Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07974/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/13/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DEFICIÊNCIAS OU IRREGULARIDADES PROCESSUAIS. DEVER DE SANAÇÃO OFICIOSO.
NULIDADE INSUPRÍVEL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
ARTºS.63, Nº.1, AL.D), E 79, Nº.1, AL.B), DO R.G.I.T.
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA “REFORMATIO IN PEJUS”.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS.
TIPO LEGAL CONTRA-ORDENACIONAL PREVISTO NO ARTº.114, NºS.1 E 3, DO R.G.I.T.
RETENÇÃO NA FONTE POR CONTA DO IMPOSTO DEVIDO A FINAL (CFR.ARTº.98, Nº.1, DO C.I.R.S.).
CONSEQUÊNCIAS DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA DE APLICAÇÃO DE COIMA.
Sumário:1. No procedimento e processo tributários, o Tribunal ou entidade para onde subir um processo administrativo tributário deverá tomar a iniciativa de sanar ou mandar suprir qualquer deficiência ou irregularidade que o mesmo contenha (cfr.artº.19, do C.P.P.T.).

2. Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
a-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
e-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f-A condenação em custas.

3. A exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada. Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T.

4. Deve constar da decisão de aplicação de coima a indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, requisito consagrado no artº.79, nº.1, al.d), do R.G.I.T., o qual se concretiza na não possibilidade de modificação da sanção aplicada em prejuízo de qualquer arguido, seja ou não o recorrente (cfr.artº.72-A, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).

5. Concretamente, quanto à “descrição sumária dos factos” referida supra, não exige o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.Tributárias, a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal. Trata-se, neste artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32, nº.10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.

6. A prestação tributária mencionada no artº.114, do R.G.I.T., refere-se a qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.). No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida ou retida na fonte é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.

7. Ocorre a substituição tributária quando a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (cfr.artº.20, da L.G.T.), sendo essa a situação em causa nos presentes autos. Nos termos do artº.34, da L.G.T., as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário constituem retenção na fonte. No caso do I.R.S., a natureza de pagamentos por conta da retenção na fonte está genericamente prevista no artº.98, nº.1, do C.I.R.S.

8. Os casos em que a retenção na fonte não é efectuada a título definitivo, mas antes por conta do imposto devido a final, como os previstos no artº.98, nº.1, do C.I.R.S., devem enquadrar-se na 1ª. parte do artº.114, nº.3, do R.G.I.T., tipo de ilícito contra-ordenacional que vem alargar a previsão constante do nº.1, do mesmo preceito, às ditas situações de dedução de imposto por conta do devido a final.

9. A infracção consagrada no artº.114, nº.3, do R.G.I.T., não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trata de uma “prestação tributária deduzida por conta daquela”, portanto, através do mecanismo de retenção na fonte por conta do imposto devido a final (cfr.artº.114, nº.3, do R.G.I.T.).

