Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:543/21.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/04/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ASILO; INDEVIDA REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
RETOMA A CARGO; FALHAS SISTÉMICAS
Sumário:I. Por estar em causa a atuação do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, organismo integrado no Ministério da Administração Interna, tem aplicação ao caso o artigo 11.º, n.º 5, do CPTA, tendo o órgão que emitiu o ato o poder de designar o representante em juízo.
II. No caso de já se encontrar decidido pedido de proteção internacional anterior ao apresentado em Portugal, será de aplicar o artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, que impõe a retoma do requerente a cargo do Estado-membro onde foi proferida aquela decisão.
III. Já não terá aplicação a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante), que pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e decisão.
IV. Se o requerente de proteção internacional não invoca, nem resulta dos autos minimamente indiciada a existência de motivos válidos que levem a crer que tenha sido vítima de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento na Alemanha, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, é de afastar que da aplicação do princípio do non-refoulement resulte a imposição ao SEF de averiguar acerca de tais falhas e condições.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

S..... intentou ação administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, peticionando a anulação do despacho do Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 18/03/2021, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que havia apresentado e determinou a sua transferência para a Alemanha, e a condenação do réu a retomar o procedimento e proferir nova decisão, após instrução com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo alemão e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional na Alemanha, mais devendo ser anulada a decisão, após apurar se a decisão de transferência pode ou não iniciar uma cadeia de transferências que, no final, possa resultar numa violação dos direitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Por decisão de 04/05/2021, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente.

Inconformado, o autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:

“I. Nenhuma das disposições normativas e atos de delegação em que se baseia o Despacho de designação da Ilustre Mandatária do Recorrido teve por efeito o Ministério da Administração Interna designar representante em juízo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11º, nºs 1 a 3, do CPTA;

II. Considerando as disposições conjugadas dos artigos 10º, nº 2, e 11º, nºs 1 a 3, do CPTA, do artigo 19º, nºs 1 e 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 169-B/2019, de 3 de dezembro, do artigo 4º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 126-B/2011, de 29 de dezembro, dos artigos 6º, nº 2, e 9º, nº 2, da Lei nº 2/2004, de 15 de janeiro, e ainda dos artigos 13º, nº 2, alínea a), e 15º, alíneas c) e e), a contrario sensu, do Decreto-Lei nº 252/2000, de 16 de outubro, entende o Recorrente que a competência para a delegação de poderes de representação em juízo do Recorrido Ministério da Administração Interna cabe na esfera de competências do respetivo Ministro e não, como parece se sustentar o Recorrido, «por intermédio da Direção Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras»;

III. Pelo que, desde logo, os instrumentos de delegação de competência e de designação da Ilustre Mandatária do Recorrido laboram em erro, porquanto em momento algum o Recorrido conferiu poderes de representação por via dos Despachos nºs 4437/2020, de 11.03.2020, e 9133/2020, de 07.09.2020, motivo pelo qual se vislumbra que o Recorrido não se encontra devidamente representado nos autos, contrariamente ao doutamente decidido pelo Tribunal a quo;

IV. Também à luz do disposto no artigo 44º, nº 1, do CPA, conjugado com o disposto no artigo 36º, nº 1, do mesmo diploma legal, tendo em consideração que a entidade demandada em juízo é o Ministério da Administração Interna, sempre caberia ao Ministro da Administração Interna, enquanto entidade legalmente competente para assegurar a representação do Recorrido, designar representante em juízo, seja por ato de designação direta, seja por força de atos de delegação subsequentes;

V. Assim, é ilegal o exercício da referida competência pela Senhora Diretora Nacional do SEF e, de igual modo e por força dos atos de delegação invocados, pelo Senhor Diretor Nacional Adjunto e pela Senhora Coordenadora do Gabinete Jurídico do SEF, motivo pelo qual pensa-se ser manifesto que o Recorrido não se encontra devidamente representado em juízo, em violação do disposto no artigo 11º, nºs 1 a 3, do CPTA, verificando-se in casu a falta de mandato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA;

