação do despacho da Direcção Geral dos Impostos que apenas lhe deu razão numa pequena parte, requereu, em tempo, a remessa do processo de impugnação ao Tribunal Tributário, para apreciação de todos os actos impugnados, na parte em que não foram revogados, por considerar que todos os valores em causa que deram origem à liquidação adicional deviam ser anulados, pela totalidade, pelo que em 20 de Novembro de 2000 é recebida em Juízo a Impugnação Judicial, de acordo com o despacho de fls. 417, do Vol. III da Impugnação Judicial.

8ª) O Representante da Fazenda chamado a apresentar a contestação, pronunciou-se, alegando, em suma, o seguinte:

“4- Apreciada a impugnação pela 1ª Direcção de Finanças de Lisboa, nos termos do art.º 111º do CPPT, foi o acto tributário parcialmente revogado, mantendo-se as correcções aos custos com comissões e aos custos com oferta, que configuram o objecto do litígio.

5- Analisados os autos e atendendo aos elementos de prova que os integram, o RFP mantém integralmente, a posição da Administração Tributária, acompanhando, nos seus fundamentos de facto e de direito, a decisão da 1ª Direcção de Finanças de Lisboa de fls. 385 a 404, no sentido de manter o acto tributário impugnado.” (Sublinhado é nosso).

9ª) O objecto da presente Impugnação Judicial foi o acto da liquidação adicional relativa ao IRC referente ao exercício de 1995, pretendendo a Recorrente nessa acção que fosse anulada pela totalidade e não só parcialmente, uma vez que requereu o prosseguimento dos autos.

10ª) Quando a AT, através do 1º Serviço de Finanças de Sintra, veio informar que a liquidação impugnada tinha sido anulada em 04.10.2000, de tal declaração decorreu, necessariamente, a revogação da liquidação adicional impugnada e o reconhecimento da razão da recorrente quanto aos fundamentos que levaram àquela acção judicial.

11ª) Com as informações disponíveis nesses autos a Recorrente entendeu, como qualquer outro contribuinte de boa-fé e destinatário normal no seu lugar, que a anulação versava a totalidade do imposto constante da liquidação adicional e sua correcção subsequente (elaborada na sequência da Reclamação Graciosa), por ser matéria com a qual a Recorrente nunca se conformou e sustentada e consistentemente foi reiterando a sua pretensão nos autos.

12ª) Nem poderia ser outra a conclusão por nos autos de Impugnação Judicial estar em causa a ilegalidade da liquidação adicional referente ao IRC do exercício de 1995 e por não terem sido tidos em conta custos do exercício legalmente admissíveis.

13ª) O que a Recorrente pediu ao Tribunal na acção de Impugnação Judicial a que se reporta a presente Execução de Julgados foi que fossem apreciados os fundamentos invocados para a anulação da totalidade da liquidação adicional, fosse qual fossem os termos em que instrumentalmente a AT pudesse vir acomodar a correcção decorrente da revogação parcial em consequência da Reclamação Graciosa.

14ª) E, como é sabido, a anulação é um acto pelo qual a Administração Tributária revoga o acto tributário que, com base em erro ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à decorrente da lei aplicável.

15ª) A AT não podia ignorar que o acto que a Recorrente pretendia ver anulado na acção de Impugnação Judicial era a liquidação adicional do IRC de 1995 pela sua totalidade (havia apenas e uma só uma liquidação adicional e com a qual a Recorrente não estava de acordo), pelo que ao consignar nos autos que havia procedido a anulação, tal só pode significar que revogou o acto tributário impugnado, o que tem por consequência restaurar a situação tributária anterior, da qual não resulta ser devido qualquer outro imposto de IRC a título adicional referente ao exercício de 1995.

16ª) Nem a AT podia ignorar ao anular “in totum” o acto de liquidação adicional do IRC relativo ao exercício de 1995 os pressupostos do mesmo, os fundamentos e a causa de pedir formulada pela Recorrente e os efeitos que esta pretendia obter e que estavam sob apreciação judicial, ou seja, não se tratava de uma mera decisão administrativa no âmbito da sua exclusiva competência, mas de uma pretensão concreta já formulada em Juízo.

17ª) A Recorrente, perante a anulação pela totalidade da liquidação adicional, expressamente invocou o direito a ver restituído o valor pago a esse título (IRC de 1995 por força de liquidação adicional), vendo salvaguardado na sentença, como sempre pedira nos sucessivos requerimentos posteriores à informação da AT, o direito a ver restituído o que indevidamente havia pago, termos em que com efeito de caso julgado, está declarado na sentença cuja execução agora se pretende.

18ª) Tendo a AT declarado que tinha anulado o acto de liquidação adicional que o Tribunal estava obrigado a conhecer, a sentença proferida foi consequência dessa declaração, não sem antes expressamente condenar a AT a restituir o imposto indevidamente pago.

19ª) A sentença é apenas corolário da referida declaração de revogação que tornou os autos inúteis quanto à apreciação da fundamentação de facto e de direito, mas deve ser cumprida quanto à devolução do imposto pago, nos seus precisos termos.

20ª) O acolhimento na sentença da posição defendida pela Administração Tributária cria grave e injusta ofensa à confiança digna de protecção jurídica, bem como constitui uma frontal violação do princípio da tutela efectiva.

21ª) De acordo com o Art.º 96º, do CPPT, o processo judicial tributário tem por função a tutela plena, efectiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária.

22ª) O princípio da tutela jurisdicional efectiva conforma, pois, materialmente o processo administrativo-tributário com implicações práticas relevantes, posto que aponta inequivocamente para a garantia do acesso à justiça tributária, entendida como meio de tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos.

23ª) A tutela jurisdicional efectiva, compreendendo o acesso à justiça administrativo-tributária, é, portanto, uma garantia de protecção de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, isto é, configura-se como garantia institucional dos direitos fundamentais, postulando uma garantia jurisdicional de justiça a cargo do Estado, na expressão utilizada por Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5º ed, 2002, a pág. 490.

24ª) Um dos corolários do princípio da tutela jurisdicional efectiva é que o Juiz administrativo e tributário deve encarar o processo com uma atitude enformada por preocupações de justiça material.

25ª) A Recorrente fez prova nos autos de ter procedido ao pagamento do IRC relativo ao exercício de 1995 pelo valor que lhe foi liquidado pela AT na sequência de Reclamação Graciosa e sob impugnação na acção acima referida da liquidação adicional ferida de ilegalidade.

26ª) A Recorrente “pagou o imposto correspondente à parte não atendida”, não por se ter conformado com o acto de liquidação (a liquidação tinha de se considerar objecto da impugnação na medida em que foi requerido o prosseguimento dos autos), mas apenas e exclusivamente para beneficiar das prerrogativas concedidas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, que, entretanto, tinha sido aprovado e publicado (fls. 180 a 183 dos autos de execução de julgados).

