Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13352/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/12/2017
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:PEDIDO DE ESCUSA
SIGILO PROFISSIONAL
DADOS PESSOAIS
INTIMAÇÃO
Sumário:I – Cabendo à Ordem dos Advogados a competência para apreciar pedidos de escusa de patrocínio oficioso, a eventual existência de factos respeitantes a sigilo profissional, bem como relativos a motivos de saúde ou familiares dos requerentes, pode ser apreciada pelos Tribunais Administrativos quando é requerida a intimação da Ordem dos Advogados, em sede processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, para emitir certidão de processos nos quais foram apreciados pedidos de escusa, nomeadamente para aquilatar se os motivos que fundaram o pedido de escusa justificam e são compatíveis com a possibilidade de recurso ao mecanismo previsto no nº 7 do artigo 6º da LADA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Ordem dos Advogados, recorrida nos autos de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, interpôs recurso do despacho proferido pelo relator em 30 de Junho, recurso que o STA julgou processualmente inadmissível.

Tendo a recorrente requerido a convolação do recurso interposto em reclamação para a conferência e mostrando-se preenchidos os pressupostos para o conhecimento da mesma, sendo inequívoca a respectiva tempestividade, dado o despacho supra referido ter sido notificado por carta registada data de 1 de Julho de 2016, tendo o requerimento de interposição de recurso sido remetido a este Tribunal por correio registado datado do dia 11 do mesmo mês, importa conhecer da reclamação para a conferência.

II - Para o conhecimento da presente reclamação para a conferência importa dar como assente os seguintes factos:
A)
O ora reclamado requereu no TAC de Lisboa a intimação da Sra Bastonária da Ordem dos Advogados no sentido de ser determinada a emissão de certidão integral dos processos administrativos nº 24/2010-CG/RI e 20/2010-CG/RI – cfr. respectiva p.i..
B)
Por sentença proferida em 14-12-2015 o mencionado T.A.C. indeferiu a referida pretensão. – cfr. sentença proferida nos autos.

C)
O relator, neste TCA, em 16 de Junho de 2016, proferiu o seguinte despacho:

“Tendo presente que um dos motivos pelos quais a sentença recorrida julgou improcedente a pretensão formulada pelo recorrente foi a existência de restrição ao direito de informação, consubstanciada em “…questões atinentes ao segredo profissional dos advogados…” e prevenindo a hipótese de vir a ser concedida razão ao recorrente na parte em que defende assistir-lhe direito a aceder aos elementos contidos nos pedidos de escusa (obtendo assim o conhecimento das razões que a motivaram), e com vista a aferir se existem razões justificadoras da restrição total de acesso, e ainda se foi correto o entendimento feito na sentença recorrida de que não se mostra possível “lançar mão do mecanismo previsto no n.º 7 do artigo 6.º da LADA, porquanto toda a documentação respeitará precisamente à matéria reservada” ou se pelo contrário assim não é, importa colocar este Tribunal em condições de decidir.
Assim, deve a Ordem dos Advogados remeter a este Tribunal, no prazo de cinco (5) dias (artigo 147º nº 2 do CPTA), em envelope fechado e com carácter CONFIDENCIAL, os processos relativo aos pedidos de escusa em causa – Processos nºs 24/2010-CG/RI e 20/2010-CG/RI contendo todos os seus elementos/documentos.
Notifique-se, pois, a recorrida Ordem dos Advogados, para aquele efeito.
Notifique o antecedente despacho ao recorrente.” – cfr. despacho proferido nos autos.
D)
A Ordem dos Advogados, através de requerimento datado de 27 de Junho de 2016, juntou aos autos despacho proferido em 24 de Junho de 2016 pela Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados, do qual se retira o seguinte :
(…)
7 – Ambos os patronos vieram a pedir escusa por falta de viabilidade da pretensão.
8 – Ambos os pedidos de escusa vieram a ser deferidos.
(…)
“A reserva do segredo profissional impede, no entanto, que sejam remetidos ao Tribunal os processos relativos aos pedidos de escusa, contendo todos os seus elementos/documentos.” – cfr. requerimento constante dos autos.
E)
O relator neste TCA, em 30/06/2016, proferido o seguinte despacho:
(…)
“Não se afigurando existir razão legal justificativa para a não remessa do identificado processo, dado se mostrar assegurado o seu carácter confidencial, tal como foi determinado no nosso anterior despacho de 16/06/2016; tendo presente o princípio constitucional da separação e interdependência dos poderes (artigo 111º da CRP), a incumbência jurisdicional constitucionalmente atribuída aos tribunais, incluindo aos Tribunais Administrativos e Fiscais, a quem incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática, dirimir os conflitos de interesses públicos e privados e os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigos 202º e 212º) e o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva (artigos 20º e 268º nº 4 da CRP), e mostrando-se salvaguardado o caráter confidencial dos elementos a remeter, sem os quais se torna insindicável a decisão administrativa de recusa de acesso aos elementos pretendidos, mantém-se o determinado no nosso despacho de 16/06/2016.
Deve, pois, a Ordem dos Advogados remeter a este Tribunal, no indicado prazo de cinco (5) dias, em envelope fechado e com caráter CONFIDENCIAL, o processo relativo aos pedidos de escusa em causa, contendo todos os seus elementos/documentos.
Notifique-se, a Ordem dos Advogados, para aquele efeito.” – cfr. despacho proferido nos autos, objecto da presente reclamação.

III – Fundamentação jurídica

Referiu a reclamante que os pedidos de escusa são do “exclusivo conhecimento do Advogado requerente e da Ordem dos Advogados que tem a decisão final sobre o deferimento ou indeferimento desse pedido”, implicando os pedidos de escusa “…sempre a apreciação de juízos de valor sobre determinada situação ou comportamento, podendo conter factos a que respeitem dados de saúde, familiares e pessoais, ou ainda quaisquer outros factos cujo segredo seja protegido e acautelado por Lei, dado o carácter confidencial que revestem estes pedidos de escusa, estando a Ordem dos Advogados obrigada a respeitar absoluto sigilo sobre as informações provenientes dos pedidos de escusa, salvaguardando e defendendo os interesses dos seus Associados.”

É indiscutível que a Ordem dos Advogados está obrigada a respeitar absoluto sigilo sobre as informações provenientes dos pedidos de escusa, salvaguardando e defendendo os interesses dos seus Associados, o que não significa, em abstracto, que os motivos dos mesmos não possam ser apreciados pelo Tribunal que decidirá se se verificam razões justificadoras da restrição total de acesso aos mesmos, nos termos referidos pelo relator no despacho proferido em 16 de Junho de 2016.

Importa saber, tarefa que no caso incumbe ao Tribunal, se não se mostra possível o recurso ao mecanismo previsto no nº 7 do artigo 6º da LADA, nos termos sustentados na decisão recorrida, o que seria susceptível de resolver a questão de protecção do eventual sigilo profissional que possa estar em causa, bem como da protecção da privacidade dos Advogados, assim como dos fundamentos de interesse geral e público (preservação de confidência necessária nas relações Advogado-Cliente e Ordem dos Advogados-Associados).

No que diz respeito ao referido pela Ordem dos Advogados na conclusão 9 das alegações de recurso – convolado em reclamação para a conferência – é precisamente por a circulação de informação dever obedecer a um “princípio de confidência necessária”, que o se determinou, no despacho reclamado, que a Ordem dos Advogados remetesse a este Tribunal, no indicado prazo de cinco (5) dias, em envelope fechado e com carácter CONFIDENCIAL, o processo relativo aos pedidos de escusa em causa, contendo todos os seus elementos/documentos, com o que se pretende acautelar os motivos de interesse particular e de interesse público referidos pela reclamante no item 8 das alegações de recurso, apreciado agora como reclamação para a conferência.

Não se discute que cabe à Ordem dos Advogados aferir da existência ou não da obrigatoriedade de segredo profissional, bem como da legitimidade da escusa invocada, não estando em causa, nos presentes autos, apreciar a legitimidade da(s) escusa(s) invocada(s) nem a existência ou não da obrigatoriedade de segredo profissional, mas tão só, nesta fase prévia, saber se as certidões requeridas pelo ora reclamado – respeitantes a procedimentos de escusa formulados nos Processos Administrativos identificados na matéria de facto – podem ser emitidas e facultadas ao reclamado.

Não se sufraga, igualmente, o entendimento –vertido nas conclusões 11ª a 14ª – segundo o qual “…uma falta de confiança na discrição da Ordem dos Advogados conduzirá a que os seus Associados evitem uma narração completa sobre os fundamentos dos pedidos de escusa…” dado não estar em causa qualquer violação da discrição que impende sobre a Ordem dos Advogados mas tão só permitir que o Tribunal aprecie se o reclamado pode, e podendo sob que condições e em que termos, ter acesso, por via da emissão das pretendidas certidões, ao teor dos procedimentos de escusa em apreço, pelo que nunca o eventual acesso aos mesmos será imputável à Ordem dos Advogados, dado o mesmo, na hipótese de tal acontecer, ser consequência directa da execução de decisão a proferir por este Tribunal, não se perspectivando que tal hipotética decisão tenha consequências no sistema de acesso ao direito, tratando-se, por ora, apenas de permitir ao Tribunal, e apenas ao Tribunal, nesta fase, determinar se se justifica o acesso, total ou condicionado, por parte do ora reclamado aos referidos processos administrativos.

Acresce, por último, não ter cabimento, por ora, a invocação do nºs 3 e 4 do C.P.C., dado estar em causa saber quais os motivos que estiveram na génese dos pedidos de escusa formulados, que o Tribunal, assim como o reclamado, já sabe prenderem-se com a invocada “inviabilidade da pretensão por este apresentada” – cfr. despacho proferido pela Senhora Bastonária, referido no item D) dos factos assentes – faltando determinar se tais motivos estão abrangidos pelo sigilo profissional, o que só após o cumprimento do despacho ora reclamado poderá o Tribunal apreciar, naturalmente sem “…publicitação do segredo através da tramitação processual” – cfr. conclusão 18ª – pelo que improcedem os argumentos que estribam a presente reclamação para a conferência.

Assim, face ao exposto acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação.
Custas do incidente pela reclamante.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2017

Nuno Coutinho

José Gomes Correia

Paulo Gouveia (em substituição)