VI. E, servindo tal circunstância de impedimento a que o Tribunal conheça do mérito da ação, sendo lícito à parte contrária a correspondente arguição em sede de recurso, deverá ser determinado o desentranhamento dos atos processuais praticados pelo Recorrido, com todas as devidas e legais consequências;

VII. Ao contrário do decidido pela douta Sentença recorrida, a prova vertida nos autos (cf. pontos 4, 6, 10 e 13 da matéria de facto) denota uma situação de falência do sistema alemão de acolhimento dos requerentes de asilo, porquanto o Recorrente nunca logrou obter acesso aos cuidados de saúde adequados à sua condição patológica relativa à pressão sanguínea, tendo o Recorrente sentido equivalentes défices de proteção, com ausência de tratamento médico e um sítio digno para pernoitar e ter acesso às condições básicas de higiene e salubridade, tendo sido, aliás, a falta de condições básicas de sobrevivência que levou o Recorrente a procurar tais condições em Portugal;

VIII. Conforme vem decidindo a jurisprudência do TJUE, incumbia ao Recorrido instruir a decisão com informação fidedigna atual, sobre o funcionamento do procedimento de asilo na Alemanha e as condições de acolhimento dos refugiados nesse Estado-Membro, recorrendo ao ACNUR e à Amnistia Internacional para verificação da informação que lhe é exigida pelo 2º parágrafo do nº 2 do artigo 3º do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o que manifestamente não ocorreu na situação dos presentes autos;

IX. Caso venha a ser transferido para a Alemanha, o Recorrente ficará colocado em situação particularmente grave de privação material extrema, que não lhe permitirá fazer face às suas necessidades mais básicas, como alimentar-se, lavar-se e alojar-se, e porá em risco a sua saúde física (que já se encontra debilitada por força dos problemas de tensão arterial de que padece) ou mental e o colocará num estado de degradação incompatível com a dignidade humana;

X. Assim, o ato impugnado incorre em déficit de instrução, no que concerne aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de proteção internacional formulado, sendo o mesmo ilegal e, nessa medida, anulável, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, o que deveria ter sido determinado pelo Tribunal a quo, bem como condenando o Recorrido a retomar os seus poderes procedimentais em ordem a substitui-lo por outro que, após instrução com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo alemão e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional na Alemanha, no quadro normativo aplicável ao pedido de proteção internacional deduzido pelo Recorrente e atendendo aos factos pessoais relatados e à situação do País de origem, apreciar se, no caso concreto, se verifica qualquer dos motivos enunciados no artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo, do Regulamento (UE) 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, com todas as devidas e legais consequências;

XI. Entende ainda o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que decidiu que não se verificam quaisquer indícios de que o Recorrente, caso venha a ser enviado para o seu País de origem, irá sofrer qualquer tipo de perseguição política e racial, descurando o disposto nos artigos 16º e 17º do Regulamento, no que a razões humanitárias diz respeito;

XII. Encontra-se provado nos autos que o Recorrente declarou aos serviços do Recorrido que saiu da Gâmbia como consequência de problemas políticos e sociais por si experienciados, designadamente, por ser afiliado no partido UDP (partido gambiano da oposição), tendo sido perseguido politicamente por esse motivo, e por ser da tribo mandinga e a tribo no Governo da Gâmbia é da tribo rival jola, tendo sido, também por esse motivo, perseguido e temido pela sua vida;

XIII. Tendo em consideração esta factualidade, deveriam os serviços do Recorrido, com referência aos artigos 16º e 17º do Regulamento, ponderado devidamente a situação humanitária do Recorrente, já que o seu envio para o seu País de origem, como se prevê que farão as autoridades alemãs, implicará um efetivo perigo para a sua vida e integridades física e moral;