27ª) E, por isso, a Recorrente, em Dezembro de 2002, ao abrigo do citado diploma legal, procedeu ao pagamento das quantias que a AT indevidamente lhe exigia (todas, aliás, já restituídas à excepção da dos presentes autos), apenas e só para beneficiar do disposto naquele diploma e obter o levantamento das garantias bancárias (evitando o custo elevado que a manutenção daquelas acarretava) tendo a Recorrente ali expressamente referido, para que não subsistissem dúvidas, que não prescindia de ver discutida a questão jurídica em causa nos processos de Impugnação Judicial que identificava, entre os quais o presente.

28ª) A Recorrente declarou que procedia ao pagamento do valor ali em causa, sem prejuízo do prosseguimento dos autos de impugnação judicial, nos quais se discutia a legalidade da respectiva liquidação adicional, direito que não abdicava, nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 9º, n.º 3 da LGT.

29ª) A Recorrente teve o cuidado de expressamente referir que os pagamentos realizados ao abrigo do citado diploma legal foram efectuados sem prejuízo do direito ao respectivo reembolso, caso viesse - como veio - a obter, no âmbito das impugnações judiciais em curso e como esperava, a revogação dos citados actos tributários e o direito a receber os respectivos juros indemnizatórios.

30ª) A Impugnação Judicial versava a totalidade do imposto objecto da liquidação adicional, pelo que a Administração Tributária ao declarar nos autos ter anulado a liquidação adicional referente ao IRC do exercício de 1995, tal declaração importa a revogação do acto de liquidação adicional pela sua totalidade.

31ª) Encontrando-se demonstrado o pagamento pela Recorrente de Imposto relativo ao IRC do exercício de 1995 que considerava indevido, deve ser o mesmo restituído, em cumprimento da sentença proferida na Impugnação Judicial.

32ª) Só por esta forma se assegura a tutela jurisdicional efectiva, assegurando-se ao Recorrente que a anulação do acto de liquidação adicional não conforme com a lei tem como consequência a restauração da situação em que se encontrava antes da prática do mesmo.

40ª) O Mº Juiz “a quo” ao considerar não abrangido o pagamento de € 119.293,99 (o qual respeita ao pagamento indevido de IRC do exercício de 1995) pelo dispositivo da sentença em execução, violou, entre outras normas, o disposto no art.º 2º, 20º, n.º 4, do art.º 268º da Constituição da República Portuguesa e ainda o disposto no art.º 9º, 55º, 59º, da LGT, art.º 96º, 125º do CPPT.

Nestes termos, nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada em parte a decisão recorrida e substituída por outra que também imponha a restituição do imposto indevidamente liquidado e pago, no valor de € 119.293,99, bem como os juros indemnizatórios em cumprimento da sentença proferida nos autos de Impugnação Judicial, fazendo-se a costumada, JUSTIÇA»


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A Recorrida, Autoridade Tributária (AT), apresentou as suas contra-alegações pugnando pela manutenção da sentença recorrida, como infra se descreve:

“Na sentença ora em execução proferida no âmbito de um processo de impugnação judicial do acto de liquidação de IRC, foi determinada a anulação parcial, por erro nos pressupostos.

Foi dado como provado na douta sentença recorrida, que a AT procedeu ao reembolso à Exequente da quantia referente ao Imposto cuja liquidação foi anulada.

Vem o recurso Interposto por ter, segundo o recorrente, decidido favoravelmente à AT, com clara violação do direito do Recorrente ver restituído um Imposto que pagou Indevidamente.

Todavia, sem razão.

Como se realça na sentença, a Exequente pretende a condenação da Executada no pagamento de juros indemnizatórios no valor de €100,045,19, calculados sobre € 203.978,91, ao abrigo do disposto no art° 43º da LGT.

Referindo, ainda, que a contagem dos juros indemnizatórios, cuja taxa é Igual à dos juros compensatórios (nº 4 do art° 43° da LGT) ,deve ser feita tendo em conta as taxas que sucessivamente vigoraram desde a data do pagamento Indevido do tributo, segundo a aplicação das leis no tempo nº 2 do art° 12° da LGT

Por outro lado, como realça a sentença a contagem deve ser feita desde a data em que ocorreu o pagamento do Imposto pela Exequente, 11 de Novembro de 2002, até à data em que ocorreu a devolução da quantia paga Indevidamente, 3 de Novembro de 2014, uma vez que é anterior à do termo do prazo para a execução da sentença.

Concluindo, ainda, na sentença, que " a execução de um julgado anulatório do acto tributário não abrange a situação das taxas de Justiça que tenham sido pagas no processo de execução fiscal instaurado para pagamento coercivo do tributo em causa, antes a restituição dos respetivos montantes deve obedecer aos parâmetros normativos previstos no Código das Custas Judiciais através do exercício dos respectivos instrumentos legais no âmbito do processo de execução fiscal, continuando que, (….) com efeito, a taxa de Justiça integra as custas processuais da parte, atento o disposto nos artigos 1º, nº 2 e 31 do CCJ, as quais são objecto de nota discriminativa e justificativa por forma a possibilitar a restituição do respetivo montante à parte nos termos dos artigos 33º e 33-A do mesmo diploma, devendo os mecanismos aí previstos ser exercidos no âmbito do respectivo processo de execução fiscal.”

Donde, por a Recorrente A…, Lda não ter feito qualquer prova factual e de direito, com vista a contrariar o bom entendimento explanado na sentença recorrida, incluindo aquele que é feito quanto a custas, entendemos que a sentença deve ser mantida.


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul foi notificado nos termos do artigo 146.º, nº 1, do CPTA, promovendo a manutenção do julgado.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“III - Os factos

Com relevância para a decisão, com base na documentação junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

a) Em 7 de Setembro de 1999 a ora Exequente procedeu ao pagamento da quantia de Esc. 509.152$00, relativa a pagamento por conta referente à liquidação n° 8310006673 - Cfr. documentos a fls. 44 e 449 do processo de impugnação judicial apenso;

b) Correu termos neste TAF de Sintra o processo de Impugnação Judicial com o n° 102/00 1J 1S, no qual foi Impugnante a ora Exequente " A…, Lda - Cfr. apenso;

c) O processo de Impugnação Judicial referido na alínea antecedente teve como objecto a liquidação de IRC n° 831000…., referente ao exercício de 1995, emitida em 07/04/1999, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 38.493.00o$00– Cfr. documento a fls. 43 do processo de impugnação apenso;

d) Em 11 de Dezembro de 2002 a ora Exequente efectuou o pagamento de € 119.293,99, relativo à liquidação n° 853001…., de IRC do ano de 1995, efectuada no ano de 2000 - Cfr. documento a fls. 526v, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

e) Em 4 de Julho de 2003 a Executada procedeu à restituição à Exequente do valor de Esc. 509.152$00 por aplicação no processo de execução fiscal com o n° 1562.2011/006088-Cfr. documento a fls. 509;

f) Por sentença proferida em 23 de Janeiro de 2009, nos autos de Impugnação Judicial mencionados em a), foi decidido o seguinte: "(...) anulação da liquidação impugnada determina a inutilidade superveniente da lide, a qual importa a extinção da instância relativamente ao pedido de anulação da liquidação impugnada, nos termos previstos no artigo 287°, al. e) do CPC, aplicável por força do artigo 2° do CPPT.(...) Assim, tendo em conta o supra exposto, o Tribunal decide: Declarar extinta a instância, por se verificar a inutilidade superveniente da lide, relativamente ao pedido de anulação da liquidação impugnada, nos termos previstos no artigo 287°, al. e) do CPC, aplicável por força do artigo 2° do CPPT.

Condenar a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, bem como à restituição do imposto indevidamente pago. (...)" Cfr. sentença a fls. 508 e seguintes do apenso, a qual se dá, aqui por integralmente reproduzida;

g) O trânsito em julgado da decisão referida na alínea antecedente ocorreu em 9 de Fevereiro de 2009-Cfr. fls. 516 do processo principal, apenso;

h) Em 23 de Julho de 2009 deu entrada a presente acção de execução de julgados -Cfr. carimbo aposto no rosto da p.i, a fls. 1.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Nenhum outro facto com interesse para a decisão da causa ficou provado.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

a) A 7 de setembro de 1999, a Recorrente mediante guia de pagamento de execução fiscal, denominada Modelo 82, procedeu ao pagamento da quantia de 509.125$00, por conta da liquidação nº 8310006673, conforme se extrata infra:

Imagem, original nos autos;

Imagem, original nos autos

(cfr. fls. 258 dos autos);

Alteração das alíneas b) e c), procedendo à sua unificação, passando, assim, a contemplar a seguinte redação:

b) A 09 de fevereiro de 2000, foi deduzida impugnação judicial, tendo por objeto o ato de liquidação nº 8310006673, respeitante ao IRC de 1995, e melhor identificado em H), a qual correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, contestando, a Impugnante, as três correções realizadas pela AT, no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária referido em K) a M), concretamente as correções que infra se enumeram:

ü Custos com comissões 71.871.988$00

ü Ofertas 799.000$00

ü Despesas com o Pessoal 10.000.000$00

Alteração da alínea d), a qual passa a assumir a letra c), face à condensação supra evidenciada.

c) A 11 de dezembro de 2002, a ora Exequente mediante guia de pagamento de execução fiscal, denominada Modelo 82, e ao abrigo do Decreto-Lei nº 248-A/2002, de 14 de novembro, procedeu ao pagamento da quantia global de €238.832,34, respeitando €119.293,99, a IRC do exercício de 1995, tendo por referência o ato de liquidação n° 8530012254, dele se extratando, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

Imagens: original nos autos

(cfr. fls. 526 v dos presentes autos);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

h) A liquidação nº 831006673, descrita em a), cujo valor total a pagar ascendia a €192.005,17, contemplava, designadamente, como matéria coletável o valor de Esc.184.228.921 (€918.929,98) (cfr. fls. 188 dos autos cujo conteúdo se da por integralmente reproduzido);

i) A 04 de outubro de 2000, a AT procedeu à emissão do ato de liquidação nº 8330012254, no valor total de €167.829,60, evidenciado em C), contemplando, designadamente, como matéria coletável o montante de Esc.175.179.518(€837.791,75) (cfr. fls. 194 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que teve por objeto a execução da decisão prolatada no âmbito do processo de impugnação judicial nº102/00.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, aferir se:

ü O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto não fez a adequada ponderação de toda a matéria de facto relevante, desconsiderando factos vitais para a questão decidenda;

ü A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação do sentenciado no processo de impugnação judicial nº 102/00, porquanto a reposição da situação ex ante envolve a devolução da quantia de €119.239,99 e não meramente de €2.359,64, competindo, nessa medida, aquilatar do âmbito e extensão da anulação do ato impugnado, analisando, para o efeito, a sucessão de atos de liquidação e a própria natureza dos mesmos;

ü Em caso de validação da posição do Tribunal a quo, aquilatar da concreta verificação de injustiça grave e notória e atentatória do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Vejamos, então.

Comecemos pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente propugna que há erro na apreciação da prova, porquanto não foram valorados factos tidos por pertinentes, os quais elenca e requer o seu aditamento.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(2)

In casu, atentando no teor das alegações recursivas e suas conclusões, ajuíza-se que a Recorrente cumpriu o ónus a que estava adstrita, porquanto elenca os factos que reputa pertinentes para a descoberta da verdade material, por reporte ao meio probatório que entende atinente ao efeito.

E por assim ser, vejamos, então, se face ao âmbito da presente lide e tendo por parâmetro a sua relevância para a questão decidenda, se tais factos devem ser objeto do aditamento, por complementação, que a Recorrente solicita.

Para o efeito, importa, ab initio, ter presente que a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.

“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”. (3)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.”(4) .

Comecemos, então, por identificar os factos que a Recorrente requer o competente aditamento, e que infra se transcrevem:

“1º) A Recorrente apresentou em 30.05.1996 a sua declaração de rendimentos modelo 22 do IRC relativo ao exercício do de 1995, tendo apurado o lucro tributável de ESC. 112.356.933$00 (€ 56.0434.02), conforme declaração de rendimento Modelo 22, junta com o requerimento inicial - fls. 33 a 36 dos autos de Impugnação e fls. 91 a 98 dos autos de execução.

2º) A Recorrente foi objecto de uma Inspecção Tributária cuja acção de fiscalização se iniciou em 09.10.98 e terminou em 5.02.99 e visou, entre outros (a acção envolveu os anos de 1992 a 1997, cfr. 405 do Processo Administrativo Tributário), o ano contabilístico de 1995 (fls.99 dos autos de execução).

3º) Na sequência dessa Inspecção a Administração Tributária notificou a Recorrente da alteração da matéria colectável de ESC. 112.356.933$00 para ESC 184.228.921$00, em conformidade com a notificação que consubstancia uma liquidação adicional a que deu o n.° 8310006673 (fls. 43, junto do requerimento inicial de Impugnação e fls. 105 dos autos de execução).

4º) Em resultado da alteração da matéria colectável foi a Exequente notificada para proceder ao pagamento de ESC. 38.493.581$00 (ESC. 27.943.829$00) de imposto e juros compensatórios de (ESC.10.549.752$00), num montante total em Euros de € 192.005,17.

5º) Inconformada, com tal decisão, reclamou a Recorrente graciosamente, em 2 de Setembro de 1999, pugnando mais uma vez pela ilegalidade da liquidação adicional (fls. 2 do Processo Administrativo Tributário - referido como Vol. I Novo - Impugnação Judicial).

