Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:79/06.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
Sumário:I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.
II- Tais ajudas de custo não se consideram retribuição e não se encontram sujeitas a IRS na parte em que não excedam os limites legais [artigo 2º nº3 alínea e) do CIRS].
III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M.....e M....., contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2001, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, formulam as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto dos supracitados excertos da douta decisão, a qual deriva não só da incorreta perceção e valoração da factualidade, como também da errónea interpretação e violação do artigo 2.º do CIRS e do artigo 74.º da LGT.
B) No caso das correções efetuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão e sua fundamentação, que estão na base decaimento da Fazenda nos presentes autos impugnatórios.
C) Decidiu o douto tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que a AT não coligiu os elementos suficientes que permitissem a emissão das liquidações impugnadas. É com esta conclusão e com a fundamentação expressa na sentença, de que se recorre que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir.
D) Ao contrário da decisão recorrida, considera a Fazenda Pública, que não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efetivamente estamos perante ajudas de custo, pois estas encontram-se insuficientemente justificadas, pela própria entidade patronal, que não apresentou provas concludentes que aqueles valores foram pagos por deslocações efetivas.
E) Constata-se que, os recibos de vencimento não referem as deslocações efetuadas pelo recorrido, nem de qualquer modo foi feita prova que estas deslocações correspondessem a um qualquer serviço efetuado no interesse da empresa, ou sequer, que as mesmas tenham ocorrido, pelo que não se poderá considerar como provado o facto nos termos em que a sentença recorrida considera.
F) A inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AT, no exercício do seu poder/dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, a realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, é, no entender da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, suficiente para englobar os respetivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.
G) Para que tal não sucedesse, o recorrido poderia demonstrar que tais quantitativos correspondiam, efetivamente, à compensação por despesas de deslocação que suportou, fazendo-o mesmo em substituição da sua entidade patronal, o que não ocorreu.
H) Perante a inexistência de prova que contrariasse a veracidade das correções realizadas em sede de inspeção, a AT entendeu que o montante recebido pelo impugnante da sua entidade patronal, era a título de remuneração.
I) No que concerne à decisão do Tribunal a quo sobre a fundamentação do ato e, em clara discordância com o decidido, reitera-se que quer no relatório de inspeção, quer na contestação apresentada, a AT sempre assentou a sua posição numa fundamentação clara, concreta e concisa, referindo sempre as razões de facto e de direito que justificam as correções propostas e a decisão levada a cabo, permitindo aos sujeitos passivos perceberem sempre a motivação daqueles atos.
J) Afigurando-se-nos que a liquidação controvertida respeita os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, permitindo perceber a sua natureza, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e aos destinatários a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e defender-se nos termos em que o fizeram.
K) No caso sub judice, torna-se evidente que as verbas mensais, abonadas a título de ajudas de custo, não se destinavam a reembolsar o impugnante por despesas que tivesse de efetuar em serviço e a favor da sua entidade patronal, constituindo antes uma prestação regular e periódica, quando muito um complemento de salário, correspetivo da sua prestação de trabalho, expressiva de uma forma de retribuição, sujeita a tributação em sede de IRS, de acordo com o artigo 2.º do CIRS.
L) Deste modo, para ficar afastada a incidência do imposto sobre aquele montante, seria necessário que, o mesmo, não só fosse “qualificado” como ajudas de custo pela entidade patronal, como também que preenchesse os requisitos legais indispensáveis a ser considerado como ajuda de custo, de molde a sair do campo de incidência previsto no art. 2° do CIRS.
M) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!


A Recorrida contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo:

