Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2967/16.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/28/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO; CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - A prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos (art. 28.º, n.º 3, do RGCO).

II - A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses (art. 27.º-A, n.º 2, do RGCO).


III - A prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início, tiver decorrido o prazo de seis anos e seis meses;


IV - A prescrição do procedimento por contra-ordenação é questão de conhecimento oficioso.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO


Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente o recurso e anulou a decisão de aplicação de coima à sociedade B., Lda. no valor de € 22.714,81.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou o Recurso de Contraordenação procedente, absolvendo a arguida, ora recorrida, da prática das contraordenações previstas e punidas pela conjugação dos artigos 36.º do CIMT – falta de pagamento de IMT, no prazo definido na lei – e 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, do RGIT – falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo, bem como pela contraordenação p. e p. pela conjugação dos artigos 23.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1, do CIS – falta de liquidação e entrega de imposto de selo – e 114.º, n.º 2 e 5, alínea e), e 26.º, n.º 4, do RGIT – falta de liquidação, pagamento ou entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papeis ou actos, num valor total de 22.714,81 €, no âmbito do processo de contraordenação n.º 32472015060000285791.

4.2. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente o recurso de contraordenação em questão, absolvendo a ora recorrida da prática das contraordenações de que foi acusada, considerando, no decisório ora em crise, em suma, que in casu a conduta da arguida, ora recorrida, não integraram os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais das contraordenações de que foi acusada.

4.3. No entendimento da Representação da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, a Ilustre Tribunal a quo, atendendo à factualidade tida por assente na decisão ora em crise, não poderia concluir pela inexistência de elementos factuais relativos à conduta da arguida, ora recorrida, que integrem os elementos típicos, objectivos e subjectivos, das contraordenações imputadas à ora recorrida.
Senão vejamos:

4.4. Entendeu o Ilustre Tribunal recorrido que a norma prevista na alínea e) do n.º 5 do citado artigo 114.º do RGIT não equipara a “falta de entrega da prestação tributária” à falta de pagamento do imposto que venha a ser liquidado na sequência de acção inpectiva.
No entanto,

4.5. se não deixa de ser verdadeira esta conclusão colhida pelo Ilustre Tribunal a quo na sentença ora em apreciação, não menos verdadeira é a circunstância da falta de pagamento do imposto que venha a ser liquidado na sequência de acção inpectiva não configurar elemento do tipo objectivo do ilícito contraordenacional em questão.

4.6. E, atenta a factualidade tida por provada, todos os elementos objectivos do tipo de ilícito constantes do artigo 114.º, n.º 1, 2 e 5, al. e) do RGIT encontra-se, in casu, preenchidos, sendo irrelevante para a responsabilização da arguida pelos ilícitos de que foi acusada o momento ou a forma pela qual se venha a apurar a prática dos factos integradores do tipo objectivo.
Razão pela qual,

4.7. no modesto entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, mal andou o Ilustre Tribunal a quo ao considerar, no decisório ora em crise, que inexistem elementos factuais relativos à conduta da arguida, ora recorrida, que integrem os elementos objectivos e subjectivos das contraordenações imputadas à ora recorrida.

4.8. Ao assim entender o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da Fazenda Pública e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, no que à aplicação do direito diz respeito, fazendo uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis in casu, violando, assim, o disposto no artigo 114.º, n.º 1, 2 e 5, alínea e), do RGIT, na sua redação vigente à data da prática dos factos pela arguida, ora recorrida.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada
JUSTIÇA!”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“50. Vem a apresentante do presente recurso de contraordenação notificada das alegações de recurso apresentadas pela Representação da Fazenda Pública quanto à sentença que anulou a decisão de fixação da coima em processo de contraordenação que teve por objeto a pretensa infração prevista e punida pelo artigo 114° do RGIT (falta de entrega da prestação tributária).

51. Por escritura pública de 30/06/2014, a Recorrente — aqui Recorrida — adquiriu dois imóveis, tendo a sua transmissão sido sujeita a IMT e IS e precedida da sua liquidação e pagamento, nos termos legais.

52. No entanto posteriormente à liquidação e ao pagamento, feito pela Recorrente — aqui Recorrida — dos impostos devidos, em ação inspetiva levada a cabo pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Beja, veio a Autoridade Tributária considerar que nos imóveis que a apresentante deste recurso de contraordenacão tinha acabado de adquirir existia um conjunto de bens móveis que “são na realidade bens (...) com natureza permanente, nomeadamente. (...) instalações eléctricas, vedações e benfeitorias do monte” entendimento esse que originou correções meramente aritméticas às liquidações de IMT e IS.

53. No seguimento desta posição da Autoridade Tributária a Recorrida apressou-se a proceder tempestivamente ao respetivo pagamento.

54. Como refere o relatório de correções emitido no âmbito do procedimento de inspeção tributária, poderá eventualmente ter ocorrido algum erro na liquidação prévia à escritura de compra e venda feita pela compradora, aqui Recorrida (“omissões de (...) valores praticados em atos ou contratos com o objetivo de diminuir o imposto ou obter vantagens indevidas (...) Artigo Punitivo: Art° 119 n°. 1 e 26 n°. 4 do RGIT (...)”), mas esse erro não constitui falta de entrega da prestação tributária deduzida, nem qualquer falta de liquidação de imposto (artigo 114° do RGIT), antes eventualmente conduzindo à necessidade de se proceder à sua correção.

55. Aliás, a própria decisão tomada pela AT no sentido de corrigir a liquidação voluntariamente feita pelo sujeito passivo comprador, de boa fé e de acordo com a informação fornecida pelo vendedor e ao dispor da AT, é a prova incontestável e acabada de que nunca ocorreu verdadeira falta de liquidação.

56. Ora, para aferir do preenchimento do tipo e por conseguinte da verificação da contraordenação pretensamente praticada pela ora Recorrida é necessário antes de mais aferir o exato sentido e alcance da expressão “prestação tributária deduzida nos termos da leV\ e depois determinar se a ora Recorrida faltou na sua entrega, como alega a Administração Fiscal.

57. A contraordenação em causa é pensada para os casos em que um sujeito passivo de IVA não entregue ao Estado o saldo do IVA cobrado, deduzido do IVA suportado nos termos da lei, ou seja, de um tipo contra ordenacional próximo do abuso de confiança, a ser aplicado sempre que o comportamento em causa não assuma gravidade suficiente para ser considerada como crime fiscal.

58. Este artigo sanciona a falta de entrega da prestação tributária na posse do sujeito passivo, ou seja, a falta pagamento da prestação tributária apurada, considerando-se como tal o pagamento das importâncias liquidadas em fatura ou documento equivalente, ou das importâncias retidas na fonte, cuja importância já se conhece, ainda que por conta de impostos a liquidar (pagamentos por conta, pagamento especial por conta).

59. In casu, temos que, previamente à escritura, a ora Recorrida, na altura compradora liquidou IMT e IS como manda a lei junto da própria Autoridade Tributária e de acordo com os elementos fornecidos pelo vendedor e ao dispor desta, gerando nesse momento a obrigação de entrega da prestação tributária, a qual foi de imediato prestada e entregue, mediante o pagamento do IMT liquidado.

60. Tendo -se posteriormente verificado ser entendimento da Autoridade Tributária que existiria um conjunto de bens móveis que “são na realidade bens imóveis e/ou bens integrados no imóvel com natureza permanente”, tais como instalações eléctricas e vedações do monte, a ora Recorrida prontamente liquidou também esse imposto, gerando- se, mediante liquidação adicional, nova obrigação de entrega da prestação tributária, que igualmente foi de imediato paga.

61. Donde, não só a norma punitiva prevista no artigo 114° do RGIT não é sequer aplicável uma vez que sanciona a falta de entrega nos cofres do Estado das importâncias liquidadas ou das importâncias retidas e devidas por conta de impostos a liquidar ou uma falta de liquidação que neste caso não ocorreu, como sendo abstratamente aplicável uma infração tributária à ora Recorrida, essa seria a mencionada no n°. 1 do artigo 119° do RGIT, que diz respeito a omissões e inexatidões nas declarações fiscais ou em outros documentos fiscalmente relevantes.

62. A entender-se ser aplicável a contraordenação prevista no artigo 119° do RGIT (omissões e inexatidões nas declarações fiscais ou em outros documentos fiscalmente relevantes), nunca poderia ser a ora Recorrida condenada no pagamento de uma coima pela verificação da contra ordenação prevista no artigo 114°, desde logo em virtude do disposto no n°. 5 do artigo 29° da CRP, do qual resulta o princípio ne bis in idem.

63. E ainda que por hipótese se quisesse invocar o preenchimento do tipo previsto no artigo 114° do RGIT por aplicação de alguma das alíneas do seu n°. 5, o que não acontece (aliás como igualmente bem nota o parecer do Ministério Público, na decisão de aplicação da coima nem sequer é feita referência, quanto ao IMT, a qualquer das alíneas do n°. 5 do artigo 114°), sempre seria a mesma inaplicável por nulidade da decisão recorrida por virtude da inconstitucionalidade do artigo 114° do RGIT quando interpretado em sentido do qual resulte uma sobreposição do âmbito de aplicação de infrações tributárias (in casu, com a prevista no artigo 119° do RGIT), pela prática dos mesmos factos.

64. Ora, como a própria refere, a ora Recorrida viu-se de facto na contingência de construir argumentação porque de facto esta não se sustenta a si própria, pois não ocorreu o comportamento equiparado à “falta de entrega de da prestação tributária'1'’ que consiste na “falta de liquidação, do pagamento ou da entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papeis e actos”.

65. Não ocorreu qualquer falta de liquidação, já que a mesma teve lugar previamente ao ato translativo do imóvel, realizado como é sabido no serviço periférico local competente, mas apenas uma correção à mesma, feita a través de liquidação realizada na sequência de ação inspetiva, que a ora Recorrida imediatamente acatou e tempestivamente pagou.

66. Acresce ainda que, não obstante tudo quanto fica exposto, caso se pretendesse aplicar a contraordenação prevista no artigo 114° do RGIT à ora Recorrida, designadamente por via da estatuição constante em alguma das alíneas no n°. 5 do mesmo artigo, sempre haveria de respeitar-se o disposto no artigo 79° do RGIT, o que também não acontece.

Nestes termos e nos demais aplicáveis em Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida, a cuja fundamentação para todos os efeitos se adere.”.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

A Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, defende que a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis in casu, violando, assim, o disposto no artigo 114.º, n.º 1, 2 e 5, alínea e), do RGIT, na sua redação vigente à data da prática dos factos pela arguida, ora recorrida.

Contudo. impõe-se o conhecimento, prévio e oficioso, da questão da prescrição do procedimento contraordenacional

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“III. Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se documentalmente
provados, atendendo, ainda, à posição processual assumida pelas partes nos articulados, os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos:

A. Por escritura pública outorgada em 30 de Junho de 2014, a Arguida, ora Recorrente, adquiriu, pelo preço de € 3.937.409,00, um prédio misto, composto por culturas arvenses de sequeiro e de regadio, bem como de montado e ainda de pomar e de azinhal, bem como de pomar de citrinos e de pastagem, com uma dependência agrícola, habitações, com o total de 562,42 hectares, a parte rústica inscrita na matriz predial sob parte do art.2..º da secção K.. e a parte urbana sob o artigo 2.., ambos da freguesia de N., no concelho de É. (cf. Projecto de relatório de inspecção tributária constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Pela mesma escritura, a Arguida, ora Recorrente, adquiriu, pelo preço de € 1.762.591,00, acrescido do IVA devido, um conjunto de bens móveis existentes naquele prédio, equipamentos, máquinas, alfaias agrícolas e direitos que lhe eram inerentes, designadamente, as quotas de bovinos e «RPU’s» (Idem);

C. Para a aquisição referida em A supra, foi liquidado IMT, no valor de € 194.871,00 [= € 3.897.409,00x5%] e IS, no valor de € 31.180,00 [= € 3.897.409,00x0,8%], que a Arguida, ora Recorrente, pagou (Idem);

D. Em acção inspectiva realizada ao abrigo da OI201400294, de 23 de Outubro de 2014, concluiu a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Beja que o valor sobre o qual havia incidido IMT e IS se restringira ao prédio em si mesmo considerado, com exclusão das culturas e benfeitorias nele implantadas a título permanente (como instalações eléctricas, vedações, árvores, prado e infraestruturas integradas no imóvel), a que, nos termos do Anexo I ao contrato promessa celebrado, as partes haviam atribuído o valor de € 1.186.781,00, daí a omissão da correspondente tributação em sede de IMT e de IS; na sequência do que, se propôs fossem adicionalmente liquidados os referidos impostos e se identificou a prática da infracção prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 119.º, n.º 1 e 26.º, n.º 4, do RGIT e 31.º, n.ºs 1 e 2, do CIMT (Idem);

E. Notificada do teor do projecto de correcções aritméticas constantes do relatório de inspecção, a Arguida, ora Recorrente, acatou-o e apresentou requerimento de 16 de Dezembro de 2014, em que pediu se procedesse à liquidação adicional dos impostos devidos, tendo vindo a pagá-los; mais pediu a redução da coima;

F. Por Ofício de 24 de Junho de 2015, foi a Arguida, ora Recorrente, notificada nos seguintes termos essenciais (cf. Ofício constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
(imagem no original)

G. Em 27 de Julho de 2015, foi levantado contra a Arguida, ora Recorrente, auto de notícia com o seguinte teor essencial (cf. Auto de notícia constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
(imagem no original)

H. Na mesma data, foi instaurado o processo de contra-ordenação n.º 32472015060000285791 (cf. Autuação constante dos autos, cujo teor se dá por
integralmente reproduzido);

I. Por Ofício recebido em 3 de Agosto de 2015, foi a Arguida, ora Recorrente, notificada nos seguintes termos essenciais (cf. Ofício constante dos autos, cujo
teor se dá por integralmente reproduzido):
(imagem no original)

J. Em 14 de Agosto de 2015, a Arguida, ora Recorrente, enviou via correio registado requerimento que consubstanciou o exercício do seu direito de defesa, o qual expendeu, essencialmente, os argumentos que agora integram a petição do presente recurso (cf. Requerimento constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. Em 30 de Dezembro de 2015, foi, pelo Director da Direcção de Finanças, proferida a decisão de aplicação de coima ora recorrida, com o seguinte teor essencial (cf. Decisão da fixação da coima constante dos autos):
(imagem no original)

L. Por Ofício recebido em 14 de Janeiro de 2016, foi a Arguida, ora Recorrente, notificada da decisão de aplicação da coima referida na letra anterior (cf. Ofício constante dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Em 25 de Janeiro de 2016, foi enviada ao Serviço de Finanças de Lisboa 2 a petição do presente recurso (cf. carimbo dos CTT aposto no respectivo envelope,
cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes do conhecimento dos fundamentos do recurso ora apresentado, cumpre conhecer da prescrição do procedimento contra-ordenacional por se tratar de questão de conhecimento oficioso. A prescrição, que consiste na extinção de um direito por motivo do decurso de um certo lapso de tempo estabelecido na lei, constitui causa de extinção do procedimento contra-ordenacional, que deve ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto este não tiver terminado, obstando à apreciação do mérito da causa e gerando o arquivamento dos autos (cf. arts. 33.º, n.º 1, 61.º, alínea b), 77.º, n.º 1, do RGIT e Acórdão do STA de 20/05/2020, proc. n.º 01901/15.7BELRA).

Seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento vertido no Acórdão do STA de 12/05/2021- proc 02248/15, que pela sua clareza, sufragamos sem qualquer reserva.

O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, decorridos cinco anos sobre a prática do facto (cfr. art. 33º, nº 1 do RGIT).

Para determinar o momento da prática da infração é necessário ter em conta que o facto se considera praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso da omissão no momento em que deveria ter atuado ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (art. 5.º, n.º 1 do RGIT), sendo que “As infracções tributárias omissivas se consideram praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários” (art. 5.º, n.º 2 do RGIT).

Contudo, nos termos do n.º 2 do art. 33.º do RGIT, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.

Para efeitos deste dispositivo legal, o STA tem entendido que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cfr Acórdão do STA de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 777/09).


Trata-se de um prazo especial relativamente ao n.º 1, sendo casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos arts. 108.°, n.°1, 109.°, n.° 1, 114.°, 118.° e 119.°, n.° 1, todos do RGIT (nesse sentido, v. Jorge Lopes de Sousa, e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias – anotado, 3.ª ed., anotação ao art. 33.º , Áreas Editora, p. 320).

E como se sumariou no acórdão do TCAS de 16/12/2020, proc. n.º 1579/13.2BESNT:
“Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II-Tendo sido imputada infração à Arguida punida pelo artigo 114.º, nºs. 2, e 5, al.f), do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.”

No caso em apreço, independentemente da discussão do mérito da causa (se a conduta da arguida se enquadrava ou não no tipo de contra-ordenação previsto e punido pelo art. 114º do RGIT), o que releva para efeitos de apreciação da prescrição enquanto questão prévia é a tipificação que foi imputada à arguida no respectivo procedimento. Ora estando em causa a contra-ordenação prevista pelo art. 114.º do RGIT e punível pelo mesmo artigo com coima cujo montante se determina pelo valor da prestação devida, pois os respectivos limites mínimo e máximo são fixados tendo por referência o valor do imposto em falta (cfr. Acórdão do STA de 30 de Abril de 2019, proferido no processo com o n.º 679/11.8BEALM), pelo que o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, ou seja, é reduzido a quatro anos, a contar do facto tributário, dado estarmos perante impostos de obrigação única (imposto de selo e imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis), de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT.

Nos termos do disposto no art. 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações, (RGCO), “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade”.

Conforme a jurisprudência do STA, esta norma é também aplicável, subsidiariamente, ao procedimento contra-ordenacional tributário, ex vi o disposto na alínea b) do art. 3.º do RGIT (Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Fevereiro de 2020, no processo n.º 273/12.6BEALM (197/18); - de 20 de Maio de 2020, no processo n.º 1901/15.BELRA; - de 16 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 1476/15.7BELRA e de 7 de Abril de 2021 no processo com o n.º 635/15.7BEVIS).

Assim, e para os efeitos do citado artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento teria lugar quando desde a data em que se verificou o facto tributário, tivesse decorrido o prazo de quatro anos acrescido de metade.

Vejamos o caso em apreço.

Reportando-se a infracção à falta de pagamento do imposto municipal e sobre transmissões onerosas de imóveis e à falta de liquidação e entrega do imposto de selo que deveriam ter sido efectuados em 27/06/2014 (cfr. ponto 10 do probatório), o prazo de prescrição do procedimento respectivo iniciou-se em 28/06/2014 e teria decorrido até 27/06/2020 (4 anos + 2 anos).

Contudo importa atender na contagem da prescrição ao tempo de suspensão. Que, todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, não pode ultrapassar seis meses.

Destarte conclui-se que, na presente data, o procedimento contra-ordenacional encontra-se prescrito, o que conduz à sua extinção, nos termos da alínea b) do art. 61.º do RGIT, devendo ser determinado o arquivamento do processo nos termos do art. 77.º do RGIT, e art. 64.º, n.º 3 do RGCO.


Resulta desta forma, prejudicada a apreciação do erro de julgamento suscitado pela Recorrente.

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V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar:
A) extinto por prescrição o procedimento de contra-ordenação objecto dos presentes autos, determinando o arquivamento do processo nos termos do art. 77.º do RGIT, e art. 64.º, n.º 3 do RGCO;
B) Não se conhecer, por prejudicado, o objeto do recurso interposto pela AT- Autoridade Tributária e Aduaneira.

Sem custas.
Lisboa, 28/10/2021
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto