Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05835/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/11/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. CADUCIDADE. NOTIFICAÇÃO. AUDIÇÃO PRÉVIA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Em 2005, as notificações das liquidações de IRC efectuadas pela AT, eram efectuadas de acordo com as regras do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
2. Mesmo em caso de alteração da situação tributária dos contribuintes, tais notificações não careciam de ser efectuadas por carta registada com A/R, mas só por carta registada, desde que a matéria tributável tivesse sido apurada em acção de inspecção em que a contribuinte dela tivesse sido notificada para exercer o direito de audição prévia a tal liquidação;
3. Nestes casos, a devolução da carta registada por não levantada pela contribuinte, por facto que não prova que lhe não seja imputável, faz funcionar a presunção da sua notificação contida no n.º1 do art.º 39.º do mesmo Código.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP) dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida (convolada de oposição à execução fiscal), veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória da procedência da impugnação deduzida relativamente à liquidação oficiosa de IRC n° 20088310018998, referente a imposto e juros compensatórios do exercício de 2006 (trata-se de lapso manifesto, já que o exercício é o relativo ao ano de 2001), no montante de 28.206,57 euros.
II. Com o devido respeito e salvo melhor opinião não concordamos com tal decisão, pelo que contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação:
III. A questão a decidir prende-se com a análise da legalidade da liquidação efectuada nos termos do disposto na alínea b) do n° 1 do art. 83º do CIRC, por falta da apresentação da declaração periódica de rendimentos, pelo facto de a impugnante não ter sido notificada para exercer o direito de audição previsto no art.60º da LGT.
IV. Estabelece o art.83° n° 1, alínea b) do CIRC (na redacção à data dos factos) que:
"1. A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112°, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita (...) e tem por base (...) a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada;"
V. Ora, tal não corresponde à verdade porquanto, através do aviso n° 000164224 datado de 2007-11-14 registado, a ora impugnante foi notificada de que não havia sido apresentada a declaração de rendimentos mod.22 relativa ao exercício de 2006. Através do referido aviso foi ainda notificada de que o não cumprimento desta obrigação implica a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n° 1 do art.83° do CIRC, e que esta liquidação oficiosa fica prejudicada se, no prazo de 15 dias, vier a ser apresentada a declaração em falta. (Doc.1 que se Junta)
VI. Relativamente à falta de notificação para o exercício do direito de audição previsto no art. 60° da LGT, também aqui o Meritíssimo Juiz "a quo" não esteve bem, senão vejamos:
VII. Dispõe a alínea b) do n° 2 do art. 60° da LGT que:
"É dispensada a audição:
"b) No caso de a liquidação se efectuar com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito."
VIII. Assim, tendo a impugnante sido notificada para apresentar a declaração em falta, o que se comprova com o doc.1 junto, fica dispensada a audição prévia prevista na al. b) do n° 2 do art. 60°da LGT.
IX. Destarte, a actuação da AT foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado ao acto tributário, sendo que este por ser legal, deverá manter-se.

Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por as notificações das liquidações se devem ter por efectuadas antes do decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, porquanto as cartas registadas remetidas para o efeito, não foram reclamadas, mas porque dirigidas para a sede da ora recorrida, deve considerar-se que funciona a presunção do art.º 38.º, n.º3 do CPPT.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a ora recorrida foi notificada das liquidações adicionais dentro de caducidade do direito à liquidação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- Os serviços da Adm Fiscal procederam, em 07.12.2005, à liquidação de IRC e de juros compensatórios do ano de 2001, com os números 20058310122822 e 20052517604, respectivamente, em resultado de uma correcção da matéria colectável apurada pelo sujeito passivo de imposto, em resultado de uma acção da Inspecção Tributária iniciada em 13.06.2005, do qual foi notificado do respectivo Projecto de Conclusões e do Relatório Final de inspecção, em 30.11.2005- cfr "print informático de Nota de Liquidação e Nota de Cobrança, de fls 17,18 e 19, do PA. apenso.
2- As notas de liquidação referidas em 1, foram enviadas ao impugnante em 16.12.2005 (trata-se de lapso manifesto na menção desta data e que ora se rectifica, já que a mesma é, também, de 20-12-2005, antes sendo aquela relativa à notificação da compensação – cfr. doc. de fls 97 e 98 do PA apenso e respectiva numeração) e 20.12.2005, respectivamente, juntamente com os correspondentes Documentos de Cobrança do imposto e para o respectivo domicílio constante do cadastro, por simples carta registada, a qual não foi entregue ao destinatário. - cfr doc. de fls 98 e 99 do P.A apenso.
­X
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil, se acrescentam mais os seguintes pontos em ordem a conhecer a questão decidenda, de acordo com o direito julgado como de aplicar:
3. As notificações das liquidações referidas em 2. supra, foram devolvidas ao Serviço de Finanças de Cascais 1, com a indicação, em ambas, “não reclamado” – cfr. cópias das mesmas e prints a fls 97 a 99 do PA apenso (repetidas a fls 116 a 118 do mesmo PA);
4. Na acção inspectiva referida em 1. supra, foi a ora recorrida notificada em 30-11-2005, por funcionário, para em 10 dias exercer o direito de audição relativamente às correcções à matéria tributável de natureza meramente aritmética, donde resultaram as liquidações ora impugnadas – cfr. mesmo relatório a fls 28 e 130 do mesmo PA apenso.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a notificação de tais liquidações se deveria ter feito por carta registada como A/R, o que não aconteceu, bem como tendo as cartas vindo devolvidas não se cumpriu com a formalidade que a lei prevê para o efeito, não se podendo considerar como notificada a contribuinte dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação pelo que o mesmo não foi em tempo exercido, o que inquina de ilegal as mesmas.

