Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2631/12.7BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DIREITO À PROTECÇÃO SOCIAL;
OFENSA DE CONTEÚDO ESSENCIAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL; NULIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO;
ANULABILIDADE;
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO.
Sumário:1. Os vícios dos actos administrativos (tributários) só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art.º 161.º, n.º 2, do CPA (anterior 133/2)), nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
2. Quando no art.º 161º, nº 2, alínea d), do CPA, conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, se refere que são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem considerar-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.17º CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações.
3. A Acção Administrativa Especial visando a impugnação de actos administrativos anuláveis, em que se deduza pretensão anulatória e dirigida à substituição do acto de conteúdo positivo, é de três meses, contados nos termos dos artigos 58 e 59 e 69/2, todos do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL



1 – RELATÓRIO


S........., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que na verificação da excepção dilatória da caducidade do direito de acção, indeferiu liminarmente a Acção Administrativa Especial que intentara contra o Instituto da Segurança Social, I.P. visando a declaração de inexistência do acto administrativo de notificação e de compensação e a condenação da entidade demandada na devolução da quantia de 15.334,56 Euros e respectivos juros até integral e efectivo pagamento, bem como a reconhecer-lhe o direito à sua pensão de reforma.

Termina as alegações do recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
I - A douta Sentença proferida indeferiu, liminarmente, a acção administrativa especial intentada pelo Recorrente, por considerar caducado o direito de acção.

II - O Tribunal a quo parece ter fundado a sua decisão no facto de considerar estar perante um acto administrativo anulável e não nulo, quiçá inexistente.

III - Considera o Recorrente que o douto Tribunal a quo não apreciou todos os factos alegados e os que apreciou não concluiu a sua apreciação da forma mais correcta juridicamente.

IV - O Recorrente invocou a violação de um preceito Constitucional, plasmado no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, que consagra a protecção dos cidadãos na doença, velhice e na invalidez, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

V - O Recorrente considerou que existiu a violação de um direito fundamental ao ser privado da totalidade da sua pensão através da compensação de créditos operada pela Entidade Demandada.

VI - O Recorrente foi privado dos mais elementares direitos à sobrevivência e à existência condigna.

VII - Com a sua conduta, a Recorrida consubstanciou a prática de acto nulo, pois a mesma ofendeu o conteúdo essencial de um direito fundamental.

VIII - O aqui Recorrente alegou um vício que fere o acto de nulidade, pois a compensação operada fere um direito fundamental, constitucionalmente protegido.
IX - O sempre douto Tribunal a quo deveria ter identificado qualquer invalidade existente que pudesse ser subsumida na nulidade do acto, nos termos do n.º 2, do artigo 95.º do CPTA.

X - Com a decisão de operar a compensação dos alegados créditos com a pensão de reforma, foi também violado o Princípio da Proporcionalidade o que constitui vício de Lei que implica a nulidade do acto praticado.

XI - A prática de um acto que afecta de forma gravosa um direito fundamental, tem obrigatoriamente de ser fundamentado sob pena de nulidade (al. a), do n.º 1, do artigo 124.º do CPA), sob pena de violação de preceito constitucional: n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa.

XII - A violação de direito fundamental não foi apreciada e determina, salvo sempre douta opinião em contrário, a nulidade do acto, a qual pode ser arguida a todo o tempo.
XIII - A douta sentença recorrida estava ainda vinculada a conhecer de todas as causas de invalidade invocadas, nos termos do n.º 2, do artigo 95.º do CPTA.

XIV - Considerando a sentença omissa quanto à apreciação dos factos e vícios conforme consta das alegações, a mesma é nula por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA.

XV - A sempre douta sentença proferida violou os artigos 63.º e n.º 3, do artigo 268.º da CRP, bem como os artigos 124.º e 133.º do CPA e ainda o n.º 1, do artigo 58.º e o artigo 95.º, do CPTA.

Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida, substituindo-a por outra que se pronuncie pela nulidade do acto condenando-se a Entidade Demandada na devolução da quantia de Eur:. 15.334,56 € e respectivos juros, bem como no reconhecimento do direito do aqui Recorrente à pensão de reforma, como é de DIREITO E DE JUSTIÇA!».