XIV. Neste sentido se vem pronunciando a jurisprudência do TEDH, por aplicação direta da CEDH, entendendo-se que, ainda que o Estado alemão cumprisse as obrigações decorrentes deste instrumento de direito internacional, tal não exime o Estado português de verificar se a transferência do requerente de asilo pode ou não iniciar uma cadeia de transferências que, no final, possa resultar numa violação dos direitos da CEDH, que os Estados europeus têm a obrigação de proteger;

XV. Pelo que, entende o Recorrente, deveria também tal circunstância ter sido devidamente apurada no âmbito do procedimento do pedido de asilo do objeto dos presentes autos, incorrendo, também por essa razão, a decisão impugnada, no vício de défict instrutório, devendo a mesma ser anulada e os demais pedidos julgados procedentes, com todas as consequências legais.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora sob censura no sentido em que o fez, procedeu de forma irrepreensível à interpretação dos factos e aplicou corretamente aos mesmos o direito, não tendo violado quaisquer preceitos legais, nem tal decisão padece de qualquer vício de erro de julgamento de direito, inexistindo outras questões que cumpra conhecer, inserindo-se a decisão recorrida em jurisprudência uniforme e constante que tem vindo a ser proferida pelo STA.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:

- da indevida representação em juízo da entidade recorrida;

- do erro de julgamento da sentença ao decidir que o SEF não tinha de instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo alemão e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país;

- do erro de julgamento da sentença ao decidir que não se verificam indícios de que o recorrente, caso venha a ser enviado para o seu país de origem, irá sofrer qualquer tipo de perseguição política e racial.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.


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II. FUNDAMENTOS

II.1 DECISÃO DE FACTO

Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.


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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se:

- ocorre indevida representação em juízo da entidade recorrida;

- ocorre erro de julgamento da sentença ao decidir que o SEF não tinha de instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo alemão e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional naquele país.

- ocorre erro de julgamento da sentença ao decidir que não se verificam indícios de que o recorrente, caso venha a ser enviado para o seu país de origem, irá sofrer qualquer tipo de perseguição política e racial.

No que concerne à indevida representação em juízo da entidade recorrida, é patente a falta de razão do recorrente.

O artigo 11.º do CPTA, com a epígrafe ‘patrocínio judiciário e representação em juízo’ e na redação atual, conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, dispõe como segue:

“1 - Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público.

2 - No caso de o patrocínio recair em licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, a referida atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.

3 - Para o efeito do disposto no número anterior, e sem prejuízo do disposto nos dois números seguintes, o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do ministério.

4 - Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.

5 - Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, mas a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva.

6 - Os agentes de execução desempenham as suas funções nas execuções que sejam da competência dos tribunais administrativos.”

Está em causa a atuação do Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, organismo integrado no Ministério da Administração Interna.

Como é bom de ver, tem aplicação ao caso o citado n.º 5, e nessa medida foi citado o Ministério, tendo o órgão que emitiu o ato o poder de designar o representante em juízo no âmbito da presente ação.

Como no caso se verificou.

Improcede, pois, a invocada questão.

Quanto à invocada questão do défice instrutório, vejamos o direito aplicável e relevante para a sua solução.

Nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa (CRP), “[é] garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.”

Concretizando o direito de asilo aí consagrado, a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do asilo e proteção subsidiária, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio), veio estabelecer as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo as Diretivas n.º 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, n.º 2013/32/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e n.º 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e implementar a nível nacional o Regulamento (UE) n.º 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

Esta Lei prevê um procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, no respetivo capítulo IV, que tem lugar “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo” – artigo 37.º, n.º 1.

E segundo o respetivo n.º 2, “[a]ceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.”

O referido artigo 19.º-A, n.º 1, al. a), prevê que o pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e o n.º 2 que se prescinde da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional. Segundo o artigo 20.º, n.º 1, cabe ao Diretor Nacional do SEF tomar tal decisão.