Para a Fazenda Pública (FP), ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos em ordem a este Tribunal exercer um juízo de censura em ordem à sua revogação, pugnando que as liquidações impugnadas tiveram lugar pela falta de entrega da declaração relativa ao exercício em causa, tendo sido notificada para a apresentar, pelo que não havia lugar à audição prévia, bem como, tendo toda a actuação da AT sido conforme à lei, pelo que as liquidações, por legais, devem ser mantidas.

Vejamos então.
Desde logo convém precisar, que as liquidações adicionais relativas a IRC e juros compensatórios do exercício de 2001, apuradas por correcções técnicas, e fundadas na factualidade apurada em sede de relatório de exame à escrita (cfr. cópia de fls 28 e segs do PA apenso), nelas foi a ora recorrida notificada pessoalmente, através de funcionário, para exercer o direito de audição prévia, conforme consta da matéria do ponto 4. do probatório ora acrescido, em 30-11-2005, desta forma, quando lhe foram remetidas as liquidações ora impugnadas, já havia ocorrido tal notificação pessoal, pelo que a notificação de tais liquidações já não carecia de ser efectuada através de carta registada como A/R, como entendeu e decidiu o M. Juiz do Tribunal “a quo” e bem ora se pronuncia a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, mas sim através de carta registada apenas, como foi efectuado.

Na verdade, a norma do n.º3 do art.º 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário(1) (CPPT), veio excepcionar da exigência de tal carta registada com A/R para as liquidações de IRC mesmo adicionais em que tenham por objecto a alteração da situação tributária dos contribuintes, desde que de tais correcções à matéria tributável tenham sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição (cfr. n.º3 do art.º 38.º na redacção introduzida pelo art.º 41.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, OE para 2005), pelo que no caso, então, a lei já não exigia tal forma de notificação ao tempo dessas notificações (carta registada com A/R), de aplicação imediata nos termos do art.º 12.º, n.º3 da LGT, sendo pois, aplicável no caso concreto.

Assim, não se colocando em causa que tais cartas registadas com tais liquidações não tenham sido remetidas para o seu domicílio fiscal, funciona a presunção de recebimento contida no n.º1 do art.º 39.º do mesmo Código – 3.º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja dia útil – presunção que a ora recorrida poderia sempre afastar nos termos do n.º2 do mesmo artigo, o que a mesma não fez, nem veio articular qualquer matéria atinente, pelo que se tem de presumir notificada de tais liquidações nos termos do citado n.º1.

É certo que no caso as cartas remetidas para tais notificações vieram devolvidas com a indicação de “não reclamado), em ambas, desta forma tendo sido deixado aviso pelo distribuidor postal para a contribuinte as levantar no posto dos CTT, o que esta não fez, sendo este um dos casos em que tal presunção continua a funcionar, não obstante haver a certeza de que as mesmas lhe não foram entregues, mas por facto que lhe é inteiramente imputável (já que nenhuma razão veio a invocar e a provar para o não ter feito), desta forma bem se compreendendo a continuação do funcionamento de tal presunção de notificação, como de resto constitui jurisprudência e doutrina correntes(2).

Assim, no caso, tendo tais cartas sido registadas em 20-12-2005 (ambas), a presunção de notificação ocorreu em 23-12-2005 (sexta-feira), ou seja dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação e que era de 4 anos a contar de 1-1-2002, nos termos do disposto nos art.º 45.º, n.ºs 1 e 4 da LGT ex vi do art.º 93.º do CIRC, pelo que o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação não se chegou a completar, em contrário pois, do decidido na sentença recorrida, a qual tem de ser revogada por errada aplicação do direito já ao tempo vigente.


Assim, ainda que por fundamentação jurídica não totalmente coincidente com a da recorrida (cfr. art.º 664.º do CPC), é de conceder provimento ao recurso, de revogar a sentença recorrida e de julgar improcedente a impugnação por este único fundamento articulado pela ora recorrida, na sua petição de então, oposição à execução fiscal.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, mantendo-se as liquidações impugnadas.


Custas pela recorrida, mas só em 1.ª Instância, já que não contra-alegou.


Lisboa, 11/06/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
JOAQUIM CONDESSO
PEDRO VERGUEIRO




1- Como nesta parte bem se pronuncia a recorrida, na matéria do art.º 16.º da sua então petição inicial de oposição à execução fiscal, a norma do art.º 27.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE para 2003), veio dar nova redacção ao n.º2 do art.º 102.º do CIRC, determinando expressamente que as liquidações efectuadas pela AT eram notificadas nos termos do CPPT, contudo, não atentou que tal norma do art.º 38.º, n.º2, por sua vez, já havia sido alterada pela citada Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
2- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 13-4-2011, recurso n.º 546710; na doutrina Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição, revista e aumentada, 2000, VISLIS, págs. 243/244.