Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1945/11.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REVERSÃO
PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I- Efetivando-se a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, conforme, expressamente, consigna o artigo 23.º, nº 1 da LGT, e sendo o despacho de reversão um ato administrativo tributário, encontra-se o mesmo sujeito ao dever fundamentação.
II-Sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, bem como o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respetiva entrega, o despacho de reversão tem de contemplar, em termos de fundamentação formal, a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa e bem, assim, a declaração daqueles pressupostos com a concreta extensão temporal da responsabilidade subsidiária.
III-Se o despacho de reversão se limita a reproduzir o teor do artigo 24.º da LGT sem subsumir a situação do revertido numa das suas alíneas, fundamentando, indistinta e simultaneamente a reversão nas alíneas a) e b) do seu nº 1, cujo âmbito de aplicação é distinto, e não constando desse despacho a indicação do período de exercício do cargo pelo revertido, padece o mesmo de vício de forma por falta de fundamentação com a consequente absolvição do Oponente, ora Recorrido, da instância executiva.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

PROCESSO Nº 1945/11.8 BELRS

Descritores
Reversão
Pressupostos
Fundamentação

Sumário (663.º, nº7 do CPC)
I- Efetivando-se a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, conforme, expressamente, consigna o artigo 23.º, nº 1 da LGT, e sendo o despacho de reversão um ato administrativo tributário, encontra-se o mesmo sujeito ao dever fundamentação.
II-Sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, bem como o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respetiva entrega, o despacho de reversão tem de contemplar, em termos de fundamentação formal, a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa e bem, assim, a declaração daqueles pressupostos com a concreta extensão temporal da responsabilidade subsidiária.
III-Se o despacho de reversão se limita a reproduzir o teor do artigo 24.º da LGT sem subsumir a situação do revertido numa das suas alíneas, fundamentando, indistinta e simultaneamente a reversão nas alíneas a) e b) do seu nº 1, cujo âmbito de aplicação é distinto, e não constando desse despacho a indicação do período de exercício do cargo pelo revertido, padece o mesmo de vício de forma por falta de fundamentação com a consequente absolvição do Oponente, ora Recorrido, da instância executiva.


ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou extinta a instância executiva relativamente aos processos de execução fiscal n.ºs ….., …..e …..por prescrição das coimas exequendas, e procedente no demais, atenta a falta de fundamentação do despacho de reversão, com a consequente anulação do mesmo, no âmbito da oposição intentada por D….., ora representado por J….., na qualidade de herdeiro e cabeça de casal da herança, relativamente ao processo de execução fiscal nº …..e apensos, inicialmente instaurada pelo Serviço de Finanças de Loures 3 contra a sociedade “B….., LDA”, e contra si revertido, para a cobrança de dívidas de Imposto Municipal de Imóveis (IMI), Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e coimas.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“In casu, com elevado respeito pelo digno Aerópago a quo, na humilde perspectiva jurídico-factual da aqui Recorrente, considera-se que por aquele, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 268.º da CRP; art. 124º do CPA; arts. 24.º n.º 1, al. a) e b); art. 23.º, n.º 5 da LGT; art. 74.º, n.º 1, art. 77.º, n.º 1 ambos da LGT e art. 153.º do CPPT.

II) Há essência do Principio da Legalidade e do Principio da Justiça, que a todos os demais princípios abarca.

III) Assim como, deveria ter sido melhor valorado e considerado pelo respeitoso Aerópago a quo, o acervo documental constante dos autos, maxime, fls. 37 do PEF, fls. 103 a 107 do PEF e fls. 147 do PEF em apenso aos autos.

IV) E, deveria o respeitoso Tribunal a quo, ter retirado os devidas ilações jurídico-factuais, dos factos dados como assentes nos itens N), O) e Q) do Probatório.

V) Tudo, devidamente condimentado com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que,

VI) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela inexistência de uma qualquer ilegitimidade processual do Oponente, mantendo-se na ordem jurídica o acto de reversão sub judice.

VII) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 17º ao 54.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais, as presentes Conclusões são parte integrante.

VIII) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o respeitoso Areópago a quo, preconizou erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.”