A) As conclusões apresentadas pela Recorrente — conclusões que, como é bem-sabido, limitam o âmbito do presente recurso — não contêm qualquer justificação factual e de direito que imponha a alteração da matéria factual dada como provada e a aplicação do direito aos factos;
B) Quer a jurisprudência, quer a doutrina têm entendido só haver lugar a tributação de montantes reembolsados a título de despesas de deslocação quando estes são subsumidos no conceito de rendimento do trabalho dependente, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º n° 3 alínea e) do Código do IRS e apenas na parte em que excedem os limites legais;
C) A jurisprudência e a doutrina têm vindo a defender que a característica essencial destes montantes é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador por despesas que teve de suportar a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações ao serviço desta;
D) Foi feita prova inequívoca de que, em 2001, o Recorrido exercia funções de Diretor Comercial de Exportação, função que o obrigava a deslocar-se com muita frequência para contactar com organismos oficiais, tais como o ICEP, com fornecedores e com clientes nacionais e estrangeiros que se deslocassem a Portugal;
E) Provou-se ainda que o montante de ajudas de custo e das despesas de deslocação pago aos trabalhadores era o constante da Portaria aprovada para os funcionários públicos (nada mais, nada menos);
F) O ónus da prova de que os montantes percebidos pela ora Recorrido não têm finalidade compensatória compete à Administração fiscal nos termos da regra do artigo 100.º do CPPT, pelo qual se estabelece o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos sobre quem os invoque;
G) A Administração fiscal num primeiro momento, e a Representante da Fazenda Pública num segundo momento, nunca lograram fazer prova cabal do carácter remuneratório dos montantes reembolsados a título de despesas de deslocação;
H) A Administração fiscal não junta ao processo qualquer prova documental, designadamente os boletins de itinerário dos quais retira a conclusão de que nenhuma deslocação foi efetuada pelo ora Recorrido, escusando-se ainda à produção de qualquer prova testemunhal que sustente as suas alegações;
I) Em suma, a Administração fiscal falha não só em efetivamente provar a legitimidade das suas pretensões, como até em diligenciar no sentido de que a prova, que lhe compete, seja feita;
J) Aliás, em todo o caso, sempre teria a Administração fiscal que demonstrar, caso a caso (i.e., deslocação a deslocação), em que dias constantes dos mapas de quilómetros como dias em que o Recorrido se deslocou não houve, efetivamente qualquer deslocação, efetuando correções apenas quanto a essas quantias devidamente especificadas e não tributando o Recorrido como se esta nunca se tivesse deslocado;

Termos em que, a decisão a quo não merece qualquer censura devendo ser mantida no que respeita à anulação da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, com as devidas consequências legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTICA.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se incorre em erro de julgamento de facto e de direito a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante ao ano de 2001, por a Autoridade Tributária e Aduaneira não ter recolhido indícios bastantes do carácter remuneratório das quantias abonadas ao impugnante a título de ajudas de custo.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) O Impugnante marido, M……., trabalhou para a sociedade “Indústrias de C…., S.A.” (adiante, N…..), entre 1992 e 2002 (facto não controvertido);

B) Em 2001, o Impugnante desempenhava funções de “export manager” da N….., encontrando-se adstrito ao respetivo departamento comercial (facto não controvertido);

C) O Impugnante tinha a seu cargo o planeamento e gestão das vendas a clientes estrangeiros da N……, em especial de Espanha e dos PALOP, tendo regularmente deslocações para reuniões aos escritórios distritais, com organismos oficiais, nomeadamente com o I......., com fornecedores e com clientes nacionais e estrangeiros que se deslocassem a Portugal (cfr. depoimento da testemunha P……..);

D) A N....... tinha uma frota de veículos, estando os veículos afetos aos respetivos departamentos (cfr. depoimento da testemunha P……);

E) Cada veículo tinha um cartão G... Frota (cfr. anexo 8 do RIT);

F) No exercício de 2001, o Impugnante preencheu as fichas “Ajudas de custo ou km”, na qual eram indicados os itinerários e datas da realização das deslocações (cfr. anexo 2 do RIT, a fls. 29 a 40 do PAT apenso);

G) Estes boletins não eram sempre preenchidos no dia do regresso, podendo haver lapsos no preenchimento dos mesmos (cfr. depoimento da testemunha P.......);

H) Durante o ano de 2001, o Impugnante recebeu, para além da remuneração do trabalho prestado, quantias referentes ajudas de custo, nos valores de: 164.234 PTE, em março; 140.772 PTE, em abril; 82.117 PTE, em maio; 70.386 PTE em junho; 82.117 PTE, em julho; 70,386 PTE em agosto; 70.386 PTE, em setembro; 58.655 PTE, em outubro; 58.655 PTE, em novembro; e 146.638 PTE, em dezembro (cfr. anexo 1 do RIT, a fls. 19 a 28 do PAT apenso);

I) Ao abrigo das ordens de serviço nºs. 23749 e 23750, de 26.11.2002, foi realizada uma ação inspetiva à N......., com o objetivo de ser fiscalizado o pagamento de ajudas de custo e quilómetros percorridos em viatura própria, com referência ao ano de 2001 [cfr. relatório de inspeção tributária (RIT), a fls. 5 a 180 do PAT apenso];

J) Em 03.02.2005, foi elaborado RIT, no qual se afirma, nomeadamente o seguinte:

“(…) CAPÍTULO III
DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1 – Pagamentos de ajudas de custo
(…) Por recurso aos boletins itinerários, constatou-se que este colaborador recebia as ajudas de custo por deslocações efetuadas dentro do território português e espanhol, conforme se pode verificar no mapa resumo elaborado, Anexo 2.
Assim, este empregado utilizou, no ano de 2001, duas viaturas:
 a viatura FIAT MAREA (…), com a matrícula 59……, de 1 de janeiro a 20 de abril, Anexo 3 à qual estava atribuído o identificador do sistema de portagens Via Verde nº 02 435…….., Anexo 4 e o Cartão G... Frota, nº 7….. , Anexo 5.
 A viatura FORD FOCUS (…), com a matrícula 31-….., início em 30 de abril, Anexo 6 à qual estava atribuído o identificador do sistema de portagens Via Verde nº 02 4……. (transferido da viatura 59-….), Anexo 7 e o Cartão Galp Frota, nº 708…….., Anexo 8.
Após análise dos boletins itinerários, respeitantes à atribuição das ajudas de custo, elaborados por este empregado, e da documentação da empresa N....... com referência a deslocações e estadas, portagens – sistema Via Verde -, e combustível – G... Frota -, tendo em conta que este utilizava a viatura suprarreferida, descrevem-se as seguintes situações, entre outras, como exemplos de divergências detetadas:
o Entre os dias 05-03-2001 a 09-03-2001 declarou estar deslocado – ajudas de custo a 100% - no Porto
(…)
 A listagem informativa dos abastecimentos (…) indica que nos dias 05, 06 e 09 abasteceu a viatura, com a matrícula 59-……, em Aveiras de Cima.
o Entre os dias 12-03-2001 e 16-03-2001 declarou estar deslocado – ajudas de custo a 100% - em Braga e entre os dias 20-03-2001 e 23-03-2001 declarou estar deslocado – ajudas de custo a 100% - no Porto
 O documento interno nº 210……..PV (…) confirma que este efetivamente deslocado, mas em Cabo Verde (…) – entre os dias 14 a 23 de março. As despesas de alojamento e alimentação foram pagas pela N......., Anexo 9.
(…)
o Entre os dias 05-07-2001 a 06-07-2001 declarou estar deslocado – ajudas de custo a 100% - no Porto. Nos dias 09-07-2001 e 13-07-2001 declarou estar deslocado – ajudas de custo a 100% - na fronteira Luso Espanhola (9 a 11) e Algarve (12 a 13). O documento interno nº 220…….. PV (…) confirma que este, efetivamente, deslocado, mas em Luanda, entre os dias 01 a 20 de julho. As despesas de alojamento e alimentação foram pagas pela N......., Anexo 11.
o Entre os dias 05-09-2001 e 12-09-2001 declarou estar deslocado em Braga (5), Porto (6, 7), Aveiro (10), Coimbra (11) e Beira Interior (12). O documento interno nº 220…….PV (…) confirma que este, efetivamente, deslocado em Maputo e Johannesburg, entre os dias 31 de agosto e 11 de Setembro. As despesas de alojamento e alimentação foram pagas pela N....... (…) Anexo 12.
(…)
Conclui-se, deste modo o seguinte:
 que os locais indicados nos boletins itinerários, não coincidem, em inúmeras situações, nem os locais de passagem nas portagens das autoestradas, nem com os locais em que a viatura é abastecida.
 São declaradas deslocações em território português quando este colaborador se encontra fora deste território, mas com todas as despesas inerentes a essas deslocações pagas pela empresa N........
 As despesas com as refeições e alojamento são pagas pela empresa N......., em períodos em que são recebidas ajudas de custo.
Deste modo, existem indícios que os boletins de itinerários respeitantes à atribuição de ajudas de custo não correspondem à verdade, sendo o pagamento das ajudas de custo efetuado como complemento de vencimento, devendo, assim, tais importâncias - € 4.710,38 (944.346 PTE).– serem englobadas aos restantes rendimentos auferidos no ano de 2001, para efeitos de tributação em IRS, nos termos do artigo nº 2 do artigo 2º do Código do IRS. (…)”.
(cfr. RIT);

K) Na sequência da ação inspetiva, em 14.11.2005, foi emitida em nome dos Impugnantes a demonstração da liquidação de IRS, referente ao ano de 2001, n.º 2005 400…… e, em 17.11.2005, a demonstração de acerto de contas n.º 2005 000……, com o valor a pagar de € 1.877,92 (cfr. doc. 1 junto com a p.i., a fls. 29 e 30 dos autos, que se dá por reproduzido).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não existem factos que importe registar como não provados.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna-se:

A decisão da matéria de facto provada baseou-se nos documentos juntos aos autos e ao PAT apenso, não impugnados, e no depoimento da testemunha inquirida, conforme remissão feita em cada alínea do probatório.
A testemunha arrolada pelo Impugnante, P......., diretor de recursos humanos da empresa N......., afirmou que o Impugnante estava em contacto permanente com o I....... e com clientes no norte de Espanha, sendo igualmente responsável pela área das exportações para os P….... Era um “homem de vendas e negociação”, efetuando, ao serviço N......., diversas deslocações, quer em território nacional, quer ao estrangeiro. Explicou ainda que existia uma pool de viaturas, que são requisitadas pelos vários departamentos. Quanto às discrepâncias nas datas constantes das fichas de itinerário, esclareceu que se deviam a lapsos ou erros de preenchimento pelo trabalhador.


II.2 Do Direito

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2001, incorreu em erro na de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que os montantes pagos pela entidade patronal ao trabalhador a título de ajudas de custo, constituíam antes verdadeiras remunerações do trabalho prestado.

Vejamos:

Nos termos do artigo 2/3.e) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) na redação dada pelo artigo 40º da Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril, estavam sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares: as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício.

E o legislador não considerou aqui quaisquer pressupostos da atribuição de ajudas de custo. Apenas estabeleceu que acima dos limites legais ficavam sujeitas a imposto.

Certo é que o conceito de ajudas de custos tinha e tem de se ir investigar normativamente noutros preceitos de lei, que o recebem explicitamente e o impõem, v.g., a legislação laboral.

Entretanto, a alteração da redação introduzida pela Lei n. ° 3-B/2000, de 4 de abril, acrescentando o segmento ... ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado..., apenas receber um determinado critério de atribuição das ajudas de custo, justamente o critério extraído das normas de direito público a propósito do tema.

Assim, a partir da nova redação a Administração Fiscal tem de estimar se no caso estão reunidos os elementos de facto que integram os pressupostos de atribuição das ajudas de custo aos servidores os Estado.

Mas antes tinha de se socorrer do conceito de ajudas de custo tal como era entendido pela legislação e doutrina do direito de trabalho(1)
1- Só se considera retribuição aquilo que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador..

Dispunha o artigo 82° do Decreto Lei n. ° 49408, de 24 11 69 – Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho:

1 - Só se considera retribuição aquilo que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.

A noção legal de retribuição era, portanto, de acordo com a lei então vigente o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida).

Neste caso, importa, então, sublinhar: para que haja retribuição é necessário que exista correspetividade entre as prestações da entidade patronal e a situação de disponibilidade do trabalhador. Significa isto que as prestações recebidas não podem ter uma causa específica e individualizável, diferente da mera disponibilidade imediata da força do trabalho. Com efeito, o artigo 87° do mesmo diploma legal estipulava:

Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas aos trabalhadores por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.

Estamos em condições de concluir, por conseguinte, que as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal, mas que por razões práticas foram satisfeitas pelo trabalhador: não há a correspetividade, mas esta existe incontornavelmente na retribuição entre as prestações da entidade patronal e a situação de disponibilidade laboral do trabalhador. As ajudas de custo representam a compensação ou o reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações fortuitas de serviço. Por isso mesmo, não fazem parte da retribuição, salvas as situações mencionadas na última parte do artigo 87°:
- no caso de deslocações frequentes, na parte em que as importâncias excedam as despesas normais;
- tenham sido previstas no contrato; ou
- se devam considerar pelos usos como retribuição.

Ora, em consonância com esta linha de raciocínio, o artigo 2° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares estabelece uma ampla regra de incidência, fazendo recair o imposto sobre qualquer tipo de rendimentos de trabalho, excluindo embora as ajudas de custo que não excedam os limites legais.

É consabido que em sede do procedimento administrativo tributário de liquidação, recai sobre a administração fiscal indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, e tal procedimento só pode culminar com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos constantes do processo administrativo, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do ato tributário, de acordo com os artigos 55° e 74° da Lei Geral Tributaria. Cabe, assim, à Autoridade tributária e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.

Ponderou, e bem, a sentença recorrida que ao tempo a lei não exigia a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efetuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações. Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efetuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado (…) à data.

Considerou ainda que o Impugnante, ora Recorrido, tinha de realizar diversas deslocações, quer em território nacional, quer ao estrangeiro.

Para as deslocações em território nacional, eram preenchidas fichas de itinerário, podendo ocorrer algum lapso no registo das datas, em virtude de o seu preenchimento não ser feito no próprio dia em que ocorreu a deslocação.
Competindo à entidade patronal o processamento e pagamento das ajudas de custo, a mesma devia fazer a verificação dos boletins de itinerário, de forma a evitar eventuais lapsos de preenchimento. No caso dos autos, face à prova produzida, apenas se pode concluir que, à data, a N....... não tinha instituído procedimentos de controlo suficientemente eficazes, capazes de detetar atempadamente estas falhas. Tal não impede, porém, nem permite retirar a conclusão a que chegou a Administração Tributária que as importâncias pagas a título de ajudas de custo constituem complemento da remuneração e que devem ser tributadas como rendimento de trabalho à luz do art. 2.º, n.º 2 do Código do IRS.
Para este efeito, a Administração Tributária teria, desde logo, de invocar, como fundamento do seu procedimento, que o Impugnante não realizava deslocações, em território nacional, ao serviço da entidade patronal ou que, sendo essas deslocações de tal modo frequentes, a remuneração contratualmente prevista tinha em conta as despesas previsivelmente incorridas com tais deslocações ou que, no caso concreto, foram ultrapassados os limites previstos no art. 2.º, n.º 3, e) do referido Código. Constata-se, porém, que a Administração Tributária nada alegou e provou nesse sentido.
Assim, tendo ficado demonstrado que o Impugnante realizou, durante o ano de 2001, diversas deslocações ao serviço e no interesse da entidade patronal, a várias localidades, nomeadamente para reuniões com fornecedores, clientes e com organismos oficiais, resulta das regras da experiência comum que tais deslocações implicam a realização de despesas.
Os meros lapsos de preenchimento dos boletins de itinerário não permitem, sem melhor prova, concluir que o Impugnante não suportou despesas com tais deslocações ou que as quantias abonadas excedem o valor normal das deslocações ao serviço da entidade patronal e, nessa medida, que constituíram um ganho real para o Impugnante, que deve ser tributado como retribuição, pelo que havendo dúvidas, as mesmas teriam de ser resolvidas contra a Administração Tributária, nos termos previstos no art. 100.º n.º 1 do CPPT.

Assim, se a questão poderá estar bem caracterizada no que se refere à contabilidade da empresa, já não estará no que se refere a este trabalhador em concreto. Na verdade, o relatório elaborado pela inspeção e relativo ao Impugnante, ora Recorrido, refere que este utilizava as viaturas automóveis com as matrículas 59-…… e 31-….. e detinha os supra identificados cartões de abastecimento de combustíveis, mas em lado algum refere que o ora Recorrido, era o único trabalhador da empresa que podia usar aquelas viaturas, com exclusão de qualquer outro. Aliás, na alínea D) do probatório foi dado como provado que os veículos estavam afetos aos respetivos departamentos e não a um trabalhador em concreto.

De todo o modo se as irregularidades detetadas pela Inspeção Tributária, podem, no limite, comprovar que o trabalhador em causa não se encontrava deslocado em território nacional ao serviço da empresa nos dias e lugares indicados nas fichas de itinerário (Braga, Porto, Aveiro e Coimbra), mas que no mesmo dia se encontrava efetivamente deslocado no estrangeiro (Cabo Verde, Moçambique, Angola e África do Sul), tal, porém, por si só, não afasta o pagamento da ajuda de custo diária para compensação da despesa normal com a deslocação, nomeadamente com tranfers e táxis, nem vem alegado que as despesas suportadas pelo trabalhador eram muito inferiores aos montantes pagos pela entidade patronal para as compensar.

Tal poderia permitir a correção relativamente aqueles dias e aquelas importâncias, mas não autoriza a desconsideração do total das ajudas de custo contabilizadas e pagas ao trabalhador durante todo o ano de 2001, por que violadora do princípio da proporcionalidade a que está vinculada a administração tributária no exercício das suas atribuições (artigo 55º da LGT).

Mais além, para efetuar a correção em causa a Autoridade Tributária e Aduaneira, mormente o Relatório de Inspeção, não refere que foram ultrapassados os limites legais da sua atribuição ou a não observância dos pressupostos de atribuição das ajudas de custo aos servidores do Estado.

A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita e fez uma correta apreciação dos factos e do direito, não padecendo, pois, de qualquer erro de julgamento, devendo, assim, ser confirmada.

Improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.
II- Tais ajudas de custo não se consideram retribuição e não se encontram sujeitas a IRS na parte em que não excedam os limites legais [artigo 2º nº3 alínea e) do CIRS].
III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, que decaiu.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 14 de janeiro de 2021
Susana Barreto






(1) Dispunha o artigo 82° do Decreto-Lei n.º 49408, de 1969.11.24 – Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho:
1- Só se considera retribuição aquilo que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.