10. Se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“K………… - HOTELARIA …………., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.71 a 96 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através do qual julgou parcialmente procedente o salvatério intentado pelo recorrente, em virtude da verificação dos pressupostos de atenuação especial da coima, assim fixando a nova coima a aplicar ao arguido no montante mínimo legal de € 1.591,30, devido à prática de contra-ordenação p.p. nos artºs.98, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (C.I.R.S.), e 114, nºs.2 e 3, e 26, nº.4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.).
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.104 a 117 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A falta de especificação da natureza da contra-ordenação aplicada, acarreta a nulidade insanável de todo o processado, o que se requer;
2-Encontra-se assim violado «in casu», o princípio da tipicidade das contra-ordenações;
3-A decisão não se encontra fundamentada de facto e de direito, pelo que viola o disposto no art.77 da L.G.T., conduzindo à anulação da mesma, enquanto acto tributário, por vício de forma insanável;
4-A prática da infracção não ocasionou prejuízo efectivo à receita fiscal, uma vez que foi posteriormente liquidada a integralidade da dívida exequenda, acrescida dos respectivos juros moratórias, cfr. art.116 da L.G.T.;
5-Assim, mostra-se há muito integralmente regularizada a falta cometida, cfr. cit. artº116 da L.G.T.;
6-A falta revela um diminuto grau de culpa, aliás, quem expressamente o reconhece é a própria administração fiscal ao reconhecer - a ausência de outros elementos considerados relevantes para a graduação da coima;
7-Pelo que se verifica estarmos perante uma verdadeira causa de exclusão da ilicitude - artº116 da L.G.T. - e sendo o contencioso contra-ordenacional, um contencioso de plena jurisdição, pode o tribunal usar "in casu" o poder de isenção aqui previsto, o que concluindo, se requer;
8-Nunca foi aplicada sanção acessória ao recorrente, pese embora, a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima referente à moldura penal de contra ordenação grave sem que tenha sido efectuada qualquer justificação de facto que sustentasse tal opção;
9-E face ao exposto, bem como, ao teor da sentença não alcançamos como pode o Tribunal "a quo" ter considerado não se encontrar violado o princípio da tipicidade, quando, na verdade, o próprio Tribunal "a quo" verificou não ter sido indicado o tipo de contra-ordenação em apreço, bem como, que a AF aplicou à recorrente uma coima de montante enquadrável na moldura penal de sanções graves, sem fundamentar tal opção;
10-O que aconteceu de modo claro e inequívoco tanto mais que a coima aplicada foi reduzida em montante bastante considerável, encontrando-se o valor da coima aplicada pelo Tribunal "a quo" em valor bastante inferior ao limite da moldura sancionatório referente às contra ordenações simples;
11-Pelo que, pese embora a escassez de fundamentação da sentença recorrida relativamente a este ponto, o certo é que, foi efectivamente violado o princípio da tipicidade, o que se suscita junto de Vossas Excelências;
12-Ademais, releve-se que a sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada conforme supra explanámos, sendo que, a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação;
13-O direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP (art. 268);
14-Sendo que na ausência de concretização da factualidade que lhe serviu de base, são insuficientes, para a fundamentação factual do acto, releve-se na esteira desta argumentação que, foram elencados e suscitados vícios que inquinam o acto;
15-Ora, emergindo e constatando o Tribunal "a quo" tais vícios impõe-se a prolação de decisão que absolva o arguido dos autos de contra-ordenação;
16-Pois vejamos, tendo a decisão administrativa aplicado uma sanção em termos questionáveis, os quais vieram, de resto, a ser constados pelo Tribunal "a quo" que reduziu a sanção em quantia substancial, sem prejuízo do princípio da reformatio in pejus, sempre se dirá que inexistindo, de facto, fundamento para a aplicação da sanção e, por outro lado, existindo fundamento para a redução da coima de montante que, per se, faz com que a situação em apreciação transite da moldura penal aplicável para sanção grave para sanção simples, impõe-se o reconhecimento da violação do princípio da tipicidade;
17-Ademais, pela aplicação da coima em montante 1.622,63 € encontra-se também violado o Princípio da Proporcionalidade, porquanto, a sanção aplicada excede consideravelmente os Princípios de necessidade da pena, bem como, de prevenção geral e especial reclamados para situação sub júdice;
18-Na verdade, o retardamento no pagamento de uma quantia pecuniária é compensado pela liquidação de juros de mora e não pela aplicação de sanção contra-ordenacional;
19-E releve-se que vem vertido na sentença que o termo do prazo para pagamento da quantia em apreço ocorreu em 20/03/2009, i. é, um mês antes da regularização do pagamento;
20-Assim sendo, reiteramos a decisão da AF estava insuficientemente fundamentado, o que equivale a falta de fundamentação, não sendo possível à arguida conhecer do conteúdo da mesma, outra não pode ser a cominação jurídica que não, a nulidade do presente acto - o que se requer - e nesta senda deveria o Tribunal "a quo" ter absolvido a arguida dos autos, sem aplicação de qualquer coima;
21-Pois que, releve-se que os vícios detectados foram reconhecidos pelo próprio Tribunal "a quo" que reduziu substancialmente a coima aplicada;
22-A ofensa dos princípios que regem a necessidade de fundamentação bem como, o princípio da tipicidade das contra ordenações determina o reconhecimento da omissão (in casu) de um acto que implica a ofensa daqueles princípios traduz-se numa nulidade processual, pois que são directamente violados os preceitos que os consagram;
23-Pelo que, a aplicação de sanção ao arguido deve ser considerado nulo ao abrigo dos dispositivos legais supra mencionados, cominando-se com o mesmo efeito toda a tramitação processual subsequente ao acto que ora se impugna, pois padecendo do mesmo vício, deve a mesma ser considerada nula;
24-Assim se conferirá melhor expressão e concretização prática aos princípios constitucionais do acesso ao direito, do contraditório e da igualdade substancial das partes, nomeadamente no que concerne aos seus efectivos meios de defesa, edificados no art.º20 da Constituição da República Portuguesa e no art.º10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
25-A dívida tributária foi regularizada em 26/05/2009, pelo que, pugnamos que não ocorreu prejuízo efectivo para a receita tributária devido ao retardamento do cumprimento;
26-Saliente-se ainda que, como se referiu considerando a complicada conjuntura económica é por demais compreensível que um contribuinte não consiga cumprir os elevados encargos fiscais no prazo, sendo certo que, no caso concreto a demora na regularização do cumprimento tardou apenas em alguns dias;
27-E releve-se que, a AT deu início ao processo que deu causa a estes autos devido a um atraso na regularização de apenas alguns dias, conforme resulta dos autos, designadamente, da própria sentença, ou seja, a quando da decisão recorrida a situação que deu causa aos autos de contra ordenação encontrava-se há muito regularizada;
28-Sendo certo que, o próprio Tribunal "a quo" aquando da sua decisão tomou em consideração tal facto, contudo não podemos deixar de reiterar que, atendendo aos factos emergentes destes autos, a pena de 1.591,30 € afigura-se excessiva considerando o cumprimento verificado mesmo antes da decisão final nos autos;
29-Ou seja, em suma, reconhecida a desnecessidade de aplicação in casu, de sanção de coima, deverá ser revogada a pena aplicada e não apenas reduzida, pois que, reconhecida que a AF aplicou coima grave quando não estava em causa uma coima deste tipo, tendo esta sido revogada pelo Tribunal "a quo" que constatou que a situação que deu lugar aos autos se encontrava já regularizada, deve ser revogada a pena e não apenas reduzida a mesma;
30-Em suma, tendo sido, como foi, percebido pelo Tribunal "a quo" a prolação de vícios e erros na decisão de aplicação e coima da AT, importa revogar a coima aplicada e não apenas reduzi-la, pois que a existência do vício contende com a legalidade do acto;
31-Ademais, em cumprimento da defesa da legalidade que incumbe ao Tribunal, este verificou que o tributo se encontra desde 2009, efectivamente pago, tendo a respectiva verba entrado nos cofres da Fazenda Publica;
32-Pelo que, não houve qualquer ofensa das obrigações tributárias do Estado, pela recorrente, facto que deverá este Tribunal "ad quem" relevar;
33-Nestes termos e no mais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deverá ser revogada a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que absolva o arguido dos autos de contra ordenação e da coima aplicada, assim e fazendo tão costumada justiça.
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O Ministério Público apresentou contra-alegações (cfr.fls.138 a 140 dos autos), nas quais pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões:
1-A decisão que aplicou a coima encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito;
2-Tal decisão, por conter todos os elementos legalmente exigidos, não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente aquela a que se refere a al.d), do n°1, do art.63, do RGIT;
3-Não se mostrando preenchido o requisito, de verificação cumulativa, a que se refere a al.a), do n°1, do art.32, do RGIT, não é legalmente admissível a dispensa de coima;
4-Mostrando-se reunidos os pressupostos de que depende a atenuação especial da coima (n°2, do artº.32, do RGIT) e tendo, em sede de sentença, a coima aplicada sido especialmente atenuada, com condenação pelo limite mínimo legal, da coima aplicável, não ocorre a violação de qualquer preceito legal;
5-A douta sentença recorrida fez uma criteriosa apreciação da prova produzida, não tendo violado qualquer disposição legal, motivo pelo qual a mesma deverá ser mantida na ordem jurídica.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.153 a 155 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.73 a 78 dos autos - numeração nossa):
1-Em 24/05/2009, foi instaurado no 8º. Serviço de Finanças de Lisboa, contra à ora arguida o processo de contra-ordenação nº………….., conforme Auto de Notícia nº……………com o seguinte teor:

"MINISTÉRIO DAS FINANÇAS AUTO DE NOTÍCIA
DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS – DGCI (N°1 do Art° 57° do RGIT)
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA nº: ………3/2009
PROCESSO: ……….………………
Data: 2009-05-24

Serviço de Finanças: LISBOA-8 - [3107]
01 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO INFRACTOR

Designação: K………….. HOTELARIA ………….. S A
Sede: AV 5 ……………. N 56
1050-058 LISBOA
NIPC: ………………
Enquadramento: Regime Geral
CAE/CIRS: 056105

02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO CIRS

1. Montante de imposto exigível: 15.913,00
2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00
3. Valor da prestação tributária em falta: 15.913,00
4. Período a que respeita a infracção: 2009/02
5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-03-20
6. Normas infringidas Art° 98 CIRS - Falta de entrega do imposto retido na fonte
7. Normas punitivas Art° 114 n°2 e 26 n°4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo

03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO

Nome do Autuante: Francisco ……………………….
Categoria / Funções do Autuante: Director de Serviços
Data e Local: Em 24 de Maio de 2009, na Direcção de Serviços de Cobrança

Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito identificado no quadro 01, não entregou nos cofres do Estado, para os períodos e até ao termo dos prazos referidos, respectivamente em 4 e 5 do quadro 02, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto deduzido, fazendo-o somente pelos valores referidos em 2 do quadro 02, o que constitui infracção às normas previstas em 6, punível pelas disposições referidas em 7 do mesmo quadro.
Nos termos do Art° 8° do RGIT é responsável pelo pagamento da(s) coima(s) aplicada(s) o sujeito passivo infractor. Tratando-se de pessoas colectivas ou outras entidades fiscalmente equiparadas, o(s) administrador(es), gerente(s) ou outra(s) pessoa(s) que exerça(m) função(ões) de administração nas datas e nos termos definidos nas alíneas a) e b) do n°1 do art. 8° do RGIT, é(são) subsidiariamente responsável(eis), pela(s) coima(s) aplicada(s), resultante(s) da prática da infracção.
Para os devidos e legais efeitos, levantei o presente auto de notícia que vai por mim assinado, não o fazendo, o infractor por não se encontrar presente no momento do seu levantamento.
Direcção de Serviços de Cobrança, aos 2009-05-24.
(...)"
(cfr.auto de notícia junto a fIs.4 dos presentes autos);
2-Na mesma data foi a arguida foi notificada para defesa, por carta registada, tendo sido fixado o mínimo da coima aplicar em € 3.182,60 e o máximo € 15.913,00 (cfr. documento junto a fls.6 dos presentes autos);
3-Em 17/07/2009, através de carta registada, a arguida foi notificada da Decisão de Fixação da Coima com o seguinte teor:

"MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS - DGCI
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA Serviço de Finanças: LISBOA-8
DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA
PROCESSO: ……………..
Identificação do(a) Arguido(a):
Designação K…………….HOTELARIA …………… S A
Sede AV 5 ………………. N 56 1
NIPC …………………

Descrição Sumária dos factos

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 15.913,00; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 15.913,00; 4. Período a que respeita a infracção 2009/02; 5. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-03-20, os quais se dão como provados.

Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº. 15/2001 , de 05/07, constituindo contra-ordenacão(ões).

Normas Infringidas Normas Período Data da infração
Punitivas Tributação


CIRS Art° 98 CIRS – Artº114, nº2 200902 2009-03-20
Falta de entrega do imposto e 26º, nº4 do RGIT
retido na fonte Falta de entrega da prest.
tributária dentro prazo

Responsabilidade contra-ordenacional

A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art° 7° do Dec-Lei N° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art° 3°do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.

Medida da Coima

Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 3.182,60 e limite máximo o montante de Eur. 15.913,00, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s).

Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº27 do RGIT):

Requisitos / Contribuintes


KAPAINVEST HOTELARIA E SIMILARES S A

Não
0,00
Frequente
Simples
Não
Baixa
< 3 meses
Actos de Ocultação
Benefício Económico
Frequência da prática
Negligência
Obrigação de não cometer infracção
Situação Económica e Financeira
Tempo decorrido desde a prática da infracção

DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA
PROCESSO: ………………
Identificação do(a) Arguido(a):
Designação K…………….. HOTELARIA …………. S A
Sede AV ………………. N 56 1º
NIPC ………………………

DESPACHO

Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 3.246,25 cominada no(s) Art(s)° 114 n°2 e 26 n°4°, do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 51,00) nos termos do nº2 do Dec-Lei nº29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima aplicável, prestação tributária em falta e respectivos juros no prazo de 30 dias, sob pena de eventual instauração do processo de inquérito criminal fiscal (105°/4b RGIT) por indícios de crime de abuso de confiança fiscal.
LISBOA, em 2009-07-01
Chefe do Serviço de Finanças
(...)"
(cfr.documento junto a fls.8 e 9 dos presentes autos);
4-Em 30/07/2009 a recorrente deu entrada no 8º. Serviço de Finanças de Lisboa do presente recurso de contra-ordenação (cfr.data de entrada aposta a fls.11 dos presentes autos);
5-Em 3/08/2009 o Sr. Chefe do 8º. Serviço de Finanças de Lisboa proferiu o seguinte despacho:
"(...)
Analisados os motivos e a respectiva fundamentação de facto e de direito aduzida no recurso interposto pela arguida, decido manter a decisão constante do meu despacho proferido a folhas 6/7 dos autos.
(...)".
(cfr.documento junto a fls.18 dos presentes autos);
6-O imposto em falta foi pago nos CTT em 29/05/2009, no montante de € 16.483,47, referente a IRS - Trabalho Dependente/Retenções na fonte - período 2009/Fevereiro (cfr.documentos juntos a fls.66 a 69 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou que o imposto já tivesse sido pago…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base na prova documental que se encontra juntos aos autos, referida no probatório, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como no depoimento da testemunha arrolada pela arguida, Elsa ……………………….
«Afirmou ao tribunal ser funcionária da arguida exercendo funções de escriturária desde 2005.
Do que tem conhecimento, informou que a arguida apenas foi notificada a da decisão de aplicação da coima e do montante a pagar.
Que o imposto não foi pago logo na altura porque não havia possibilidade de pagar. A empresa estava a passar por muitas dificuldades económicas.
Afirmou ao tribunal que chegou a receber o ordenado a dia 23, mas agora a empresa está a regularizar tudo e que o imposto em causa já tinha sido pago…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou o recurso deduzido parcialmente procedente, em virtude da verificação dos pressupostos de atenuação especial da coima, assim fixando a nova coima a aplicar ao arguido no montante mínimo legal de € 1.591,30, devido à prática de contra-ordenação p.p. nos artºs.98, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (C.I.R.S.), e 114, nºs.2, e 5, al.a), e 26, nº.4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que a decisão não se encontra fundamentada de facto e de direito, pelo que viola o disposto no art.77, da L.G.T., conduzindo à anulação da mesma, enquanto acto tributário, por vício de forma insanável. Que a sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada, sendo que, a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação. Que o direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados na C.R.P., no artº.268 (cfr.conclusões 3, 12, 13 e 20 do recurso), com base em tal argumentação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Antes de mais, será de realçar que o apelante é um pouco confuso nas conclusões do recurso, visto que, primeiro parece fazer referência à alegada falta de fundamentação da decisão de aplicação da coima (cfr.conclusões 3 e 20), sendo que, depois já imputa o vício de falta de fundamentação à sentença do Tribunal "a quo" (cfr.conclusões 12 e 13).
Por outro lado, faz referência a falta de fundamentação do acto tributário (cfr.conclusão 3), quando a decisão de aplicação de coima não consubstancia qualquer acto tributário, e, muito menos, a sentença do Tribunal "a quo" concretizará tal.
Avancemos.
Em regra, no procedimento e processo tributários, o Tribunal ou entidade para onde subir um processo administrativo tributário deverá tomar a iniciativa de sanar ou mandar suprir qualquer deficiência ou irregularidade que o mesmo contenha (cfr.artº.19, do C.P.P.T.).
Nos termos do artº.118, do C.P.Penal (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.41, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e, nos casos em que ela não o esteja, o acto ilegal é meramente irregular (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13).
Diz-nos o artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.Tributárias, que constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação fiscal, além do mais, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima. Por sua vez, o artº.79, nº.1, do mencionado diploma (na esteira do artº.58, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10), consagra os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coimas deve conter e que são:
1-A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
2-A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
3-A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
4-A indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”;
5-A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
6-A condenação em custas.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr.artº.32, nº.10, da C.R.Portuguesa) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artº.63, nº.1, al.d), do R.G.I.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7056/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.517; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.143 e 144).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nº.3 do probatório), o despacho administrativo de aplicação de coima exarado no presente processo não satisfaz os requisitos previstos na lei e enumerados supra.
Concretizando, desde logo, não consta do mesmo a indicação de que vigora o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, requisito consagrado no artº.79, nº.1, al.d), do R.G.I.T., a que já supra se aludiu, o qual se concretiza na não possibilidade de modificação da sanção aplicada em prejuízo de qualquer arguido, seja ou não o recorrente (cfr.artº.72-A, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10).
Por outro lado, concretamente, quanto à “descrição sumária dos factos” referida acima, não impõe o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.Tributárias, a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, conteúdo que é exigido pelo artº.374, nº.2, do C.P.P., para as sentenças proferidas em processo criminal.
Trata-se, neste artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. O que exige esta norma, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (artº.32, nº.10, da C.R.P.) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/6/2007, rec.353/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7056/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.518).
No caso “sub judice”, conforme se retira do probatório (cfr.nº.3 da factualidade provada), é imputado ao arguido e ora recorrente a prática de uma infracção prevista e punida nos artºs.98, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (C.I.R.S.), e 114, nº.2, e 26, nº.4, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), a título de negligência, sendo que o dito artº.26, nº.4, do R.G.I.T., se refere ao facto de estarmos perante conduta imputável a pessoa colectiva.
O Tribunal "a quo", na decisão recorrida igualmente enquadra a conduta contra-ordenacional objecto do processo no nº.5, al.a), do artº.114, do R.G.I.T.
Entendemos que não.
Vejamos porquê.
A norma punitiva da conduta em causa nos presentes autos é, antes, a constante do artº.114, nºs.1 a 3, do R.G.I.T., na versão em vigor no ano de 2009, a qual tinha o seguinte conteúdo:
Artigo 114.º
(Falta de entrega da prestação tributária)

1-A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2-Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3-Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
(…).
Por prestação tributária entende-se qualquer tributo que caiba cobrar à Administração Fiscal ou à Administração da S. Social (cfr.artº.11, al.a), do R.G.I.T.).
No caso de não existir dolo, a falta de entrega da prestação deduzida ou retida na fonte é susceptível de constituir a infracção por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contra-ordenação imputada ao arguido neste processo.
Ocorre a substituição tributária quando a prestação tributária, por imposição legal, é exigida a pessoa diferente do contribuinte, através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido (cfr.artº.20, da L.G.T.), sendo essa a situação em causa nos presentes autos. Nos termos do artº.34, da L.G.T., as entregas pecuniárias efectuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário constituem retenção na fonte, que não a título definitivo. No caso do I.R.S., a natureza de pagamentos por conta da retenção na fonte está genericamente prevista no artº.98, nº.1, do C.I.R.S., norma mencionada no despacho de aplicação de coima.
Ora, os casos em que a retenção na fonte não é efectuada a título definitivo, mas antes por conta do imposto devido a final, como os previstos no artº.98, nº.1, do C.I.R.S., devem enquadrar-se na 1ª. parte do artº.114, nº.3, do R.G.I.T., tipo de ilícito contra-ordenacional que vem alargar a previsão constante do nº.1, do mesmo preceito, às ditas situações de dedução de imposto por conta do devido a final (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7056/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.813).
A infracção imputada ao arguido não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida por conta daquela”, portanto, através do mecanismo de retenção na fonte por conta do imposto devido a final (cfr.artº.114, nº.3, do R.G.I.T.).
Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (cfr.nº.3 do probatório), nenhuma referência se faz a tal situação de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, sendo que o nº.3, do artº.114, do R.G.I.T., não foi tido nem achado na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos.
Importa, pois, concluir que o despacho de aplicação da coima não satisfaz o requisito da descrição sumária dos factos a que se alude o artº.79, nº.1, al.b), do R.G.I.T., assim enfermando da nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), do mesmo diploma legal.
Haverá, agora, que examinar qual o efeito da decretada nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima exarada nos presentes autos.
A tal questão nos responde, em primeira linha, o artº.63, nº.3, do R.G.I.T.
Na sequência da declaração de uma nulidade insuprível, o processo não é necessariamente extinto, devendo ser praticados os actos necessários para que a mesma seja sanada. É isso que se infere do preceituado no artº.63, nº.3, do R.G.I.T., ao impor o aproveitamento das peças úteis ao apuramento dos factos, sendo este regime aplicável à generalidade das nulidades previstas no nº.1, do preceito, entre os quais se inclui a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas. Assim, o efeito da declaração destas nulidades consiste na anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos, e não a absolvição da instância ou o arquivamento do processo contra-ordenacional. Os efeitos são estes mesmo que a declaração de nulidade ocorra na fase judicial do processo, após a apresentação do processo ao juiz, como evidencia a sistematização do R.G.I.T., dado que, da colocação sistemática do artº.63, deste diploma, se deve concluir que a mesma norma se aplica, tanto à fase administrativa, como à fase judicial do processo. Assim, se a nulidade, referente à parte administrativa do processo contraordenacional, é constatada em recurso judicial da decisão de aplicação de coima, não deve ser decidida a absolvição da instância, mas sim a remessa do processo à autoridade administrativa para eventual sanação da mesma e renovação do acto sancionatório. Por outras palavras, tais nulidades, na medida em que inquinam a acusação, ou seja, a decisão que aplica a coima, devem visualizar-se como excepções dilatórias que geram a anulação dos termos subsequentes do processo que do acto inquinado dependam absolutamente e consequente devolução dos autos à autoridade administrativa que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório (cfr.artº.52, do R.G.I.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2009, rec.938/09; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/4/2010, rec.270/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/10/2011, proc.4883/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/10/2013, proc.6925/13; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.447).
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente este esteio do recurso, prejudicado ficando o exame dos restantes.
Rematando, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, mais se anulando todo o processado subsequente ao despacho de aplicação de coima exarado a fls.8 e 9 dos presentes autos e devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para que este o remeta à autoridade tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do acto sancionatório.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 13 de Novembro de 2014

(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)