Como se vê, a Lei do asilo e proteção subsidiária remete para o Regulamento (UE) n.º 604/2013, o apuramento da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, posto que são aí estabelecidos os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por nacionais de países terceiros ou apátridas.

O artigo 3.º deste Regulamento, sob a epígrafe ‘acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional’, prevê o seguinte:

“1. Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.

2. Caso o Estado-Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado-Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar-se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado-Membro designado com base nos critérios estabelecidos no Capítulo III ou para o primeiro Estado-Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável passa a ser o Estado-Membro responsável.

3. Os Estados-Membros mantêm a faculdade de enviar um requerente para um país terceiro seguro, sem prejuízo das regras e garantias previstas na Diretiva 2013/32/UE.”

Veja-se ainda que, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, do Regulamento, “[e]m derrogação do artigo 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.”

A fim de facilitar o processo de determinação do Estado-Membro responsável, exige o artigo 5.º do Regulamento que seja realizada uma entrevista pessoal com o requerente, antes de ser adotada qualquer decisão relativa à sua transferência para o Estado-Membro responsável. Mais aí se exige a elaboração de um resumo escrito do qual constem, pelo menos, as principais informações facultadas pelo requerente durante a entrevista, que pode ser feito sob a forma de relatório ou formulário-tipo, a que o requerente (ou um seu representante) tenha acesso em tempo útil.

No artigo 18.º do Regulamento estabelecem-se as seguintes obrigações do Estado-Membro responsável:

“1. O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:

a) Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.º, 22.ºe 29.º, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro;

b) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;

c) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida que tenha retirado o seu pedido durante o processo de análise e que tenha formulado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência;

d) Retomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º, o nacional de um país terceiro ou o apátrida cujo pedido tenha sido indeferido e que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro, ou que se encontre no território de outro Estado-Membro sem possuir um título de residência.

2. Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alíneas a) e b), o Estado-Membro responsável deve analisar ou finalizar a análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo requerente.

Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alínea c), se o Estado-Membro responsável tiver interrompido a análise de um pedido na sequência da sua retirada pelo requerente antes de ter sido adotada em primeira instância uma decisão quanto ao mérito, esse Estado-Membro assegura que o requerente tenha direito a pedir que a análise do seu pedido seja finalizada ou a introduzir novo pedido de proteção internacional, que não deverá ser tratado como um pedido subsequente tal com previsto na Diretiva 2013/32/UE. Em tais casos, os Estados-Membros asseguram que a análise do pedido seja finalizada.

Nos casos abrangidos pelo n.º 1, alínea d), se o pedido tiver sido indeferido apenas na primeira instância, o Estado-Membro responsável assegura que a pessoa em causa tenha, ou tenha tido, a oportunidade de se valer de recurso efetivo nos termos do artigo 46.º da Diretiva 2013/32/UE.”

A Secção III do Regulamento prevê os procedimentos aplicáveis aos pedidos de retomada a cargo, como segue:

“Artigo 23.º

Apresentação de um pedido de retomada a cargo em caso de apresentação de um novo pedido no Estado-Membro requerente

1. Se o Estado-Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.

2. O pedido de retomada a cargo é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 9.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 603/2013.

Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado-Membro requerido no prazo de três meses a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.º, n.º 2.

3. Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.º 2, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe ao Estado-Membro em que o pedido tiver sido apresentado.

4. Os pedidos de retomada a cargo são feitos num formulário-tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.º, n.º 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar se é responsável com base nos critérios definidos no presente regulamento.

A Comissão adota atos de execução relativos à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.º, n.º 2.

Artigo 24.º

Apresentação de um pedido de retomada a cargo sem que tenha sido apresentado um novo pedido no Estado-Membro requerente

1. Se o Estado-Membro em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), e em que não foi apresentado nenhum novo pedido de proteção internacional, considerar que o Estado Membro responsável é outro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c), ou d), pode solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo.

2. Em derrogação do artigo 6.º, n.º 2, da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, se o Estado-Membro, em cujo território se encontre, sem possuir um título de residência, a pessoa, decidir pesquisar o sistema Eurodac nos termos do artigo 17.o do Regulamento (UE) n.º 603/2013, o pedido de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b) ou c) do presente regulamento, ou de uma pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alínea d), cujo pedido de proteção internacional não tenha sido indeferido por decisão definitiva, é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 17.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 603/2013.

Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado-Membro requerido no prazo de três meses a contar da data em que o Estado-Membro requerente toma conhecimento de que outro Estado-Membro pode ser responsável pela pessoa em causa.

3. Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.º 2, o Estado-Membro em cujo território a pessoa em causa se encontre sem possuir um título de residência deve dar-lhe a oportunidade de apresentar novo pedido.

4. Se a pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alínea d), do presente regulamento, cujo pedido de proteção internacional foi indeferido por decisão definitiva num Estado-Membro, se encontrar no território de outro Estado-Membro sem título de residência, o segundo Estado-Membro pode solicitar ao primeiro que retome a seu cargo a pessoa em causa ou conduza um procedimento de retorno nos termos da Diretiva 2008/115/CE.

Se o segundo Estado-Membro tiver decidido solicitar ao primeiro Estado-Membro que retome a seu cargo a pessoa em causa, não se aplicam as regras estabelecidas na Diretiva 2008/115/CE.

5. Os pedidos de retomada a cargo de uma pessoa referida no artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), são feitos num formulário-tipo e devem conter as provas ou indícios descritos nas duas listas a que se refere o artigo 22.º, n.º 3, e/ou os elementos relevantes das declarações da pessoa em causa, que permitam às autoridades do Estado-Membro requerido verificar se é responsável, com base nos critérios definidos no presente regulamento;

A Comissão adota atos de execução relativos à elaboração e revisão periódica de duas listas com os elementos de prova e os indícios, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 22.º, n.º 3, alíneas a) e b), e à aplicação uniforme das regras de preparação e apresentação dos pedidos de retomada a cargo. Esses atos de execução são adotados pelo procedimento de exame a que se refere o artigo 44.º, n.º 2.

Artigo 25.º

Resposta a um pedido de retomada a cargo

1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.

2. A falta de uma decisão no prazo de um mês ou no prazo de duas semanas referidos no n.º 1 equivale à aceitação do pedido, e tem como consequência a obrigação de retomar a pessoa em causa a cargo, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.”

Haverá ainda que ter em consideração o invocado princípio de não repulsão ou non-refoulement, princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28/07/1951, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, direta ou indireta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta proteção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave (cf. artigo 2.º, n.º 1, al. aa) da Lei de asilo e proteção subsidiária).

Da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação:

Tal como decorre dos termos do procedimento sub judice, das declarações prestadas pelo A. nesse conspecto resulta tão-somente que esteve na Alemanha durante cinco anos e que receia “pelo seu estado de saúde”, na medida em que tem “problemas de pressão sanguínea e não se sente bem”, encontrando-se a ter acompanhamento médico em Portugal, tratamento esse que não seria “possível na Alemanha porque o seu processo de asilo terminou e consequentemente não tem acesso a cuidados de saúde”, mais acrescentando que “enquanto esteve na Alemanha, estava traumatizado e não teve acesso aos cuidados de saúde apropriados”, sendo que “não teve acesso a cuidados de saúde relativamente à sua pressão sanguínea” (cf. factos 4. e 10. firmados supra).

Em face do que acima se expendeu, facilmente se constata, como bem denota o R., que tais circunstâncias não se afiguram aptas a indiciar um qualquer cenário em que “existam motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura” e que, consequentemente, espoletem a correlativa obrigatoriedade de a entidade demandada “diligenciar pela obtenção de informação actualizada acerca da existência de risco de o requerente ser sujeito a esse tipo de tratamentos”, não se verificando, como tal, qualquer deficit instrutório da decisão impugnada.

A certo ponto, vem também o A. arguir, ainda que de forma algo dessubstanciada, e em conexão com os argumentos já analisados, que a sua retoma para a Alemanha implicaria, necessariamente, o seu retorno ao país de origem, o que o sujeitaria, então, a uma ameaça aos seus direitos fundamentais, parecendo, então, apelar a uma certa noção de non-refoulement de que o R. não se poderia eximir.

Sucede, porém, que se, por um lado, ficou acima já bem patente que não é possível descortinar, in concretu, uma qualquer situação de falta de capacidade sistémica, em sentido próprio, daquele Estado-Membro para fazer face às solicitações de protecção internacional que lhe são endereçadas; por outro, e tal como vem sendo sufragado pelo signatário em situações em tudo idênticas à do litígio sub judice, há que ter presente que a aplicação do princípio do non-refoulement terá que inelutavelmente competir, em exclusivo, ao Estado-Membro responsável pela apreciação do pedido de protecção internacional (in casu, a Alemanha), sob pena de se fazer perigar o Sistema Europeu Comum de Asilo, materializado pelo Regulamento e pela regra absolutamente basilar que aí se consigna, no sentido de que “Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro”, bem como de se colocar a Administração Pública e os Tribunais portugueses em posição de invalidar ou desconsiderar decisões administrativas e, até, judiciais de outros Estados-Membros da União Europeia, o que, como facilmente se infere, não é de admitir.

Com efeito, ainda que se possa acolher a noção de que aos tribunais nacionais da União Europeia cabe aquilatar, mesmo que indirectamente, a bondade das decisões administrativas de outros países europeus, na medida em que as mesmas sejam ainda um corolário da “existência de deficiências sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de asilo” (o que se afigura, desde logo, questionável, dependendo da alegação de factos concretos nesse sentido, o que não ocorreu in casu), já não será de admitir tal apreciação nos casos em que, como sucede na situação sub judice, não se verificam quaisquer indícios de tais circunstancialismos e o procedimento de protecção internacional precedente decorreu com aparente normalidade.

Contra o que se insurge o recorrente, por entender que incumbia ao SEF averiguar acerca do procedimento de asilo e das condições de acolhimento na Alemanha, e que existem indícios de que, com o regresso ao seu país de origem, irá sofrer perseguição política e racial.

Vejamos.

No caso vertente, temos que o recorrente já apresentou pedidos de proteção internacional em Itália e na Alemanha, sabendo-se que pelo menos este último foi recusado.

Seguiu depois para Portugal, onde apresentou um terceiro pedido de proteção internacional.

O pedido de retoma a cargo do recorrente às autoridades alemãs foi aceite.

Nos termos definidos no citado Regulamento n.º 604/2013, apenas um Estado-membro é responsável pela análise de um pedido de asilo, que à partida será o primeiro Estado-membro em que o pedido tenha sido apresentado.

À luz do artigo 33.º da Lei do asilo e proteção subsidiária, o recorrente podia apresentar um pedido de proteção subsequente, configurado como tal por o requerente dispor de novos meios de prova ou por se terem alterado as circunstâncias com base nas quais formulara o pedido inicial, o que não foi feito.

Trata-se, pois, de um pedido de proteção internacional, quando pelo menos um anterior já fora decidido.

Tem aplicação a estes casos o já citado artigo 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento n.º 604/2013, que impõe a retoma do requerente a cargo do Estado-membro onde foi proferida a decisão de recusa de proteção internacional.

É verdade que a já citada cláusula de salvaguarda prevista no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, prevê que à transferência do requerente para o Estado-membro competente pode obstar a existência de motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Caso em que, de acordo com o respetivo artigo 17.º, n.º 1, seria de derrogar o artigo 3.º, n.º 1, podendo Portugal decidir analisar o pedido de proteção internacional, ainda que essa análise não seja da sua competência.

Contudo, como já se reconheceu em recentes acórdãos deste TCAS[1], nos casos em que o pedido de um requerente de proteção internacional já foi decidido por outro Estado-membro, não tem aplicação a referida cláusula de salvaguarda, que pressupõe estar em curso o procedimento no Estado do primeiro pedido, daí que se equacione a possibilidade do Estado em que foi formulado o segundo pedido chamar a si a respetiva análise e, claro está, a sua decisão.

O que não impede, como se reconhece nos mesmos arestos, que o SEF esteja obrigado a apurar as condições de acolhimento e do procedimento de asilo em país relativamente ao qual sejam fundadamente invocadas falhas sistémicas, ao abrigo do já citado princípio do non-refoulement, a par da proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes, plasmada no artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (veja-se, neste sentido, a jurisprudência do TEDH, citada no invocado acórdão do TCAS de 02/07/2020).

Quanto à questão das invocadas falhas sistémicas, atente-se que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem-se orientado consensualmente no sentido do sistema de asilo comum assentar no princípio da confiança mútua, presumindo-se que o tratamento dado aos requerentes de asilo em cada estado membro está em conformidade com as exigências da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Quanto à presente questão, conforme se dá nota na decisão recorrida e no parecer do Ministério Público, existe orientação jurisprudencial consolidada do STA, no sentido do SEF não se encontrar obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento quando, no caso concreto, não existam indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas (cf. os acórdãos de 16/01/2020, proc. n.º 02240/18.7BELSB, de 23/04/2020, proc. n.º 0916/19.0BELSB, de 21/05/2020, proc. n.º 1300/19, de 04/06/2020, proc. n.º 01322/19.2BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01786/19.4BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01088/19.6BELSB, de 09/07/2020, proc. n.º 01419/19.9BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01705/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 02194/19.2BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 02364/18.0BELSB, de 19/11/2020, proc. n.º 01301/19.0BELSB e de 27/05/2021, proc. n.º 01357/19.5BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

E no caso do Estado-Membro em questão nos presentes autos, em recentíssimo acórdão de 01/07/2021 (proc. n.º 2285/20.7BELSB), o STA não admitiu recurso de revista centrado na acusação de que há falhas sistémicas nos procedimentos de proteção internacional e nas condições de acolhimento de refugiados naquele país, por falta de credibilidade desta alegação.

No caso vertente, igualmente será de concluir no sentido de não recair sobre a entidade recorrida a obrigação de averiguar acerca das condições no procedimento de asilo e no acolhimento na Alemanha.

Para aí apontando os elementos constantes dos autos, posto que o recorrente, não obstante invocar ter problemas de saúde que não foram objeto de cuidados na Alemanha, não aportou quaisquer elementos que minimamente indiciem a existência de motivos válidos que levassem a entidade demandada a crer que o recorrente tenha sido vítima de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Alemanha, implicando o risco de tratamento desumano ou degradante.

Por outro lado, como bem se assinala na decisão recorrida, inexistindo quaisquer indícios de falta de capacidade sistémica do sistema de acolhimento alemão, a aplicação do princípio do non refoulement, na apreciação do risco que comportará o seu regresso ao país de origem, terá de competir, em exclusivo, a este Estado-Membro, que à luz do Regulamento é o responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, sob pena de se afrontar o Sistema Europeu Comum de Asilo.

Em face do exposto, verifica-se que não merece qualquer censura a sentença recorrida.

Como tal, será de negar provimento ao presente recurso.


*

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Sem custas, atento o disposto no artigo 84.º da Lei do Asilo.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Luísa Soares têm voto de conformidade com o presente acórdão.

Lisboa, 4 de agosto de 2021


(Pedro Nuno Figueiredo)

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[1] v.g., os acórdãos de 02/07/2020, proc. n.º 61/20.6BELSB, e de 10/09/2020, proc. n.º 115/20.9BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt