Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:425/16.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATRASO DA JUSTIÇA;
ILICITUDE E CULPA DA PESSOA COLETIVA ESTADO;
DANOS INDEMNIZÁVEIS.
Sumário:I. No ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

II. Importa distinguir o exercício da função jurisdicional pelo titular do processo judicial que é o juiz, da organização e funcionamento do sistema público da administração da justiça, que pertence ao Estado português.

III. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de ação administrativa e respetivo recurso jurisdicional durante cerca de 11 anos, num atraso na prolação da decisão judicial que se considera ser de cerca de 6 anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa.

IV. Enquanto os danos não patrimoniais imediatamente decorrentes da delonga processual se presumem, não carecendo de demonstração, os danos patrimoniais dependem quer de alegação, quer de prova.

V. O quantum da indemnização, a fixar equitativamente pelo Tribunal, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a intensidade dos danos na esfera jurídica da Autora.

VI. Situando-se em média, em cerca de € 1.000, o valor de indemnização por ano de atraso no processo, este montante corresponde a uma média aritmética e não poderá, como tal, ser aplicado tout court, antes servindo de referencial a atender pelo julgador, que poderá aumentá-lo ou diminuí-lo, em função dos danos concretamente sofridos, segundo critérios de equidade.

VII. No que se refere às quantias peticionadas descritas como “Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela Autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;”, seria de as configurar como danos patrimoniais.

VIII. Tais despesas alegadas careciam de quantificação, por alegadamente já terem ocorrido e importarem um dano já produzido, cabendo à Autora alegar e provar cada uma dessas despesas, enquanto danos de natureza patrimonial, não havendo qualquer presunção de dano.

IX. No respeitante ao pagamento dos honorários com o advogado, há a distinguir se está em causa o ressarcimento de uma despesa imputável à delonga processual ou uma despesa com o processo de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso da justiça.

X. No primeiro caso, os honorários de advogado apenas são suscetíveis de consubstanciar um dano indemnizável quando o seu valor aumente devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo, que carece de ser alegado e provado.

XI. No segundo caso, os honorários não constituem um dano indemnizável, apenas podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, al. d) e 26.º, n.º 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

XII. Não é devida à Autora o pagamento de qualquer indemnização pelo pagamento de qualquer quantia que a mesma tenha de pagar a título de imposto, não sendo esta uma quantia indemnizável no âmbito do processo por atraso da justiça, por não se verificar o necessário requisito do nexo de causalidade.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A.........., melhor identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 29/06/2018, que no âmbito da ação administrativa intentada contra o Estado português julgou improcedente o pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais decorrente da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por delonga na prolação de decisão judicial.

O Réu, Estado português interpôs recurso subordinado contra a sentença recorrida.


*

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1. Houve ATRASOS OCORRIDOS DURANTE O PROCESSO PROVADOS NA SENTENÇA.

2. Houve atrasos globais de 56 meses, ou seja mais de quatro anos e 8 meses.

3. O tribunal ignorou toda a jurisprudência dos tribunais nacionais e do TEDH segundo o qual os danos morais se presumem.

4. Que carecerá apenas de alegar e demonstrar a existência de uma violação objectivamente constatada da Convenção, nisso radicando o seu ónus de alegação e prova, que, uma vez satisfeito, conduz a que se presuma como existente o dano psicológico e moral comum, sem necessidade de que dele por si seja feita a sua prova.

5. O TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais vêem indicando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância de 3 anos.

6. O Estado é que é o causador dos atrasos e não os juízes. Repete-se, a culpa é do poder legislativo e executivo.

7. A violação é grave por ser violado direito constitucional e os danos serem notórios, como reconhece a sentença.

8. O processo de que se queixa, o primeiro, deveria ser especialmente célere.

9. Uma indemnização irrisória pelo dano moral fruto da violação do princípio do prazo razoável não repara «de forma apropriada e suficiente» a violação alegada pelo requerente.

10. O requerente tem ainda direito a uma indemnização pelo atraso suplementar no recebimento de uma indemnização, nomeadamente quando o processo indemnizatório é longo. Em todos os casos, acrescem os impostos devidos sobre as quantias em causa).

11. Às despesas e honorários acrescem os impostos em causa.

12. «No que diz respeito à avaliação equitativa do dano moral sofrido em virtude da duração do processo, o Tribunal Europeu considera que uma quantia que varia entre 1000 a 1500 Euros por ano de duração do processo (e não por ano de atraso) é o ponto de partida para o cálculo a efectuar.

13. O resultado do processo nacional (quer a parte requerente perca, ganhe ou acabe por fazer um acordo) não tem importância como tal sobre o dano moral sofrido pelo facto da duração do processo.

14. O montante global será aumentado de 2.000 EUR se o que estiver em causa for importante, nomeadamente em matéria de direito do trabalho, estado e capacidade das pessoas, pensões, processos particularmente importantes relativamente à saúde ou à vida das pessoas.

15. O Estado Português deve ser condenado a pagar uma indemnização pelos danos morais, as despesas deste processo nos Tribunais Administrativos, os honorários, custas e todas e quaisquer despesas, conforme jurisprudência uniforme do Tribunal Europeu.

16. O douto acórdão do STA de 14/04/2016, publicado na internet, condenou o Estado a pagar os honorários do seu mandatário devidos pela autora.

17. A fixar segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei 145/2015, de 09/09, artigo 105º, (O ADVOGADO não é oficioso, mas constituído),

18.Valor que se vier a liquidar, em incidente de liquidação.

19. O Estado deve ser condenado nos precisos termos da petição inicial:

1. Declarar-se que o Estado Português violou o artigo 20º, n ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável”;

Condenar-se o Estado Português a pagar à autora:

Uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a doze mil euros, pela duração do processo 2858/04.5BELSB;

Uma indemnização de dois mil euros por cada ano de duração do presente processo sobre a morosidade, agora instaurado, após o decurso de dois anos, até ao seu termo, também a título de danos morais.

Juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas em a) a b);

Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;

Condenar-se o Estado Português a pagar os honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos em quantia a fixar equitativamente conforme consta desta petição inicial ou a liquidar, oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados.

E a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que, eventualmente, sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;

Deve condenar-se o Estado a pagar uma sanção pecuniária compulsória de cem euros por dia, por cada despacho, decisão do tribunal ou acto dos funcionários que ultrapasse os prazos legais, ou caso o processo dure mais de dois anos, incluindo liquidação de honorários.

Deve ainda ser condenado em custas e demais encargos legais, como o reembolso de taxas de justiça inicial e outras e quaisquer outras pagas pela autora.

20. Revogando-se a sentença em conformidade.

21. Conhecendo-se de todos os pedidos que não o foram por força da decisão.

22. Foi violado por errada interpretação e aplicação o artigo 20º da Constituição e o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu segmento “direito à justiça em prazo razoável.”

23. Disposições que deveriam ter sido interpretadas no sentido das conclusões precedentes.”.


*

O Estado Português notificado, apresentou contra-alegações ao recurso interposto e, em separado, interpôs recurso subordinado juntando a motivação e as respetivas conclusões.

Nas contra-alegações apresentadas, o Réu concluiu do seguinte modo:

“1. Na tramitação do processo nº 2858/04.5 BELSB, na primeira instância, existiram apenas dois momentos de atraso reconhecidos pela sentença e, em sede de contestação, admitidos pelo R. Estado: entre 11/07/2005 e 04/01/2006 e entre 18/09/2006 e 30/10/2007, respetivamente de 5 meses – e não meio ano como alegado – e de 11 meses – e não de mais de um ano, como alegado -, uma vez que, em ambos os casos, não podem ser contabilizados os períodos relativos às férias judiciais.

2. Os restantes períodos de alegado atraso, mencionados em sede de recurso, não estão corretos, designadamente:

o a conclusão de 07/02/2006 não demorou mais de 15 dias para ser feita, uma vez que os serviços tiveram que aguardar o decurso dos prazos legais quer da notificação feita em 16/01/2006 quer para a eventual resposta das partes;

o ao período compreendido entre o despacho datado de 01/07/2008 e a conclusão de 02/01/2009 há que descontar todo o período de férias judiciais do verão e natal, além de que o despacho concretamente proferido requereu uma análise mais aprofundada dos autos;

o ao período entre a apresentação de requerimento em 25/06/2009 e a conclusão de 08/09/2009 há que descontar as férias judiciais de verão;

o entre o despacho de 11/09/2009 e a conclusão de 30/06/2010 o processo não esteve parado mas a aguardar a notificação às partes e que estas dessem o necessário impulso processual, fazendo o pagamento dos preparos, o que não fizeram - cfr. ponto BBB) do probatório. Este período não é imputável ao tribunal, mas às partes que não cumpriram o seu dever processual de impulsionar o processo;

o o julgamento decorreu ao longo de 14 meses e não de 15, como alegado;

o entre o dia 01/10/2010 e o fim do julgamento foram sendo apresentados requerimentos e proferidos vários despachos – cfr. pontos HHH) a RRR) da matéria de facto;

o o agendamento das audiências de julgamento foi feito de acordo com o interesse das testemunhas indicadas pelas partes, incluindo a A., atendendo ao número de pessoas a inquirir com residência no estrangeiro, com o objetivo de evitar adiamentos ou expedição de cartas rogatórias e a inerente demora que acarretam – cfr. ponto SSS) da matéria de facto.

3. É, por isso, falso que o processo tenha estado parado 56 meses na primeira instância, como sustentado pela recorrente.

4. A sentença recorrida, e bem, não considerou provados quaisquer danos patrimoniais ou não patrimoniais da A. e foi a falta deste pressuposto essencial da responsabilidade civil – e do consequente nexo causal - que determinou a improcedência da ação.

5. A sentença concluiu, ao invés, que a A. não alegou quaisquer factos que concretizassem os danos genericamente mencionados e que não se provou a existência de quaisquer prejuízos ou danos, nem mesmo a angústia, incerteza e aborrecimentos genericamente alegados na PI, os quais não se podem presumir.

6. Nos termos do art.º 496º do CC, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que implica que os prejuízos sejam concretizados, o que não foram, não existindo atribuições automáticas de indemnização, independentes de alegação e prova, como sustentado pela recorrente.

7. Há sempre que alegar e demonstrar factos concretos, à luz dos quais seja possível avaliar a existência de danos e a sua extensão, de molde a poderem ser considerados, ou não, merecedores da tutela do direito, com atribuição de indemnização. No caso não se provaram quaisquer factos danosos.

8. Ainda que assim não se entendesse, como resulta da sentença recorrida, a Mma. Juiz concluiu, da análise que fez do pedido na ação 2858/04.5BELSB, da sua tramitação e decisão, que não se verificou, em concreto, qualquer prejuízo não patrimonial para a A.; a sua vida pessoal não foi alterada pelo decurso do processo e o exercício da sua profissão manteve-se.

9. Não existindo quaisquer danos – patrimoniais ou não patrimoniais – não existe, como decidido, nexo de causalidade e fica afastada a responsabilidade civil do Estado e qualquer obrigação de indemnizar, uma vez que os requisitos da responsabilidade civil extracontratual são de verificação sucessiva e cumulativa – cfr. art.º 483º do CC e art.º 12º do RRCEE.

10. Além destes, também não se verificam os pressupostos da ilicitude e da culpa, ao contrário do considerado pela sentença recorrida, como se demonstrará em sede de recurso subordinado, que o Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, irá interpor, nos termos do art.º 633º do CPC, aplicável por força do art.º 140º do CPTA.

11. Segundo a jurisprudência nacional e do TEDH, não existe “violação automática do prazo” de duração de um processo judicial e o conceito de “prazo razoável” tem que ser aferido de acordo com o caso concreto, atendendo ao processo considerado na sua globalidade, com a respetiva complexidade e número de questões em análise, vicissitudes que nele ocorreram e o comportamento das partes.

12. Ao contrário do pretendido, tem sido entendimento pacífico na jurisprudência que o mero desrespeito pelos prazos processuais não é, sem mais, gerador da obrigação de indemnizar por parte do Estado.

13. No caso, os momentos de dilação na prolação de despacho em primeira instância foram isolados e ocorreram num período de grande acumulação de serviço face à carência de quadros de magistrados, sendo notória a preocupação da magistrada titular do processo em agilizar os procedimentos e procurar as soluções que promoviam a celeridade, sempre que lhe foi possível.

14. Ao contrário do alegado, nada há na lei – ou sequer na jurisprudência – que impusesse uma tramitação particularmente célere para o processo 2858/04.5 BELSB, atenda a natureza da ação e os pedidos formulados.

15. A A. não tem direito à atribuição de qualquer indemnização por parte do R. Estado Português, não só porque não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual como porque o peticionado carece em absoluto de prova ou sustentação legal:

o Relativamente aos € 12.000,00, não se provou um único facto lesivo relativamente à A., nem mesmo a genericamente alegada situação de incerteza, angústia, ansiedade e aborrecimentos ou quaisquer factos que as concretizassem e à respetiva gravidade, pelo que nunca poderiam ser indemnizáveis – art.º 497º do CC. Além disso, a quantia é manifestamente excessiva, uma vez que, de acordo com a jurisprudência do TEDH, só o que excede os 6 anos poderia, em abstrato, ser considerado e não deveria ser atribuído mais do que € 1.000 euros por cada ano de atraso, ou seja, nunca uma indemnização poderia exceder os € 6.000,00, valor este que deveria ser reduzido, nos termos do art.º 570º/1 do CC, uma vez que a A., não obstante estar conhecedora das dificuldades de tramitação do processo na primeira instância, conformou-se com as mesmas e nunca desencadeou qualquer mecanismo de aceleração processual legalmente previsto. O R. Estado colocou à disposição dos sujeitos processuais os mecanismos para fazer acelerar a tramitação dos processos, o que a A. não fez, tornando-se corresponsável;

o Relativamente ao pedido de € 2.000,00 por cada ano que exceda os dois anos na tramitação dos presentes autos, é um pedido de indemnização por danos que não ocorreram. Não foram provados factos que consubstanciem atraso na tramitação dos presentes autos e não se verifica qualquer dos pressupostos da responsabilidade civil. Nunca poderia ser atribuída qualquer quantia indemnizatória a este título;

o Quanto ao pagamento das despesas de abertura de dossier, administrativas, de expediente, traduções, etc., a A. não peticionou montante concreto, não indicou valores efetivamente despendidos, nem sequer juntou qualquer documento que comprove a sua existência, valores e efetivo pagamento, pelo que nunca poderia o Réu ser condenado no pagamento de qualquer quantia.

o Quanto ao pagamento de despesas e encargos com a tramitação dos presentes autos, a A. também não quantificou nem fez qualquer prova das mesmas, pelo que nunca poderia haver condenação no ressarcimento;

o Relativamente aos honorários, por um lado, não foi feita prova do pagamento de qualquer quantia, designadamente, através de recibos, pelo que nunca poderia existir condenação do Réu; por outro lado, os valores de honorários a pagar nunca poderiam exceder os constantes da tabela de honorários para apoio judiciário, aprovada pela Portaria 1386/2004: € 535,50 (21 UR);

o No tocante à sanção pecuniária compulsória, apenas é admissível quando esteja em causa uma obrigação de prestação de facto infungível, o que não é o caso dos autos e da obrigação de indemnizar – art.º 829-A/1 do CC.

16. Assim, nunca poderia o R. Estado ser condenado no pagamento de qualquer das quantias peticionadas.

17. A sentença recorrida, ao considerar não estar preenchido o pressuposto do dano e, consequentemente, do nexo causal, e ao julgar a ação improcedente, por não provada, absolvendo o R. dos pedidos, fez uma correta interpretação e aplicação do direito, designadamente dos art.º 20º da CRP e art.º 6º da CEDH.”.

Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente, sendo-lhe negado provimento e, consequentemente, seja confirmada a sentença recorrida.


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No recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português, concluiu conforme seguidamente exposto:

“1. Tendo a A. recorrido da sentença, alegando estarem preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, o Réu interpõe o presente recurso subordinado, para o caso hipotético e meramente académico de procedência do recurso principal, com objeto circunscrito à apreciação dos requisitos da responsabilidade civil ilicitude e culpa, considerados verificados na sentença recorrida.

O Réu concorda com o sentido da decisão proferida - de improcedência da ação e absolvição do Estado Português de todos os pedidos formulados -, que se aceita e deverá ser mantido.

2. A obrigação de indemnizar por parte do Réu, nos termos quer dos arts. 7º e ss. e 12º RRCEE (relativamente aos factos posteriores a 30/01/2008) quer do Dec. Lei 48051 de 21/11/1967 (para os factos anteriores), obedece aos pressupostos gerais e cumulativos da responsabilidade civil, previstos no art.º 483º do CC: a existência de um facto voluntário; ilicitude; culpa; prejuízo e nexo de causalidade entre este e o facto.

3. O R. Estado, concordando com a decisão recorrida de que não existem, no caso, nem danos nem nexo causal, considera que também não se verificam os requisitos da ilicitude e da culpa, ao contrário do considerado pela sentença recorrida relativamente à tramitação do processo 2858/04.5 BELSB.

4. De acordo com a jurisprudência nacional e do TEDH, a ilicitude da conduta por atrasos na justiça resulta da violação do direito a uma decisão “em prazo razoável”, conceito ao qual fazem apelo os art.º 20º/4 da CRP, art.º 12º do RRCEE e art.º 6º/1 da CEDH, e que poderá gerar obrigação de indemnizar.

5. O conceito de “prazo razoável” não está legalmente definido, tem vindo a ser jurisprudencialmente concretizado pelos tribunais nacionais e pelo TEDH, e na sua determinação há que ter em conta o processo em concreto, considerado na sua globalidade, respetiva complexidade e número de questões em análise, vicissitudes que nele ocorreram e o comportamento das partes, pelo que o mero desrespeito pelos prazos processuais não é, sem mais, gerador da obrigação de indemnizar por parte do Estado.

6. A sentença recorrida considerou apenas dois momentos de atraso na tramitação da primeira instância, respetivamente de 5 e 11 meses, os quais entendeu serem casos isolados numa tramitação que, na primeira instância, cumpriu os prazos normais para a prática de atos.

7. Considerou, ainda, provado que a juiz titular do processo acumulou funções durante vários períodos temporais, tendo chegado a ter a seu cargo todo o serviço do TAF de Loulé na área administrativa, cujo quadro era composto por dois juízes, e, em alguns momentos, também serviço da área tributária, vicissitudes que determinaram necessárias acumulações do serviço.

8. E que a Mma. Juiz titular do processo teve a preocupação de dar nota da situação de acumulação em vários despachos, onde fez menção a “grande acumulação de serviço” e à “prevalência de processos urgentes”.

9. A partir de 2009, quando diminuíram as acumulações de serviço, a maioria dos despachos foi proferido com brevidade, muitos deles no próprio dia da conclusão ou no seguinte, tendo a sentença sido proferida no prazo de 15 dias.

10. Mais se provou na sentença recorrida que a marcação das audiências foi sempre feita a cerca de um mês, com o respetivo agendamento a procurar coincidir com períodos nos quais as várias testemunhas a residir no estrangeiro estivessem em Portugal – junto às férias de natal e do verão – para evitar a expedição de cartas rogatórias, cujo cumprimento, em regra, demora vários anos. Procurou-se, também aqui, uma agilização e celeridade da tramitação global.

11. O número de testemunhas a inquirir e residentes no estrangeiro é uma particularidade do processo 2858/04.5 BELSB que não pode deixar de ser tido em conta, atento o reflexo que tem na tramitação.

12. Existiu, na tramitação do processo 2858/04.5 BELSB, uma clara preocupação de, apesar da extraordinária acumulação de funções da Magistrada titular, conseguir a celeridade possível, razão pela qual a maioria dos atos praticados na primeira instância não se afastam de forma relevante das normas legais que fixam prazos para a prolação de atos processuais, como reconhecido pela sentença recorrida.

13. O processo 2858/04.5 BELSB não tinha natureza urgente nem se reportava a interesses fundamentais da A. ou a direitos que tenham sido ilegitimamente postos em causa pela tramitação do processo, sendo certo que a ação foi julgada improcedente nas duas instâncias e a A., findo o processo judicial, manteve a exata situação jurídica que tinha antes de este se iniciar.

14. Mesmo não se tratando de processo urgente, foram proferidos despachos em férias judiciais.

15. Apesar de ter reconhecido que todos estes fatores deveriam ser tidos em conta no preenchimento do conceito de prazo razoável e de ilicitude, a sentença recorrida errou ao acabar por dar relevância exclusiva ao tempo total de duração do processo, do qual extraiu, de forma automática, a ilicitude na atuação.

16. Este automatismo vai ao arrepio do entendimento firmado pela jurisprudência nacional e do TEDH.

17. Acresce que o R. Estado colocou à disposição dos sujeitos processuais os mecanismos para fazer acelerar a tramitação dos processos que considerem ter uma demora excessiva, através da formulação, junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de pedido de aceleração processual, nos termos dos arts. 57º e 74º/1 e 2, m) do ETAF e art.º 5º/1, d) do Regulamento do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mecanismos estes que a A. nunca desencadeou.

18. Não o tendo feito, não pode a A. pretender obter benefícios da demora de um processo com cuja tramitação se conformou.

19. A inexistência de ilicitude na atuação dos agentes do Réu Estado resulta, não só das circunstâncias em que o processo foi tramitado supra elencadas, como também do facto de ter disponibilizado mecanismos de agilização processual, que o particular optou por não acionar.

20. A Mma. Juiz, na sentença em crise, considerou existir presunção de culpa na atuação, nos termos do art.º 10º/2 da Lei 67/2007. No entanto, tal presunção não pode ser aplicada por não existir ilicitude e, mesmo que se entenda que existe, foi afastada pela prova produzida nos autos.

21. Resultou da matéria provada uma atuação particularmente zelosa e diligente dos magistrados e funcionários, sobretudo na primeira instância, face à adversidade da situação concreta, designadamente proferindo despachos em férias judiciais, dando nota das razões das demoras, procurando uma harmonização do agendamento das audiências de julgamento de forma a evitar previsíveis anos de espera pelo cumprimento de cartas rogatórias.

22. Quanto à tramitação no TCA Sul, a Mma. Juiz relatora do acórdão, face à grande acumulação de serviço que se verificou naquele tribunal, deu prioridade aos processos mais urgentes e antigos, seguindo orientações fixadas pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

23. Entende-se, por isso, que foi feita prova nos autos que ilidiu a presunção de culpa que resultaria do art.º 10º/2 da Lei 67/2007, designadamente provou-se uma atuação zelosa e diligente, de magistrados e funcionários, no quadro da situação funcional concreta que se deparou aos agentes do Réu Estado. Provou-se a inexistência de culpa.

24. Ao considerar preenchidos os requisitos da ilicitude e culpa, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 7º, 9º e 10º da Lei 67/2007, de 31/12 e do art.º 483º do CC, no que concerne a estes pressupostos, normas que violou.

25. Devem, por isso, considerar-se não verificados os requisitos da ilicitude e culpa na atuação do R., mantendo-se, no mais, o juízo formulado na sentença recorrida quanto ao não preenchimento dos pressupostos do dano e nexo causal e mantendo-se, igualmente, o sentido da decisão recorrida e o julgamento nela efetuado de improcedência da ação e absolvição do Réu de todos os pedidos formulados.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso e ser alterado o juízo sobre os pressupostos da responsabilidade civil da ilicitude e da culpa, mantendo-se o demais decidido.


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A Autora não contra-alegou o recurso subordinado interposto pelo Réu.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitados pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, nos seguintes termos em relação a cada um dos recursos.

A. Recurso principal

Erro de julgamento em relação ao requisito do dano.

B. Recurso subordinado

Erro de julgamento no tocante aos requisitos da atuação ilícita e culposa do Estado português.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A)

Em 24/11/2004 a requerente instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa um processo ao qual lhe foi atribuído o nº 2858/04.5BELSB, processo que consistia numa acção de condenação, com processo ordinário, contra o Estado Português – Ministério da Educação, no pagamento do réu á requerente do montante de 23.130,36€ acrescido de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a contar-lhe o tempo de serviço – de Setembro de 2003 a 30 de abril de 2004 como tempo de serviço, para efeitos de concurso e também ao pagamento das custas e demais encargos com o processo.

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

B)

Por decisão de 06/12/2004, o Tribunal Administrativo e Fiscal de lisboa alegou, nomeadamente, que a acção apresentada pela autora/requerente trata-se de uma acção administrativa comum, fundada em responsabilidade civil extracontratual do Estado uma vez que a petição funda-se num acto administrativo de contratar a autora/requerente. Tal circunstancialismo e observando o disposto no art. 21º, nº 2 CPTA, e nos termos do mapa anexo do artº 21º do Decreto-lei nº 325/2003 de 29/12, e uma vez que a autora residindo no concelho de Albufeira, o tribunal competente seria o TAF de Loulé. Termos em decidiu declarar a incompetência territorial do TAF de Lisboa para apreciar a acção, ordenando a remessa dos autos ao TAF de Loulé e condenando a autora/requerente em custas pelo incidente.

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

C)

A 4/02/2005 o processo foi remetido ao tribunal de Loulé.

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

D)

O Ministério foi citado a 7/03/2005

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

E)

Em 19/04/2005 o Ministério da Educação apresentou a sua contestação, requerendo a intervenção principal da Coordenadora Pedagógica da Coordenação Geral do Ensino Português no Luxemburgo, com domicílio na Embaixada de Portugal no Luxemburgo, e a absolvição do réu do pedido e a citação.

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

F)

Em 04/07/2005 a requerente respondeu às excepções invocadas pelo réu;

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

G)

Em 11/07/2005, o processo foi concluso à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

H)

Em 04/01/2006 foi proferido despacho a ordenar a notificação ao R. do requerimento apresentado pela A., uma vez que, esta havia identificado incorrectamente o tribunal, o que considerou poder ser gerador de equívocos (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

I)

No despacho referido na alínea precedente, a Mma. Juiz fez menção a “grande acumulação de serviço” (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

J)

A notificação ao R. referida na alínea anterior foi expedida a 16/01/2006 (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

L)

Em 07/02/2006, o processo foi concluso à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

M)

Em 28/03/2006, foi proferido despacho pela Mma. Juiz a ordenar a notificação (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

N)

No despacho referido na alínea precedente, a Mma. Juiz fez menção a “grande volume de serviço com prevalência de processos urgentes”

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

O)

Em 06/04/2006, foi expedida notificação à A. (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

P)

Em 13/06/2006 Coordenadora Pedagógica do Serviço de Coordenação do Ensino no Luxemburgo, interveniente nos autos, apresentou o seu articulado nos termos do art. 327º, nº 3 do CPC e arts. 1º e 10º, nº 8 do CPTA;

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

Q)

Por despacho de 09/08/2006 o tribunal ordenou a notificação da requerente sobre o chamamento para a intervenção suscitada pelo réu no art. 21º da sua Contestação;

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

R)

Em 18/09/2006, o processo foi concluso à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

S)

Em 30/10/2007, a Mma. Juiz proferiu despacho a ordenar a notificação (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

T)

No despacho referido na alínea precedente, a Mma. Juiz fez menção a “grande volume de serviço com prevalência de processos urgentes” (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

U)

Em 03/12/2007, o processo foi concluso à Mma. Juiz por ordem verbal (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

V)

Na mesma data foi proferido despacho pela Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

X)

Em 04/01/2008, foram expedidas as notificações determinadas naquele despacho (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

Z)

Em 01/02/2008, o processo foi concluso à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

AA)

Em 31/03/2008, o tribunal elaborou despacho saneador e fixou a base instrutória (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

BB)

No despacho referido na alínea precedente, a Mma. Juiz fez menção a “grande volume de serviço com prevalência de processos urgentes” (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

CC)

Por ofício de 27/05/2008 do TAF de Loulé, a requerente foi notificada do despacho saneador e ainda para apresentar o seu requerimento de prova;

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

DD)

Em 06/06/2008 a requerente apresentou a sua reclamação da Base Instrutória.

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

EE)

Em 16/06/2008, a Requerente juntou aos autos o seu requerimento de prova;

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

FF)

Em 19/06/2008 a interveniente nos autos apresentou também o seu requerimento de prova;

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

GG)

Em 25/06/2008, os autos foram conclusos à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

HH)

Em 01/07/2008, foi proferido despacho pela Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

II)

Em 02/01/2009, foi proferido despacho pela Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

JJ)

Em 28/01/2009, foram expedidas as notificações às partes daquele despacho (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

LL)

Em 06/02/2009 o réu Ministério da Educação juntou aos autos vários documentos, nomeadamente contratos de serviço docente:

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

MM)

Em 16/02/2009 a requerente juntou aos autos um requerimento a pedir esclarecimentos à interveniente nos autos:

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

NN)

Em 19/03/2009 o réu juntou aos autos um requerimento a responder ao requerido pela requerente em 16/02/2009:

OO)

Em 29/05/2009, o processo foi concluso à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

PP)

Por despacho de 29/05/2009, o tribunal admitiu os meios de prova requeridos pelas partes (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

QQ)

Em 11/05/2009 a requerente respondeu ao requerimento do réu:

(por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

RR)

Em 14/05/2009, o R. respondeu à resposta da A. (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

SS)

Em 15/05/2009 a A. respondeu ao requerimento do R. de 18/03/2009 (por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

TT)

Em 18/06/2009 a A. requereu a concessão de um prazo acrescido para se pronuncia

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

UU)

Em 22/06/2009 foi aberta conclusão à Mma. Juiz (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

VV)

A Mma. Juiz proferiu despacho em 25/06/2009 a deferir o requerido pela A:

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

XX)

Em 22/06/2009 a interveniente apresentou requerimento:

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

ZZ)

Em 25/06/2009 a A. apresentou requerimento a retirar testemunhas;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

AAA)

Em 08/09/2009 foi aberta conclusão à Mma. Juiz;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

BBB)

Em 11/09/2009 a Mma. Juiz proferiu despacho sobre os requerimentos apresentados e a determinar a notificação para proceder ao pagamento de preparos;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

CCC)

Em 30/06/2010 foi aberta conclusão com a informação de que os preparos não haviam sido pagos;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

DDD)

Na mesma data - 30/06/2010 – foi proferido despacho:

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

EEE)

Em 26/07/2010 a interveniente apresentou requerimento;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

FFF)

Em 09/09/2010 foi aberta conclusão e na mesma data a Mma. Juiz proferiu despacho que, além do mais, designou o dia 04/10/2010 para a realização de audiência de julgamento.

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

GGG)

Em 30/09/2010 foi apresentado requerimento;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

HHH)

Em 01/10/2010 foi aberta conclusão e, na mesma data, a Mma Juiz proferiu despacho no qual manteve a data anteriormente fixada para a audiência de julgamento, invocando, além do mais, o aproveitamento de atos realizados e o objectivo de agilização da tramitação processual da acção em referência;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

III)

Em 01/10/2010 foram os autos novamente conclusos À Mma. Juiz que, na mesma data, proferiu novamente despacho.

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

JJJ)

No dia 18/10/2010 a interveniente apresentou requerimento;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

LLL)

No dia 25/10/2010 a A. apresentou requerimento;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

MMM)

No dia 25/01/2011 foi aberta conclusão à Mma. Juiz que, na mesma data, proferiu despacho no qual determinou a realização de diligências com vista à harmonização entre os mandatários de datas possíveis para a continuação do julgamento. Neste despacho a Mma. Juiz mencionou o objectivo de celeridade processual

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

NNN)

No dia 14/03/2011 foi aberta conclusão à Mma. Juiz;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

OOO)

No dia 15/03/2011 a mma. Juiz proferiu despacho a designar o dia 08/04/2011 para a continuação da audiência de julgamento:

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

PPP)

No dia 17/03/2011 a interveniente apresentou requerimento;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

QQQ)

Foi aberta conclusão em 21/03/2011 e a Mma. Juiz proferiu despacho na mesma data, no qual marcou também a data de 6/12/2011 para a realização de mais uma audiência de julgamento, atendendo ao período temporal no qual a interveniente estaria em Portugal para depor;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

RRR)

Este despacho foi notificado por notificações expedidas em 22/03/2011

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

SSS)

No agendamento das audiências de julgamento a Mma. Juiz, tendo em conta o número de testemunhas residentes no estrangeiro a inquirir, procurou designar datas que coincidissem com a estadia em território nacional (cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

TTT)

Em 04/10/2010 foi iniciada a realização da audiência de julgamento e a mesma continuou nos dias 08/04/2011 e 06/12/2011 (por acordo entre as partes e consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos)

UUU)

Por despacho de 13/12/2011 o tribunal respondeu à matéria de facto e à base instrutória apurada em audiência de julgamento;

(por acordo e cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

VVV)

Em 05/01/2012 a A. apresentou requerimento onde declarou prescindir da discussão por escrito da matéria de direito;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

XXX)

Em 09/01/2012 a interveniente apresentou alegações de direito;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

ZZZ)

Em 06/02/2012 foi aberta conclusão à Mma. Juiz para prolação de sentença, que foi proferida em 20/02/2012.

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

AAAA)

Por sentença de 20/02/2012 o Tribunal julgou a acção improcedente indeferindo o pedido da requerente.

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

BBBB)

Em 21/03/2012, a A. apresentou recurso para o TCA Sul (por acordo e cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

CCCC)

Em 30/03/2012 a interveniente requereu cópia da gravação da prova produzida;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

DDDD)

Em 24/04/2012, o R. apresentou contra-alegações de recurso;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

EEEE)

Em 02/05/2012 a interveniente apresentou contra-alegações de recurso;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

FFFF)

Em 02/05/2012 a A. apresentou resposta a documento junto;

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

GGGG)

Em 08/05/2012 foi aberta conclusão e na mesma data foi proferido despacho pela Mma. Juiz que ordenou a remessa dos autos ao TCA Sul.

(cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

HHHH)

O TCA Sul proferiu acórdão em 05/05/2016, tendo confirmado a sentença proferida pelo TAF de Loulé (por acordo e cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

IIII)

Em 06/05/2016 foi expedida a notificação do Acórdão para a A. (por acordo e cfr. consulta do processo 2858/04.5BELSB junto aos autos);

JJJJ)

No ano de 2005, foram movimentados no TAF de Loulé, área administrativa, 484 processos – (171 processos vindos do ano anterior e 313 entrados no ano); no ano de 2006, forma movimentados 578 processos; em 2007 foram movimentados 534 processos; em 2008 foram movimentados 476 processos, em 2009 foram movimentados 665 processos; em 2010 foram movimentados 610 processos e em 2011 foram movimentados 697 processos. (doc.1)

LLLL)

Neste período, estiveram em exercício de funções no TAF de Loulé, na área administrativa, dois juízes. (doc.1)

MMMM)

Relativamente ao serviço distribuído à Mma. Juiz titular do processo 2858/04.5BELSB no TAF de Loulé importa ter em conta que: (doc2)

- entre 01/01/2004 e 31/05/2006 foram-lhe distribuídos, para além do serviço na área administrativa, 61 processos da área tributária;

- proferiu, até 31/05/2006, cerca de 2.267 despachos de expediente em processos da área administrativa e, pelo menos, 61 despachos de expediente em processos da área tributária, bem como 209 sentenças em processos da área administrativa e 4 sentenças em processos tributários;

NNNN)

Acrescenta que a mesma Juiz, entre 13/05/2004 e 11/11/2004, teve a seu cargo a totalidade dos processos da área administrativa do TAF de Loulé, porquanto foram-lhe atribuídos todos os processos – urgentes e não urgentes – que haviam sido distribuídos à Juiz Ana Cristina Casimiro e que entrou em gozo de licença de maternidade, conforme despacho do Juiz Presidente do Tribunal datado de 13/05/2004. (doc.2 e 4)

OOOO)

A tramitação por uma única juiz da totalidade dos processos distribuídos a duas juízes originou acumulação de serviço, tendo sido dada prevalência aos processos urgentes. (doc.2)

PPPP)

Por despacho do Juiz Presidente do TAF de Loulé, datado de 05/03/2008, a juiz titular do processo 2858/04.5BELSB substitui, também, a juiz Ana Chinita da área administrativa, na tramitação dos processos urgentes, entre 3 e 11 de março de 2008. (doc.2 e 5)

QQQQ)

Por despacho do Juiz Presidente do TAF de Loulé, datado de 20/04/2009, foram distribuídos à Juiz titular do Processo 2858/04.5BELSB, também, 15 processos anteriormente tramitados pela Juiz Maria Paula Figueiredo e que foram selecionados por serem os de distribuição mais antiga. (doc.2 e 6)

RRRR)

Por despacho do Juiz Presidente do TAF de Loulé, datado de 12/12/2009, foi determinado que a juiz titular do processo 2858/04.5BELSB substituísse a juiz Maria Paula Figueiredo, da área administrativa, na tramitação dos processos urgentes e durante o período de ausência prolongada por doença. (doc.7)

SSSS)

Entre 2012 e maio de 2016 exerceram funções do TCA sul, em média, 10 juízes, a quem forma distribuídos, em média 462 processos. (doc.3)

TTTT)

Entre fevereiro de 2012 e maio de 2016 cada juiz do TCA Sul tinha, em média, pendentes 825 processos. (doc.3)

UUUU)

Entre 25/09/2014 e 31/08/2016 foram distribuídos à Juiz relatora do acórdão proferido no TCA Sul no processo 2858/04.5BELSB 83 processo urgentes. (doc.3)

VVVV)

A Juiz relatora do acórdão assumiu funções no TCA Sul em 25/09/2014 (doc.3)

XXXX)

Ante o elevado número de processos distribuídos, deu prevalência, em primeiro lugar, aos processos urgentes, seguindo-se os mais antigos e mais complexos, em cumprimento da deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 21/02/2014.(doc.3 e 8)

ZZZZ)

A A. não apresentou qualquer requerimento a pedir a aceleração do processo, quer na 1ª instância, quer no tribunal de recurso (cfr. consulta do processo nº 2858/04.5BELSB);

II-2. Factualidade não provada:

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

Fundamentação do julgamento:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta aos autos, bem como, da consulta do processo 2858/04.5BELSB e ainda, das posições apresentadas pelas partes nos articulados e na audiência prévia.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa agora entrar na análise das questões colocadas para decisão, em relação a cada um dos recursos interpostos, segundo a sua ordem lógica e prioritária de conhecimento.

A. Recurso principal

Erro de julgamento em relação ao requisito do dano

No recurso jurisdicional interposto pela Autora vem posto em crise o julgamento da sentença recorrida no que se refere ao requisito do dano, o qual foi julgado não provado.

Alega a Recorrente que ficou demonstrada, quer a ilicitude, quer a culpa, em decorrência dos atrasos ocorridos, durante 4 anos e 8 meses, tendo o Tribunal ignorado toda a jurisprudência dos tribunais nacionais e do TEDH, segundo a qual os danos morais se presumem.

A Autora apenas tinha de demonstrar a existência de uma violação objetivamente constatada da Convenção, pois uma vez provada, presume-se a existência do dano psicológico e moral, sem ser necessário fazer a sua prova.

Os tribunais têm considerado o período de 3 anos como o tempo razoável para a tramitação de uma ação declarativa em 1.ª instância.

Defende que tem direito a ser indemnizada pelo dano moral fruto da violação do princípio do prazo razoável e ainda pelo atraso suplementar no recebimento de uma indemnização quando o processo indemnizatório é longo, a que acrescem os impostos devidos sobre as quantias em causa, assim como as despesas e honorários com advogado.

Vejamos.

Tendo a sentença recorrida julgado verificados os requisitos do facto ilícito e da culpa, deu por não provado o requisito do dano, assim julgando a ação improcedente, em que é peticionada a condenação do Estado português ao pagamento de uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por dilação indevida na prolação de decisão judicial no processo n.º 2858/04.5BELSB.

Com vista a apreciar da correção decidido, importa considerar a matéria de facto constante do julgamento de facto, a qual não se mostra impugnada por nenhum dos Recorrentes em juízo.

Nos termos do julgamento da matéria de facto da sentença recorrida, encontra-se provado que o processo n.º 2858/04.5BELSB deu entrada em 24/11/2004 e a sentença em 1.ª instância foi proferida em 20/02/2012, decorridos 7 anos, 2 meses e 27 dias.

Interposto recurso para o TCAS em 28/05/2012, foi tramitado sob o processo n.º 08905/12, tendo recaído acórdão em 05/05/2016, a negar provimento ao recurso, com a duração de cerca de 4 anos (3 anos, 11 meses e 9 dias).

No total das duas instâncias, o processo levou 11 anos, 2 meses e 6 dias.

No entanto, apesar de se considerar verificados os requisitos da ilicitude e da culpa, decidiu-se pela inverificação do requisito do dano.

Acolheu a sentença recorrida a jurisprudência do STA que, em processos idênticos ao dos presentes autos, considerou que o dano não patrimonial é uma consequência normal, ainda que não automática, da violação de uma decisão em prazo razoável.

Porém, foi decidido na sentença sob recurso que:

Acontece que, apesar da duração de 12 anos, de qualquer processo judicial ter como consequência normal a existência de danos que se reconduzem à alegada ansiedade, angústia, incerteza e aborrecimentos, a verdade é que há que atender sempre às circunstâncias do caso concreto e, no caso, verifica-se que a A. não alegou um único facto em que se concretiza o seu sofrimento psicológico e a gravidade do mesmo, limitando-se à alegação genérica.

Acresce que, da análise dos termos do processo nº 2858/04.5BELSB, a A. começou por apresentar a sua acção num tribunal territorialmente incompetente.

Mais se verifica que, a acção foi decorrendo, dentro dos trâmites já explanados, sem que a mesma tenha feito alguma vez algum pedido de aceleração do processo.

Verifica-se ainda que, a final, o pedido diz respeito à condenação do Estado Português a pagar uma indemnização pelo prejuízo de não ter auferido remunerações de Setembro de 2003 a Abril de 2004, ao abrigo de um eventual contrato para a área consular de Genebra que alegava ter direito, sendo que a partir de Maio de 2004, a mesma foi de facto, contratada, por motivos de substituição.

O desfecho dessa acção, com a improcedência da mesma em nada alterou a situação pessoal da A., ou seja, o facto de ter demorado cerca de 12 anos a obter a decisão, não lhe tendo sido reconhecido qualquer direito a final, em nada influenciou na sua vida pessoal, pois a mesma continuou a exercer a sua profissão, apenas não lhe foi reconhecida a contagem de serviço e o montante das remunerações a que, alegadamente, teria direito, durante o prazo de 6 meses – entre Setembro de 2003 a Abril de 2004.

Os danos alegados pela mesma não estão concretizados, nem são graves o suficiente, atento o objecto do processo nº 2858/04.5BELSB, o desfecho da acção e a sua influência na esfera pessoal da A., para se considerar preenchido o pressuposto do dano e consequente nexo de causalidade por forma a condenar o Estado Português a uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual por atraso na justiça.”.

Este julgamento não se pode manter, encontrando-se enfermado de erro de julgamento de direito, no tocante à interpretação e aplicação dos normativos de direito, como o têm decidido os tribunais nacionais e o TEDH.

Tal como se fez menção anteriormente, a Autora veio peticionar a condenação do Estado português ao pagamento de uma indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos que lhe foram alegadamente infligidos no exercício da função jurisdicional e pelo atraso na prolação de decisão, nos autos de ação administrativa que correram termos sob processo n.º 2858/04.5BELSB, inicialmente instaurada pela Autora no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e depois transferidos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, em consequência da procedência da exceção de incompetência territorial daquele tribunal.

Nesse contexto, requerem o pagamento de uma indemnização no montante de € 12.000,00, a título de danos não patrimoniais pela duração desse processo, acrescida de uma indemnização de € 2.000,00 por cada ano de duração do presente processo, após o decurso de 2 anos até ao seu termo, também a título de danos não patrimoniais e ainda o pagamento de juros de mora desde a citação até integral pagamento, o pagamento das despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça, despesas de certidões e todas as despesas de tradução de documentos, os honorários a advogado em quantia a fixar equitativamente ou a liquidar oportunamente, fixados de acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda quaisquer verbas que sejam devidas a título de imposto que incida sobre quantias recebidas pelo Estado.

O que significa que a Autora peticiona o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais.

A sua análise obedece a regimes normativos diferentes, pelo que deve ser feita de modo diferenciado.

Enquanto os danos não patrimoniais imediatamente decorrentes da delonga processual se presumem, não carecendo de demonstração, os danos patrimoniais dependem quer de alegação, quer de prova.

Como decorre da jurisprudência do STA, emanada à luz daquela que nesta matéria dimana do TEDH, sempre que há violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável presume-se que há danos não patrimoniais comuns ou normais diretamente resultantes desse facto ilícito que merecem a tutela do direito.

Tais danos comuns ou normais, não carecem de alegação ou prova, embora possam ser afastados, face a prova em contrário.

Diferentemente se passa com os outros danos, sejam os patrimoniais, sejam os não patrimoniais que excedam aqueles considerados comuns ou normais, os quais têm de ser alegados e demonstrados, nos termos gerais.

Iniciando a análise pelos danos não patrimoniais, como antes se afirmou, desde a data da instauração da ação até ao seu termo, ocorrido com o acórdão proferido em 2.ª instância, decorreram 11 anos, 2 meses e 6 dias.

Descontando o período de três anos considerado razoável para a tramitação do processo em 1.ª instância e de dois anos na instância de recurso, ficam cerca de 6 anos (6 anos, 2 meses e 6 dias), não descontando o tempo de 2 meses e 11 dias entre a data da instauração do processo em Lisboa e a sua remessa para o Tribunal territorialmente competente, em que também existiu a contribuição da atuação da Autora (alíneas A) e C) dos factos assentes).

Quanto a estes danos não patrimoniais a Autora alegou que essa delonga processual gerou uma situação de incerteza durante vários anos e de não conseguir prever em que data terminaria o processo, assim como incerteza na planificação das decisões a tomar, o que lhe causou ansiedade, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, sentindo-se frustrada pela ineficácia do sistema de defesa dos seus interesses e ainda incomodada, irritada e nervosa.

O julgamento de facto da sentença recorrida não reflete esta alegação, nada resultando sobre tais alegados danos não patrimoniais, nem esse julgamento de facto se mostra impugnado no presente recurso.

No entanto, como se disse, tem-se entendido que tais danos não carecem de ser provados, sendo antes danos presumidos em consequência da verificação da atuação ilícita omissiva do Réu, Estado português.

Estão em causa danos que, pelo menos, em parte, emanam da delonga processual imputável ao Réu, Estado português.

No demais, o apuramento da responsabilidade civil extracontratual do Estado pelos danos decorrentes da função jurisdicional não dispensa a observância dos pressupostos, de verificação cumulativa, legalmente erigidos para o efeito, de entre os quais se destaca o nexo de causalidade.

A este respeito, o artigo 563.º do CC determina que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Tal como assinala o STA, no Acórdão proferido em 25/03/2015, no âmbito do Processo n.º 01932/13, o citado artigo 563.º do CC “consagra a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente aos ensinamentos de ENNECERUS- LEHMAN, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». Nessa medida, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado. Depois há que ver se aquele facto era, em abstracto, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada, para a produção do dano”.

Ora, no caso dos autos, os danos não patrimoniais invocados pela Autora não são exclusivamente imputáveis ao facto omissivo ilícito e culposo praticado pelo Réu (a falta de prolação de decisão judicial em tempo razoável), pois extrai-se da alegação da Autora que a própria instauração da ação foi em si mesma geradora desses danos, independentemente do prazo que levasse.

A Autora alega ter sofrido esses danos em resultado do referido facto ilícito e culposo, mas decorre da sua alegação que não pôde prever em que data terminaria o processo e que se manteve numa situação de incerteza durante vários anos, o que sempre se verifica em relação a qualquer processo, independentemente da sua duração em concreto.

Alega os sentimentos de ansiedade, angústia, incerteza, assim como preocupações e aborrecimentos, por nunca saber o desfecho do processo, o que é também natural no contexto de uma instauração de um processo judicial.

Por conseguinte, embora se deva presumir a produção de danos não patrimoniais na esfera jurídica da Autora em consequência da delonga processual de cerca 6 anos, também é verdade que parte desses danos decorrem da instauração da própria ação administrativa e da incerteza quanto ao seu desfecho, o que nada tem que ver com a delonga processual.

Em face de tudo o que antecede, importa concluir que:

(i) o Réu cometeu um facto omissivo ilícito e culposo, ao não proferir decisão no âmbito da ação administrativa instaurada pela Autora em tempo razoável, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 20.º da CRP e do n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, conjugada com o n.º 2 do artigo 8.º da CRP;

(ii) a Autora sofreu danos não patrimoniais consistentes em ansiedade, angústia, incerteza, assim como preocupações e aborrecimentos, sentindo-se frustrada e ainda incomodada, irritada e nervosa, cuja causa deriva da falta de prolação de decisão em tempo razoável;

(iii) parte dos danos não patrimoniais alegados pela Autora são imputáveis à mera pendência da ação administrativa, sem apresentar qualquer relação causal com o facto ilícito cometido pelo Réu, Estado português.

O valor da indemnização a fixar equitativamente pelo Tribunal, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, terá, assim, que atender às circunstâncias expostas.

A este respeito, importará salientar que, tal como dá conta a doutrina e a jurisprudência, quer dos tribunais nacionais, quer do TEDH, o valor de indemnização atribuído pelo TEDH a título de danos não patrimoniais cifra-se, em média, em cerca de € 1.000 por ano de atraso no processo – neste sentido, vide Isabel Celeste M. Fonseca, “Cadernos de Justiça Administrativa”, n.º 72, página 41 e os acórdãos proferidos pelo TCA Sul em 12/05/2011 e 21/11/2013, no âmbito dos processos 07472/11 e 09424/11, respetivamente.

Contudo, este montante corresponde a uma média aritmética e não poderá, como tal, ser aplicado tout court.

Diversamente, e ainda que possa servir como um referencial a atender pelo julgador, sempre poderá este aumentá-lo ou diminuí-lo, em função dos danos concretamente sofridos, segundo critérios de equidade.

Ora, no caso dos autos, atento o tempo decorrido, de cerca de 6 anos, tem de se reconhecer que a Autora sofreu de ansiedade, angústia e incerteza, as quais decorreram do facto omissivo ilícito e culposo que é imputado ao Réu e que se traduz na não prolação de decisão judicial em tempo razoável.

Não obstante, tem de se entender, em face da própria alegação da Autora, que parte desses sentimentos decorrerem da própria instauração da ação.

Mais decorre que esse estado de espírito da Autora tem a ver com o atraso na prolação de uma decisão que se refere à exigibilidade do pagamento pelo Ministério da Educação do montante pecuniário de € 23.130,36, acrescido de juros de mora, desde a citação e a contar-lhe o tempo de serviço, desde setembro de 2003 a 30 de abril de 2004 para efeitos de concurso e o pagamento das custas do processo, num processo em que a Autora ficou vencida, sendo a ação julgada improcedente, mediante decisão confirmada por este TCAS, em acórdão proferido em 05/05/2016.

Além da contribuição da Autora na instauração da ação em tribunal territorialmente incompetente.

Assim, atentas as variáveis enunciadas, julga-se justa e equitativa a atribuição à Autora, a título de danos não patrimoniais, do montante de € 1.000,00 por cada um dos cerca de 6 anos de atraso verificados, nos termos a que se aludiu anteriormente.

Importando todos os dados que antecedem – v.g., a circunstância de se ter fixado em três anos o prazo razoável para a prolação de decisão na ação administrativa em 1.ª instância e de dois anos, neste TCAS, para além da contribuição da Autora para o atraso em cerca de 2 meses, e que os danos não patrimoniais alegados pela Autora decorrem em parte da própria instauração da ação, não sendo imputáveis diretamente à sua delonga – e tendo presente que os danos invocados apenas são indemnizáveis na medida em que derivam causalmente do facto omissivo ilícito e culposo praticado pelo Réu, Estado, tendo cessado com a prolação da decisão, fixa-se a indemnização a atribuir à Autora, em € 6.000.00 em cujo pagamento se condena o Réu, Estado português.

A este valor acrescem juros de mora, a contar da citação, ocorrida em 07/03/2005 (alínea D) dos factos assentes).

Não se considera existir atraso censurável na presente ação de indemnização, como se mostra peticionado pela Autora, considerando que esta ação foi instaurada pela Autora em 29 de agosto de 2016 e que mereceu sentença em 1.ª instância em 29 de junho de 2018, decorridos menos de 2 anos, além de também não ser excessivo o tempo de decisão do presente recurso, tendo as duas instâncias um tempo inferior a 5 anos.

No que se refere às demais quantias peticionadas pela Autora, as mesmas são descritas como “Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela Autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;”.

Porém, nenhuma dessas despesas, que configurariam danos patrimoniais, se mostram quantificadas pela Autora na petição inicial.

Por isso, nem sequer estão refletidas no valor da causa dado pela Autora, sendo este de € 12.000,00, correspondente ao valor peticionado pela indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da delonga na prolação da decisão judicial.

Tais despesas alegadas pela Autora careciam de quantificação, por alegadamente já terem ocorrido e importarem um dano já produzido.

Cabendo à Autora alegar e provar cada uma dessas despesas, enquanto danos de natureza patrimonial, tal não se verifica, razão pela qual não podem ser consideradas.

A Autora limitou-se à sua alegação genérica, sem qualquer quantificação, nem refletindo essa alegação no valor da causa, do mesmo modo que nenhuma despesa provou.

Tais despesas não resultam provadas no julgamento de facto, sendo que, como referido, este não logra ser impugnado no presente recurso pela Autora.

Como decidido no Acórdão do STA, de 13/03/2019, Proc. n.º 0437/12.2BEALM 0683/18, cuja doutrina se acolhe: “Assim, e uma vez que o art. 806º, nº 1 do CC não é aplicável à situação dos autos, a autora não beneficia de qualquer presunção quanto ao dano, pelo que sobre si recaía o ónus de alegar e provar que o atraso na decisão judicial de fixação do valor da indemnização, com o consequente retardamento no pagamento da mesma, lhe causou danos.

Como tal, assume relevância no caso concreto o regime geral de prova, previsto no art. 342º, nº 1 CC, de acordo com o qual cabia à autora fazer a prova dos factos constitutivos do alegado direito à indemnização, aplicando-se também o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa do lesado (art. 570º do CC) e quanto ao cálculo do montante da indemnização.”.

Pelo que, não pode o Réu ser condenado em despesas que não resultam provadas.

No respeitante ao pagamento dos honorários com o advogado, peticiona a Autora o pagamento de quantia segundo a aplicação de juízos de equidade conforme consta da petição inicial ou então, por aplicação do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Trata-se de um pedido formulado que, à semelhança das despesas alegadas, também não logrou ser concretizado pela Autora.

No sentido de os honorários do advogado constituírem um dano indemnizável, vide, entre outros, o Acórdão do TCAN de 12/10/2012, Proc. n.º 64/10.9BELSB e a jurisprudência do STA nele indicada, como o Acórdão do STA, de 04/03/2009, Proc. n.º 0754/08.

No entanto, há a distinguir se está em causa o ressarcimento de uma despesa imputável à delonga processual ou uma despesa com o processo de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso da justiça.

No primeiro caso, os honorários de advogado apenas são suscetíveis de consubstanciar um dano indemnizável quando o seu valor aumente devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo, que carece de ser alegado e provado.

No segundo caso, os honorários não constituem um dano indemnizável, apenas podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, al. d) e 26.º, n.º 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Assim, os honorários de advogado apenas são suscetíveis de consubstanciar um dano indemnizável quando o seu valor aumente devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo, o que não se mostra alegado, nem provado pela Autora.

A Autora limitou-se a alegar tal dano, sem o concretizar, nem demonstrar, nada invocando quanto ao valor dos honorários que pagou ao seu mandatário judicial, como também não resultando provados nos autos quaisquer factos que permitam concluir que foram por si suportados honorários de advogado superiores aos que suportaria se a ação administrativa não tivesse sofrido os atrasos em causa.

A fixação do valor da indemnização devida pelos honorários, por recurso à equidade, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do CC, pressupunha que a aqui Recorrente tivesse provado que pagou honorários ao seu advogado num determinado montante, ou seja, que sofreu um dano, prova que não logrou fazer.

Além disso, no que concerne aos honorários ao advogado na presente ação, a Autora também nada concretiza.

Por isso, neste caso, os honorários não constituem um dano indemnizável, apenas podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, al. d) e 26.º, n.º 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), tendo a elas direito a parte vencedora, na medida do seu vencimento, segundo os artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC – vide os Acórdãos do STA, de 13/03/2019, Proc. n.º 0437/12.2BEALM 0683/18 e ainda, mais recentemente, de 29/10/2020, Processo n.º 02582/09.2BELSB, acolhendo a doutrina do Acórdão proferido em revista ampliada, ao abrigo do artigo 148.º, n.º 1, do CPTA, da Secção do Contencioso administrativo do STA, datado de 05/03/2020, Processo n.º 284/17.5BELSB, segundo o qual se decidiu que em face do que dispõem o CPC/2013 e o RCP, é de considerar que as despesas com os honorários do advogado da parte vencedora não se inserem no domínio dos prejuízos a que alude o artigo 564.º, do Código Civil, só podendo ser compensadas a título de custas de parte.

Nestes termos, “Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil pela prática de facto ilícito não é de incluir a importância decorrente das despesas com honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.” (Acórdão do STA, de 29/10/2020, Processo n.º 02582/09.2BELSB).

Tendo a Autora parcialmente vencimento da causa, tem direito a receber o montante a título de honorários de advogado na proporção do respetivo vencimento, no âmbito das custas de parte.

Por último, não é devida à Autora o pagamento de qualquer indemnização pelo pagamento de qualquer quantia que a mesma tenha de pagar a título de imposto, não sendo esta uma quantia indemnizável no âmbito do processo por atraso da justiça, por não se verificar o necessário requisito do nexo de causalidade.


*

Em suma, procede o recurso interposto pela Autora, por provado o erro de julgamento no tocante ao requisito do dano.

Em substituição, será de julgar a ação procedente, condenando o Réu, Estado português ao pagamento de uma indemnização à Autora, pelo atraso na prolação de decisão judicial, de cerca de 6 anos, na 1.ª instância e na instância de recurso, cujo quantitativo se fixa em € 6.000.00, acrescido de juros de mora desde a citação, ocorrida em 07/03/2005, até integral pagamento e das custas de parte que venham a ser apresentadas pela Autora, absolvendo o Réu, Estado português de todo o demais peticionado.

B. Recurso subordinado

Erro de julgamento no tocante aos requisitos da atuação ilícita e culposa do Estado.

Vem o Estado português interpor recurso subordinado da sentença recorrida, na parte em que julgou procedentes os requisitos da ilicitude e da culpa, no âmbito da presente ação de responsabilidade civil fundada na violação do direito a uma decisão em prazo razoável, pelos danos sofridos pelo exercício da função jurisdicional e pelo atraso na prolação de decisão nos autos de ação administrativa que correram termos sob o processo n.º 2858/04.5BELSB, tramitados no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.

Concorda com a sentença recorrida, que julgou inverificados os requisitos do dano e do nexo de causalidade, mas discorda da verificação dos requisitos da ilicitude e da culpa.

Alega que a sentença recorrida considerou existir apenas dois momentos de atraso na tramitação da causa na 1.ª instância, respetivamente, de 5 meses e de 11 meses, os quais considerou serem isolados, por terem sido cumpridos os prazos.

Invoca ainda que consta da sentença recorrida que foi dado como provado que a juíza titular do processo acumulou funções durante vários períodos temporais, chegando a ter a seu cargo todo o serviço do TAF de Loulé na área administrativa e, em alguns períodos, também o serviço da área tributária, o que gerou acumulações de serviço.

Mais alega que essa realidade está refletida em alguns despachos, onde foi feita menção de grande acumulação de serviço e de ser dada prevalência de processos urgentes.

A partir de 2009 quando diminuíram as acumulações de serviço, a maioria dos despachos foi proferida com grande brevidade, muitos deles no próprio dia da conclusão do processo ou no dia seguinte, tendo a sentença sido proferida no prazo de 15 dias.

O processo enfrenta a particularidade de muitas das suas testemunhas serem residentes no estrangeiro, tendo a sua inquirição coincidido com os períodos em que se encontravam em Portugal, nas férias do verão ou no Natal, para evitar a expedição de cartas rogatórias, cujo cumprimento demora vários anos.

Por isso, alega o Recorrente que o número de testemunhas a inquirir e a sua residência no estrangeiro é uma particularidade do processo em causa, que não pode deixar de ser tido em consideração.

Mais alega que o processo em causa não era urgente, nem se reportava a interesses fundamentais, além de a ação ter sido julgada improcedente nas duas instâncias, tendo a Autora a sua situação jurídica inalterada como antes de instaurar a ação.

Acresce que, não sendo a ação urgente, foi tramitada em férias judiciais, revelando a atuação particularmente zelosa e diligente dos magistrados e funcionários, sobretudo na 1.ª instância.

Além de a Autora nunca ter requerido a aceleração processual, enquanto instrumento que se encontrava ao seu dispor.

Sustenta ainda que por não existir ilicitude, não se pode presumir a culpa e, mesmo que assim não fosse, deve entender-se que a culpa foi afastada pela prova produzida nos autos, em relação à 1.ª instância e também na 2.ª instância, tendo a juíza desembargadora relatora dado prioridade aos processos urgentes e prioritários e depois aos mais antigos, segundo orientações fixadas pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos.

Vejamos.

Como antes afirmado, não se mostra impugnado o julgamento da matéria de facto, pelo que a decisão a proferir deve basear-se nos factos que constam do probatório assente.

Assim, sem pôr em crise o julgamento de facto, quer no tocante aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, entende o Estado português que os factos apurados não revelam a ilicitude, nem a culpa do Réu no exercício da função jurisdicional e por má administração da justiça, deles extraindo outra valoração.

Analisada a fundamentação de facto da sentença deles é possível extrair a delonga do processo, quer em decorrência da prática de inúmeros atos processuais, quer pelo tempo decorrido.

Por isso, no que respeita à análise da concreta situação factual não podem existir dúvidas de terem existido atrasos que, não sendo imputáveis ao titular do poder judicial, como de resto, afirmado por ambos os Recorrentes, é imputável ao Estado, a quem cabe a responsabilidade pela organização e funcionamento do sistema de justiça.

Da alegação do Réu, Estado português, ora Recorrente, decorre que, apurando-se nos autos que sendo a Juíza titular do processo zelosa e cumpridora do seu serviço, tendo despachado o processo em período de férias judiciais, de forma a agilizar a produção de prova decorrente da necessidade de inquirição de testemunhas com residência no estrangeiro, assim como acumulando o serviço, em diversos períodos, quer da área administrativa quer da área tributária, afasta a ilicitude e, consequentemente, a culpa.

Entende o Recorrente que, não obstante o tempo de delonga processual, foi feita prova que permite afastar a ilicitude e a culpa da atuação omissiva do Réu.

Mas sem razão, importando reafirmar a necessidade de distinguir o exercício da função jurisdicional pelo titular do processo judicial que é o juiz, da organização e funcionamento do sistema público da administração da justiça, que pertence ao Estado português.

A prova produzida nos presentes autos e que não logra ser impugnada é bem demonstrativa desta distinção, em como existe uma atuação pessoal do titular do poder judicial em termos que não podem merecer qualquer censura, mas em que existe uma deficiência na organização do tribunal, por falta de recursos humanos que permitam fazer face às necessidades de realizar uma justiça pronta e eficaz, dentro do prazo razoável.

Esta omissão do Estado português em dotar o tribunal das condições necessárias e indispensáveis ao seu normal funcionamento encontra-se plenamente demonstrada pelo que resulta provado nas alíneas I), N), T), BB), JJJJ), LLLL), MMMM), NNNN), OOOO), PPPP), QQQQ), RRRR) do julgamento da matéria de facto.

Além de que tais constrangimentos e limitações no funcionamento do tribunal se prolongaram no tempo, como decorre da citada matéria de facto.

Por conseguinte, não tem procedência o fundamento do recurso quanto a matéria de facto provada nos autos permitir afastar a verificação do requisito da ilicitude e, consequentemente, da culpa do Réu, Estado português, antes se verificando uma atuação omissiva ilícita que contribuiu decisivamente para a delonga processual.

Esta análise é factual e, por isso, objetiva, sendo amplamente demonstrativa da delonga processual e dos seus vários momentos processuais.

Nem é abalada pela atuação zelosa e cumpridora da concreta titular do poder judicial.

Do mesmo modo que, além da instauração da ação em tribunal incompetente, não é invocada a contribuição da atuação processual da Autora para os atrasos verificados.

Por isso, toda a alegação do Recorrente no presente recurso não é de molde a alterar os factos apurados, assim como a interpretação e aplicação dos normativos de direito que com base neles conduz ao juízo de delonga no exercício da função jurisdicional e na administração da justiça, imputável ao Estado português.

Atendendo ao conceito de ilicitude, previsto no artigo 6.º do D.L. nº 48051, segundo o qual “consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios jurídicos aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”, é de configurar o presente caso como de violação das normas jurídicas que regulam o acesso à justiça e o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável.

Do mesmo modo, considerando a aplicação do artigo 9.º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado em anexo pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, ex vi do seu artigo 12.º, segundo o qual:

1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º.”.

Sobre a ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, a doutrina propõe que a ilicitude considera a conduta objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica e que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um ato que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano (Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 7ª edição, Almedina, pp. 578 e 579 e pp. 518).

Essa omissão é violadora das normas legais aplicáveis respeitantes ao direito fundamental à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, nos termos do qual “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”.

Impõe-se sobre o Réu, Estado português, o dever legal de zelo e de adoção de todas as ações ou condutas de forma a dar resposta efetiva ao serviço público de justiça, apreciando e decidindo as pretensões dos particulares e resolvendo os processos instaurados, respondendo pelos danos causados decorrente da sua atuação lesiva.

Além do que resulta do citado preceito constitucional, encontra-se esse direito consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), datada de 04 de novembro de 1950, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, em vigor na ordem jurídica interna desde 09/11/1978 [DR, I Série, n.º 89, de 16/06/1978] que estabelece sob a epígrafe de “Direito a um processo equitativo”:

1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (…).”.

Estabelece ainda o artigo 13º da CEDH:

Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na (…) Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 10 de dezembro de 1948, publicada no Diário da República de 09/03/1978, prevê no seu artigo 8.º que:

Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competente contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.”.

Também o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, datado de 07 de outubro de 1976, aprovado pela Lei n.º 29/78, de 12/06, consagra no seu artigo 14.º, os direitos dos cidadãos perante os tribunais, prevendo que a causa no âmbito penal seja julgada “sem demora excessiva” [cfr. artigo 14.º, n.ºs. 1 e 3, alínea c)].

Dispõe ainda o artigo 22º da Lei Fundamental, sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, o seguinte:

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

Decorre ainda do n.º 1 do artigo 2.º do CPC:

A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.”.

A que acresce o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA:

O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.”.

Da conjugação de todos os referidos preceitos resulta que no ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

Tal como decidido pelo Tribunal a quo, os factos descritos, que resultam dados como assentes nos autos são suficientes para a demonstração da verificação do requisito da ilicitude, considerando que desde a entrada da ação até ser proferido acórdão na instância de recurso, descontando o período de três anos considerado razoável para a tramitação da causa, mediaram cerca de 8 anos.

Não é de todo razoável e excede largamente a noção de prazo razoável, o período de cerca de 8 anos para o desfecho de uma causa em 1.ª instância.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido que a razoabilidade da duração de um processo é avaliada segundo as circunstâncias da causa e tendo em atenção os critérios consagrados pela jurisprudência, em particular, a complexidade do processo, o comportamento das partes e aquele que é atribuído às autoridades competentes, bem como, a importância do caso para os interessados (ver, entre muitos outros, Frydlender c. França [GC], n.º 30979/96, § 43, CEDH 2000-VII).

Da vasta jurisprudência emanada do TEDH a respeito do n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, é possível extrair quatro linhas orientadoras para aferir a razoabilidade da duração de um processo:

(a) A complexidade do processo;

(b) O comportamento das partes;

(c) A atuação das autoridades competentes no processo;

(d) O assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respetivo autor.

Neste sentido, entre outros, os acórdãos proferidos pelo TEDH em 06/04/2000, Proc. n.º 35382/97, COMINGERSOLL S.A. v. PORTUGAL e em 08/06/2006, Proc. n.º 75529/01, SÜRMELI v. GERMANY, in http://hudoc.echr.coe.int/eng.

Reconhecendo a especial relevância interpretativa desta jurisprudência, o STA no Acórdão de 09/10/2008, Proc. n.º 0319/08, veio preconizar uma metodologia com vista à apreciação da razoabilidade da duração de um processo e para a determinação se foi ou não excedido o prazo razoável para a decisão de um processo, nos seguintes termos:

Esta determinação tem de adoptar como primeiro critério o que resulta do elemento textual, isto é, a razoabilidade, o que nos remete para uma análise global, de conjunto da situação processual dos autos em que o demandante se queixa do atraso e não para os seus pormenores e para os prazos de cada fase e momento processual. São de excluir desde logo da possibilidade de servir de esteio à apreciação os atrasos que tenham sido provocados pela própria parte que se queixa da demora.

Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça. Mas, existem casos destes.

É de sublinhar neste ponto que em alguns casos de claro excesso do prazo razoável poderia porventura o método analítico de cada acto processual e respectivo prazo conduzir à conclusão de que não houve atrasos, mas nem assim se pode infirmar a conclusão do excesso injustificado porque a ser assim teria o Estado que prover a criação de outros ou diferentes meios, mecanismos, prazos, organização, para atingir o objectivo de administrar a justiça em prazo razoável.

Numa segunda hipótese vemos aqueles casos em que no conjunto do meio processual e do tempo que tardou, atendendo a aspectos como a complexidade do caso e o enxerto de incidentes indispensáveis, haja de concluir-se que se tratou ainda de um prazo razoável. Também neste caso, como no antecedente se deve evitar conceder relevância, sequer analítica ao que se passou concretamente com os actos atomísticos que preenchem o processo e irreleva se houve um atraso na secretaria ou de um magistrado se ele não determinou a ultrapassagem do tempo razoável para a decisão da causa.

Uma terceira hipótese contempla aqueles casos em que é ultrapassada a duração média daquele tipo de processos, mas não existe uma demora que se afaste profundamente daquela média nem do tempo que seria expectável por um destinatário médio bem colocado para esta apreciação e o processo teve relativa complexidade e incidentes de modo que se podem colocar dúvidas quanto a determinar o que seria o prazo razoável naquela situação. Neste grupo de casos parece que, ao lado de outros o critério analítico do cumprimento ou não dos prazos processuais pode desempenhar um papel relevante.”.

O TEDH também tem considerado que a existência de longos períodos durante os quais o processo não seja tramitado, sem qualquer justificação para o efeito, não é aceitável, para efeitos da razoabilidade da duração do processo – neste sentido, vide o § 33 do acórdão proferido em 24/11/1994, Proc. n.º 15287/89, BEAUMARTIN v. FRANCE, in http://hudoc.echr.coe.int/eng.

Além disso, “A determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente”, IRINEU CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4ª edição, 2010, pp. 184.

Como refere a doutrina, “No nº 4, a Constituição dá expresso acolhimento ao direito à decisão da causa em prazo razoável e ao direito ao processo equitativo.”, estando intimamente relacionado com o princípio da efetividade, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 414 e 417.

A não observância do princípio da razoabilidade temporal na duração do processo só poderá ser justificada nos casos de particular dificuldade ou extensão, mas dificilmente poderão considerar-se causas justificativas do «atraso» as insuficiências materiais e humanas (tribunais, pessoas, organizações) ou as deficiências regulativas do processo”, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pp. 417.

Nestes termos, não tem sustento o fundamento do recurso, pois tal como decidido na sentença recorrida, foi violado pelo Réu o direito da Autora a obter uma decisão em tempo razoável no âmbito da ação administrativa por si instaurada, em ofensa dos artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º, n.º 1 da CEDH, conjugado com artigo 8.º, n.º 2 da CRP, de que resulta a ilicitude da atuação do Estado português.

Ao contrário do alegado pelo Recorrente a demora no atraso da decisão, em cerca de 6 anos, traduz um comportamento violador das normas jurídicas e traduz uma ilicitude objetiva pelo defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.

Neste mesmo sentido, tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, de que o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, consagrado no n.º 4, do artigo 20.º da CRP, em sintonia com o n.º 1, do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 09/04/2003, proc. nº 1833/02; de 17/03/2005, proc. nº 230/03; de 06/02/2007, proc. nº 1037/06; de 28/11/2007, proc. nº 308/07; de 09/10/2008, proc. nº 319/08; de 09/07/2009, proc. nº 0365/09 e de 08/07/2009, proc. n.º 122/09.

Assim, em face dos factos que resultam provados, deve entender-se pela verificação do pressuposto da ilicitude, na vertente de uma omissão ilícito do dever de agir.

Do mesmo modo, no tocante ao pressuposto da culpa, não podendo proceder as conclusões e respetiva alegação do recurso, pois que vigorando no direito da responsabilidade civil por atos praticados sob o regime de direito público a presunção legal de culpa, atentos os factos descritos, que demonstram o mau funcionamento do serviço de justiça, tem de entender-se que a citada omissão ilícita, é também ela culposa.

No que se refere ao pressuposto da culpa, “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pp. 571.

A culpa “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (Antunes Varela, obra cit., pp. 559), a qual resulta demonstrada, em face dos factos que resultam apurados.
Assim, sendo, em princípio, ao lesado que invoca o direito a quem incumbe alegar e provar os factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do CC, é sobre o autor que impende o ónus de alegar e provar os factos relativos a todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente, em relação à existência de culpa, salvo no caso de beneficiar de presunção de culpa.
Beneficiando dessa presunção, a Autora não precisava de alegar ou provar os factos demonstrativos da existência de culpa do Réu (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC), cabendo antes ao Réu, Estado português ilidir essa presunção.
Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.
Assim, beneficiando a Autora da presunção de culpa do Réu, Estado português, sobre quem recaía a obrigação de diligenciar pelo andamento do processo judicial e pela obtenção de uma decisão judicial em tempo oportuno e razoável, à Autora lesada apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos, para que, não ilidindo o Réu a presunção de culpa, por não provar que a delonga do processo se deveu a conduta dilatória ou entorpecedora do andamento do processo por parte da Autora, considera-se provada a culpa do Réu, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, n.ºs. 1 e 2, do Código Civil.
A jurisprudência e doutrina administrativas, no âmago dos atos de gestão pública, desenvolveram ainda o conceito de culpa do serviço, distinguindo-a em culpa anónima e culpa coletiva, sem imputação do comportamento censurável a um certo e determinado funcionário ou agente, pelo que apenas aplicável apenas às entidades públicas, aferindo-o tomando em consideração os standards de atuação e de rendimento, ou seja, aquilo que habitualmente se pode esperar dos serviços, na pressuposição de que funcionam normalmente e não desprezando as características próprias de cada serviço, designadamente a sua disponibilidade de meios pessoais, materiais e financeiros, sem, todavia, converter acriticamente esses fatores em argumentos de desresponsabilização.

Por outro lado, embora a culpa se traduza no nexo de imputação do facto ao agente, não é forçoso que se traduza numa culpa pessoal, a qual, no caso concreto, pode nem sequer existir, bastando que exista a culpa do serviço, globalmente considerado.
Por outras palavras, para a demonstração da culpa não é necessário comprovar a violação desses deveres por órgãos ou funcionários e agentes determinados, sendo bastante a falta do próprio serviço, globalmente considerado – a este respeito vide o Acórdão do STA de 26/11/2003, proc. nº 654/03.

Assim, sob a égide do D.L. n.º 48.051, a jurisprudência administrativa admitia a culpa do serviço globalmente considerado ou faut de service, imputável não ao agente individualmente considerado, mas ao serviço como um todo, decorrente do seu mau funcionamento generalizado, o que foi expressamente consagrado sob a vigência do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, prevendo-se a responsabilidade civil decorrente do funcionamento anormal do serviço nos termos do n.º 3 do artigo 7.º e do n.º 2 do artigo 9.º.

Tal permite configurar, no presente caso, além da ilicitude, o juízo de imputação subjetivo do facto ao agente, ou seja, a culpa.
No caso dos autos, nenhuns factos são demonstrados a respeito da culpa da Autora, nem logrou o Réu demonstrar que procedeu com a diligência devida, respeitando os prazos aplicáveis à tramitação do processo ou que o processo revestisse uma dificuldade ou complexidade que justifiquem o tempo decorrido, mesmo perante a existência de testemunhas com residência no estrangeiro.
Pelo que, é inequívoco a culpa inerente à omissão da decisão judicial em prazo razoável, no sentido de não ter conseguido o Réu ilidir a presunção de culpa que sobre ele incidia, reconhecendo-se ter existido da sua parte uma omissão culposa, quer em função da presunção legal de culpa, quer em função de se encontrar provada a sua culpa, nos termos gerais, pois deveria ter existido determinada atuação quanto à prolação de decisão, sendo por isso ilícita a omissão do dever funcional que lhe era exigível.
Assim, o comportamento omissivo, que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pelo Autor, é também ele culposo.

A tramitação do processo e a emissão de decisão judicial em violação do prazo razoável, traduz um defeituoso funcionamento do serviço de justiça, o que permite configurar o juízo de imputação subjetivo do facto omissivo ao agente, ou seja, a culpa, enquanto padrão aferidor de conduta em termos inferiores ao mínimo exigido.

Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, “a culpa resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e que constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos.” – cfr. Acórdão do STA, de 09/10/2008, Proc. 0319/08.

Por isso, se tende a considerar que o arrastamento de um processo “resulta tipicamente de uma massa de actos e omissões de funcionários e magistrados que se vão ocupando sucessivamente dos autos, bem como de deficiências organizatórias, escassez de meios e vicissitudes de toda a ordem, incluindo condutas das partes e dos restantes sujeitos com intervenção processual”, Luís Fábrica, “Notas sobre a Responsabilidade Civil por Violação do Direito a uma Decisão Judicial em Prazo Razoável”, AB INSTANTIA, Revista do Instituto do Conhecimento AB, Abril 2013, Ano I, n.º 1, pp. 52.

Assim, além da ilicitude, também se verifica, consequentemente, a culpa, a qual “resulta da ilicitude e do próprio facto de o serviço não funcionar de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são esperados e constituem uma obrigação do Estado de Direito perante os cidadãos”, tal como decidido pelo STA no Acórdão de 09/10/2008, Proc. n.º 0319/08 e resulta dos artigos 7.º, n.ºs 3 e 4 e 9.º n.º 2 do RRCEE, quanto à faute du service.

Em consequência, verifica-se o pressuposto da culpa, de que depende a condenação do Estado Português em responsabilidade civil extracontratual por dilações indevidas na administração da justiça, improcedendo as conclusões do recurso em causa.

Pelo que, nos termos da fundamentação de facto e de direito antecedente, não assiste razão ao Recorrente quanto ao fundamento do recurso, o qual é de julgar não provado.


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Em suma, com base nas razões antecedentes, será de julgar improcedente, por não provado, o recurso subordinado interposto pelo Estado português, não enfermando a sentença recorrida de erro de julgamento em relação aos requisitos da ilicitude e da culpa, sendo, por isso, de a manter na parte impugnada, acrescida da presente fundamentação de direito.

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Em consequência de todo o exposto, será de conceder provimento ao recurso interposto pela Autora e, em substituição, julgar a ação parcialmente procedente e condenar o Réu, Estado português ao pagamento à Autora da indemnização no valor de € 6.000.00, acrescido de juros de mora desde a citação, ocorrida em 07/03/2005, até integral pagamento e das custas de parte que venham a ser apresentadas pela Autora, absolvendo o Réu, Estado português de todo o demais peticionado, em consequência da violação do direito a uma decisão em prazo razoável em cerca de 6 anos, e negar provimento ao recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português, por não provado.
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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. No ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.

II. Importa distinguir o exercício da função jurisdicional pelo titular do processo judicial que é o juiz, da organização e funcionamento do sistema público da administração da justiça, que pertence ao Estado português.

III. Verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil do Estado, fundada em violação do direito a decisão em prazo razoável, comprovada a duração de ação administrativa e respetivo recurso jurisdicional durante cerca de 11 anos, num atraso na prolação da decisão judicial que se considera ser de cerca de 6 anos, por preenchimento dos requisitos da ilicitude e da culpa.

IV. Enquanto os danos não patrimoniais imediatamente decorrentes da delonga processual se presumem, não carecendo de demonstração, os danos patrimoniais dependem quer de alegação, quer de prova.

V. O quantum da indemnização, a fixar equitativamente pelo Tribunal, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a intensidade dos danos na esfera jurídica da Autora.

VI. Situando-se em média, em cerca de € 1.000, o valor de indemnização por ano de atraso no processo, este montante corresponde a uma média aritmética e não poderá, como tal, ser aplicado tout court, antes servindo de referencial a atender pelo julgador, que poderá aumentá-lo ou diminuí-lo, em função dos danos concretamente sofridos, segundo critérios de equidade.

VII. No que se refere às quantias peticionadas descritas como “Despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela Autora, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos;”, seria de as configurar como danos patrimoniais.

VIII. Tais despesas alegadas careciam de quantificação, por alegadamente já terem ocorrido e importarem um dano já produzido, cabendo à Autora alegar e provar cada uma dessas despesas, enquanto danos de natureza patrimonial, não havendo qualquer presunção de dano.

IX. No respeitante ao pagamento dos honorários com o advogado, há a distinguir se está em causa o ressarcimento de uma despesa imputável à delonga processual ou uma despesa com o processo de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso da justiça.

X. No primeiro caso, os honorários de advogado apenas são suscetíveis de consubstanciar um dano indemnizável quando o seu valor aumente devido à delonga do processo judicial e na medida desse prolongamento excessivo, que carece de ser alegado e provado.

XI. No segundo caso, os honorários não constituem um dano indemnizável, apenas podendo ser considerados no âmbito das custas de parte, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, al. d) e 26.º, n.º 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

XII. Não é devida à Autora o pagamento de qualquer indemnização pelo pagamento de qualquer quantia que a mesma tenha de pagar a título de imposto, não sendo esta uma quantia indemnizável no âmbito do processo por atraso da justiça, por não se verificar o necessário requisito do nexo de causalidade.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Conceder provimento ao recurso interposto pela Autora e, em substituição, julgar a ação parcialmente procedente, por violação do direito a decisão judicial em cerca de 6 anos, e condenar o Réu, Estado português ao pagamento à Autora da indemnização no valor de € 6.000.00, acrescido de juros de mora desde a citação, ocorrida em 07/03/2005, até integral pagamento, assim como das custas de parte que venham a ser apresentadas, absolvendo o Réu, Estado português de todo o demais peticionado;

2. Negar provimento ao recurso subordinado interposto pelo Réu, Estado português, por não provado.

Custas pelos Recorrentes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixam em 1/3 a cargo da Autora e 2/3 a cargo do Réu.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marchão Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)