Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1868/17.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/08/2018
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
INSUFICIÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Sumário:Incorre em erro de direito o órgão de execução fiscal que indefere o pedido de dispensa de prestação de garantia com base na existência de estabelecimento comercial penhorável quando no despacho reclamado reconhece que o seu valor é insuficiente para pagamento da quantia exequenda, pois o critério legal é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, e portanto, ainda que existam bens penhoráveis, se estes forem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, encontra-se preenchido um dos pressupostos legais alternativos do n.º 4 do art. 52.º da LGT, devendo ser dispensada a prestação da garantia, salvo se o órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

Clínica ..., Lda, apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa reclamação do despacho de indeferimento do pedido de dispensa da prestação da garantia proferido a 02-02-2017.

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi a reclamação julgada improcedente.

Inconformada com o assim decidido, a Reclamante recorreu para este Tribunal Central, tendo formulado as seguintes conclusões:
«
A - O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 28.11.2017, que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Recorrente do despacho de indeferimento da dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal n.º ... e aps.
B - Entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente não logrou provar a verificação dos pressupostos constantes do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, razão pela qual a decisão da AT, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela ora Recorrente, deve substituir na ordem jurídica.
C - A referida sentença padece do vício de erro de julgamento, por errada apreciação e valoração da prova produzida, tendo ainda violado o princípio do inquisitório a que se encontra adstrito, nos termos dos artigos 99.º da LGT, 13.º e 114.º do CPPT.
D - Neste âmbito, o Tribunal a quo deu como não provado que a prestação de garantia para suspender a execução fiscal não provocava prejuízo irreparável à ora Requerente, e que esta não provou factos de onde resultem não lhe ter sido concedida uma garantia bancária por qualquer instituição financeira e, bem assim, os encargos a suportar efectivamente pela prestação de tal garantia.
E - Mais considerou o Tribunal a quo que a Recorrente não alegou factos concretos, de onde se pudesse retirar que a prestação de garantia lhe causava prejuízo irreparável.
F - Contudo, saldo o devido respeito, não pode a Recorrente concordar com a decisão recorrida, porquanto, termos dos artigos 99.º da LGT, 13.º e 114.º do CPPT, recai sobre o Juiz o dever de realizar e ordenar oficiosamente as diligências que se lhe afigurem uteis e necessárias para a descoberta da verdade, não havendo qualquer sujeição aos me10s probatórios requeridos ou invocados pelas partes.
G - Para prova do requisito da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, no pedido de dispensa de garantia apresentado, a Recorrente expressamente referiu e demostrou que não possuía meios económicos para apresentação de garantia idónea, invocando, para o efeito, um conjunto de valores contabilísticos que são do conhecimento da AT, em resultado do cumprimento das obrigações acessórias que recaem sobre a ora Recorrente, nomeadamente a entrega da Modelo 22 e da JES.
H - Pelo que, tratando-se de factos do conhecimento da própria AT, a Recorrente considera que os mesmos não carecem de qualquer prova documental, uma vez que o preenchimento dos pressupostos exigidos pelo n.º 4, do artigo 52.º da LGT seriam decididos pela própria AT.
I - Ainda com o intuito de demonstrar a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, a Recorrente referiu, no seu pedido de dispensa de prestação de garantia, que não era proprietária de quaisquer imóveis susceptíveis de penhora, tendo para o efeito, junto documento comprovativo - o qual, refira-se, foi aceite por acordo pela própria AT.
J - A Recorrente alegou e logrou provar, através de documento retirado da sua contabilidade, que o seu activo é constituído por elementos essenciais ao funcionamento da sua actividade.
K - Paralelamente, a Recorrente referiu ainda que uma eventual penhora de créditos colocá-la-ia numa situação de carência económica, impossibilitando-a de poder cumprir os compromissos financeiros necessários à satisfação das exigências elementares para a continuidade e subsistência da sua actividade, o que também facilmente se comprova pela análise dos valores enunciados no referido pedido de dispensa, os quais, volte a referir-se, são do conhecimento da própria AT.
L - Por último, a Recorrente invocou a impossibilidade de obtenção de uma garantia junto de uma instituição financeira, atenta a escassez/inexistência de bens para garantir o montante exigido, bem como a actual situação financeira do país, o que leva (como é de conhecimento público e notório) as instituições financeiras a apenas concederem crédito/garantias em situações em que os seus interesses se encontram completamente protegidos.
M - Atento tudo o acima exposto, a Recorrente considera que andou mal a decisão ora recorrida ao não considerar provado o requisito da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, constante no n.º 4, do artigo 52.º da LGT.
N - Subsistindo dúvidas sobre a prova produzida pela Recorrente, deveria o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos artigos 99.º da LGT, 13.º e 114.º do CPPT, ter ordenado as diligências complementares e necessárias ao apuramento da verdade material, sob pena de incorrer em erro de julgamento, o que a Recorrente considera que sucedeu.
O - Existindo duvidas quanto à veracidade da informação alegada pela Recorrente, nomeadamente quanto à impossibilidade de obtenção de garantia bancária, deveria o Tribunal a quo diligenciar no sentido de obter os esclarecimentos e informações que considerasse adequados, quer notificando a Recorrente para o efeito, quer, nomeadamente, pedindo à Recorrente informação sobre instituições bancárias a quem esta solicitou informação e oficiando-os para o efeito, porquanto as mesmas se encontram adstritas a um dever de cooperação.
P - É forçoso concluir, ante a prova abundantemente produzida nos autos, que a Recorrente não possui bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Q - Não obstante, ainda que se considerasse que a Recorrente tinha meios económicos suficientes para prestar a garantia exigida, encontram-se igualmente reunidos os requisitos para a dispensa de prestação de garantia, porquanto os encargos devidos pela prestação de uma garantia lhe causam um prejuízo irreparável.
R - Os únicos rendimentos que a Requerente obtém são, no essencial, canalizados para fazer face às despesas correntes e diárias da sua actividade, não dispondo, por isso, de margem financeira suficiente para fazer face ao pagamento dos encargos resultantes da prestação de uma garantia de valor superior a € 2.000.000,00, sob pena de se comprometer a continuidade do exercício da sua actividade.
S - Os valores referidos pela Recorrente - facturação e despesas - são igualmente do conhecimento da própria AT, pelo que não pode esta, atento o princípio da colaboração e da descoberta da verdade, não considerar os argumentos invocados pela Recorrente.
T - Ao não ter ordenado diligências de prova ao considerar que o demonstrado pela Recorrente não era suficiente para prova do alegado, o Tribunal a quo sustentou a sua decisão num pressuposto que não se encontra correcto - o de que os encargos devidos pela prestação de uma garantia não causariam um prejuízo irreparável à ora Recorrente.
U - A Recorrente alegou e demonstrou os custos com encargos resultantes da obtenção de uma garantia bancária, dados os contactos efectuados junto de várias instituições bancárias para o efeito.
V - Se o Tribunal a quo tinha dúvidas sobre a veracidade das informações prestadas pela ora Recorrente deveria, atento o princípio do inquisitório, diligenciar no sentido de obter os esclarecimentos e informações que considerasse adequados, quer notificando a Recorrente para o efeito, quer, nomeadamente, pedindo à Recorrente informação sobre as referidas instituições bancárias e oficiando-os para o efeito.
W - O Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material a que se encontra adstrito, incorrendo, desta forma, em erro de julgamento por errada apreciação da prova.
X - Considerando a prova produzida nos autos, deve o Tribunal ad quem, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 662.º, do CPC aplicável ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT, aditar ao probatório os seguintes factos: (i) a Requerente não é proprietária de quaisquer bens imóveis susceptíveis de penhora para efeitos da garantia exigível; (ii) cerca de 99,97% do activo da Recorrente consiste em activo essencial ao funcionamento da sua actividade; e (iii) a prestação de garantia acarretaria um prejuízo irreparável para a Recorrente.
Y - Atenta a inoportunidade da garantia solicitada, em face de tudo o acima alegado, bem como o melhor explicitado em sede de pedido de dispensa de garantia e de reclamação judicial da decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia, e, tendo nomeadamente em consideração: i) a legislação existente sobre a matéria; ii) os diversos entendimentos veiculados pela AT; iii) a Recomendação da Autoridade da Concorrência ("AdC") relativa à tributação, em sede de IVA, das prestações de serviços de Acupunctura por profissionais de TNC e por médicos; iv) a publicação da Lei n.º 1/2017, de 16 de Janeiro, na qual se estabelece a isenção de IVA nas TNC, com natureza interpretativa; bem como v) a decisão arbitral proferida em situação em tudo semelhante, no âmbito do Processo n.º 111/2017-T e que julga anular os actos de liquidação de imposto, a Recorrente considera não pode a AT, , sob pena de violação, quer do princípio da legalidade, quer do princípio da boa-fé princípios basilares do ordenamento fiscal português - fazer tábua rasa dos entendimentos acima referidos, mantendo o processo de execução fiscal em causa.
Z - Com efeito, considera a Recorrente que a inexigibilidade da dívida exequenda deverá igualmente ser valorada por este Douto Tribunal para efeitos de revogação e substituição da decisão recorrida, julgando, em consequência, pela dispensa de prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução em causa.»


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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se a sentença sob recurso enferma de erro de julgamento de facto por errada apreciação e valoração da prova produzida, violando-se o princípio do inquisitório [conclusões A) a G)] pois ao contrário do decidido a Reclamante provou o requisito da falta de meios económicos [conclusões G) a P)], e também provou o requisito da impossibilidade de prestação de garantia que lhe causaria prejuízo irreparável [conclusões Q) a X)], devendo ser valorada pelo tribunal a inexigibilidade da dívida exequenda [conclusões Y) e Z)].

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida efectuou o seguinte julgamento de facto:
«
Dão-se por provados os seguintes factos:
A - Clínica de ..., Lda (ou reclamante) encontra-se enquadrada no CAE 86906 – Outras Actividade de Saúde Humana, NE;
B - Em cumprimento das Ordens de Serviço OI201600548/49/50/51, datadas de 15-02-2016, a reclamante, foi sujeita a acções de inspecção externa aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015, no âmbito da qual a 31 de Agosto de 2916 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária que, em suma, sendo a actividade do SP a prestação de serviços de acupunctura e Tui Na, a actividade principal e nunca complementar ou acessória de um serviço médico e independentemente das qualificações e credenciação dos prestadores os serviços ministrados não se enquadram no nº 1 do artº 9º do CIVA, estando consequentemente sujeitas a imposto e deles não isenta (doc nº 1 da resposta;
C - Em consonância com o relatório foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA, no montante total de €1.407.740,11 e das liquidações de juros compensatórios no montante de €117.920,15 (fls 39 a 135, da reclamação);
D - Em 22 e 23 de Novembro de 2016 foram instaurados os PEF nºs ... e apensos contra a reclamante, para cobrança coerciva de €2.049.273,29 (fls do volume II, da reclamação);
E - Em 22-12-2016 a reclamante apresentou, junto do órgão de execução fiscal pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do nº 4 do artº 52º da LGT e 170 do CPPT, manifestando intenção de impugnar as liquidações (fls 1 a 31, da reclamação);
F - Sobre o pedido referido no ponto anterior recaiu despacho de 02-02-2017 da Directora de Finanças Adjunta para a Área de Justiça Tributária, que o indeferiu, com os seguintes fundamentos:
(…).

(…).














(…).
G - Em 08-02-2017 o despacho referido no ponto anterior foi notificado à reclamante;
H - A reclamante deduziu reclamação nos termos do artº 276º do CPPT, em 22-02- 2017, do despacho identificado em F) (fls 4, dos autos);
I - Em 14-03-2017 a reclamante deduziu reclamação graciosa das liquidações do IVA e de juros compensatórios, referidas em C);
J - Em 31-08-20917 foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto anterior (doc nº 2 da resposta).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.»


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Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa julgou improcedente a reclamação entendendo, em síntese, que a Reclamante não alegou factos concretos de onde pudesse ser retirado que a prestação da garantia lhe causará um prejuízo irreparável, e por conseguinte, não se encontram preenchidos os pressupostos do n.º 4 do art. 52.º da LGT, tal como decidido no despacho reclamado.