O recorrido, Instituto da Segurança Social, I.P. não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1 do CPTA, não tendo emitido pronúncia sobre o mérito do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando vêm os autos à Conferência para julgamento.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Sendo as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são duas as questões que importa resolver: (i) se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) se incorreu em erro de julgamento ao concluir pela caducidade da acção, por intempestividade.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É este o teor da decisão recorrida, dando-se por assente a factualidade nela referida:
«
S........., contribuinte fiscal n.º ........., residente na Rua…………, 25ºm 1º Dto, …………., vem intentar, acção administrativa especial contra o Instituto da Segurança Social, IP, ao abrigo da al.a) do artigo 46º e al.b) do n.º2 do artigo 47º ambos do CPPT, peticionando:
- a declaração de inexistência do acto administrativo de notificação e de compensação;
- a condenação da Entidade Demandada na devolução da quantia de € 15.334,56 e respectivos juros até integral e efectivo pagamento;
- a condenação da Entidade Demandada a reconhecer-lhe o direito á sua reforma.
Apreciando.
Na, na acção administrativa especial, a caducidade do direito de acção configura uma excepção dilatória insuprível, típica, literal e expressamente prevista no artigo 89 n.º 1 alínea h) do CPTA. Neste sentido, podem indicar-se o acórdão de 05.06.2008 do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo (recurso 017/08) e o acórdão de 15.05.2008 deste TCAS (recurso 03695/08). E o mesmo entendimento se mostra acolhido por Vieira de Andrade in “Justiça Administrativa”, 4ª edição, pag.s 265 a 267, e por Mário Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Maio de 2005, pag.s 455 a 459)
De acordo com o disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA a impugnação de actos administrativos anuláveis deve, normalmente, ser intentada no prazo de 3 meses (prazo a transformar, tal como entendimento doutrinal e jurisprudencial consensual, em 90 dias).
A contagem deste prazo obedece, face ao preceituado n.º 3 daquele mesmo normativo, às regras para propositura de acções previstas no CPC (cfr. artigo 144.º do CPC), sendo que em matéria de início de prazos de impugnação rege o artigo 59.º do CPTA.
Daí que, tendo o Autor tomado conhecimento do acto administrativo corporizado no doc. n.º1 junto á p.i., pelo menos em 09.04.2009 ( cfr. doc. n.º2 da p.i) ao deduzir apenas a acção administrativa especial “sub judice” em 25.10.2012 não observou o prazo de que dispunha para a instauração da impugnação judicial e, como tal, quanto ao aludido acto ocorre caducidade do direito de acção.
Ao mesmo resultado se chegaria se se configurasse a presente acção como "acção de condenação à prática do acto devido", nos termos do disposto nos artigos 66° e seguintes do CPTA, atendendo a que o Autor vem pedir, a condenação da Entidade Demandada "a praticar o acto administrativo legalmente devido"consubstanciado no reconhecimento do direito á sua pensão.
É que, de acordo com o disposto no n° 2 do artigo 69° do CPTA, também neste caso o prazo para a interposição da acção de condenação seria de três meses, aplicando-se ao início da contagem as regras do artigo 59°, por expressa remissão do n° 3 do artigo 69°.
O Autor formular, a final, o pedido no sentido de que "[d]eve ser declarado inexistente o acto administrativo de notificação e de compensação” o que é certo é que, ao longo da sua petição, não assaca ao acto de compensação qualquer vício susceptível de ser gerador de nulidade do acto.
Com efeito, toda a argumentação dirigida ao acto de compensação centra-se em torno do vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, alegando para tanto, que contrariamente ao informado faltaria apenas por pagar a quantia de € 1.064,00.
Por outro lado, o Autor invoca que a notificação não obedeceu aos requisitos do artigo 68º do CPA, contudo, a notificação do acto, imposta nos termos do citado preceito, destina-se a levar o acto ao conhecimento do seu destinatário.
É, portanto, uma formalidade que constitui um requisito de eficácia do acto (artigo 268º, n.º 3, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e artigos132º e 66º a 70º do CPA), pelo que a sua falta tem apenas como consequência a inoponibilidade do acto, em particular para efeitos de impugnação contenciosa.
Daí que a irregularidade da notificação do acto não integre vício desse acto, por lhe ser algo externo e posterior (neste sentido, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2005, processo n.º 0716/04).
Prosseguindo.
A regra geral no regime de invalidade dos actos administrativos é a da anulabilidade, de harmonia com o disposto no artigo 135° do CPA, só sendo nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, como acontece com os actos previstos a título exemplificativo no artigo 133° daquele código.
Não é, de todo, o caso nos presentes autos. Sendo imputado ao acto vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, tal invalidade, a verificar-se, só seria susceptível de levar à anulação e não à declaração de nulidade.
Sendo anulável, e não nulo, não pode o acto ser impugnado a todo o tempo, mas só nos termos preditos.
Com efeito, De acordo com o disposto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA a impugnação de actos administrativos anuláveis deve, normalmente, ser intentada no prazo de 3 meses (prazo a transformar, tal como entendimento doutrinal e jurisprudencial consensual, em 90 dias).
A contagem deste prazo obedece, face ao preceituado n.º 3 daquele mesmo normativo, às regras para propositura de acções previstas no CPC (cfr. artigo 144.º do CPC), sendo que em matéria de início de prazos de impugnação rege o artigo 59.º do CPTA.
Daí que, tendo o Autor tomado conhecimento do acto administrativo corporizado no doc. n.º1 junto á p.i., pelo menos em 09.04.2009 ( cfr. doc. n.º2 da p.i) ao deduzir apenas a acção administrativa especial “sub judice” em 25.10.2012 não observou o prazo de que dispunha para a instauração da impugnação judicial e, como tal, quanto ao aludido acto ocorre caducidade do direito de acção.
Ao mesmo resultado se chegaria se se configurasse a presente acção como "acção de condenação à prática do acto devido", nos termos do disposto nos artigos 66° e seguintes do CPTA, atendendo a que o Autor vem pedir, a condenação da Entidade Demandada "a praticar o acto administrativo legalmente devido" consubstanciado no reconhecimento do direito á sua pensão.
É que, de acordo com o disposto no n° 2 do artigo 69° do CPTA, também neste caso o prazo para a interposição da acção de condenação seria de três meses, aplicando-se ao início da contagem as regras do artigo 59°, por expressa remissão do n° 3 do artigo 69°.

SEGMENTO DECISÓRIO

Termos em que se indefere liminarmente a presente acção administrativa especial.

Custas a cargo do Autor sem prejuízo do apoio judiciário que se mostra concedido.
(…)».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende o recorrente que invocou na P.I. a violação do princípio constitucional da proporcionalidade e do direito dos cidadãos à protecção na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, plasmado no n.º 3 do art.º 63.º da CRP e que a violação daquele princípio e direito constitucionais não foi apreciada pelo Mmº. juiz a quo no julgamento que fez de caducidade da acção, por intempestividade, o que inquina a sentença de nulidade por omissão de pronúncia.

As causas de nulidade da sentença estão taxativamente enumeradas no n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ocorrendo esse vício, nomeadamente e nos termos da sua alínea d) quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Relaciona-se esta nulidade com o comando do art.º 608.º, n.º2 do CPC, segundo o qual, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” e, em particular no processo administrativo (97/2 do CPPT), com o disposto no art.º 95.º, n.º 1 do CPTA, que dispõe: “a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.

Entre as questões de conhecimento oficioso, de que o tribunal pode conhecer independentemente de alegação das partes, conta-se a nulidade do acto administrativo (art.º 162/2 do Código do Procedimento Administrativo).

Como é pacífico na jurisprudência, a expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia – vd., entre muitos, o Acórdão do STJ, de 03/10/2017, tirado no processo de Revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1.

Isto assente, constata-se que, de facto, a sentença não fez apreciação daquelas duas questões, ora relacionadas com a preterição do princípio constitucional da proporcionalidade, ora com a violação do direito à segurança social e solidariedade contemplado no art.º 63/3 da CRP, na apreciação do vício invalidante do acto impugnado enquanto pressuposto da tempestividade da acção, sendo que “salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo…” (art.º 58/1 do CPTA).

A omitida apreciação do vício invalidante do acto impugnado por preterição daquele princípio e norma constitucionais inquina a sentença de nulidade, o que se declara, chamando-se à colação o disposto no art.º 665/1 do CPC, que dispõe: “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.

E conhecendo, em substituição, vejamos o que se nos oferece dizer sobre o tema.

O princípio da proporcionalidade, enquanto proibição do excesso e da falta de prudência, ponderação e razoabilidade face aos objectivos a realizar ou aos fins a alcançar, está constitucionalmente previsto quer para a actuação dos órgãos legislativos, quer para a actuação dos órgãos administrativos.

Assim, qualquer restrição a direitos fundamentais constante em legislação ordinária deve respeitar o princípio da proporcionalidade consagrado no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

O princípio da proporcionalidade em sentido restrito “significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos” – J.J Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, p. 393.

Numa outra dimensão, enquanto princípio fundamental de actuação da Administração pública, estabelece o art.º 266/2 da CRP que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

No desenvolvimento desse comando constitucional, estabelece o art.º 55.º da LGT, que “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

Ora, tanto quanto se apreende das conclusões recursivas (cf. conclusão X), é esta dimensão de inconstitucionalidade que o recorrente pretende invocar, reportada ao impugnado acto de compensação de dívidas de contribuições com o valor de prestações sociais, concretamente, da pensão do recorrente.

Só que, contrariamente ao que o recorrente alega, a violação de princípios constitucionais nomeadamente o de proporcionalidade, que se consubstancia numa afectação/ restrição dos direitos subjectivos ou interesses legítimos dos administrados em medida não adequada e estritamente necessária aos objectivos a realizar (art.º 7.º do CPA), apenas inquina o acto de mera anulabilidade e não de nulidade, vício este que só pode ocorrer por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental que permita afirmar a sua desconformidade constitucional (art.16/1 CRP e 161/1/d) do CPA).

Invoca também o recorrente que o acto viola o direito constitucional dos cidadãos à protecção na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, plasmado no art.º 63/3 da CRP.

Começaremos por notar que o direito à segurança social e solidariedade, previsto e garantido no art.º 63º da CRP, é um “direito fundamental” que, todavia, não se inclui nos “direitos, liberdades e garantias” elencados nos artigos 24º a 57º da CRP nem nos direitos de natureza análoga, não gozando, de pleno, das características e do específico regime jurídico destes (artigos 18º e 17º nº 1), nomeadamente: aplicabilidade directa e imediata (dada a natureza preceptiva); vinculação das entidades públicas e privadas; direito de resistência; suspensão condicionada; limite material de revisão constitucional; responsabilidade civil das entidades públicas; especial forma de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva (v.g., artigos 107º a 111º do CPTA); exigências específicas impostas à lei restritiva (reserva de lei formal, art.º 165º nº 1 alínea b); reserva de lei material, art.º 18º nº 3 “in initio”; proibição de retroactividade, art. 18º nº 3 “in medio”; respeito pelo “conteúdo essencial do direito”, art.º 18º nº 3 “in fine”).

Efectivamente, trata-se de um “direito social”, previsto no Título III da CRP no âmbito dos direitos “económicos, sociais e culturais”, para os quais se estabelece uma diferente protecção jurídica, significativamente inferior à dos “direitos, liberdades e garantias”, condicionada, desde logo, pela capacidade financeira do Estado.

Enquanto os “direitos, liberdades e garantias” se caracterizam, como vimos, pela sua aplicabilidade directa e imediata, ou seja, sem necessidade da intermediação do legislador ordinário para a sua conformação (ainda que a legislação ordinária possa ter um papel importante tendo em vista a sua exequibilidade, regulamentação, protecção ou ampliação), uma vez que são consubstanciados por normas constitucionais “preceptivas” (directamente atribuidoras de direitos subjectivos), já os direitos sociais se caracterizam pela necessidade da intervenção criadora do legislador (ainda que vinculado às imposições das “normas programáticas” constitucionais, mas dotado de ampla discricionariedade político-legislativa) no sentido da configuração concreta de tais direitos – geralmente resultantes em “direitos a prestações” – definindo as respectivas prioridades e intensidades.