6º) Até à data da instauração da Impugnação Judicial (09.02.2000, fls. 2 Impugnação Judicial), a Administração Tributária não se tinha pronunciado sobre a referida reclamação (cfr. fls. 385 a fls. 404).

7º) A Recorrente impugnou o acto de liquidação adicional do IRC que conhecia relativa ao exercício de 1995 e que lhe havia sido notificado, com o fundamento de ilegalidade, por não terem sido levados a custos e por conseguinte custos fiscais, despesas com comissões, ofertas e pessoal (fls.2 do Vol. I da Impugnação Judicial e de fls. 317 da Execução de Julgados).

8º) Em 25.07.2000, volvidos cinco meses sobre a data da Impugnação Judicial e dez meses sobre a Reclamação Graciosa, por despacho do Director de Finanças fundamentando-se nos pareceres de fls. 385 a fls. 404, do Processo Administrativo Tributário, foi decidida a revogação liquidação adicional objecto da Reclamação Graciosa e da Impugnação Judicial.

9°) Os pareceres de fls. 385 concluem todos no mesmo sentido, isto é, que o acto impugnado seja parcialmente revogado relativamente à remuneração variável atribuída ao gerente, aceitando-se este como custo.

10°) Ao mesmo tempo que mantém as correcções efectuadas em sede de comissões e ofertas, não procedendo à revogação da liquidação impugnada quanto a estas despesas.

11°) A Recorrente, não se conformando com a revogação parcial, após ter sido notificada do acima citado despacho do Director de Finanças veio, por requerimento em 25 de Setembro de 2000 (fls. 414 junto ao Processo Administrativo Tributário), expressamente declarar que mantêm a impugnação quanto a todos os actos impugnados, na parte em que não foram revogados, (...), devendo o processo ser remetido, com celeridade, ao Tribunal Tributário competente para que conheça da presente impugnação (a quota referia-se ao Imposto IRC - Ano de 1995).

12°) Em 7 de Novembro de 2000 foram os autos (da Impugnação Judicial) remetidos ao Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (que na altura era o competente) - fls. 416 do Processo Administrativo Tributário.

13°) Em 20 de Novembro de 2000 é recebida em Juízo a Impugnação Judicial, de acordo com o despacho de fls. 417, do Vol. III da Impugnação Judicial.

14°) Em 28 de Novembro de 2000 o Representante da Fazenda Pública veio requerer a prorrogação do prazo para contestar (fls. 419), o que lhe foi deferido (fls. 420) e, em 20 de Dezembro de 2000, vem apresentar a sua contestação, alegando, entre outros argumentos, o seguinte:

“ (...) apreciada a impugnação foi o acto tributário parcialmente revogado, mantendo-se as correcções aos custos com comissões e aos custos com ofertas, que configuram o objecto deste litígio (o sublinhado é nosso);

-Analisados os autos e atendendo aos elementos de prova que os integram o Representante da Fazenda Pública mantém integralmente a posição da Administração Tributária, (...), no sentido de manter o acto tributário impugnado.

15°) Nos termos do Decreto-Lei n.° 248-A/2002 de 14 de Novembro e para usufruir dos direitos e benefícios que o mesmo consignava para os contribuintes, com o fim de levantar as garantias bancárias prestadas para suspensão das respectivas execuções, incluindo a que corria termos para pagamento do IRC de 1995, por força da liquidação adicional, a Exequente veio requerer o pagamento do valor do IRC objecto de impugnações judiciais entre eles o IRC relativo ao exercício de 1995 (fls. 180 a 183 dos autos de execução de julgados).

16°) Foi nestas circunstâncias que a Exequente procedeu ao pagamento de € 119.293,99 e, desde logo, declarou que tal pagamento era feito sem prejuízo do reembolso a que tivesse direito, por revogação do acto tributário que o determinou por força da impugnação judicial pendente (fls. 180 a 183 doa autos de execução de julgados).

17°) Em 11 de Julho de 2008, o Serviço de Finanças Sintra informa no processo o seguinte: a dívida subjacente à liquidação do I.R.C. do ano de 1995 no montante de € 192.005,17, objecto de impugnação judicial foi anulado em 4.10.2000.

18º) A Recorrente pronunciou-se a fls. 441 e fls. 489, sempre pugnando pela devolução pela totalidade do valor do imposto pago que não considerava devido em face da interpretação dos factos tributários que havia levado a Administração fiscal à liquidação adicional objecto da impugnação judicial.”

Enunciados os factos, atentamos, então, se os mesmos devem ser, efetivamente, aditados e nos moldes preconizados pela Recorrente.

No concernente aos factos elencados em 1) a 5), por os mesmos refletirem o histórico fático que originou os autos de impugnação judicial que estão na génese da decisão de execução de julgado, estarem de harmonia com a documentação para a qual a Recorrente remete, e por se ajuizar que os mesmos podem revestir relevância para a presente lide, admite-se o aditamento nos moldes propugnados pela Recorrente.

No atinente ao facto elencado em 6), e uma vez que nunca foi, designadamente, sindicada a tempestividade da impugnação judicial, entende-se que o mesmo não reveste relevo para a presente lide, improcedendo, por isso, o seu aditamento.

Prosseguindo.

No respeitante ao facto descrito em 7), anui-se que seja relevante para a delimitação da lide a evidência ao processo de impugnação judicial nº 102/00, no entanto, tal facto já se encontra contemplado no acervo probatório, conforme resulta da alínea b) supra, pelo que carece de qualquer aditamento. De todo o modo, sempre se dirá que o teor do ponto 7) comportava juízos conclusivos os quais não poderiam constar no probatório.

No atinente ao ponto 8, aquiesce-se que seja relevante a evidência à revogação parcial do ato de liquidação, no entanto, a redação sugerida pela Recorrente, por assumir considerandos valorativos e conclusivos, terá de assumir outra roupagem, sendo que a melhor técnica jurídica se compadece com a extração do seu conteúdo na parte que releva para os autos.

Nessa medida, adita-se o facto referente à revogação parcial do ato, com a devida enunciação à informação instrutora e ao parecer, razão pela qual, se entende aditar a realidade fática aduzida pela Recorrente em dois pontos, perfeitamente individualizados, mas com o teor que infra se descreve:

8) A 15 de junho de 2000, foi prolatada informação instrutora por parte do Técnico da Equipa Jurídica Económica que propôs a manutenção das correções referentes ao pagamento das comissões e bem assim das ofertas a clientes, e a anulação parcial da correção atinente às despesas com o pessoal dela se extratando no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Face ao exposto, somos de parecer, estar perante a atribuição de uma remuneração variável, atribuída por deliberação de todos os sócios, a um Administrador-Geral/Gerente, em tempo objecto de tributação em IRS, com enquadramento ma alínea d) do nº1 do art. 23º do CIRC, pelo que o montante de 9.049.403$00, resultante da aplicação da fórmula de cálculo expressa na referida acta da A.G., deve ser aceite como custo para efeitos de determinação do Lucro Tributável. Assim, a parte da remuneração que foi imputada ao exercício de 1995, supera em 950.597$00 o que lhe seria imputável.” (cfr. fls. 385 a 404 dos autos de impugnação judicial apenso);

9) Na sequência da prolação da informação referida no ponto antecedente, foi sancionado, a 21 de junho de 2000, parecer favorável pela I.P.T, à proposta de revogação parcial referida na alínea antecedente, e proferido despacho pelo Diretor de Finanças, datado de 25 de julho de 2000, no qual determina a anulação parcial da liquidação impugnada, nos moldes e fundamentação propostos (cfr. fls. 385 a 404 dos autos de impugnação judicial apenso);

Os pontos 9) e 10) da forma como se encontram redigidos não são factos, de todo o modo, a circunstância fática que reveste relevância para a lide já se encontra contemplada nos pontos antecedentes não carecendo, por isso, de qualquer fixação adicional.

Relativamente aos factos 11) e 12), este Tribunal ad quem, entende aglutiná-los num só, expurgando os juízos opinativos e valorativos que os mesmos contêm, passando a contemplar o seguinte teor:

11) Na sequência da notificação do despacho de revogação parcial referido nas alíneas antecedentes, a Recorrente apresentou requerimento onde consigna, designadamente, que “[m]antém a impugnação quanto a todos os actos impugnados, na parte em que não foram revogados, como era devido e como terá oportunidade de demonstrar em sede própria, devendo o processo ser remetido, com celeridade, ao Tribunal Tributário competente para que este conheça da presente impugnação” tendo, em consequência, os autos sido remetidos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a 07 de novembro de 2000 (cfr. fls. 414 a 416 dos autos de impugnação judicial);

As ocorrências processuais contempladas em 13) e 14), não carecem de figurar no probatório, por irrelevantes para dirimir o erro de julgamento em contenda.

No respeitante aos factos nº 15 e 16, tendo em consideração que o Tribunal ad quem já reestruturou o facto atinente ao pagamento, não carece de qualquer aditamento, sendo certo que o mesmo contemplava, outrossim, asserções opinativas e concatenadas com o thema decidendum, insuscetíveis, portanto, de integrar o probatório.

Relativamente ao facto elencado em 17), embora se admita o seu aditamento, reestrutura-se o mesmo, para que seja plenamente identificado o ato de anulação, passando a contemplar o seguinte teor:

17) A 10 de outubro de 2000, foi elaborado documento denominado de “Ordem de Anulação”, com o teor que infra se descreve:

Imagens nos autos

(cfr. fls. 485 dos autos do processo de impugnação judicial);

O ponto 18), é uma ocorrência processual que embora possa, sendo caso disso, ser relevada para efeitos da questão decidenda, mormente, em termos de fundamentação de direito, não carece de integrar o probatório.

Assim, face a todo o exposto admite-se o aditamento dos factos que infra se enumeram, os quais, após renumeração, por alíneas e por forma a manter a sequência da decisão recorrida, passam a assumir a seguinte asserção:

“j) A Recorrente apresentou em 30.05.1996 a sua declaração de rendimentos modelo 22 do IRC relativo ao exercício do de 1995, tendo apurado o lucro tributável de ESC. 112.356.933$00 (€ 56.0434.02), conforme declaração de rendimento Modelo 22, junta com o requerimento inicial (fls. 33 a 36 dos autos de Impugnação e fls. 91 a 98 dos autos de execução);

k) A Recorrente foi objeto de uma Inspeção Tributária cuja ação de fiscalização se iniciou em 09.10.98 e terminou em 5.02.99 e visou, entre outros (a ação envolveu os anos de 1992 a 1997, cfr. 405 do Processo Administrativo Tributário), o ano contabilístico de 1995 (fls.99 dos autos de execução);

l) Na sequência dessa Inspeção a Administração Tributária notificou a Recorrente da alteração da matéria coletável de ESC. 112.356.933$00 para ESC 184.228.921$00, em conformidade com a notificação que consubstancia uma liquidação adicional a que deu o n.° 8310006673 (fls. 43, junto do requerimento inicial de Impugnação e fls. 105 dos autos de execução);

m) Em resultado da alteração da matéria coletável foi a Exequente notificada para proceder ao pagamento de ESC. 38.493.581$00 (ESC. 27.943.829$00) de imposto e juros compensatórios de (ESC.10.549.752$00), num montante total em Euros de € 192.005,17.

n) Inconformada, com tal decisão, reclamou a Recorrente graciosamente, em 2 de Setembro de 1999, pugnando mais uma vez pela ilegalidade da liquidação adicional (fls. 2 do Processo Administrativo Tributário - referido como Vol. I Novo - Impugnação Judicial).

o) A 15 de junho de 2000, foi prolatada informação instrutora por parte do Técnico da Equipa Jurídica Económica que propôs a manutenção das correções referentes ao pagamento das comissões e bem assim das ofertas a clientes, e a anulação parcial da correção atinente às despesas com o pessoal dela se extratando no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Face ao exposto, somos de parecer, estar perante a atribuição de uma remuneração variável, atribuída por deliberação de todos os sócios, a um Administrador-Geral/Gerente, em tempo objecto de tributação em IRS, com enquadramento ma alínea d) do nº1 do art. 23º do CIRC, pelo que o montante de 9.049.403$00, resultante da aplicação da fórmula de cálculo expressa na referida acta da A.G., deve ser aceite como custo para efeitos de determinação do Lucro Tributável. Assim, a parte da remuneração que foi imputada ao exercício de 1995, supera em 950.597$00 o que lhe seria imputável.” (cfr. fls. 385 a 404 dos autos de impugnação judicial apenso);

p) Na sequência da prolação da informação referida na alínea antecedente, foi sancionado, a 21 de junho de 2000, parecer favorável pela I.P.T, à proposta de revogação parcial referida na alínea antecedente, e proferido despacho pelo Diretor de Finanças, datado de 25 de julho de 2000, no qual determina a anulação parcial da liquidação impugnada, nos moldes e fundamentação propostos (cfr. fls. 385 a 404 dos autos de impugnação judicial apenso);

q) Na sequência da notificação do despacho de revogação parcial referido nas alíneas antecedentes, a Recorrente apresentou requerimento onde consigna, designadamente, que, “[m]antém a impugnação quanto a todos os actos impugnados, na parte em que não foram revogados, como era devido e como terá oportunidade de demonstrar em sede própria, devendo o processo ser remetido, com celeridade, ao Tribunal Tributário competente para que este conheça da presente impugnação” tendo, em consequência, os autos sido remetidos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a 07 de novembro de 2000 (cfr. fls. 414 a 416 dos autos de impugnação judicial);

r) A 10 de outubro de 2000, foi elaborado documento denominado de “Ordem de Anulação”, com o teor que infra se descreve:


(Imagens nos autos)

(cfr. fls. 485 dos autos do processo de impugnação judicial);


***


Aqui chegados, uma vez dirimida e estabilizada a impugnação da matéria de facto, vejamos, então, se a decisão recorrida incorreu no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, que lhe assaca a Recorrente.

Apreciando.

A Recorrente começa por evidenciar que contrariamente ao expendido na decisão recorrida, não ocorre qualquer inutilidade superveniente da lide, porquanto a AT não deu cumprimento à sentença que havia mandado restituir o indevidamente pago pela Recorrente no respeitante ao IRC de 1995, concretamente, de €119.293,99, acrescido dos competentes juros.

Mais aduzindo que é perfeitamente irrelevante o número puramente formal que a AT confere à liquidação adicional e à corrigida, não sendo defensável que face à emissão de nova liquidação favorável fosse necessário o contribuinte deduzir nova impugnação judicial.

Enfatizando, para o efeito, que a anulação só podia, obviamente, versar a totalidade da liquidação da anulação que a AT entendeu fazer, primeiro com o número do documento que acompanhou a p.i. e mais tarde com o documento de substituição.

Advogando, em abono da sua tese que, sendo o ato tributário divisível a impugnação judicial teria de seguir independentemente da AT emitir novo documento de liquidação, porquanto os vícios subsistiam.

Logo, a AT ao transmitir a anulação da liquidação, reconheceu razão à Recorrente, e por essa mesma circunstância a sentença ordenou a devolução do imposto indevidamente pago.

Aduz, in fine, que a manter-se a posição propugnada na decisão recorrida violam-se os princípios ínsitos nos artigos 55.º e 59.º da LGT, e bem assim o princípio da tutela jurisdicional efetiva, criando grave e injustiça ofensa à confiança digna de proteção jurídica, e bem assim da justiça material, até porque em processos em tudo idênticos ao dos autos, foram julgadas procedentes as correspondentes lides e anulados os correspondentes atos de liquidação, com todas as legais consequências.

Conclui, para o efeito, que ao considerar não abrangido o pagamento de €119.293,99 (o qual respeita ao pagamento indevido de IRC do exercício de 1995) pelo dispositivo da sentença em execução, violou, entre outras normas, o disposto nos artigos 2.º, 20.º, 268.º, nº4 todos da CRP e ainda o disposto nos artigos 9.º, 55.º, 59.º, da LGT, e artigos 96.º e 125.º ambos do CPPT.

Dissente a Recorrida alegando, para o efeito, que no sentido apontado pelo Tribunal a quo já foi dada integral satisfação ao julgado, atento o objeto da lide, pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida.

A decisão recorrida convocou a seguinte fundamentação por forma a demonstrar a integral satisfação da lide:

“Do probatório resulta que a Impugnação Judicial deduzida pela Impugnante teve por objecto a liquidação de IRC nº 8310006673, referente ao exercício de 1995, emitida em 07/04/1999, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 38.493$00.

E que, relativamente àquela liquidação, a Exequente efetuou um pagamento por conta no valor de Esc. 509.152$00.

Da prova carreada para os autos não resultou provado que a Exequente tivesse efetuado qualquer outro pagamento de imposto no que respeita à liquidação de IRC nº 8310006673, referente ao exercício de 1995, e que constituía o objecto da Impugnação Judicial com o nº 102/00.

O alegado pagamento de € 119.293,99, foi efetuado relativamente à liquidação nº 8530012254, de IRC do ano de 1995, não sendo, por tal circunstância, abrangido pelo dispositivo da sentença ora em execução.(…)

Concluindo, assim, que:

“Verifica-se, por conseguinte, inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido de pagamento do imposto indevidamente pago.”

No atinente aos juros indemnizatórios, sufraga o seguinte entendimento:

“Peticiona a Exequente o pagamento de juros indemnizatórios e moratórias, que quantifica em € 33.036,25.

Como vimos supra, o valor de imposto indevidamente pago pela Exequente corresponde à quantia paga a título de pagamento por conta e a que corresponde a alínea a) do probatório.

Assim, é sobre este valor que serão calculados os eventuais juros devidos. Vejamos.

Pretende a Exequente a condenação da Executada no pagamento de juros de mora ao abrigo do disposto no n°2 do artigo 102° da LGT. (…)

Ora, como resulta da alínea f) do probatório, a sentença aqui em execução determinou a restituição do imposto indevidamente pago.

Os juros de mora são devidos desde o termo do prazo concedido à AT para a execução espontânea da sentença até à data de efectivo pagamento do imposto indevidamente liquidado.

Contudo, in casu a devolução da quantia indevidamente paga pela Exequente ocorreu em momento anterior ao da prolação da sentença, pelo que não há lugar ao pagamento de juros de mora.

Relativamente aos juros indemnizatórios, a sentença em execução condenou a AT no respectivo pagamento, pelo que resta dizer que a contagem desses juros, cuja taxa é igual à dos juros compensatórios (art.º 43º, n.º 4, da LGT), deve ser feita tendo em conta as taxas que sucessivamente vigoraram desde a data do pagamento indevido do tributo, quer porque estas exprimem a medida legal considerada idónea para a mensuração do dano respeitante a uma obrigação pecuniária quer porque essa é a solução que decorre da regra do artigo 12°, n.º 2, da LGT relativo à aplicação das leis no tempo.

Por outro lado, a sua contagem deve ser feita desde a data em que ocorreu o pagamento do imposto pela Exequente - 7 de Setembro de 1999 - até à data em que ocorreu a devolução da quantia paga indevidamente- 4 de Julho de 2003 -, uma vez que esta é anterior à do termo do prazo para execução da sentença.

Assim, são devidos juros indemnizatórios calculados sobre a quantia de 509.152$00 contados desde a data do pagamento indevido - 7 de Setembro de 1999 - até à data em que ocorreu a devolução da quantia paga indevidamente - 4 de Julho de 2003.”

Ora, vistas as posições das partes, e tendo presente o acervo fático dos autos, ora, reformulado e aditado não se afigura, face ao âmbito, abrangência e delimitação da lide que a decisão recorrida padeça do erro de julgamento que lhe é assacado.

Mas expliquemos porque assim o entendemos.

Para o efeito, importa ter presente o histórico subjacente ao IRC de 1995, para se poder aquilatar da bondade do decidido, socorrendo-nos, para o efeito, do contemplado no acervo fático dos autos.

Atentemos, então. Do probatório dimana o seguinte:

Na sequência de ação inspetiva aos exercícios de 1992 a 1997, a AT entendeu que existiam irregularidades determinantes da alteração da matéria coletável de Esc.112.356.933$00 para Esc. 184.228.921$00, as quais determinaram a emissão de ato de liquidação adicional com o n.° 8310006673, com valor total a pagar de Esc.38.493.581$00.

A 07 de novembro de 1999, a Recorrente procedeu ao pagamento por conta do aludido ato de liquidação, no montante de €2.539,64, e face ao inconformismo com o mesmo, a Recorrente apresentou reclamação graciosa e ulterior impugnação judicial, tendo o órgão periférico regional ao abrigo da faculdade consignada no artigo 112.º do CPPT, procedido à revogação parcial do ato impugnado, anulando o valor respeitante às despesas com o pessoal e que ascendeu ao montante de 9.049.403$00 (€45.138,23).

Não granjeando a anulação parcial os efeitos pretendidos pela Recorrente, a mesma requereu o prosseguimento dos autos, o que logrou efeito útil tendo os mesmos subido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, e tramitados enquanto processo nº 102/00.

Em resultado da revogação supra evidenciada, a 10 de outubro de 2000, a AT emitiu ordem de anulação do ato de liquidação nº 8310006673, e procedeu à emissão do ato de liquidação nº 8330012254, no valor total de €167.829,80, o qual espelhava uma alteração da matéria coletável de Esc.184.228.921 (€918.929,98) para Esc.175.179.518 (873.791,75), ou seja, num diferencial de Esc.9.049.403.00 (€45.138,23).

Mais resultando assente que, a Recorrente procedeu ao pagamento da quantia de €119.293,99 ao abrigo do Decreto-Lei nº 248-A/2002, de 14 de novembro, e por referência ao ato de liquidação nº 8330012254.

Dimanando, igualmente, que no âmbito do processo de impugnação judicial nº 102/00, a AT vem informar, documentadamente, que o ato de liquidação objeto de impugnação, concretamente, o ato de liquidação nº 8310006673 havia sido anulado, e nessa conformidade, foi prolatada decisão que decretou a inutilidade superveniente da lide, e condenação-ainda que sem concretizar em termos de quantum- na restituição do imposto indevidamente pago e inerente pagamento de juros indemnizatórios à Recorrente.

Promanando, outrossim, que a Recorrente, conformou-se com a aludida decisão não interpondo recurso jurisdicional, consolidando-se, por isso, a mesma na ordem jurídica.

Resultando, in fine, que a Recorrente por forma a concretizar a execução do aludido julgado, apresenta petição de execução de julgado na qual peticiona o reembolso da quantia €153.330,24, correspondendo €119.293,99 a imposto indevidamente pago e €33.036,25 atinentes a juros indemnizatórios, acrescidos dos competentes juros de mora.

No entanto, o Tribunal a quo, na linha do propugnado pela AT, sentencia a inutilidade superveniente parcial da lide quanto ao pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas e procedente quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a quantia de 509.152$00, desde 7 de setembro de 1999 a 4 de julho de 2003.

Com efeito, e conforme expendido anteriormente, tal decisão consubstanciou-se na circunstância de o processo de impugnação judicial ter por objeto a liquidação nº 8310006673, sendo que no atinente a essa liquidação apenas foi pago o valor de €2.539,64, porquanto o alegado pagamento de €119.293,99 foi efetuado por referência ao ato de liquidação nº 8530012254.

E, de facto, atento o objeto do processo de impugnação judicial, e a decisão nele prolatada, como visto, sem qualquer sindicância por parte da Recorrente, não pode lograr provimento o por si defendido.

Note-se que, contrariamente ao propugnado pela Recorrente não nos encontramos face a uma questão meramente formal na identificação dos atos de liquidação, porquanto a liquidação nº 8530012254, vem traduzir a realidade da revogação parcial, conforme dimana perentório da alteração da matéria coletável no valor de Esc.184.228.921,00, para o valor de Esc.175.179.518,00, ou seja, precisamente no valor de Esc.9.049.403 (€45.138,23).

Com efeito, encontramo-nos, efetivamente, perante a anulação total do ato de liquidação adicional impugnado nº 8310006673, e ulterior emissão de ato de liquidação corretivo por forma a espelhar a realidade revogada.

Como doutrina Alberto Xavier (6) que: “A anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária (...) superior à que decorre directamente da lei. (...) A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio (...); os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que consequentemente os destrói retroactivamente”.

É certo que, no sentido apontado pela Recorrente, o ato de liquidação nº 8310012254, sendo corretivo não carecia de ser objeto de qualquer impugnação autónoma (6), no entanto tal, per se, não permite lograr provimento à tese da Recorrente, porquanto em nenhum momento se retira que a lide concernente ao exercício de 1995, sofreu uma modificação superveniente passando a ter como objeto o ato corretivo, e mais ainda que foi analisada a pretensão da Recorrente -entenda-se de mérito- concernente às correções remanescentes, concretamente correções atinentes às despesas com comissões e bem assim de ofertas a clientes.

Em nada podendo relevar, para os efeitos pretendidos pela Recorrente, a circunstância do ato tributário sendo divisível a impugnação judicial ter de seguir para apreciação dos demais, e isto porque na prática tal não sucedeu e a verdade é que a Recorrente se consolidou com tal posição.

Note-se que, se atentarmos na factualidade expendida na decisão de impugnação judicial, à qual foi requerida a execução de julgado não resulta qualquer alusão ao ato corretivo, e bem assim ao pagamento realizado no atinente ao mesmo.

Com efeito, atentando na aludida sentença, verifica-se que a mesma fixa apenas dois factos, concretamente o facto 1-no qual identifica o ato impugnado, como sendo o ato de liquidação nº 8310006673, e o facto 2-que concretiza a sua anulação.

Nunca aludindo -independentemente do acerto e da bondade - ao ato de liquidação nº 8530012254, nunca sendo analisado qualquer vício de violação de lei por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito no atinente às correções subsistentes.

Pelo que, não é defensável a alegação de que a AT ao transmitir a anulação da liquidação, reconheceu razão à pretensão da Recorrente na globalidade, porquanto o ato foi anulado mas ulteriormente foi emitido novo ato corretivo, inexistindo qualquer documento nos autos que ateste que as correções concernentes a despesas com comissões e ofertas a clientes padecem de ilegalidade por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, sendo que a devolução do imposto indevidamente pago se tem de circunscrever ao probatório dos autos, à asserção nela contemplada e ao nela decidido.

Mais importa ter presente que o facto de o Tribunal a quo não quantificar, com rigor, qual o valor, concretamente, a restituir e o montante exato dos juros indemnizatórios a reembolsar, não permite inferir a realidade pretendida pela Recorrente, desde logo, face ao acervo fático contemplado na aludida decisão.

Em nada podendo, naturalmente, relevar a circunstância de em processos com correções similares à dos autos ter obtido ganho de causa, porquanto inexiste qualquer extensão de efeitos ao caso sub judice, não podendo, outrossim, e conforme explicitaremos infra, legitimar a assunção de qualquer posição de legítima e fundada expetativa jurídica.

Ademais, existindo dúvidas relativamente ao âmbito e alcance da decisão recorrida e bem assim ao concreto montante abrangido, poderia/deveria ter interposto recurso e requerido, desde logo, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.

Note-se que, se o Tribunal a quo fez ou não a adequada interpretação de toda a realidade retratada no processo, mormente da exteriorização de subida da impugnação após revogação parcial, e se a inutilidade superveniente foi corretamente decidida, em nada compete nesta lide tecer quaisquer considerandos, porquanto tendo a Recorrente se conformado com a mesma, apenas cumpre ajuizar do concreto alcance da sentença de impugnação judicial e se a decisão recorrida a interpretou em conformidade.

E, a verdade é que face à realidade retratada anteriormente, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida, porquanto se limitou a executar o julgado tal qual o mesmo foi decidido, em ordem à sua delimitação e em função do ajuizado, inexistindo qualquer violação do caso julgado.

Com efeito, dimana do probatório que por reporte à liquidação impugnada apenas foi paga a quantia de €2.539,63.

Note-se que, nas guias de pagamento para execução fiscal são, perfeitamente, identificados os respetivos atos de liquidação, e no que concerne ao ato de liquidação nº 8310006673, apenas é contemplado um pagamento ao abrigo do normativo 109.º do CPT, e a título de pagamento por conta, no valor de €2.539,64.

Mais importa salientar que, em nada releva, neste e para este efeito, a circunstância da liquidação nº 8530012254, ter sido paga ao abrigo do Plano Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais contemplado no normativo 248-A/2002, de 14 de novembro, por forma a beneficiar da isenção de pagamento dos juros e demais encargos atinentes à dívida de IRC subsistente, e bem assim acarretar o levantamento de garantias associadas ao processo executivo, donde a aduzida violação do artigo 9.º da LGT, porquanto existe uma questão a montante e inultrapassável, ou seja, o pagamento de €119.293,99, foi efetuado em liquidação diversa da qual foi dirimido o litígio.

Logo, o ajuizado quanto ao reembolso da quantia de €119.293,99, não padece da censura que lhe é endereçada pela Recorrente, o mesmo sucedendo no atinente ao cômputo e ao concreto valor a restituir inerente aos juros indemnizatórios e aos juros de mora, por se apresentar em consonância e de harmonia com o consignado nos artigos 43.º e 44.º da LGT. Aliás, realidade não sindicada em termos de enquadramento legal e bem assim de cômputos associados, apenas em termos de valor base/final a restituir e inerentes juros, mantendo-se o, assim, decidido na decisão recorrida.

De relevar, in fine, que não procede a argumentação no atinente à violação dos princípios ínsitos nos artigos 55.º e 59.º da LGT, e bem assim o princípio da tutela jurisdicional efetiva. O mesmo sucedendo quanto à alegação de que a manutenção da decisão recorrida criará grave e injustiça ofensa à confiança digna de proteção jurídica, e bem assim da justiça material.

Senão vejamos.

Diz-nos o artigo 55.º da LGT que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”

Dizendo-nos, outrossim, os nºs 1 e 2 do artigo 59.º da LGT que “Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco.” Presumindo-se “a boa fé da atuação dos contribuintes e da administração tributária.”

Mas a verdade é que, ainda que a questão possa não ter sido um exemplo de transparência e de clareza, tal não permite, nesta sede, -entenda-se em execução de um julgado que decretou a inutilidade superveniente da lide relativamente a um ato de liquidação perfeitamente circunscrito- legitimar a condenação num pagamento reportado a um outro ato de liquidação e cuja legalidade não foi sindicada nessa lide.

De ressalvar, igualmente, que tal não obsta, sendo caso disso e verificando-se, natural e necessariamente, os demais pressupostos legais que, a Recorrente possa, se assim o entender por pertinente, lançar mão de outros meios atinentes ao ressarcimento de qualquer responsabilidade que compute compaginável com a atuação da AT, mormente efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, com vista à condenação deste no pagamento de uma quantia que repare os danos sofridos em resultado de uma ilegal liquidação de um imposto.

Ou mesmo sindicar, sendo caso disso e devidamente atestado para o efeito, a própria falta de notificação do aludido ato corretivo, reagindo nessa conformidade, e adotando - verificados todos os requisitos atinentes ao efeito- os expedientes que repute indicados para o efeito.

E por essas mesmas razões não se poderá defender que a manutenção da decisão recorrida, acarrete a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva encontra-se consagrado no artigo 20.º, nº 1, da CRP, consubstanciando, ele próprio um direito fundamental e uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais inerente, naturalmente, ao Estado de Direito.

Consagrando-se, outrossim, no artigo 268.º, nº4 da CRP, a tutela jurisdicional efetiva aos administrados dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos.

In casu, a manutenção da decisão recorrida, em nada pode comportar uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nem uma restrição de direitos e garantias, em ordem ao consignado, designadamente, no artigo 18.º da CRP, porquanto na sequência da decisão judicial de inutilidade superveniente da lide a mesma poderia ter reagido interpondo o competente recurso, e a verdade é que não o fez.

E pelas mesmas razões não é defensável que exista o coartar de qualquer proteção jurídica digna de tutela, porquanto da decisão de impugnação judicial não se retira que a AT tenha concedido razão nas demais correções, não sendo, neste conspecto, de convocar as decisões já prolatadas noutros processos judiciais.

Neste âmbito importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 01188/02, de 18 de junho de 2003, extratando-se o seu sumário, na parte que para os autos releva, como se transcreve:

“III-O princípio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.
IV - Tal princípio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.
V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.
VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legítima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.
VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.
IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança".

Conclui-se, assim, que inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expetativas, tudo se reconduzindo a meras expetativas fáticas, sendo que estas não são juridicamente tuteladas.

A final, e no atinente ao princípio da justiça material, e ainda que o Julgador deva nortear e pautar a sua atuação por decisões que valorizem a justiça material em detrimento da justiça formal, tal não determina que possa subverter mecanismos legais, e adotar quaisquer interpretações que não se coadunem com o dirimido nos autos principais de impugnação judicial. In casu, reiteramos, encontramo-nos perante uma lide de execução de julgado, que como o próprio nome indicia está dependente do nela ajuizado e decidido. Destarte, não se vislumbra, igualmente, que a decisão recorrida tenha incorrido na violação do antedito princípio.

E por assim ser, improcede, na íntegra, o recurso apresentado, inexistindo as arguidas violações dos normativos 2.º, 20.º, n.º 4, e 268.º todas da CRP e ainda o disposto nos artigos 9.º, 55.º, 59.º, da LGT, e 96.º, 125.º do CPPT, mantendo-se a decisão recorrida.


***




IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 28 de outubro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.

2) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013..

3) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt

4) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1

5) In Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127 fonte citada no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 25.11.2009, de 25.11.2009, disponível em texto integral em www.dgsi.pt.

6)Vide, designadamente, Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 02981/09, datado de 25.11.2009.