A Reclamante não se conforma com o decidido, invoca erro de julgamento de facto da sentença recorrida por errada apreciação e valoração da prova produzida, violando-se o princípio do inquisitório [conclusões A) a G)] pois ao contrário do decidido a Reclamante provou o requisito da falta de meios económicos [conclusões G) a P)], e também provou o requisito da impossibilidade de prestação de garantia que lhe causaria prejuízo irreparável [conclusões Q) a X)], devendo ser valorada pelo tribunal a inexigibilidade da dívida exequenda [conclusões Y) e Z)].

Apreciando.

O regime jurídico da dispensa da prestação de garantia foi recentemente alterado com a entrada em vigor (a 1 de Janeiro de 2017) da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2017), alteração que há muito se impunha face à prova diabólica que sobre o contribuinte recaía relativamente ao facto negativo de que a “insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado”.

Actualmente dispõe o n.º 4 do art. 52.º da LGT: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado.”

Portanto, a dispensa de prestação de garantia deve ser requerida pelo executado, nos termos do art. 170.º do CPPT, a quem cabe provar que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável ou que é manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, uma vez que estamos perante factos constitutivos do direito do contribuinte (art. 74.º, n.º 1 da LGT conjugado com o art. 170.º, n.º 3 do CPPT).

Trata-se de um pressuposto alternativo, bastando ao executado alegação de factos e fazendo a respectiva prova relativamente a um deles: “que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável” ou “que é manifesta falta de meios económicos”.

Com a alteração legislativa introduzida pela LOE de 2017 cabe ao órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, desonerando-se, portanto, o executado do ónus da prova que sobre ele impendia no regime anterior.

Portanto, no regime vigente, ao executado caberá apenas o ónus da prova de um dos pressupostos alternativos.

É a partir deste quadro jurídico vigente que devemos analisar a legalidade do acto reclamado, nunca perdendo de vista que é a sua fundamentação, contemporânea ao acto, que está sob escrutínio.

Importa ainda sublinhar, quanto ao pressuposto “manifesta falta de meios económicos” que o critério previsto na lei é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ou seja, ainda que existam bens penhoráveis, se estes forem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, fica preenchido o pressuposto legal.

Com efeito, conforme resulta do Acórdão do TCAS de 19/09/2017, proc. n.º 576/17.3BESNT “(…) o critério previsto na lei para aferir da “manifesta falta de meios económicos” é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ou seja, ainda que existam bens penhoráveis como o vencimento, se este for insuficiente para o pagamento da dívida exequenda, fica preenchido o pressuposto legal.”

Este entendimento tem vindo a ser sufragado, mais recentemente, também pela jurisprudência do STA - cfr. acórdãos de 17/01/2018, proc. n.º 01497/17, e de 15/11/2017, proc. n.º 01176/17, sendo que neste último se sumariou o seguinte: “Nos termos do artigo 52º nº 4 verifica-se manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, se o executado, além de alguns imóveis de pequeno valor, tem uma pensão de montante substancialmente inferior à dívida em execução.” (sublinhados nossos).

Ora, aplicando ao caso dos autos a jurisprudência supra citada, in casu, a insuficiência de bens penhoráveis é reconhecida pelo órgão de execução fiscal, o que tanto basta para que o despacho reclamado seja anulado por erro sobre os pressupostos de direito.

Na verdade, da análise mais cuidada do teor do despacho proferido pelo órgão de execução fiscal fica patente que o mesmo labora num equívoco jurídico, num erro de direito, na medida em que faz uma interpretação do pressuposto alternativo “manifesta falta de meios económicos” no sentido que não é o que decorre da lei, designadamente, entende-se que existindo bens penhoráveis, como sucede no caso dos autos, então, não se encontra preenchido esse pressuposto. Ora, conforme assinala-se na jurisprudência supra referida, manifestamente não é o que resulta da lei.

Senão, repare-se, o órgão de execução fiscal, no cumprimento do princípio do inquisitório previsto no art. 58.º da LGT, consultou o seu sistema informático para apurar da existência de bens imóveis e móveis sujeitos a registo que constituíssem o património do executado. Com efeito, entendemos que era exigível ao órgão de execução fiscal, ao abrigo daquele princípio procedimental, que dispondo de acesso directo, imediato e fidedigno dessa informação, a consultasse para efeitos da tomada da decisão.