Ora, os direitos fundamentais sociais (como o direito à protecção social e solidariedade), por não gozarem do regime dos “direitos, liberdades e garantias” e “direitos de natureza análoga”, não lhes é, pura e simplesmente, aplicável a previsão da nulidade de actos contida no art.º 161º nº 2 alínea d) do CPA por “ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental”, o que afasta, de raiz, qualquer possibilidade de considerar nulos os actos como aquele que vem impugnado nos presentes autos – entendimento de Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo, II”, Almedina, 4ª edição, 2018, pág. 368/369: «entendemos que a expressão “direitos fundamentais” só abrange, neste artigo, os direitos, liberdades e garantias, e os direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza. Seria, com efeito, levar longe de mais o elenco das nulidades do acto administrativo considerar como actos nulos todos os que de alguma forma pudessem ofender algum direito económico sem natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias: por exemplo, não nos parece razoável fulminar com a sanção mais grave da nulidade todos os actos administrativos praticados no domínio da segurança social em que, por erro de facto ou por erro de cálculo, se violasse o direito subjectivo a uma certa prestação social. Aos actos desta natureza melhor se ajusta, em caso de ilegalidade ou de vício da vontade, o regime da anulabilidade, por razões de certeza e segurança do direito». No mesmo sentido, vd. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in “Direito Administrativo Geral, Actividade Administrativa, Tomo III”, 2ª edição, 2009, pp. 171/172.

Na jurisprudência, salientamos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/02/2014, tirado no proc.º 0628/14: «Quando no art.º 133º, nº 2, alínea d), do CPA [corresponde ao actual 161/2/d)], conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, se refere que são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, por direitos fundamentais, para estes efeitos, devem considerar-se apenas os direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do art.º 17º CRP) e não os direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações».

Como se consignou no Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/12/2004, tirado no proc.º 0620/04: «Para aferir da tempestividade do recurso, o tribunal deve atender à situação de facto tal como vem descrita na petição de recurso, mas não está vinculado à qualificação jurídica que o recorrente faz dos vícios invocados, nem da sanção que lhe corresponde».

Conclui-se, atento o exposto, que a hipotética existência dos vícios invocados, encarados segundo a única perspectiva possível e adequada (e não na perspectiva erroneamente delineada pelo recorrente, e que o tribunal não tem que atender), só poderão acarretar a anulação do acto impugnado, nunca a sua nulidade.

Entrando agora na apreciação dos eventuais erros de julgamento, desde logo se diga que tal como a sentença bem refere os vícios assacados ao acto impugnado, quer de forma quer de fundo (falta de fundamentação do acto de compensação; falta de notificação do acto para a morada que consta da sua inscrição na segurança social; preterição do direito à informação; ilegalidade da compensação nos termos em que ocorreu; erro nos pressupostos de quantificação da dívida contributiva), reconduzem-se a hipotéticos vícios geradores de mera anulabilidade.

Em particular no que concerne à fundamentação do acto, como bem expressado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/04/2016, tirado no proc.º07/16, «admitindo-se embora que nalgumas situações especiais a falta de fundamentação gere a nulidade do acto, essas serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do critério do n.º 1 do art.º 133.º (actualmente, art.º 161.º) do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA].

Tal «acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juridicidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando» ou «quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e garantia” (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos,1991, pág. 293.)» (fim de citação).

No caso, como decorre do que vem sendo exposto, não estamos, nem perante uma situação em que haja ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, nem em face de qualquer das duas situações especiais acima referidas, como se alcança da leitura da petição inicial.

Não se reconduzindo os hipotéticos vícios invocados com relação ao acto sindicado à sanção da nulidade não pode, consequentemente, o mesmo ser impugnado “a todo o tempo” (artigos 58º nº 1 do CPTA e 162/2 do CPA), devendo antes sê-lo no prazo de três meses a contar da notificação ou conhecimento do acto para a pretensão anulatória (artigo 59.º, n.º 3, alínea b), do CPTA), prazo também aplicável à pretensão dirigida à substituição de um acto de conteúdo positivo, por remissão directa do n.º 2 do art.º 69.º para o n.º 3 do art.º 58.º, ambos do CPTA.

Tudo visto, tendo o Autor tomado conhecimento do acto impugnado corporizado no ofício junto à P.I. como doc. 1, pelo menos, em 09/04/2009 (data em que respondeu à entidade impugnada fazendo expressa menção àquela comunicação – cf. doc. 2 da P.I.) ao deduzir a presente Acção Administrativa Especial apenas em 25/10/2012, não observou o prazo de que dispunha para a propositura da acção.

Ocorre, pois, caducidade da acção por intempestividade, não merecendo censura a sentença que no mesmo sentido decidiu.

O recurso não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Declarar a nulidade parcial da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
ii. Conhecendo em substituição dos fundamentos invocados e não apreciados, julgar verificada a caducidade da acção por intempestividade, por esses fundamentos;
iii. No mais, negar provimento ao recurso.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 03 de Dezembro de 2020

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes