Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:245/15.9BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OPOSIÇÃO
GERENTE
CULPA
Sumário:I – A falta de pagamento da dívida exequenda não é imputável à revertida se a mesma actuou, atempadamente, no sentido de solver as dívidas por regularizar, de restruturar a empresa, bem como no sentido de obter a declaração de insolvência da sociedade devedora originária, com vista à garantia dos créditos em atraso.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

B…, melhor identificada nos autos, na qualidade de revertida, deduziu oposição no processo de execução n.º 2992201401228110, instaurado pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada e originariamente instaurado contra a sociedade T… – T… Eletrónica, Lda, com vista à cobrança de € 5.023,13.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, por decisão de 21 de Fevereiro de 2019, julgou a oposição procedente e, em consequência, extinguiu o processo de execução fiscal.

Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«A) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar os argumentos apresentados pela oponente para daí extrair a prova de que à oponente não é imputável a responsabilidade pela falta de pagamento das dívidas exequendas;

B) A oposição à execução proposta adveio da não entrega ao Estado pela devedora originária do pagamento referente a retenções de IRS, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 02 de junho de 2014, tendo a revertida vindo invocar que não tinha responsabilidade pelo não pagamento das dívidas em causa, pelo que tentou ilidir a presunção de culpa que sobre ela impendia, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária;

C) O fundamento do presente recurso é, no essencial, a consideração pelo Tribunal a quo de ter sido a atuação da oponente (gerente de facto e de direito da sociedade), consentânea com a diligência exigida a um gestor médio que se encontrasse na posição da recorrida;

D) Em síntese, o Tribunal a quo entendeu que a apresentação da empresa ao S…, em outubro de 2014, seguida da apresentação a um Plano Especial de Revitalização (PER), em 2015 e, finalmente, o decretamento da insolvência, em 2016, eram suficientes para demonstrarem a falta de culpa da administradora e gerente na insolvência em questão, atribuindo a diminuição de receita a uma quebra progressiva de clientes, que, por sua vez, vem sustentada na crise económica que atravessou o país;

E) Estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT que «Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», instituindo-se uma presunção «iuris tantum» a favor do Fisco, de culpa na insuficiência patrimonial para a solvência dos créditos exequendos, fazendo impender o ónus probatório da sua inexistência ao obrigado subsidiário;

F) No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), prolatado no âmbito do processo n.º 00921/03, de 03/30/2004, determina-se que «A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual - cf. artigos 487º, n.º 2 , e 799º , n.º 2 do Código Civil; Culpa, no sentido restrito traduz-se na omissão da diligência exigível:- o agente devia ter usado de uma diligência que não empregou - devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse»;

G) No mesmo aresto se dispõe que «III- Operando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a actuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstracto, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a acção ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognóse póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo «ex ante» .

IV- E a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

V- Pode dizer-se que o resultado danoso se ficou a dever fundamentalmente a deficiente gestão do oponente que sabia que a empresa vinha enfrentando dificuldades para solver os créditos, e, apesar disso, manteve a situação de crise financeira não accionando um dos meios legais atinentes de protecção dos credores, «maxime» a falência, quando o património societário já era manifestamente insuficiente para que os créditos fossem satisfeitos.

VI- Assim, o recorrente não fez o que lhe era exigível perante a situação económica e financeira em que se encontrava a empresa, sendo censurável o se comportamento como gerente ao deixar a sociedade "em roda livre"».

H) Daqui se extrai que o resultado danoso ficou a dever-se «fundamentalmente a deficiente gestão do oponente que sabia que a empresa vinha enfrentando dificuldades para solver os créditos, e, apesar disso, manteve a situação de crise financeira não accionando um dos meios legais atinentes de protecção dos credores, «maxime» a falência, quando o património societário já era manifestamente insuficiente para que os créditos fossem satisfeitos»

I) No caso sub judice, o que o Tribunal a quo conclui é diametralmente oposto a este Acórdão que, inter alia, estabelece critérios de aferição da culpabilidade do gestor, visando a proteção dos credores, pois verificou o Meritíssimo Tribunal a quo que «os documentos juntos aos autos demonstram uma progressiva “quebra” de faturação e resultados líquidos negativos francamente mais volumosos a partir de 2014 e 2015», e que «a sociedade devedora originária declarou, em 2011, ter prestado serviços e vendas no valor global de € 2.723.938,17, sendo o resultado líquido negativo de apenas € 1.090,07»

J) Não se compreende o facto de o Tribunal a quo admitir que a testemunha C… foi contratada em novembro de 2014, tendo a empresa não procedido ao pagamento do IRS retido, cujo pagamento era devido junho de 2014, e daí não extrair conclusões clarividentes acerca da gestão medianamente «diligente» e da não produção de prova de falta de responsabilidade na não solvabilidade das dívidas fiscais da empresa da recorrida;

K) A testemunha D… explicou as razões para a quebra de faturação, sendo atribuída à dependência quase exclusivamente de um cliente, o que, no entendimento da Fazenda Pública, não é avisado fazer depender a faturação quase exclusivamente de um cliente, ainda que a testemunha tenha afirmado que o cliente tenha acabado por pagar a totalidade do que devia;

L) Sobre este último aspeto, estabelece o corpo do Acórdão do TCAS, no âmbito do processo n.º 08445/15, de 05/21/2015, que «para precaver a situação de quase total dependência da empresa face a um único fornecedor, devia a gerência procurar novos fornecedores de serviços. Se acaso tal não fosse possível, então devia ponderar o pedido de insolvência em momento temporal anterior àquele em que se viria a verificar, assim prevenindo o aparecimento de dívidas da sociedade», podendo concluir-se que não pode ser atribuído apenas ao incumprimento deste cliente da devedora originária a falta de solvabilidade das obrigações fiscais da empresa, pois um gestor medianamente diligente não acumularia dívida nos termos em que o gestor da devedora originária acumulou, com os resultados que se conhecem;

M) Tendo o principal cliente da devedora originária procedido ao pagamento da totalidade do que devia e não tendo, ainda assim, o administrador/gerente procedido à regularização das dívidas fiscais que detinha, in casu, em sede de IRS (e de IVA), recorda-se aqui que o IVA – como bem entendeu o Tribunal a quo – nem é um encargo da devedora originária, devendo entregá-lo após o seu recebimento, funcionando como fiel depositário, pois o dinheiro foi-lhe entregue pelo consumidor final para ser depositado nos cofres do Estado, não cabendo a um gerente medianamente diligente colocá-lo no fluxo financeiro da empresa para solver outras obrigações;

N) E o mesmo se diga do IRS retido, que foi declarado como tendo sido retido na fonte por se referir aos rendimentos dos trabalhadores, não tendo sido posteriormente entregue ao Estado, embora os trabalhadores em referência tenham, certamente, declarado o IRS do seu salário que foi retido na fonte e tenham beneficiado das retenções-fantasma declaradas e nunca entregues;

O) O Tribunal a quo determinou em 20) dos factos dados como assentes que «Em 2011, 2012 e 2013, a sociedade T…, Lda., pagou diversos montantes a título de IVA, IRS e coimas fixadas em processos de contraordenação, nos termos do doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial, de fls. 55 a 101 do suporte físico do processo», o que, desde logo, demonstra um histórico de incumprimentos e de cumprimentos forçados, que não poderá abonar em favor da diligência do gestor mediano, antes podendo ler-se como a prática reiterada de omissões de diligência na solvabilidade das dívidas fiscais;

P) Conforme se dispõe no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), no âmbito do processo n.º 00334/04, de 09/22/2005, «2. Por isso, não lhe basta alegar e provar que todo o património social foi penhorado e vendido para cobrança coerciva de dívidas tributárias, sendo necessário que demonstre ter agido com a diligência própria de um bonus pater familiae, como um gerente competente e criterioso que desenvolveu todos os seus esforços e empregou o melhor do seu saber para evitar essa penhora e venda forçado de todo o património social, provando factos demonstrativos de que esse desaparecimento coercivo do património não se ficou a dever à sua gestão da sociedade devedora originária» (realce nosso);

Q) Concluiu o Tribunal a quo que «consta dos autos um documento ilustrativo da existência de atrasos de pagamentos (doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial - de fls. 85 e 86 do suporte físico do processo), no qual se reporta a um crédito no valor de € 35.626,00, devido pela “N…”», impugnando-se expressamente essa conclusão, pois não é isso que se retira do documento 6 junto com a petição inicial, antes reportando-se o documento 6 junto com a pi às dívidas fiscais que a devedora originária ia pagando sempre com atraso, referindo-se os pagamentos aos anos de 2012 e de 2013, e não a um crédito – o que se atribui a um erro de apreciação pelo Tribunal a quo, devendo esta parte da sentença entender-se como não escrita, com eliminação desta redação;

R) A dependência de um único cliente (N…), além dos motivos supra elencados de não se considerar essa uma característica de um gestor medianamente diligente, não explica a não cessação por parte da devedora originária de um contrato reportadamente deficitário, nem pode entender-se como diligência mediana a não execução das faturas para recebimento dos alegados créditos, atendendo até a que a empresa em causa nos autos estaria em incumprimento com o Fisco alegadamente por falta de pagamento das faturas pelo seu principal cliente, devendo aditar-se como facto provado que «A devedora originária não cessou o contrato de prestação de serviços que mantinha com o seu principal cliente, embora este fosse deficitário desde o início, nem executou nenhum dos créditos vertidos em faturas que tinha para com este cliente principal».

S) Isto conforme afirmou a testemunha D…, depoimento gravado na aplicação SITAF, em 6.12.2018, do minuto 49:23 ao minuto 49:50, quanto ao primeiro aspeto: «a proposta [efetuada pela T… à S…/N…] estava direita, o problema foi que ao fim do 2.º mês de contrato o número de recursos que a N… previu e que nos indicou como sendo o número de recursos necessários para o projeto não era minimamente suficiente, era sensivelmente metade daquilo que foi realmente necessário», esclarecendo que os recursos a que se referia eram «técnicos, humanos e materiais».

T) Quanto ao segundo aspeto, afirmou a mesma testemunha, quando inquirido pelo Representante da Fazenda Pública, se, em face dos incumprimentos/dívidas da Nokia, a devedora originária não pensou recorrer a Tribunal, reportou que «como eu já referi, pensámos. Na altura a gerência, arranjou um advogado, um escritório de advogados em Lisboa, falaram com a N… (…) e claramente disseram numa mesa de reuniões, “meus amigos, digam ao vosso advogado para pôr meter aqui mais os pés, isto acaba hoje aqui, vocês amanhã não trabalham mais connosco”, foi dito claramente assim numa mesa de reuniões» (cfr. depoimento gravado na aplicação SITAF, em 6.12.2018, do minuto 46:13 ao minuto 46:40);

U) Acrescente-se que apenas no final do ano de 2015, conforme depoimento da testemunha D…, é que a empresa N… denunciou o contrato com a devedora originária, tendo aquela pago integralmente o que devia (mas não tendo a devedora originária solvido as suas dívidas fiscais);

V) Refere o Acórdão do TCAN, de 03/02/2017, prolatado no processo n.º 00219/11.9BEPRT, que refere distintamente que «3. Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar os factos relevantes demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais factores externos no desenvolvimento da actividade social.

4. No caso especial do IVA - bem como nos impostos retidos na fonte-, a falta de pagamento dos tributos tem particular gravidade na medida em que se trata de impostos que resultam de um fluxo monetário na empresa que ao não serem entregues nos cofres do Estado, são «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.

5. Quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem a censurabilidade indiciada, sob pena de não conseguir afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.

6. A prova dos factos tendentes a demonstrar a falta e culpa não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos actos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos (“crise do sector”, “dificuldades financeiras”, “tudo fez para ...”, “empenhou-se de alma e coração...” etc.) denota uma ligeireza probatória injustificada, que não pode deixar de ser votada ao fracasso»;

W) No caso sub judice o entendimento não poderá ser diferente: não veio a ora recorrida ilidir a presunção de culpa que sobre ela impende, antes fazendo exatamente o inverso, pois não atuou sequer com a diligência de um gestor mediano

X) Conclui-se, que existiu erro de julgamento pelo Tribunal a quo na apreciação da prova produzida, ao considerar provado o afastamento da culpa da ora recorrida no incumprimento da solvabilidade dos créditos tributários, tendo em conta os factos dados como assentes e a avaliação que destes faz.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., VENERANDOS DESEMBARGADORES, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente por provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo substituída por outra que determine a improcedência da oposição, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»


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A Recorrida, B…, notificada do recurso interposto, apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
«a) Nos artigos 619.º e 621.º do Código de Processo Civil (CPC), a sentença transitada em julgado passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, constituindo caso julgado (material) nos termos em que julga, o qual abrange não só a conclusão/parte final da sentença como também os fundamentos ou motivos da decisão “necessário(s) para interpretar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exacto conteúdo”, respeitantes a pontos suscetíveis de serem objeto de processo autónomo e que constituem antecedente lógico, necessário e indispensável da decisão;

b) O alcance do caso julgado que induz a doutrina a autonomizar aquilo que vem sendo designado por “efeito preclusivo do caso julgado” e que se traduz na impossibilidade de uma nova ação – e/ou decisão - ter como objeto uma qualquer questão (facto / pedido) que na ação já decidida por sentença transitada em julgado não foi invocada pelas partes, podendo tê-lo sido;

c) Tendo a decisão proferida nos presentes autos sido no mesmo sentido nos demais processos de Oposição à Execução Fiscal que correram termos sob os n.ºs 242/15.4BEPDL, 243/15.2BEPDL, 246/15.7BEPDL, 247/15.5BEPDL, 248/15.3BEPDL, 250/15.5BEPDL, 251/15.3BEPDL, 252/15.4BEPDL e 284/15.0BEPDL e já transitaram em julgado a título definitivo, em relação à factualidade dada como provada pelo Tribunal, a mesma considera-se transitada (materialmente) em julgado;

d) Constatando-se que, no caso sub judice, se está perante a mesma situação de facto dos processos n.ºs 242/15.4BEPDL, 243/15.2BEPDL, 246/15.7BEPDL, 247/15.5BEPDL, 248/15.3BEPDL, 250/15.5BEPDL, 251/15.3BEPDL, 252/15.4BEPDL e 284/15.0BEPDL (já transitados em julgado) - isto é, que a ora Recorrida logrou ilidir a presunção de culpa que incide sobre si -, estando, apenas em divergência o pedido (in casu, foi requerida a extinção de um processo de execução fiscal distinto) -, a solução a dar ao caso teria de ser idêntica, em pleno cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na sua vertente do processo equitativo, a que alude o n.º 4 do artigo 20.º da CRP;

e) A matéria de facto que agora a Recorrente pretende aditar à factualidade dada como provada em nada altera as conclusões vertidas na sentença recorrida, na medida em que a inclusão da referida matéria de facto em nada contraria o percurso cognoscitivo da referida decisão. Com efeito, o Tribunal a quo, em análise das posições assumidas pelas partes, considerou que a atuação da Recorrida (apresentação ao S…, ao PER e, posteriormente, à Insolvência) foi “uma reação “rápida” e “ágil” de resposta da oponente aos primeiros “sinais” de quebra de receita”, mais concluindo que “o “insucesso” dessas diligências não obsta ao reconhecimento de que exerceu de forma diligente as suas funções de gerente, procurando soluções que permitissem a recuperação económica da sociedade”;

f) Verificando-se que a reapreciação da matéria de facto dada (e a dar) como provada, nos termos requeridos pela Recorrente, não é suscetível de ter relevância jurídica na decisão a produzir a final, não deverá este Venerando Tribunal proceder à sua reapreciação, sob pena de praticar um ato que se afigura inútil, em estrita violação dos princípios da celeridades e da economias processuais, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, 130.º e 131.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT;

g) Enquanto Gerente de facto e de direito, a Recorrida sempre geriu a sociedade devedora originária com diligência, cumprindo os seus deveres societários, o melhor que pôde, dentro do que lhe permitiram as circunstâncias da situação ao tempo da gerência, não tendo, jamais, a intenção de prejudicar o Estado e diligenciando para que a sociedade cumprisse com as suas obrigações fiscais;

h) Não obstante a falta de cumprimento das obrigações fiscais se tenha iniciado num período - abril de 2011 a fevereiro de 2012 - em que a Recorrida esteve totalmente afastada da gerência de facto da devedora originária, altura em que a mesma passou a ser gerida pelo seu (então) Diretor Financeiro, E…, a realidade é que a Recorrente tudo tentou para salvar a empresa,

(i) tendo procedido ao pagamento de cerca de € 60.000,00 com o seu património pessoal (através da liquidação de uma conta a prazo), (ii) tendo injetado dinheiro (proveniente de uma herança do Pai) na empresa, (iii) tendo apresentado a empresa a um S…, (iv) tendo apresentado a empresa a um PER e, por fim, em face da rescisão do contrato com o Cliente S…/N…, (v) tendo apresentado a empresa à insolvência;

i) Não obstante o Cliente S.../N… tenha, efetivamente, procedido ao pagamento integral do contrato com a T…, a realidade é que os atrasos no cumprimento das suas obrigações (i.e., os sucessivos incumprimentos contratuais) estrangularam a devedora originária, uma vez que a S…/N… representava cerca de 95% da sua faturação e da sua clientela;

j) Caso assim não se entenda, requer-se a V. Exa. se digne, nos termos do n.º 2 do artigo 665.º do CPC, conhecer das questões que não foram apreciadas pelo Tribunal a quo nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, ambos os artigos aplicáveis por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT;

k) Antes da reversão do processo de execução fiscal contra a Recorrida, a Autoridade Tributária estava obrigada a apresentar os elementos, de facto e de direito, aptos a fundamentar que a devedora originária não tinha património suficiente para a liquidação da totalidade das suas dívidas tributárias e só após a apresentação - caso e só se dos elementos apresentados resultasse insuficiência patrimonial da Executada originária - podia a Autoridade Tributária iniciar procedimento de reversão fiscal contra a Recorrida;

l) Da análise do despacho de reversão, o órgão de execução fiscal não logrou justificar - nem sequer mencionar - as diligências efetuadas com vista ao apuramento de bens e/ou créditos da devedora originária, sendo que o facto de a devedora originária estar, à data da reversão operada contra a Recorrida, a discutir um PER - que, aliás, estava apenas a aguardar a homologação judicial (o que veio a suceder) - não justifica, por si só, o recurso ao procedimento de reversão, nem que a mesma circunstância permite, desde logo, concluir pela insuficiência/inexistência de bens para proceder ao pagamento da dívida aqui em análise, porquanto, o PER tem, justamente, como objetivo recuperar a empresa, no entanto, como é do conhecimento geral, o mesmo só é aceite quando, em face da atividade da empresa, do seu património, da prospeção de mercado e das suas perspetivas de atividade, se verifica que a mesma é viável;

m) À data dos factos (setembro de 2015), as dívidas tributárias da T… estavam, naturalmente, incluídas no âmbito do referido PER, pelo que a Autoridade Tributária não tinha razões para, àquela data, duvidar de que o seu crédito (subjacente ao presente processo de execução fiscal) seria pago;

n) Em suma, a sentença recorrida analisou corretamente os factos que lhe foram submetidos, julgando corretamente a causa e aplicando as normas de Direito de forma adequada, não merecendo qualquer censura, não tendo as conclusões da Fazenda Pública a virtualidade de obrigar a decisão diversa, pelo que a sentença recorrida deverá ser mantida.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte em discussão no presente Recurso, tudo com as legais consequências.»


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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:

1) Pela apresentação n.º 5, de 31 de agosto de 2005, da Conservatória de Registo Comercial de Ponta Delgada, encontra-se registada a constituição da sociedade T…, Lda., com sede na Rua D…, n.º 1…, Gabinete …, freguesia de R…, Ponta Delgada, dedicando-se à seguinte atividade:

“projectos e sistemas de segurança; comunicações; importação, exportação e comercialização de material electrónico de telecomunicações; serviços prestados e assistência técnica; serviços prestados incluindo aluguer de mão de obra” (cfr. doc. n.º 4, apresentado com a petição inicial, de fls. 40 do suporte físico do processo).

2) Em 27 de novembro de 2006, B… foi nomeada gerente da sociedade T…, Lda., facto levado a registo pela apresentação n.º 3 e 4/20061128, da Conservatória de Registo Comercial de Ponta Delgada (cfr. doc. n.º 4, apresentado com a petição inicial, de fls. 41 do suporte físico do processo).

3) Em 2 de julho de 2014, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada instaurou o processo de execução n.º 2992201401228110, contra a sociedade T…, Lda., com vista à cobrança de € 5.023,13, relativos a retenções na fonte de IRS, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 2 de junho de 2014 (cfr. fls. 1 a 3 do processo executivo).

4) Em 16 de outubro de 2014, a sociedade T…, Lda., foi apresentada ao S…/ IAPMEI, através do requerimento n.º 140103/2014, do qual consta que o montante em dívida desta sociedade cifra o valor de € 1.672.174,09 (capital inicial), nos termos do doc. n.º 8, apresentado com a petição inicial, de fls. 112 a 139 do suporte físico do processo.

5) Em 13 de abril de 2015, no âmbito do processo especial de revitalização (PER) n.º 888/15.0T8PDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da sociedade T…, Lda. (cfr. doc. n.º 9, apresentado com a petição inicial, de fls. 141 do suporte físico do processo).

6) De acordo com a certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada, a 20 de abril de 2015, o valor das dívidas de impostos da sociedade T…, Lda., àquela data atingia o montante de € 64.480,31 (cfr. doc. n.º 11, apresentado com a petição inicial, de fls. 152 do suporte físico do processo).

7) Em 18 de junho de 2015, procedeu-se de forma automática à preparação da reversão do processo de execução fiscal n.º 2992201401228110, contra B… (cfr. informação de fls. 156 do suporte físico do processo e fls. 4 e 6 do processo executivo.

8) Em 10 de julho de 2015, B… apresentou pronúncia escrita sobre o projeto de reversão processo de execução fiscal n.º 2992201401228110, nos termos indicados a fls. 67 a 77 do processo executivo.

9) Em 1 de setembro de 2015, foi efetuada a reversão automática do processo de execução fiscal n.º 2992201401228110, contra B…, com fundamento no seguinte:

“1) Insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23/1 a 3 e 7 da LGT e 153/1/2/b do CPPT), decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.

2) Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (artº 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);

3) Gerência de facto, decorrente da remuneração categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais” (cfr. doc. n.º 3, apresentado com a petição inicial, de fls. 38 do suporte físico do processo e informação de fls. 157 e respetivo anexo A, de fls. 166 do suporte físico do processo).

10) Em 4 de setembro de 2015, B… recebeu a carta registada n.º RQ644644907PT, pela qual lhe foi levado ao conhecimento o teor do despacho de reversão (cfr. doc. n.º 3, apresentado com a petição inicial, de fls. 38 do suporte físico do processo e fls. 166 do suporte físico do processo).

11) Em 5 de outubro de 2015, B… apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de oposição n.º 245/15.9BEPDL (cfr. fls. 154 do suporte físico do processo).

12) Em 12 de outubro de 2015, a sociedade T…, Lda., apresentou no Serviço de Finanças de Ponta Delgada um requerimento pelo qual solicitou a dispensa da prestação de garantia no processo de execução fiscal n.º 2992201401228110 e apensos, invocando que “não dispõe de bens susceptíveis de penhora, pelo que encontra-se preenchido o requisito de insuficiência de bens para prestar garantia” (cfr. ponto 24º do aludido requerimento) (cfr. fls. 167 a 169 do suporte físico do processo e fls. 94 a 98 do processo executivo).

13) Em 15 de outubro de 2015, no âmbito do processo especial de revitalização (PER) n.º 888/15.0T8PDL, identificado em 5), foi homologado o plano de revitalização da sociedade T…, Lda. (cfr. fls. 1 do ficheiro em formato pdf., com a ref.ª SITAF n.º 004195829, de 20-02-2019).

14) Em 18 de maio de 2016, a sociedade T…, Lda., apresentou-se à insolvência, em requerimento dirigido à Instância Local - Secção Cível, do Tribunal de Comarca dos Açores, nos termos de fls. 3 a 15 do ficheiro em formato pdf., com a ref.ª SITAF n.º 004195829, de 20-02-2019).

15) Em 27 de setembro de 2016, no âmbito do processo de insolvência n.º 1388/16.7T8PDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi declarada a insolvência da sociedade T…, Lda., tendo sido nomeado como administrador da insolvência o Dr. F… (cfr. fls. 17 a 24 do ficheiro em formato pdf., com a ref.ª SITAF n.º 004195829, de 20-02-2019).

16) Em 21 de novembro de 2016, o Dr. F… apresentou o relatório de insolvência, pelo qual propôs o encerramento de atividade da sociedade T…, Lda., sendo que no mesmo se indica que a dívida da sociedade atingia o montante de € 2.396.005,79 (cfr. fls. fls. 25 a 56 do ficheiro em formato pdf., com a ref.ª SITAF n.º 004195829, de 20-02-2019).

17) De acordo com os escritos denominados “certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença”, B… esteve incapacitada para o exercício de atividade profissional entre 6 de junho a 3 de outubro de 2011, devido a gravidez de risco (cfr. doc. n.º 5, apresentado com a petição inicial, de fls. 48 e 49 do suporte físico do processo).

18) De acordo com um formulário apresentado no Instituto para o Desenvolvimento Social dos Açores, I.P.R.A., relativo a subsídio parental, B… esteve sob licença parental inicial entre 29 de setembro de 2011 a 25 de fevereiro de 2012 (cfr. doc. n.º 5, apresentado com a petição inicial, de fls. 47 do suporte físico do processo).

19) Entre 2010 e 2011, efetuaram-se movimentos interbancários de diversos montantes, com origem em contas dos bancos B… e C…, nos termos do doc. n.º 7, apresentado com a petição inicial, de fls. 103 a 110 do suporte físico do processo.

20) Em 2011, 2012 e 2013, a sociedade T…, Lda., pagou diversos montantes a título de IVA, IRS e coimas fixadas em processos de contraordenação, nos termos do doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial, de fls. 55 a 101 do suporte físico do processo.

21) De acordo com os balancetes da conta de imobilizado, a sociedade T…, Lda., relevou contabilisticamente bens nos seguintes valores: € 631.676,91 (2011); € 532.077,07 (2012); € 463.962,29 (2013); € 411.531,57 (2014); € 516.280,28 (2015) (cfr. fls. 185 verso a 192 do suporte físico do processo).

22) As dificuldades financeiras da sociedade T…, Lda., devem-se à perda de clientes, que originou uma quebra progressiva de receita, particularmente sentida a partir do exercício de 2014.»


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Factos não provados

«Da instrução da causa inexistem factos não provados

*

Motivação da decisão de facto

«A convicção do tribunal funda-se nos documentos constantes do suporte físico do processo e no processo executivo, nos termos em que foram sendo especificamente referidos, assim como nos depoimentos das testemunhas inquiridas, nos termos da ata de fls. 214 a 217 do suporte físico do processo.

A matéria em 22), decorre fundamentalmente dos documentos juntos aos autos e das testemunhas inquiridas, especialmente de D… (empresário na área das telecomunicações e que revelou ser companheiro da oponente).

Efetivamente, já do relatório do administrador de insolvência assoma que as dificuldades financeiras da sociedade devedora originária devem-se à quebra de faturação e de atrasos nas cobranças de clientes, não obstante as medidas de recuperação que foram implementadas (cfr. 16)).

Ora, os documentos juntos aos autos demonstram uma progressiva “quebra” de faturação e resultados líquidos negativos francamente mais volumosos a partir de 2014 e 2015.

De acordo com as demonstrações de resultados da sociedade devedora originária (cfr. página 22 do requerimento n.º 140103/2014, indicado em 4)), a sociedade devedora originária declarou, em 2011, ter prestado serviços e vendas no valor global de € 2.723.938,17, sendo o resultado líquido negativo de apenas € 1.090,07.

Em 2012, a sociedade devedora originária declarou ter prestado serviços e vendas no valor global de € 1.635.242,05, sendo o resultado líquido negativo de apenas € 2.690,00.

Todavia, em 2013, a sociedade devedora originária declarou ter prestado serviços e vendas no valor global de € 1.293.605,75 e que obteve um lucro de € 2.164,69.

O relatório do administrador de insolvência coincide, no tocante ao ano 2013, com os resultados declarados no referido requerimento n.º 140103/2014 (cfr. 16)).

Todavia, os resultados dos exercícios 2014/2015 espelham a existência de uma situação em que, claramente, o passivo da sociedade supera o ativo (cfr. 16)).

Note-se, igualmente, que a testemunha G… (trabalhadora da sociedade devedora originária entre 2008 e 2014, preparando orçamentos), referiu a existência de salários em atraso em 2014 (o que a levou a sair da sociedade), o que é bem ilustrativo das dificuldades sentidas particularmente a partir de esse ano.

A testemunha D… (admitido em 2007/2008 como trabalhador da sociedade devedora originária e que exerceu funções na área comercial), explicou as razões para tal quebra de receita.

O seu depoimento denotou um conhecimento bastante detalhado dos factos em presença e foi especialmente valorado por ter sido prestado de forma séria e isenta, nomeadamente respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas, por mais “sensíveis” que fossem (sem olvidar a relação afetiva que mantém com a oponente).

A testemunha explicou a existência, origem e termos de execução de um contrato de prestação de serviços, celebrado em 2004/2005, com um importante cliente em território continental português, pelo qual a sociedade devedora originária efetuou a manutenção e funcionamento de antenas de telecomunicações, na zona de Lisboa e Alentejo

A testemunha explicou que a sociedade devedora originária tinha pequena dimensão e havia sido constituída há pouco tempo, pelo que a “adjudicação” de tal contrato de prestação de serviços levou-a crescer muito rápido, implicando o recrutamento de trabalhadores e a montagem de uma estrutura de apoio naquela zona do país.

A testemunha relatou que tal contrato de prestação de serviços representava uma parte muito importante da faturação da sociedade devedora originária e que vigorou aproximadamente durante nove anos, tendo sido objeto de cessação unilateral pelo cliente.

Ora, as testemunhas C… (contratada em novembro de 2014, tratava de organizar a documentação da sociedade, antes de a entregar na contabilidade) e G…, antigas trabalhadoras da sociedade devedora originária, relataram a situação financeiramente difícil que a sociedade vivia, nomeadamente por falta de fundos para pagar salários e o combustível das viaturas.

A testemunha G… confirmou que o referido cliente era o “principal” e mais relevante cliente da sociedade devedora originária, mas que a partir de certa altura este “deixou” de fazer pagamentos.

Aliás, consta dos autos um documento ilustrativo da existência de atrasos de pagamentos (doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial - de fls. 84 e 85 do suporte físico do processo), no qual se reporta a um crédito no valor de € 35.626,00, devido pela “Nokia Siemens” (pese embora a testemunha D… também assumisse que este cliente tivesse pago tudo o que devia).

Alega-se que a sociedade devedora originária teve de suportar cerca de € 180.000,00, a título de processos de contraordenação, durante o período em que a oponente esteve de baixa médica e de licença de maternidade (cfr. 17), 18) e 20)).

Todavia não é compreensível, no caso concreto, que a oponente se haja “demitido” de “supervisionar” e fiscalizar a atividade da sociedade durante cerca de um ano, tanto mais que o seu companheiro (a referida testemunha D…) continuava a exercer funções e estava presente na sociedade. O mais “normal” e expectável é que este fosse informando a oponente dos acontecimentos mais relevantes da vida da sociedade.

Acresce que, parte substancial dos pagamentos referenciados em 20) respeita ao IVA, imposto que nem sequer é um “encargo” para a sociedade devedora originária (consabido que é sobre o cliente/consumidor final o dever de suportar o respetivo pagamento).

O tribunal não atribuiu relevância às transferências bancárias referenciadas em 19), alegadamente feitas pela oponente em benefício da sociedade devedora originária, porquanto respeitam a momento muito anterior (2010 e 2011) ao período em que as dificuldades financeiras se começaram a sentir e, também, ao período em que se venceu a dívida em causa nos autos (2014), sendo ainda desconhecido a que título tais operações bancárias foram efetuadas.

Em face do exposto, o tribunal ficou convencido que o “colapso” da sociedade devedora originária à falta de receita, situação para a qual muito contribuiu a cessação do contrato de prestação de serviços referido.

Termos em que vai a matéria dada como provada nos referidos termos.»


*


Na conclusão Q), pretende a Recorrente a rectificação da asserção constante da motivação da decisão da matéria de facto seguinte:

«Aliás, consta dos autos um documento ilustrativo da existência de atrasos de pagamentos (doc. n.° 6, apresentado com a petição inicial - de fls. 85 e 86 do suporte físico do processo), no qual se reporta a um crédito no valor de € 35.626,00, devido pela “N…” (pese embora a testemunha B… também assumisse que este cliente tivesse pago tudo o que devia)».

Alega a Recorrente «não é isso que se retira do documento 6 junto com a petição inicial, antes reportando-se o documento 6 junto com a p.i. às dívidas fiscais que a devedora originária ia pagando sempre com atraso, referindo-se os pagamentos aos anos de 2012 e de 2013, e não a um crédito - o que se atribui a um erro de apreciação pelo Tribunal a quo, devendo esta parte da sentença entender-se como não escrita, com eliminação desta redação».

Apreciando.

Compulsados os autos, entendemos que assiste razão à Recorrente, pelas razões que invoca, pelo que se impõe a eliminação do elemento em apreço, que deve ter por não escrito, e se julga procedente a imputação em apreço.

*

Na conclusão R), peticiona a Recorrente o aditamento ao probatório do seguinte facto:

«A devedora originária não cessou o contrato de prestação de serviços que mantinha com o seu principal cliente, embora este fosse deficitário desde o início, nem executou nenhum dos créditos vertidos em facturas que tinha para com este cliente principal».

Depois de ouvido o depoimento das testemunhas inquiridas, e compulsados os demais meios de prova constantes dos autos, verificamos que não existem elementos que suportem a asserção em apreço. Motivo porque se julga improcedente o pretendido aditamento ao probatório.


*

Ao abrigo do preceituado no artigo 662º do CPC, adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
23) Transitaram em julgado as sentenças, em que intervieram as mesmas partes e com o mesmo sentido decisório, proferidas nos processos seguintes:
242/15.4BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014); 243/15.2BEPDL, (retenções na fonte, IRS; 2015); 246/15.7BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2015); 247/15.5BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014);248/15.3BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014); 250/15.5BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014); 251/15.3BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014); 252/15.4BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014) e 284/15.0BEPDL (retenções na fonte, IRS; 2014).

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação que efectuou da factualidade assente ao ter concluído pela procedência da oposição.

Como supra vimos, foram já proferidas diversas sentenças relativamente à matéria em causa nos presentes autos, já transitadas em julgado, sendo que, muito recentemente, em 4 de Maio de 2023, foi proferido Acórdão neste TCAS, no âmbito do processo nº 244/15, com as mesmas partes, no qual é idêntica a factualidade assente, bem como o teor da sentença ali recorrida.

Assim, por concordarmos com o ali decidido, permitimo-nos transcrever o referido Acórdão, que acolhemos, com as necessárias adaptações:

“(…)A sentença julgou procedente a oposição. Estruturou, em síntese, a argumentação seguinte: «o tribunal deu como provado que as dificuldades financeiras da sociedade devedora originária devem-se à perda de clientes, que originou uma quebra progressiva de receita, particularmente sentida a partir do exercício de 2014 (cfr. 22)). Como primeira medida para minimizar tal perda de receita, a oponente apresentou a sociedade devedora originária ao S…, em outubro de 2014, sendo que nessa altura o capital em dívida atingia o valor de € 1.672.174,09 (cfr. 4)). // Com tal medida, pretendia-se renegociar vários créditos, nomeadamente estipulando-se um prazo de pagamento a prestações da dívida à Fazenda Nacional. // Em seguida, foi apresentado um plano especial de revitalização (cfr. 5)), o qual foi inviabilizado devido a imposições dos credores públicos (segurança social e autoridade tributária), segundo o relatório do administrador da insolvência (cfr. 16)). // Cerca de dois anos depois, em 27 de setembro de 2016, foi declarada a insolvência da sociedade (cfr. 15)). // De acordo com o relatório do administrador de insolvência, em 2016 a dívida da sociedade atingia o montante de € 2.396.005,79 (cfr. 16)). // Ora, o tribunal reconhece, portanto, que foram fatores exógenos que conduziram à situação financeiramente insustentável da sociedade devedora originária. // E também nota que houve uma reação “rápida” e “ágil” de resposta da oponente aos primeiros “sinais” de quebra de receita. // Pese embora as diligências comprovadamente empreendidas tivessem sido infrutíferas, não tendo sido possível recuperar a sociedade devedora originária, as mesmas denotam empenho da oponente, no sentido de reconhecer e pagar os créditos fiscais e a preservação do património societário. // De facto, em face dos resultados líquidos obtidos, em 2014, a situação financeira da sociedade devedora originária mostrava-se de difícil recuperação. // E no espaço de dois anos a dívida da sociedade devedora originária aumentou exponencialmente. // Porém, o “insucesso” dessas diligências não obsta ao reconhecimento de que exerceu de forma diligente as suas funções de gerente, procurando soluções que permitissem a recuperação económica da sociedade. // Como se referiu, ao tribunal não cabe averiguar o mérito ou capacidades técnicas da gestão desenvolvida pela oponente, mas apenas verificar a existência de empenho no pagamento dos créditos fiscais e/ou na preservação do património societário».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega, em síntese, que a sentença não terá feito uma correcta apreciação da prova recolhida; que a gestão exercida pela oponente merece censura, porquanto está em causa IRS, retido na fonte e não entregue ao Estado e porque a recorrida não diligenciou pela existência de clientes alternativos à N…, que assegurassem a viabilidade da empresa.

Apreciação.

Está em causa a reversão da execução fiscal, contra a oponente, relativa ao processo de execução n.°[ 2992.2014/01228110], instaurado contra a sociedade T…, Lda., com vista à cobrança de € [5.023,13, relativos a retenções na fonte de IRS, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a [2 de junho de 2014]. A reversão foi determinada com base no disposto no artigo 24.°/1/b), da LGT.

«Neste caso, o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera- se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32° da LGT e 64° do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar» .

Mais se refere que «há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do art°.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável». [Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11]

Antes de entrarmos na apreciação do objecto do recurso, cumpre referir que a alegação da recorrida segundo a qual existem outros processos de oposição sobre os quais forma proferidas decisões judiciais transitadas em julgado que lhe são favoráveis não é, só por si, suficiente, para garantir a procedência da presente oposição. Como estatui o artigo 621.° do CPC, «[a] sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», pelo que a autoridade preclusiva do caso julgado depende da comprovação da ocorrência da tríplice identidade a que se refere o preceito do artigo 581.° do CPC. No caso, independentemente da identidade do “episódio da vida” sob escrutínio, seja o efeito jurídico, sejam os fundamentos fáctico-normativos são distintos, pelo que a referida autoridade preclusiva não é de atender.

Do probatório resultam os elementos seguintes:

i) Em 16 de outubro de 2014, a sociedade T…, Lda., foi apresentada ao S…/ IAPMEI, através do requerimento n.° 140103/2014, do qual consta que o montante em dívida desta sociedade cifra o valor de € 1.672.174,09 (capital inicial) - (n.° 4).
ii) Em 13 de abril de 2015, no âmbito do processo especial de revitalização (PER) n.° 888/15.0T8PDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da sociedade T…, Lda. - (n.° 5).
iii) De acordo com a certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada, a 20 de abril de 2015, o valor das dívidas de impostos da sociedade T…, Lda., àquela data atingia o montante de € 64.480,31 - (n.° 6).
iv) Em 15 de outubro de 2015, no âmbito do processo especial de revitalização (PER) n.°888/15.0T8PDL, identificado em 5), foi homologado o plano de revitalização da sociedade T…, Lda. - (n.° 13).








v) Em 18 de maio de 2016, a sociedade T…, Lda., apresentou-se à insolvência, em requerimento dirigido à Instância Local - Secção Cível, do Tribunal de Comarca dos Açores - (n.° 14).
vi) Em 27 de setembro de 2016, no âmbito do processo de insolvência n.° 1388/16.7T8PDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi declarada a insolvência da sociedade T…, Lda., tendo sido nomeado como administrador da insolvência o Dr. F… - (n.° 15).
vii) Em 21 de novembro de 2016, o Dr. F… apresentou o relatório de insolvência, pelo qual propôs o encerramento de atividade da sociedade T…, Lda., sendo que no mesmo se indica que a dívida da sociedade atingia o montante de € 2.396.005,79 - (n.° 16).
viii) Em 2011, 2012 e 2013, a sociedade T…, Lda., pagou diversos montantes a título de IVA, IRS e coimas fixadas em processos de contraordenação - (n.° 20).
ix) De acordo com os balancetes da conta de imobilizado, a sociedade T…, Lda., relevou contabilisticamente bens nos seguintes valores: €631.676,91 (2011); €532.077,07 (2012); €463.962,29 (2013); €411.531,57 (2014); €516.280,28 (2015) - (n.° 21).
x) As dificuldades financeiras da sociedade T…, Lda., devem-se à perda de clientes, que originou uma quebra progressiva de receita, particularmente sentida a partir do exercício de 2014.» - (n.° 22).
A recorrente pretende sustentar a culpa da recorrida na falta de pagamento/entrega dos montantes em causa com base na ausência de diversificação dos clientes da devedora originária.
Invoca também o facto de se tratar de imposto retido e não entregue ao Estado. Tais linhas de argumentação não logram afastar a ausência de nexo de imputação da falta de pagamento da divida exequenda ao comportamento da gerente, ora recorrida. O juízo de culpa sob escrutínio não cuida de aferir da correcção gestionária das opções tomadas pelo gerente, mas antes de apurar se a sua conduta à frente dos destinos da sociedade foi criteriosa, tendo em vista a garantia da solvabilidade da mesma. Sob este ponto, o probatório comprova a actuação atempada da recorrida no sentido de solver as dívidas por regularizar, de restruturar a empresa, bem como no sentido obter a declaração de insolvência da sociedade devedora originária, com vista à garantia dos créditos em atraso. O insucesso das diligências adoptadas pela recorrida deve-se a factores exógenos, entre os quais se conta a perda de um contrato com uma empresa multinacional, naquela área de actividade.
Constitui jurisprudência assente a seguinte:
i) «Não é possível concluir, com segurança, quanto à culpa do gerente, quando o mesmo, no período de pagamento da dívida exequenda, pratica actos de saneamento financeiro da empresa e uma vez verificada a impossibilidade de sucesso dos mesmos, requer, prontamente, a sua insolvência. A adopção de tais medidas, a par do requerimento imediato de insolvência, em face da impossibilidade verificada, constitu[i]... causa dirimente da culpa do oponente. Ocorreu, pois, a ilisão da presunção».
ii) «Não basta ao oponente produzir a mera contraprova destinada a tornar duvidosa a sua culpa (artigo 346.° do Código Civil), exigindo-se, antes, a demonstração de que a situação de insuficiência da devedora originária se ficou a dever exclusivamente a fatores exógenos e que, no exercício da gerência, o gerente usou da diligência de um bonus pater familiae no sentido de evitar essa situação e proteger os credores sociais. // Para ilidir a presunção legal de culpa, deverá o oponente alegar factos relevantes e demonstrativos das iniciativas que um gestor diligente sempre empreenderia em circunstâncias adversas de modo a evitar, ou minimizar, o impacto negativo de eventuais fatores externos no desenvolvimento da atividade social».
No caso, como se referiu, a prova da ocorrência de tais factores exógenos foi realizada. Pelo que a recorrida logrou ilidir a presunção de culpa do artigo 24.°/1/b), da LGT. Devendo a oposição proceder com este fundamento. Como se decidiu na sentença recorrida. A mesma deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.(…)”










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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 18 de Maio de 2023

(Isabel Fernandes)

(Catarina de Almeida e Sousa)

(Maria Cardoso)