Ora, conclui-se, expressamente, nesse particular, que “não se encontram em nome da executada quaisquer bens imóveis e/ou móveis sujeitos a registo em nome da executada”. Portanto, constata-se a inexistência desses bens no património da ora Recorrente.

Mais se analisou a declaração modelo 22 do contribuinte ponderando-se o volume de negócios, e elementos do activo fixo tangível, activo corrente, e outras contas a receber, sendo o próprio órgão de execução fiscal que reconhece que o valor total do activo é de 737.256,99€. Ora, os elementos do activo (bens e direitos) podem efectivamente ser penhorados, sucede que, esse valor é insuficiente para o pagamento da quantia exequenda que é de 2.049.273,29€ e acrescido.

Portanto, da conjugação da inexistência de bens imóveis e móveis sujeitos a registo com o valor do activo da executada resulta inequivocamente que existem bens que são penhoráveis (bens do activo), mas também resulta que o seu valor é insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido. É essa a conclusão que se retira à evidência dos elementos que foram coligidos pela próprio órgão de execução fiscal.

Sucede que não foi essa a ilação tirada pelo órgão de execução fiscal quanto ao preenchimento do pressuposto ora em análise.

Na verdade, ponderando-se os valores apurados quanto ao volume de negócios, elementos do activo fixo tangível, activo corrente, e outras contas a receber, e o valor total do activo, concluiu-se que o estabelecimento comercial poderia ser penhorável, “não obstante o seu valor” [repare-se que o valor apurado pelo órgão de execução fiscal tem em consideração os valores totais do activo de 737.256,99€, bem como o volume de negócios desse estabelecimento 1.984.971,24€ e o valor dos rendimentos de 2015 no montante de 1.987.398,26€, que são elementos relevantes no apuramento do valor do estabelecimento comercial]. Por outras palavras, considerando-se os valores apurados oficiosamente ao abrigo do princípio do inquisitório, o órgão de execução fiscal reconhece que o valor do estabelecimento comercial não é suficiente (o que é manifesto, pois a dívida exequenda é no valor de 2.049.273,29€), mas que ainda assim, também entendeu que este poderá constituir garantia, ou seja, poderá ser penhorado.

Sucede que o órgão de execução labora em erro de direito, porque para aferir do preenchimento do pressuposto do “manifesta falta de meios económicos” o que realmente importa não é se existe estabelecimento comercial que constitui bem penhorável (refira-se, que estamos de acordo que existe estabelecimento comercial e é penhorável), mas o que releva nos termos da lei é se esse bem penhorável é insuficiente para pagamento da quantia exequenda. Ora, é o próprio órgão de execução fiscal que reconhece a insuficiência do estabelecimento comercial para pagamento da dívida exequenda, ao afirmar “não obstante o seu valor”, mas ainda assim entende que servirá de garantia.

O equívoco jurídico reside em se confundir a possibilidade de o estabelecimento comercial constituir bem penhorável, e portanto, bem susceptível de prestar em garantia, com o preenchimento dos pressupostos legais que determinam a dispensa de prestação de garantia. Existindo bens como no caso dos autos (estabelecimento comercial) e sendo estes insuficientes para o pagamento da quantia exequenda e acrescido, deve a prestação da garantia ser dispensada por se verificar a hipótese legal “manifesta falta de meios económicos” (salvo, claro, se o órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”) – art. 52.º, n.º 4 da LGT.

É certo que o órgão de execução fiscal também entendeu que haveria défice instrutório por parte da executada de forma a demonstrar que a prestação de garantia lhe causaria um prejuízo irreparável, porém, ficando demonstrado um dos pressupostos alternativos do n.º 4 do art. 52.º da LGT, in casu, “manifesta falta de meios económicos”, tanto basta para, nos termos da lei, suportar uma decisão de deferimento da prestação de garantia, sendo irrelevante a verificação, ou não, do outro pressuposto previsto naquele preceito legal.

Como se escreveu no acórdão do TCAS de 8/02/2018, proc. n.º 1654/17.4BELRS em caso semelhante ao dos autos: “Compulsado o despacho o que desde logo dele se retira é que o indeferimento do pedido de dispensa da prestação da garantia radica na possibilidade de penhora do estabelecimento comercial, ou qualquer outro(s) activo(s) que pudessem servir de garantia.
Ora, dando por assente que critério previsto na lei para aferir da “manifesta falta de meios económicos” é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (neste sentido vide: acórdãos do STA de 15.11.2017, proferido no processo n.º 01176/17 e deste TCA de 19.09.2017, proferido no processo n.º 576/17.3BESNT, ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt) ainda que existam bens penhoráveis se estes forem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, fica preenchido o pressuposto legal.
No caso concreto, essa insuficiência encontra-se demonstrada, facto que decorre, por um lado, do despacho reclamado não ter colocado em causa os valores (rendimentos, volume de negócios) indicados pela reclamante, conforme decorre da seguinte passagem: «observamos, após compulsado o sistema informático ao dispor da AT, que não se encontram em nome da executada quaisquer bens imóveis e/ou móveis sujeitos a registo em nome da executada.
Também, na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2015 verifica-se que foi declarado pela contribuinte um total de rendimentos do período no valor de €1.958.544,56 e um total de volume de negócios de €1.957.679,64 (conforme também indicado pela executada no seu petitório)». Por outro lado, face ao quantum apurado respeitante aos valores do activo fixo tangível (€109.212,31), activo fixo tangível (€109.212,31), activo corrente (€247.677,49) em outras contas a receber, e no valor total de activo (€434.718,38).
Foi pois, com base nestes elementos que o órgão de execução fiscal considerou que «seria sempre de admitir como garantia, não obstante o seu valor, a penhora do estabelecimento comercial da executada, ou qualquer outro(s) activo(s) que pudesse servir de garantia.».
Do supra decorre que órgão de execução fiscal parte de um equívoco: o facto de existirem bens penhoráveis não determina só por si a não verificação do pressuposto da «manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido», uma vez que, para tal, seria necessário que tais bens fossem suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido», e neste ponto, nada foi afirmado nesse sentido.
Assim, como nos parece evidente, a mera alegação à eventual penhora dos elementos indicados no despacho reclamado e aferida dentro do circunstancialismo relatado, não constitui fundamento para se dar como não preenchido o pressuposto legal «manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido».
Aliás, lembre-se, que o próprio autor do despacho reclamado, não deixa de reconhecer, ao utilizar a expressão «não obstante o seu valor» diga-se da garantia, que as eventuais penhoras sempre seriam insuficientes face ao montante da garantia.
Assim, temos de concluir, que contrariamente ao decidido em 1ª instância verifica-se a manifesta falta de meios económicos da executada para garantir a dívida exequenda revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, pressuposto legal que o despacho reclamado, indevidamente, julgou não verificado nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
E, como começamos por dizer dependendo o benefício da isenção de dois pressupostos alternativos, basta a verificação de um deles para, como é o caso, para impor a anulação do despacho reclamado.”

Em suma, entendemos que o critério estabelecido na lei é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que significa que, ainda que existam bens penhoráveis, como sucede no caso dos autos (estabelecimento comercial), se este for insuficiente para o pagamento da dívida exequenda, como in casu é reconhecido pelo órgão de execução fiscal no despacho reclamado, então, encontra-se preenchido um dos pressupostos legais alternativos do n.º 4 do art. 52.º da LGT, devendo ser dispensada a prestação da garantia salvo se o órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, como impõe aquele preceito legal.

Por conseguinte, e ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, o acto reclamado deverá ser anulado, importando concluir que a sentença recorrida manifestamente errou na interpretação das normas jurídicas e sobretudo na interpretação e valoração dos fundamentos do despacho reclamado, podendo-se dizer que não atendeu aos mesmos, e por essa razão não se poderá manter, devendo ser revogada.

Pelo exposto, fica prejudicado, o conhecimento dos demais fundamentos do recurso [conclusões Q) a Z)], nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.

Nos termos do artigo 527.º do CPC aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte a que elas houver dado causa (n.º 1), entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for (n.º 2), e portanto, vencida no recurso a Recorrida Fazenda Pública, esta é responsável pelas custas nos termos da tabela I-B, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça devida em sede de instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e consequentemente anulando o despacho reclamado.
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Custas pela Recorrida Fazenda Pública, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça devida em sede de instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações.
D.n.
Lisboa, 8 de Março de 2018.


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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Jorge Cortês