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos e no processo de execução, consideramos assente a seguinte factualidade:

A) Em 1998 foi constituída a sociedade «B….., Lda.» sendo o capital composto por uma quota de 22.2000.000$00 pertencente ao Oponente, duas quotas de 1.500.00$00 pertencentes a C….. e a J….. respectivamente e outra quota de 4.800.888$00 pertencente a A….., incumbindo a gerência a todos os sócios – cf. fls. 12 do processo de execução fiscal em apenso aos autos (PEF) que se dá por integralmente reproduzido;

B) A constituição da referida sociedade foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Loures em 11/5/1998 – cf. fls. 12 do PEF;

C) Em 1996, além dos referidos sócios gerentes foram nomeados também gerentes J….., J….. e A….. – cfr. fls. 13 do PEF;

D) Em Janeiro de 2009 os gerentes identificados na alínea anterior renunciaram ao cargo, facto registado na Conservatória do Registo Comercial em 06/02/2009 – cf. fls. 13 do PEF;

E) Em 20/06/2009 renunciaram ao cargo os gerentes C….. e J….., facto registado na Conservatória do Registo Comercial em 14/06/2010 – cf. fls. 13 do PEF;

F) Em 14/06/2010 foi registada a estrutura da gerência exercida pelo Oponente e A….. obrigando-se a sociedade com a assinatura conjunta dos dois gerentes – cf. fls. 15 do PEF;

G) Em 21/05/2006 foi autuado no Serviço de Finanças de Loures – 1, o processo de execução fiscal número …..e apensos instaurado contra a sociedade comercial «B….., Ldª», para cobrança coerciva de dívidas de IMI dos anos de 2005, e 2006, IRC referente a 2003, 2006 e 2009 e coimas, referente aos anos de 2006, 2007 e 2009 – cf. fls. 1 a 8 do PEF;

H) O processo de execução fiscal apenso n.º …..foi instaurado a 15 de Setembro de 2006, visando a cobrança coerciva de € 223,65 respeitante a coima aplicada no valor de € 201,40 e € 22,25 respeitante a custas do processo cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 15 de Agosto de 2006 – cf. fls. 104 e 2 do PEF;

I) O processo de execução fiscal apenso n.º …..foi instaurado a 11 de Agosto de 2009, visando a cobrança coerciva de € 472,50 respeitante a três coimas aplicadas no valor de € 106,50 cada e € 51 respeitante a custas dos processos cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 8 de Julho de 2009 – cf. fls. 104 e 2 do PEF;

 J) O processo de execução fiscal apenso n.º …..foi instaurado a 22 de Agosto de 2009, visando a cobrança coerciva de € 253,30 respeitante a coima aplicada no valor de € 205,30 e € 48 respeitante a custas do processo cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 21 de Julho de 2009 – cf. fls. 104 e 2 do PEF;

K) O processo de execução fiscal apenso n.º …..foi instaurado a 5 de Setembro de 2009, visando a cobrança coerciva de € 255, respeitante a coima aplicada no valor de € 204 e € 51 respeitante a custas do processo cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 3 de Agosto de 2009 – cf. fls. 104 e 2 do PEF;

L) Na sequência da emissão de mandado de penhora o oficial de diligências declarou, em auto lavrado em 12/07/2010, que os elementos da contabilidade da executada originária estão desactualizados, referindo-se a Junho de 2009, que os valores em dívida na conta ”21 – Clientes” referem-se a clientes que já não têm qualquer relação com a executada há vários anos e os valores apresentados encontram-se saldados – cf. fls. 9;

M) Em 01/10/2010 foi proferido despacho determinando a preparação do processo para efeitos de reversão – cf. fls. 103 do PEF;

N) O Oponente subscreveu com data de 22/10/2010 uma declaração referindo que «no momento da escritura pública de “Divisão de Quotas e Alteração do Contrato”, em 24 de Novembro de 2000”, os sócios cedentes gerentes J….., A….. e o gerente de direito J….., apresentaram aos novos sócios gerentes D….., A….., C….. e J….., as respectivas cartas de renúncia, que os mesmos assumiram registar. Por lapso as supra referidas três renuncias não foram registadas, assumindo os actuais sócios toda e qualquer responsabilidade. (…) Todos os actos de gerência, após a escritura supra referida (…) foram realizados única e exclusivamente por D….., A….., C….. e J….., pelo que estes assumem toda e qualquer responsabilidade, nomeadamente para com a Administração Fiscal.» - cf. fls. 37 do PEF;

O) O Oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia à reversão constando em anexo a lista de processos apensados, a proveniência (no caso do IMI o artigo matricial a que se reporta), o período a que se referem, o documento de origem, a certidão e o respectivo valor – cf. fls. 103 a 107 do PEF;

P) Em 27/10/2010 o Oponente pronunciou-se invocando que, para além da relação de processos executivos em anexo, não lhe foram remetidas, com a notificação, as certidões de dívida prejudicando a sua defesa; que ocorre a falta de fundamentação da decisão quanto aos elementos constantes do auto de penhora e da insuficiência de bens no património do devedor para satisfação da dívida exequenda e quanto à culpa do revertido; a inexistência de gerência de facto e a impossibilidade de execução de coimas aos revertidos – cf. fls. 108 do PEF;

Q) O Órgão de Execução Fiscal, por despacho de 29 de Outubro de 2010, reverteu a execução contra o Opoente, invocando para tanto o disposto no artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 23.º n.º 5 da Lei Geral Tributária, referindo como fundamento da reversão que «Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período do seu cargo [art. 24º/nº 1/a) LGT]. Ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o prazo legal de pagamento/entrega terminou depois do exercício do cargo [art. 24º, nº 1, al. a) LGT], não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24, nº 1/b) LGT]. Declaração do próprio, inserida nos autos, a assumir toda e qualquer responsabilidade da firma executada, para com a Administração Fiscal.» – cfr. fls. 147 do processo de execução fiscal em apenso aos autos;

R) O Oponente foi citado mencionando-se no oficio de citação que a «inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (artigo 23.º n.º 2 da LGT)» reproduzindo-se como fundamentos os identificados na alínea anterior – cf. fls. 150 do PEF;

S) Em 15/12/2010 o Oponente apresentou no serviço de Finanças de Loures a petição de oposição a que se reportam os presentes autos – cf. fls. 5 dos autos;


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Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos alegados e não provados. “A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou extinta a instância executiva relativamente aos processos de execução fiscal n.ºs ….., …..e …..por prescrição das coimas exequendas, e procedente no demais, atenta a falta de fundamentação do despacho de reversão, com a consequente anulação do mesmo.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que o DRFP não recorre quanto ao segmento da prescrição das coimas e consequente extinção dos processos de execução fiscal, conformando-se com o seu teor, contestando apenas a procedência do vício formal e consequente anulação do despacho de reversão. Resulta, assim, que transitou em julgado a sentenciada extinção dos aludidos processos de execução fiscal atinentes às coimas.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença incorreu em erro de julgamento ao ajuizar que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação, com a sua consequente anulação.

Procedendo o aludido erro de julgamento, importa analisar se procedem as questões julgadas prejudicadas e concatenadas com os pressupostos materiais da reversão, mormente, a sua ilegitimidade substantiva.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao entender que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação, porquanto valorou incorretamente a factualidade constante nos autos, e nessa medida concluiu, erradamente, pela verificação do aludido vício formal.

Defende, nesse particular, que não obstante ser inquestionável que a Administração Tributária tem o dever de fundamentar os atos administrativos, donde, o despacho de reversão, a verdade é que, in casu, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, e face ao seu teor reproduzido na alínea Q), do probatório, o mesmo encontra-se devidamente fundamentado. Ademais, sublinha que no caso da alínea b), do nº1, do artigo 24.º da LGT existe uma presunção legal de culpa.

Apreciando.

O Tribunal a quo sustenta a existência da falta de fundamentação formal do despacho de reversão aludindo, desde logo, que do mesmo tem de constar a densificação e extensão da gerência “como forma de enquadramento do acto que vem a ser praticado em sua substituição, e que a menção às duas alíneas do n.º 1 do artigo 24.º da LGT na fundamentação do projecto de decisão bem como do próprio acto de reversão quando comprovadamente o Oponente foi nomeado gerente desde a constituição da sociedade executada originária, implica ónus de prova a cargo da Fazenda Pública ou do oponente conforme o caso impondo-se ao órgão de execução fiscal explicitar em qual das normas se subsume a situação do Oponente”, mais enfatizando que o Oponente exerceu o direito à audição prévia, “sem que tenha sido efectuada a apreciação das questões suscitadas, sendo certo que nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 7 da LGT, os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, o que não decorre da decisão de reversão, o que impõe, em consequência a anulação do despacho de reversão.”

Atenta a aludida fundamentação, ajuíza-se que a decisão recorrida não merece qualquer censura, visto que a mesma interpretou, corretamente, o quadro jurídico vigente com a devida transposição fática ao caso vertente.

Senão vejamos.

O despacho de reversão, embora proferido num processo judicial, tem a natureza de ato administrativo, porquanto terá de obedecer, por um lado, aos requisitos gerais dos atos administrativos, enunciados no, à data, artigo 123.º do CPA, e por outro lado, ao dever de fundamentação a eles intrínseco, consagrado no artigo 124.º do mesmo diploma.

O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual:

“os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”[1].

“[ a] fundamentação há de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respetivo ato (fundamentação por adesão ou remissão).

Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.

Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente, a motivação do ato.

A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação – artigo 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.

Pelo que um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível, no sentido de explícita”[2]

Traduz-se isto em dizer que o contribuinte, no caso o Revertido, ora Recorrido, deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram ao ato de reversão, ou seja, deve ser dado, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, pois só dessa forma pode analisar a decisão e ponderar se a pretende contestar.

Neste particular, importa ter presente a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material do ato, sendo que a validade formal do ato está concatenada com a questão de saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, sendo que a validade substancial do ato está relacionada com a questão de saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.

Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0784/10, de 03 de novembro de 2010: “O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02).”

In casu, o Tribunal a quo convocou, como visto, a falta de fundamentação formal do despacho de reversão, cuja validade do ato está, como visto, dependente do juízo final que se realize quanto a nele terem sido vertidos os pressupostos de que a lei faz depender a sua prática.

Com efeito, tendo presente que a responsabilidade subsidiária se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, conforme expressamente consigna o artigo 23.º, nº1 da LGT, e que, como visto, este despacho de reversão, sendo um ato administrativo tributário, se encontra sujeito ao dever fundamentação, tal implica que sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores, bem como o exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respetiva entrega que, o aludido despacho de reversão contemple, em termos de fundamentação formal, a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa e bem, assim, a declaração daqueles pressupostos com a concreta extensão temporal da responsabilidade subsidiária.

Neste particular, importa convocar a Jurisprudência do STA proferida em Plenário da Secção de Contencioso Tributário, proferido no processo nº 0458/13, de 16 de outubro de 2013, segundo o qual a fundamentação formal do despacho de reversão tem de contemplar a alegação dos pressupostos, com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, “não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.”

Ora, atentando no despacho de reversão, verificamos, desde logo, que o despacho de reversão não procede à alegação do exercício efetivo de funções de gestão com a sua inerente densificação temporal, nem tão-pouco, realiza qualquer remissão para uma informação oficial ou certidão do registo comercial que permita inferir e densificar o período de gerência de direito do Recorrido.

Com efeito, limita-se a transcrever o teor do artigo 24.º, nº1, da LGT, na sua globalidade e a fazer menção –de resto, de forma conclusiva, não devidamente circunstanciada e sem que se proceda à sua junção- a uma “Declaração do próprio, inserida nos autos, a assumir toda e qualquer responsabilidade da firma executada, para com a Administração Fiscal.”.

Neste particular, importa convocar o Aresto do STA, proferido no processo nº0954/13, de 09 de abril de 2014[3], cujo sumário se transcreve:

“I – Um dos requisitos constitutivos do direito à reversão da execução fiscal é o exercício efectivo da gerência, o qual, se estiverem em causa situações susceptíveis de enquadramento na previsão das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 24º da LGT, impõe a circunstanciada indicação do período do exercício do cargo: se na data da constituição das dívidas, se na data do pagamento ou entrega do respectivo tributo, se em ambos os períodos.

II – Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com ele não se conforme.

III – Limitando-se o despacho de reversão a reproduzir todo texto do art. 24º da LGT sem subsumir a situação do revertido numa das suas alíneas, assim fundamentando a reversão simultaneamente nas alíneas a) e b) do seu nº 1, pese embora elas tenham âmbitos de aplicação distintos, e não constando desse despacho a indicação do período de exercício do cargo pelo revertido, não merece censura a sentença recorrida quando decidiu pela falta de fundamentação do despacho de reversão por se desconhecer a que título é imputável a culpa ao revertido.”

Ademais, importa ter presente, assumindo, in casu, relevância a destacar que o aludido despacho foi proferido na sequência da prolação do projeto de reversão e competente exercício de audição prévia, no qual o Recorrido, arguiu, desde logo, a falta de fundamentação formal do despacho de reversão, porquanto “não apresenta qualquer fundamento para a reversão mas tão só uma reformulação do texto do artigo 24.º, nº1 sem qualquer referência ao presente caso o que necessariamente inquina o acto de vício, por ausência de fundamentação”.

E a verdade é que o aludido despacho de reversão nada refutou das razões aduzidas pelo Recorrido, conforme legalmente se impunha, e em claro desrespeito pelo exercício do direito de participação, e como bem evidencia a decisão recorrida.

Note-se que o direito de audição não pode servir como mero ritual procedimental, sem a devida análise e ponderação, sendo esta a fase e o momento próprio para suprir a preterição de quaisquer formalidades e a falta de fundamentação arguidas pelas partes.

Neste particular, vide o recente Aresto deste Tribunal proferido no processo nº 1971/11, datado de 19 de novembro de 2020, em situação similar à dos presentes autos, tendo por objeto despacho de reversão com o mesmo conteúdo e relativamente ao mesmo Recorrido, e a cuja fundamentação se adere:

“Portanto e desde logo se diga que se o procedimento continha elementos capazes de esclarecer a redundante fundamentação constante do projecto, a sede própria para o fazer era o despacho final de reversão, que perante o invocado pelo oponente, deveria remeter para os elementos concretos capazes de suprir de modo acessível ao homem médio, a redundante fundamentação vertida no projecto.

Não o tendo feito, temos de nos ater aos fundamentos expressados no despacho de reversão. E esses, de facto, não permitem apreender se a reversão se concretizou pela alínea a) ou pela alínea b) do n.º1, do art.º 24.º da Lei Geral Tributária.

E essa circunstância não é indiferente, antes compromete as garantias impugnatórias e a eficácia dos meios de defesa do oponente, porque o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade tributária, nomeadamente quanto à culpa na situação de insuficiência patrimonial para solver os créditos fiscais, enunciados naquele art.º 24.º da LGT, ora recai sobre a AT, ora recai sobre o revertido, consoante a reversão se funde na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do referido preceito.

Por outro lado, como a jurisprudência repetidamente o tem afirmado, a fundamentação tem de ser contextual e contemporânea do acto.

Como se deixou expressado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/12/2019, tirado no proc.º 0859/04.2BEPRT, «A fundamentação do acto tributário deve ser contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objectivamente existentes, não constam da motivação expressa do acto».

Como assim, não faz qualquer sentido invocar a preterição dos princípios do inquisitório e da verdade material, ou da aquisição processual, da justiça e da prevalência da substância sobre a forma, uma vez a sua aplicação esbarra com o afirmado princípio da fundamentação contextual e contemporânea do acto.”

É certo que a Recorrente aduz em abono da sua pretensão que o despacho de reversão faz alusão a uma declaração subscrita pelo Recorrido, a qual representa uma confissão expressa de responsabilidade relativa à firma “BGV Gestão Imobiliária, Lda”, mas a verdade é que tal argumentação não logra provimento, porquanto a aludida declaração não tem o alcance almejado pela Recorrente.

Com efeito, e como relevado no citado Aresto que vimos acompanhando:

“Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cf. art.º 352.º do C.Civil; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.534 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.311).

Ora, desde logo se diga que uma pretensa declaração do oponente de responsabilidade relativa à firma BGV Gestão Imobiliária, Lda., para com a AT, não recai sobre factos concretos que integram os pressupostos de gerência efectiva e da culpa e são esses factos concretos que devem ser aportados ao probatório e que permitem ao tribunal formular um juízo de legitimidade ou ilegitimidade do revertido para a execução.

Em conclusão, nenhum relevo se pode ou deve dar à pretensa declaração de responsabilidade do oponente, dado não conter qualquer confissão extrajudicial da realidade de um facto por parte do opoente.”

Ora, face a todo o exposto, dimana inequívoco que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação, vício que determina a sua invalidade por vício de forma com a consequente absolvição do Oponente, ora Recorrido, da instância executiva, pelo que a decisão recorrida que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, na ordem jurídica

Atento o supra aludido, fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso.


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Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns-encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 03 de dezembro de 2020

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

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[1] cfr. v.g. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 05431/12, de 5 de junho de 2010; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 00027/10.4, de 14 de março de 2012.
[2] In Acórdão do STA proferido no processo n.º 209/08, de 2 de abril de 2008.
[3] Neste sentido, vide, outrossim, os recentes Arestos deste Tribunal proferidos nos processos nºs 198/14 e 665/10, datados de 05.11.2020 e 30.09.2020, respetivamente.