Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1192/18.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS;
ART.ºS 13.º E 47.º DA CRP;
DIREITO AO ACESSO A UMA CARREIRA PÚBLICA EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES E OPORTUNIDADES;
URGÊNCIA IMEDIATA;
URGÊNCIA ACTUAL;
RECURSO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO;
INTERNATO MÉDICO;
URGÊNCIA HOSPITALAR;
URGÊNCIA INDIFERENCIADA;
PORTARIA N.º 1/2014, DE 02-01;
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário:I – Para o uso da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias exige-se: (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito; (ii) visando a protecção de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); (ii) por ser impossível ou se mostrar insuficiente e inadequado, frente às circunstâncias do caso, o uso (em primeira linha) do decretamento provisório de uma providência cautelar ou o uso de um qualquer meio cautelar;
II – Alegando os AA. que com o uso desta intimação visam obstar à violação do seu direito de acesso à formação na especialidade de endocrinologia e nutrição e do seu direito à prestação de provas em circunstâncias idênticas à dos médicos internos integrados nos outros serviços do país e à consequente violação dos art.ºs 13.º e 47.º da CRP, a situação litigiosa que se pretende acautelar envolverá directa e imediatamente o direito ao acesso a uma carreira pública em igualdade de condições e oportunidades, direito que está protegido nos termos dos art.ºs 13.º e 47.º da CRP;
III – A alegação da não ocorrência de uma efectiva violação dos direitos dos AA. é uma questão que remete para mérito da causa e que não releva para a apreciação dos pressupostos para o uso da presente intimação;
IV - A indicada intimação serve para objectar quer a uma urgência imediata, quer a uma urgência simplesmente actual;
V- Os art.ºs 640.º e 662.º do CPC permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o Tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente;
VI- A impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no Tribunal superior daquela que teve o Tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este Tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada;
VII – Pela aplicação conjugada dos art.ºs 13.º, n.ºs. 3 a 6, do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02, 2.º e ponto 5.1. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, resulta que: (i) a que a prestação de trabalho “normal” nos serviços de urgência dos médicos que frequentam o 5.º ano do internato não pode ser superior a 12 horas semanais; (ii) deve efectuar-se apenas em Urgência de Endocrinologia; (iii) tratando-se de trabalho extraordinário, a) apenas pode ser efectuado quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades; b) está sujeito, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período; c) e só pode ser efectuado na indicada Urgência Endocrinologia;
VIII – Viola o direito de acesso à função pública em condições de igualdade um hospital que trata os seus médicos internos da especialidade de Endocrinologia/Nutrição de forma diferente dos restantes Colegas que fazem o internato noutros hospitais, que não cumpre o programa formativo que vem previsto na Portaria n.º 1/2014, de 02-01, e que adopta como prática a escala dos seus médicos internos para fazerem urgência indiferenciada e para prestarem serviço de urgência para além das 12 horas semanais;
IX – Através da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, foi adoptado um programa formativo único para os médicos internos da especialidade de Endocrinologia/Nutrição, que inclui a indicação peremptória dos tempos de formação em cada especialidade e em cada um dos diversos serviços hospitalares;
X – A adopção por um dado estabelecimento hospitalar de uma prática diferente da adoptada nos restantes estabelecimentos do país, que implica a exigência de prestação de trabalho nas urgências hospitalares fora da área da especialidade para os médicos do 5.º ano do internato e para além do limite legal, implica uma exigência de prestação de trabalho que compromete o correspondente programa formativo, que pode prejudicar a aprendizagem dos indicados médicos e a prestação de provas avaliativas;
XI – Aquela prática também pode diminuir as condições de acesso à sua formação e à correspondente profissão quando comparados com os demais Colegas, igualmente internos, que estejam a frequentar a especialidade noutro estabelecimento hospitalar que não lhes exija idêntica carga de trabalho;
XII - A condenação em litigância de má fé pressupõe e exige que a actuação de alguma das partes desrespeite o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo. Deve a referida conduta estar viciada de dolo ou negligência grave. De fora da litigância de má fé ficam as situações de erro grosseiro e de lide ousada ou temerária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE (Hospital de Santa Maria), interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, na parte em que que julgou procedente a presente intimação e determinou ao ora Recorrente para que se obtenha de, no 5.º ano de internato, escalar os Recorridos para qualquer serviço de urgência, seja a que título for, que não esteja relacionado com a área da sua formação específica de Endocrinologia e Nutrição.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A. O CHULN não pode conformar-se com a decisão do Tribunal a quo, dado que a decisão quanto à matéria de facto dada como provada não está completa e comporta pontos que, no entender do Recorrente não foram provados, pelo que vem pelo presente recurso recorrer da matéria de facto.
B. O Recorrente reforça ainda o entendimento quanto ao não preenchimento pelos Requerentes dos pressupostos legais de admissibilidade do recurso à ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias consagrados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, por não se estar, in casu perante qualquer ameaça ou violação de um direito, liberdade ou garantia dos Requerentes por banda do CHULN.
C. À cautela por dever de patrocínio, o Recorrente entende que não conseguiram os Recorridos provar a violação de um direito, liberdade ou garantia, nomeadamente o artigo 13.º e 47.º da CRP, pelo que deve improceder na totalidade o peticionado, devendo por isso a Sentença recorrida ser revogada, na medida em que esta errou na apreciação e interpretação das normas e substituída por uma decisão em que a ação seja declarada improcedente.
D. Quanto ao recurso quanto à decisão da matéria de facto considera o Recorrente que o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, pelo que devem ser aditados dois pontos aos factos provados e devem ser considerados não provados os pontos 20, 21, 22 e 26 dos factos provados na Sentença recorrida.
E. Deve, assim, ser aditado à matéria de facto provada o seguinte ponto: “O Hospital de Santa Maria tem o melhor Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do país, com especialidades que não se encontram em mais nenhum hospital”, tendo em conta o depoimento da Testemunha M..... na sessão de julgamento, transcrito nas alegações de recurso.
F. Com base no depoimento da mesma Testemunha, deve ser aditado à decisão da matéria de facto provada o seguinte ponto: “Os internos de especialidade de Endocrinologia e Nutrição têm a sua qualidade formativa totalmente assegurada pelo Requerido Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE”. Este ponto que se pretende que seja aditado resulta também do depoimento da Testemunha M....., igualmente transcrito nas alegações, que é uma Médica especialista em Endocrinologia e Nutrição, que terminou o internato no CHULN, em 2018.
G. Os pontos 20, 21 e 22 da decisão quando à matéria de facto provada não deverão ser considerados em pleno, pelo que deverão ser eliminados da matéria de facto dada como provada, porquanto o IPO é um hospital manifestamente diferente do HSM, na medida em que o IPO apenas trata questões do foro oncológico e o HSM trata todas as especialidades médicas. Para sustentar esta argumentação o Recorrente apoiou-se no depoimento da Testemunha D.....e ainda nas incongruências entre aquele depoimento e a declaração de parte do Requerente D....., sendo que todos os depoimentos estão transcritos nas alegações de recurso.
H. O Recorrente entende que o ponto 26 da decisão quanto aos factos provados não deve ser considerado, na medida em que tal prova não foi efetuada nem por documentos, nem por prova testemunhal, ou outra. O Tribunal recorrido sustenta-se em testemunhos indiretos que não devem ser considerados.
I. Por outro lado, o Recorrente entende que o Tribunal recorrido errou ao considerar estarem preenchidos os pressupostos necessários para a utilização do meio processual de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, dado que estes estão em falta, pelo que estamos perante uma exceção dilatória inominada de inidoneidade do meio processual utilizado pelos Recorridos, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, devendo dar lugar à absolvição do Recorrente da instância, nos termos do estatuído nos n.ºs 2 e 4 do artigo 89.º do CPTA.
J. Na intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, que o Tribunal venha a intimar a Administração Pública, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta que permita assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito, liberdade ou garantia.
K. No caso em apreço, ao contrário do entendimento proferido pelo Tribunal a quo, não estão preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade do recurso à ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, consagrados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
L. Primeiramente, porque a factualidade nos termos dados como provados (e especialmente tendo em conta a alteração à matéria factual, objeto do presente recurso) não constitui nenhuma violação constitucional dado que, no caso em apreço, não se está perante qualquer ameaça ou violação de um direito, liberdade ou garantia dos Requerentes por banda do Recorrente, que justifique a utilização do presente meio processual. E segundo por o Recorrente não ter prejudicado, de forma alguma, a formação dos médicos internos visados, tendo tal resultado, de forma cabal, da produção de prova efetuada.
M. Ademais, nestes autos não se está diante de uma situação em que a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha ao Recorrente a adoção de uma conduta negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, nem perante uma situação em que não seja possível ou suficiente, atendendo às circunstâncias concretas, o decretamento provisório de uma providência cautelar (associada a uma ação ordinária principal).
N. A Sentença recorrida não consegue explicitar porque é que uma providência cautelar – com natureza naturalmente provisória – não seria capaz de suprir a urgência do caso, tendo em conta o previsto no artigo 121.º, n.º 1 do CPTA.
O. Por fim, reiteramos que não faz sentido que o processo de intimação ora em questão possa ser utilizado quando esteja em causa uma violação continuada ou já concretizada de um direito fundamental, como abundantemente alegado, aliás, pelos Recorridos, no seu articulado inicial.
P. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe, nem concede, diga- se que tendo subjacente a alteração da matéria de facto, com o aditamento dos factos, não cumpriram os Requerentes o intento de provar os factos que lhes competiam, ou seja não conseguiram os Recorridos fazer prova quanto à violação de um direito, uma liberdade ou uma garantia, sendo tal exigido tendo em conta o meio processual utilizado, pelo que deve a Sentença recorrida ser revogada e deve a presente ação ser declarada totalmente improcedente, com as demais consequências legais.
Q Segundo a matéria de facto provada, está totalmente garantido aos Recorridos o direito de acesso à carreira especial médica, acolhido, no essencial, no texto do artigo 47.º da CRP, em situação de igualdade de tratamento, em estrita observância do artigo 13.º da CRP.
R. O CHULN providencia todas as condições necessárias à “liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública” (artigo 47.º do CRP), na medida em que os Recorridos têm todas as condições para a conclusão com sucesso o seu internato médico.
S. Quanto à invocada violação do princípio da igualdade, os Recorridos ignoraram que o HSM é um Hospital de “fim de linha” (ponto 27 da decisão da matéria de facto provada) e que por isso é um Hospital necessariamente diferente, com necessidades desiguais. Ficou ainda provado que o HSM é ainda o hospital com o maior número de urgências, o maior número de patologias tratadas e de serviços do país e por isso é inequívoco que este Hospital não pode ser alvo de comparações com outros.
T. Sublinhe-se que não são possíveis comparações entre Hospitais, mas que caso se queira fazer essa comparação, o HSM deve ser analisado com as características reais, isto é, tendo em conta o facto de ser um Hospital de “fim de linha”, com serviços que mais nenhum dispõe.
U. Os Recorridos, enquanto médicos internos, ficam sujeitos, segundo reza o n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 13/2018, “(…) à organização de trabalho da entidade titular do serviço ou do estabelecimento responsável pela administração da formação”, não sendo lícito aos Requerentes tentar obter a não sujeição à organização de trabalho do Recorrente, enquanto estabelecimento da sua formação quando ficou provado pelo ponto 19 da decisão da matéria de facto provado que os internos eram escalados para efetuar serviço de urgência “mediante necessidade de serviço”.
V. Por fim, os Recorridos, antes de serem internos são médicos e nos termos do artigo 92.º, n.º 1 do Regulamento de Deontologia Médica (Regulamento n.º 707/2016) estão sujeitos a um princípio geral de colaboração e por isso existindo uma necessidade de serviço para a escala na urgência, tal como está considerado provado na Sentença recorrida, é evidente que tal deve ser respeitado.
W. Por tudo isto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida, e julgando-se improcedente esta ação.”

Os Recorridos nas contra-alegações formularam as seguintes conclusões: “Quanto à Matéria de Facto
Factos a aditar:
A. O recorrente pretende ver aditados os seguintes factos, tendo em atenção os respectivos fundamentos infra transcritos:
B. “Hospital de Santa Maria tem o melhor Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do país, com especialidades que não se encontram em mais nenhum hospital.”
C. E o Recorrente fundamenta tal pedido no depoimento da Testemunha M....., na sessão de julgamento de 20-12-2018, transcrito nas alegações de recurso.
D. Com base no depoimento da mesma Testemunha, alega o Recorrente que deve ser aditado à decisão da matéria de facto provada o seguinte ponto: “Os internos de especialidade de Endocrinologia e Nutrição têm a sua qualidade formativa totalmente assegurada pelo Requerido Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE”.
E. Ora, não deve ser admitido o primeiro facto que o Recorrente pretende aditar, uma vez que o que ficou provado foi o facto provado n.º 27: “Os hospitais de Santa Maria e de São João são considerados como hospitais de “fim de linha” (cf. prova testemunhal).”
F. Tudo porque a mesma a Testemunha M..... também referiu que o Hospital de S. João também é um Hospital de fim de linha, cfr. Gravação de Audiência de 20-12-2018 15-08-29; Min. 1:07:06
Mandatária Requerentes – A Sr.ª Dr.ª disse que o hospital de Santa Maria, felizmente, tem o serviço de endocrinologia, é ele próprio um serviço de excelência...
M.....– Peço desculpa pela modéstia.
1:07:20
Mandatária Requerentes – Mas nós gostamos de saber, estamos até em Lisboa, portanto... Muito bem, mas a minha pergunta é: a Sr.ª Dr.ª acha, como directora clínica, directora de um serviço... Desculpe, a Sr.ª Professora, que por exemplo o Porto pode ter o mesmo tipo de condições para isso? Também é o tal hospital de fim de linha, o São João?
1:07:46
M.....– Sim, sim
1:07:48
Mandatária Requerentes – Portanto, digamos que se estivermos aqui a querer eleger os galões podemos dizer que temos o Porto, Hospital de São João, versus hospital...?
1:07:59
M.....– Eu considero que também o serviço de endocrinologia do hospital de São João é também um serviço de alta qualidade.
Mandatária Requerentes – Muito bem, muito bem.
G. O segundo “facto” que o Recorrente pretende aditar à matéria de facto provada, na medida em que é uma conclusão e não um facto, por natureza, não pode ser aditado.
H. E, ainda assim, o que se conclui do facto do serviço do Santa Maria ser um serviço de excelência é, na realidade, a conclusão contrária à pretendida pelo Recorrente. Veja-se:
I. Propugna o Recorrente, sendo o Serviço de Endocrinologia do Santa Maria um Hospital de Excelência, então os seus internos têm a sua formação assegurada.
J. Ora, da primeira premissa não se extrai necessariamente a segunda e, no caso sub juditio, o que se concluiu foi exactamente o contrário. Veja-se:
K. O art. 13.º do Decreto-Lei 13/2018, de 26.02, que entrou em vigor 01.03.2018 e que revogou o referido Decreto-Lei 86/2015, de 21.05, cujo regime, neste matéria não divergia do agora estabelecido quanto horários, estabelece que:
“1 - Os médicos internos estão sujeitos a um período normal de trabalho de 40 horas semanais. (…)
4. Os horários de trabalho dos médicos internos são estabelecidos e programados em termos idênticos aos dos médicos integrados na carreira especial médica, tendo em conta as actividades específicas dos respectivos programas de formação.”
L. Ora, se a portaria n.º 1/2014, de 02.01, determina que “A formação específica no Internato Médico de Endocrinologia/Nutrição tem a duração de 60 meses (5 anos, a que correspondem 55 meses efetivos de formação) deduzido o mês anual das férias;”
M. se a partir do segundo ano não existe qualquer módulo de formação relacionado com a Medicina Interna, pontos 3 a 3.4 da referida Portaria, pelo que, o cumprimento integral do programa da formação específica na especialidade de Endocrinologia e Nutrição, impõe a presença física dos Internos da especialidade 40 horas por semana, por um período de 44 meses, (do segundo ao 5.º ano- (11meses X 4 anos= 44 meses);
O. se o facto provado n.º 15- não impugnado- denuncia que ,”15. Até, pelo menos, Maio de 2018, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição do Hospital de Santa Maria faziam semanalmente 32,5 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se incluíam 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mais efectuando uma média de 7,5 horas em serviço de urgência externa em Medicina Interna”;
P. Então, o CHLN priva os Recorridos de estarem presentes no serviço de fim de linha e de excelência, por um período de 8 meses, os mesmos meses que são amputados à sua formação.
Q. E, assim sendo, uma vez que, este período de 8 meses foi prestado em serviço de Medicina indiferenciada, ao contrário das práticas dos outros centros hospitalares, para se excusar a fazer o pagamento das urgências a título de trabalho suplementar (fora das 40 horas semanais), sacrifica a formação técnica dos médicos, que por mérito próprio escolheram um centro de excelência como o do Hospital de Santa Maria.
R. E também seria dispensável o uso demagógico da subversão do depoimento da testemunha M....., como, sem qualquer pejo, o Recorrente ousa fazer. Veja-se:
S. O CHLN alega que “a Testemunha M.....fez prova plena de que é possível concluir a especialidade de Endocrinologia e Nutrição no Recorrente, em concreto no HSM – pelo que os internos de especialidade de
Endocrinologia e Nutrição têm a sua qualidade formativa totalmente assegurada (facto que se considera provado, no âmbito do presente recurso) –, dado que aquela testemunha é Médica da especialidade, tendo concluído o regime de internato há menos de um ano. Embora a referida Testemunha tenha mencionado, de facto, que o internato no HSM lhe causou alguns problemas não conseguiu especificar quais foram estes. Não foi, por isso, explicitado em sede de audiência, quais as eventuais desvantagens de realizar o internato médico na especialidade mencionada.”
T. Salienta-se o uso demagógico da subversão do depoimento da testemunha M....., como, sem qualquer pejo, se ousa fazer, isto porque, apesar de a mesma ter concluído o seu internato em Endocrinologia e Nutrição, não quer dizer que o tenha conseguido realizar nas mesmas circunstâncias que foram propiciadas aos seus colegas de outros serviços, tal como decorre de forma clara e distinta do depoimento por si prestado, Cfr. Gravação da audiência de 20-12-2018 15-08-29:
“Minuto 32:56
M..... - A endocrinologia externa, eu tenho esses dados tratados, a percentagem de doentes endócrinos que eu vi na urgência externa é menos de 1% da patologia que eu vi enquanto elemento da urgência externa. “
U. Isto para não falar do Despacho exarado pela Senhora Directora do Serviço, M....., cfr. ponto 6 da matéria de facto provada: “6. Em 27.04.2018, foi exarado despacho pela Responsável do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHLN no requerimento a que se alude no ponto anterior, aí referindo que “O horário de 40 horas / semana é o que permite o cumprimento do estabelecido no Programa de Formação do Internato Médico de Endocrinologia/ Nutrição” (cf. despacho exarado a fls. 291 dos autos no SITAF).”
V. Assim, não deve ser aditado qualquer facto novo, pois o que ficou provado foi o facto constante no ponto 27 dos factos provados: 27. Os hospitais de Santa Maria e de São João são considerados como hospitais de “fim de linha” (cf. prova testemunhal).
X. Quanto ao segundo “facto” a aditar, reitera-se, dado que se trata não de um de facto, mas de uma conclusão, deve apenas o Superior Tribunal ad quem, retirar a ilação contrária à pretendida pelo Recorrente: Os internos de especialidade de Endocrinologia e Nutrição não têm a sua qualidade formativa totalmente assegurada pelo Requerido Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE.
Da revogação da Matéria Provada 20, 21, 22 e 26
Z. Não há qualquer fundamento para revogação, dos factos abaixo transcritos: “20. No Instituto Português de Oncologia, os médicos internos da especialidade e Endocrinologia fazem semanalmente 40 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se inclui serviço de urgência endocrinológica, em regime de urgência interna (cf. prova testemunhal)”. já que os mesmos resultaram provados através dos depoimentos de testemunhas com conhecimento directo dos mesmos, tal como resulta do depoimento da Testemunha D....., que fez a sua formação específica no IPO, a saber: Cfr. Gravação de Audiência de 20-12-2018 15-08-29
1:18:03
Mandatária dos Requerentes - O Sr. Dr. acabou de dizer que trabalha no Hospital da Luz, ou seja, não tem nada a ver com o SNS?
D.....- Não.
Mandatária dos Requerentes - Mas fez, concluiu a sua especialidade?
D.....- Sim.
Mandatária dos Requerentes - É especialista?
D.....- Sou especialista em endocrinologia.
Mandatária dos Requerentes - É especialista em endocrinologia? Muito bem. E onde é que fez o seu internato?
D.....- No Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
Mandatária dos Requerentes - Esteve quantos anos?
D.....- Cinco anos.
01:19:17
Juiz de Direito – E quando é que concluiu?
DM- Em Abril de 2017.
01:20:40
Mandatária dos Requerentes - Quantas horas estava no seu serviço de endocrinologia, durante a semana?
DM- cerca de 40 horas por semana
AA. Já quanto aos pontos 21 e 22 dos factos provados, os mesmos resultam também do depoimento da indicada testemunha. Vejamos:
“21. No Instituto Português de Oncologia, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia até ao 4.º de internato efectuam serviço de urgência central geral em regime de horas extraordinárias (cf. prova testemunhal).
22. No Instituto Português de Oncologia, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia no 5.º de internato não efectuam serviço de urgência central geral (cf. prova testemunhal)”
Cfr. Gravação de Audiência de 20-12-2018 15-08-29
(…)
01:27:13
Mandatária dos Requerentes - Fez urgência externa durante quanto tempo?
D.....- Até ao final do 4º ano, só não fiz no 5º ano.
BB. E quanto à alegada discrepância dos depoimentos das duas testemunhas – D..... e D.....- a existir só poderia ser para tornar mais consistente a tese dos Recorridos, que, o IPO sem ser um hospital de fim de linha, proporciona aos seus internos um contacto muito superior com a patologia da área da formação do que o Hospital de Santa Maria, que, como sobredito, impede os seus internos de tirarem partido do facto de terem podido escolher fazer a sua especialidade num serviço de excelência, atentando contra o bem público que é a saúde e a optimização dos recursos existentes, optando pelo seu manifesto desprezo e desperdício.
CC. Veja-se o depoimento da testemunha D....., cfr. Gravação de Audiência de 20-12-2018 15-08-29
01:33:06
Mandatária do Ministério da Saúde- -A realidade do IPO e do Santa Maria é distinta, relativamente a serviços de urgência?
D.....- É distinta apenas na medida em que qualquer pessoa que vá às urgências do Hospital Santa Maria pode ser vista e no IPO se não for doente oncológico seguido lá, não. É essa a diferença.
01:34:05
Mandatária do Ministério da Saúde -O seu colega falou que… O meu colega perguntou quantos casos que via ao longo do… Por ano… Exactamente… Via em média 700 casos, no Hospital de Santa Maria. E deu exemplo de que, no IPO de Lisboa, viam normalmente 3.000 a 4.000 casos por ano de endocrinologia! Estamos a falar só de endocrinologia! 01:34:40
D.....- De urgência?
01:34:40
Mandatária do Ministério da Saúde Não, não… estamos a falar no serviço de endocrinologia…
01:34:44
Juiz de Direito: Pacientes, no geral, de endocrinologia
01:34:46
D.....- Mas por cada médico ou…?
01:34:47
Juiz de Direito: Sim
01:34:49
D.....- Considerando consulta mais internamento?
01:34:51
Exmo. Juiz de Direito: Sim, sim, tudo.
01:34:52
D.....- não lhe consigo precisar, mas 2 mil seguramente”
DD. Assim, todas as considerações e sofismas sobre a eliminação de dos supra indicados factos destinam-se, a confundir o tribunal, isto é: pretende-se confundir o referido pela testemunha D.....que disse ter tido a possibilidade de efectuar 2000 consultas de endocrinologia, com a afirmação do requerente/recorrido D....., que, remetendo para o seu relatório, referiu que os internos do Santa Maria davam 700 consulta por ano.
EE. Assim, mais uma vez, a conclusão é a contrária à pretendida, pois, em cada ano o IPO permite que os seus formandos vejam cerca de mais 1300 casos que
os Internos do Santa Maria, apesar de este último serviço ser um serviço de fim de linha…
FF. Já quanto ao ponto 26 da matéria de facto provada, ”A generalidade dos hospitais públicos, à excepção do Hospital Egas Moniz e de outro hospital no Porto, não escala os internos de 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição para prestarem serviço de urgência central indiferenciada (cf. prova testemunhal).”, verifica-se a ligeireza do argumento, porque, alega o Recorrente que o tribunal se apoia apenas nos depoimentos indirectos das testemunhas D.....e D....., o que não é verdade.
GG. Desde logo, a testemunha D....., conforme transcrições supra, realizou o seu internato integralmente no IPO, sendo que, há apenas um detalhe no seu depoimento que é comum às restantes testemunhas:
HH. Dado que o universo constituído pelos internos de endocrinologia é pequeno, todos tem conhecimento de que, apenas no Hospital de Santa Maria e Egas Moniz, os internos de Endocrinologia são escalados para serviço de urgência externa, estranha à sua especialidade. E, tal como se refere e bem da douta sentença, tal facto também foi corroborado pelo Senhor Bastonário da ordem dos médicos. Veja-se a Gravação audiência de 20-12-2018, 15-08-29:
01:35:01
Mandatária dos Requerentes -Sabe se algum hospital do país para lá do Santa Maria e o Egas Moniz escala os seus internos de endocrinologia no 5º ano para fazerem apoio a serviço de urgência não diferenciada, bancos centrais onde podem fazer tudo?
D.....- que eu tenha conhecimento, urgência presencial, central, não no 5º ano.
Mandatária dos Requerentes - e como é que pode ter esse conhecimento?
D.....– (…) eu não conheço a realidade de todos, todos os hospitais, mas nós, de endocrinologia, não somos muitos internos, por isso é que nos conhecemos quase todos e questões que sejam entre aspas polémicas, nomeadamente urgências no 5º ano, estamos a par
II. É arrojada e desrespeitosa a afirmação do Recorrente para sustentar a falta de prova ponto 26, já que, as transcrições da audiência de julgamento revelam exactamente o contrário, Vide Gravação da audiência de 20-12-2018 15-08-29
Depoimento da Testemunha J.....
Min. 01:55
Juiz de Direito: Qual a sua profissão?
JP: Sou médico.
Juiz de Direito: Em regime de internato?
JP: Sim, estou neste momento a concluir o terceiro ano de internato.
Juiz de Direito: e onde é que trabalha, já agora, onde é que exerce funções?
JP: Trabalho no Centro Hospital de São João do Porto.
4:30
Mandatária dos Requerentes – Acabou de referir que está no terceiro ano de internato, que tipo de urgência fazem o Vosso serviço? O Senhor Dr. é escalado para algum tipo de urgência?
J.....- É uma urgência do nosso serviço, das 40 horas semanais (imperceptível) dentro dessas 40 horas 12 horas estamos nessa urgência (imperceptível)
Min. 12:59
Mandatária dos Requerentes- Neste momento, quais são os hospitais em que os internos do 5º ano podem fazer serviço de urgência que não seja relacionado com a Endocrinologia… com a matéria da sua formação como especialistas?
(…)
Min. 13:51
J.....– (…) Daquilo que sei, eu ouço falar, daquilo que eu sei, só os Hospitais de Santa Maria e Egas de Moniz de Lisboa escalam internos para a urgência geral (…) aliás, 95% dos doentes provavelmente não serão de endocrinologia(…).
Mandatária dos Requerentes: Daquilo que é do seu conhecimento só estes hospitais é que mantêm ao nível do 5º ano…?
J.....- Daquilo que sei, sim.
Min. 10:14
Mandatária dos Requerentes - Quando o Sr. Dr. estava no 2º ano essa urgência externa era fora das 40 horas do serviço ou não, era trabalho extraordinário, extra as 40horas ou era incluído dentro dessas 40 horas normais de trabalho?
J..... – Incluído nas 40 horas. Nós não fizemos mais do que as 40 horas semanais (imperceptível).
10:50
Mandatária dos Requerentes - Vocês só trabalhavam, portanto, as 40 horas?
J..... – Exactamente.
11:29
Mandatária dos Requerentes - Pode garantir que isso é extensivo a todos os anos, 5º ano também está a fazer urgência interna, isto é, urgência especificamente dedicada a pacientes com patologia de endocrinologia?
J.....- Do 5º ano (imperceptível) pelo menos há dez anos que no Hospital de São João os internos de endocrinologia do 5º ano não fazem (imperceptível).
Mandatária dos Requerentes - Ou seja, não fazem urgência indiferenciada na chamada urgência central?
J.....- Exactamente. No 5º ano nunca aconteceu, nunca ouvi falar (imperceptível), nunca aconteceu.
Min. 12:59
Mandatária dos Requerentes - Neste momento, quais são os hospitais em que os internos do 5º ano podem fazer serviço de urgência que não seja relacionado com a Endocrinologia… com a matéria da sua formação como especialistas?
(…)
Min. 13:51
J.....– (…) Daquilo que sei, eu ouço falar, daquilo que eu sei, só os Hospitais de Santa Maria e Egas de Moniz de Lisboa escalam internos para a urgência geral (…) aliás, 95% dos doentes provavelmente não serão de endocrinologia (…).
Mandatária dos Requerentes : Daquilo que é do seu conhecimento só estes hospitais é que mantêm ao nível do 5º ano…?
J.....- Daquilo que sei, sim.
Cfr. Gravação de Audiência de 20-12-2018 15-08-29, depoimento da Testemunha T.....
42:00 Mandatária dos Requerentes : Então já é especialista?
T.....: Já.
43:10
Mandatária dos Requerentes: Fez o 5º ano do internato de endocrinologia em que hospital?
T.....: No Garcia de Orta.
Mandatária dos Requerentes: No 5º ano alguma vez fez urgência que não fosse especificamente relacionada com a área da sua formação?
T.....: Nunca na urgência central.
Min. 45:20
Mandatária dos Requerentes - Então no 5º ano isso é líquido, não…
T.....- Sim, sim. Aliás, posso até confirmar que até ao final do 4º ano fazia urgência geral, a partir do momento em que (imperceptível) o ano civil referente ao 5º ano, não fui mais escalado para qualquer urgência central, foi uma coisa linear…
II. Além de que, como refere, e bem, o Meritíssimo Juiz a quo, estes depoimentos foram corroborados pela pessoa do Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos. Senão Vejamos:
Gravação de Audiência de 20-12-2018 09-46-26
2:19:09
Bastonário da Ordem dos Médicos - Recebi uma queixa do Centro Hospitalar de S. João do Porto
Mandatária dos Requerentes – Mas dos Internos de Endocrinologia?
Bastonário da Ordem dos Médicos - Dos internos de endocrinologia que levou que eu escrevesse ao Director Clínico (…) e a situação resolveu-se, portanto, o Hospital corrigiu a situação.
Mandatária dos Requerentes - Muito bem.
Bastonário da Ordem dos Médicos - Sei também que recebemos uma queixa que foi dirigida, não ao Bastonário, mas ao Presidente do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos….
2:20:0
Mandatária dos Requerentes - Mas que tem a ver também com endocrinologistas?
Bastonário da Ordem dos Médicos - que tem a ver com vários internos de especialidades como endocrinologista e outras (…) estarem a fazer serviço de urgência geral em vez de estarem a fazer serviço de urgência de especialidade dentro de equipas de endocrinologia.
2:20:22
Mandatária dos Requerentes - Reportando a quem de Direito no Hospital de São João do Porto a situação foi corrigida, no outro, não sabe não é? Porque não lhe foi dirigido directamente?
Bastonário da Ordem dos Médicos- No outro não sei como está a situação.
02:24:34
Bastonário da Ordem dos Médicos -No Santa Maria tanto quanto sei a situação, até há pouco tempo, não estava resolvida.
JJ. Assim, a corrigir –se o facto provado no ponto 26, deve ser mais uma vez a favor dos Recorridos, pois não ficou provado que num outro Hospital do Porto ainda se mantivesse por corrigir a situação referida pelo Senhor Bastonário.
KK. Deverá, assim manter-se o facto 26 como provado no entanto, com uma correcção, já que não se fez prova de que o outro hospital do Porto não tivesse corrigido a situação, embora tudo indique o contrário, sendo os depoimentos
das testemunhas directos e nos aspectos em que o não são foram, corroborados pelo do Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos.
LL. Mais: não existe qualquer incongruência entre os mesmos e o depoimento do Dr. D.....é absolutamente apto para dele se retirar a conclusão que o tribunal, e bem, retirou.
Da improcedência do expendido no recurso quanto à verificação dos requisitos do 109.º do CPTA:
MM. Quanto ao expendido argumento de que o meio que constitui a Intimação do art.º 109.º do CPTA não deveria ter sido admitido, só por si valeria para gerar uma exemplar condenação. Vejamos:
NN. Neste aspecto remete-se para a douta sentença recorrida, que exemplarmente defende a idoneidade da Intimação do art. 109º do CPTA, pelo que apenas se sublinha o absurdo da tese do recorrente para questionar a escolha da acção urgente e definitiva, em vez do procedimento cautelar e subsequente acção. Veja-se:
OO. “O Recorrente considera que a utilização pelos Requerentes de um meio processual cautelar poderia eventualmente ter tido sucesso (chama-se a atenção para o facto de o Recorrido não conceder quanto a este ponto), na medida em que a prova do periculum in mora seria “fácil”, não obstante as naturais dificuldades a assinalar quanto ao fumus boni juris e à ponderação de interesses.”
PP. Os Recorridos consideram que tal alegação só seria admissível num manual de lógica, como exemplo acabado, na arte de mal raciocinar, em que simultaneamente se tem como certa uma coisa e o seu contrário para suportar uma conclusão.
QQ. Reduza-se então ao absurdo a defesa das teses do Recorrente:
RR. O Recorrente defende que o entendimento do tribunal não é verdadeiro.
SS. Ora, o entendimento do tribunal /tese não é verdeiro nem falso; pode estar mais ou menos bem apoiado. Se o defendido na sentença está perfeitamente apoiado na própria natureza da inexorabilidade das situações, como as dos autos, que, uma vez ocorridas, não voltam a repetir-se pela natureza irreversível do tempo.
TT. O entendimento do CHLN não é inteligível à luz da razão natural.
UU. Em segundo lugar, não é a sentença que não consegue explicar o por que razão foi este o meio escolhido e não o meio provisório cautelar.
VV. Ora, o CHLN é que finge não “entender” o que já foi sobejamente explicitado, na presente acção: num caso como o sub juditio a natureza provisória das decisões cautelares é incompatível com a natureza definitiva da perda ou o ganho dos Direitos que urge acautelar:
XX. Mais, o uso do meio cautelar só seria viável no caso de ser deferido o procedimento cautelar, que a acção principal viesse confirmar. E, continuando a “jogar” às alegações, o recorrente admite simultaneamente a possibilidade de ganho no meio cautelar e do seu não ganho, na acção principal (?!?)
ZZ. E só com “argumentos” desta índole podia ter atacado a decisão recorrida, não se concebe que o CHLN não alcance que na hipótese de, intentada a dita providência cautelar, o pedido sub juditio não vir a ser decretado, continuando os Recorridos a ser escalados no quinto ano do internato para o serviço de urgência não endócrina, perder-se-ia definitivamente o direito que se pretende proteger.
AAA. Qualquer sentença que viesse a reconhecer tal direito, seria inexequível, a não ser que se conceba que, decorridos os anos necessários para obter uma decisão transitada em julgado, os médicos recorridos, então já especialistas, regressariam ao serviço para repor o tempo da sua formação específica em falta e deixar de fazer as urgências em Medicina Interna, que, entretanto, já fizeram!?
BBB. E, voltariam, junto com os seus pares dos outros serviços, a prestar provas, para que se propiciasse a igualdade de circunstâncias no acesso à carreira médica do universo dos Internos em questão!?
CCC. E com que currículo? Com o presente ou com o do futuro?
DDD. Todos os seus pares, a quem não é amputado o tempo de formação e que eram opositores a este concurso, voltariam a concorrer às vagas da especialidade da carreira médica em Endocrinologia?
EEE. E no caso de situação inversa, não seria possível que o tribunal condenasse o Tempo a recolocar os factos por forma a fazer valer os direitos a proteger no caso sub juditio, isto no caso dos mesmos não terem ficado acautelados através de um meio cautelar.
FFF. E na hipótese inversa da providência ser decretada, são inúmeras as consequências absurdas, da tese não menos absurda que o Recorrente pretende fazer valer “com o consistente argumento de que, o meio do 109.º do CPCT, só deve ser usado em casos muito urgentes...”
GGG. E mais ainda: conforme supra demonstrado, ao contrário do que afirma o Recorrente prejudicou irreversivelmente a formação dos médicos internos visados e teria continuado a prejudicá-los não fora a decisão recorrida, que, sem qualquer fundamento pretende agora revogar.
HHH. Pelo que, este aspecto da alegação, deve apenas ser considerado para a condenação exemplar do recorrente, nos termos que infra se dirão.
Da improcedência do recurso quanto à matéria de Direito:
III. Entende o Recorrente que os internos recorridos não podem invocar a questão da igualdade, pois, “ (…) o HSM deve ser analisado com as características reais, isto é, tendo em conta o facto de ser um Hospital de “fim de linha”, com serviços que mais nenhum dispõe.“
JJJ. Como se disse, a conclusão que deve ser retirada é a contrária aquela que o Recorrente pretende retirar, pelo que, nada mais há a acrescentar.
KKK. Mais: este argumento não tem qualquer fundamento racional que justifique a contracção direito fundamental do acesso à carreira pública de médico especialista...
LLL. É que a analogia com o Hospital de São João do Porto reúne todas as condições para não ser falaciosa, já que é o espelho do Hospital de Santa Maria, que se situa no Norte do País, sendo que é um exemplo de que o desrespeito pelo regime legal formação dos médicos especialistas só pode resultar de um acto de má gestão e indiferença pelo valor da saúde dos cidadãos, em prejuízo do interesse público.
MMM. E como referiu a testemunha J…. no Hospital de São João, no Porto, os Internos de Endocrinologia, nunca são escalados para as urgências externas, isto é, só fazem urgência interna, a qual se confina à patologia endócrina, sem o encargo do trabalho suplementar.
NNN. São destituídos de sentido os argumentos invocados pelo Recorrente infra citados, que denunciam que o CHLN se sente acima da Lei:
OOO. “Acresce, ainda que os Recorridos, enquanto médicos internos, ficam sujeitos, segundo reza o n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 13/2018, “(…) à organização de trabalho da entidade titular do serviço ou do estabelecimento responsável pela administração da formação, devendo os respetivos horários de trabalho ser estabelecidos e programados de acordo com o regime de trabalho da carreira especial médica e as atividades e objetivos dos respetivos programas de formação”, não sendo lícito, portanto, aos Requerentes tentar obter, por via desta ação, um efeito legalmente descabido e, aliás, proibido, como seja o de não ficarem sujeitos à organização de trabalho do Recorrente, enquanto estabelecimento da sua formação.
PPP.É à entidade de saúde onde os internos fazem a sua formação que compete a organização do trabalho.
QQQ. Representado que está por advogado, não se compreende que desconheça os limites impostos pelo CPA e pela Constituição à actividade administrativa RRR. Mais: do depoimento da Testemunha M....., acareada com os recorridos C.....e D....., resulta que usa os critérios à margem da lei, nomeadamente ignorando a figura da urgência interna. SSS. Falha completamente a razão ao recurso quanto às razões de Direito, desde logo, porque lhe falta a factualidade a aplicar; como sobredito, não existe qualquer fundamento para a revogação do ponto 26 da matéria de facto, nem para que sejam aditados novos factos.
TTT. O enquadramento jurídico dos factos, conforme plasmado no douta sentença, é o seguinte:
UUU. Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26.02 – o qual entrou em vigor em 01.03.2018, cf. artigo 45.º, revogando o Decreto-Lei n.º 86/2015, de 21.05, sendo, assim, aplicável à situação sub judice –, diploma que define o regime jurídico da formação médica pós-graduada, “O internato médico corresponde a um processo de formação médica, teórica e prática, que tem como objetivo habilitar o médico ao exercício da medicina ou ao exercício tecnicamente diferenciado numa determinada área de especialização, com a atribuição do correspondente grau de especialista”.
VVV. Neste desiderato, e para o que importa para o caso, estabelece o artigo 13.º daquele normativo que:
“1 - Os médicos internos estão sujeitos a um período normal de trabalho de 40 horas semanais. (…)
3 - Os médicos internos ficam sujeitos à organização de trabalho da entidade titular do serviço ou do estabelecimento responsável pela administração da formação, devendo os respetivos horários de trabalho ser estabelecidos e programados de acordo com o regime de trabalho da carreira especial médica e as atividades e objetivos dos respetivos programas de formação.
4 - Os horários de trabalho dos médicos internos são estabelecidos e programados em termos idênticos aos dos médicos integrados na carreira especial médica, tendo em conta as atividades específicas dos respetivos programas de formação.
5 - A prestação de trabalho dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos, nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior a 12 horas semanais, a cumprir num único período, e está sujeita às regras aplicáveis à carreira especial médica em matéria de descanso entre jornadas de trabalho, e de descanso compensatório devido pela prestação de trabalho noturno, com prejuízo do horário de trabalho e pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal e em dias feriados.
6 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, a prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, e de natureza excecional, apenas pode ter lugar quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades, e está sujeita, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período.” (sublinhado nosso).
Em complemento do que antecede, preceitua o artigo 38.º do Regulamento do Internato Médico (“RIM”), aprovado pela Portaria n.º 79/2018, de 16.03 – vigente à data da propositura da presente intimação, cf. artigo 3.º – que “O horário dos médicos internos é estabelecido e programado em termos idênticos ao dos médicos integrados na carreira especial médica, tendo em conta as atividades específicas do respetivo programa de formação”, sendo que o “limite anual da duração do trabalho suplementar é de cento e cinquenta horas”.
Por seu turno, o Programa de Formação da Área de Especialização de Endocrinologia/Nutrição (“Programa”) que se encontra actualmente em vigor (aprovado pela Portaria n.º 1/2014, de 02.01), estatui que “A formação específica no Internato Médico de Endocrinologia/Nutrição tem a duração de 60 meses (5 anos, a que correspondem 55 meses efetivos de formação) e é antecedida por uma formação genérica, partilhada por todas as especialidades, designada por Ano Comum”.
Já no que tange à “Descrição do desempenho ao longo do internato”, refere-se, no seu ponto 5, que:
“5.1. Ao longo de toda a formação específica, o interno deverá ser integrado na rotina do Serviço onde está colocado.
5.2. O seu horário deverá incluir não mais de doze horas semanais de Serviço de Urgência.
5.2.1. Nos primeiros quatro anos, este serviço será obrigatoriamente cumprido em unidades de atendimento externo e no 5.º ano o interno deverá efetuar apenas serviço de urgência em Urgência de Endocrinologia. (negrito nosso)
5.2.2. A partir do 2.º ano do internato, a atividade em urgência deverá ser, preferencialmente, na área da Endocrinologia.”.
XXX. Ora, perante tal enquadramento jurídico, tendo ficado provado que, para lá do CHLN, só no hospital de Egas Moniz, escala os médicos internos no 5.º ano da Especialidade de Endocrinologia, para realização de urgências em
Medicina Interna, então, dúvidas não restam que viola o Direito Fundamental, consagrado no art.º 47.º da Constituição.
ZZZ. E que não se trata apenas da violação do Direito à formação, que, como sobredito, o CHLN não assegura nos termos legalmente definidos. Trata-se também do direito a prestar provas nas mesmas circunstâncias em que as prestam os seus pares do Internato de Endocrinologia e Nutrição, que, só pelo facto de fazerem muito mais horas de serviço de urgência, sobretudo no 5.º ano, ficam irremediavelmente comprometidas
AAAA. E defender que com isso o recorrente não está a violar o art.º 47.º da Constituição da República Portuguesa é defender que a carreira médica hospitalar não é uma carreira pública e que não se lhe tem acesso através de concursos em que a notação alcançada determina quase tudo: ter ou não ter um lugar e ficar ou não ficar no lugar pretendido.
BBBB. Não obstante, dúvidas não restam que se trata de uma carreira pública: a Portaria n.º 224-B/2015, no art.º 72.º, estabelece:
“Regime de atribuição do grau de especialista,
Artigo 72.º,
Grau de especialista
Na data da homologação da lista de classificação final dos médicos internos que concluíram com aproveitamento a formação específica, é atribuído o grau de especialista na respectiva especialidade.”
CCCC. O Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de Agosto, no que às carreiras médicas toca, determina:
“Artigo 4.º
O recrutamento para os postos de trabalho em funções públicas, no âmbito da carreira médica, incluindo mudança de categoria, efectua-se mediante procedimento concursal dos médicos na carreira especial médica e compreende os seguintes graus:
a) Especialista;
b) Consultor.
2 – A qualificação dos médicos estrutura-se em graus enquanto títulos de habilitação profissional atribuídos pelo Ministério da Saúde e reconhecidos pela Ordem dos Médicos em função da obtenção de níveis de competência diferenciados e sujeitos a procedimento concursal.
Artigo 16.º
Recrutamento
1 – O recrutamento para os postos de trabalho em funções públicas, no âmbito da carreira médica, incluindo mudança de categoria, efectua-se mediante procedimento concursal.
2 – Os requisitos de candidatura e a tramitação do procedimento concursal previstos no número anterior são regulados por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da saúde.”
DDDD. Ora, como bem sustenta o Tribunal Constitucional, todos estes processos concursais hão-de submeter-se aos seguintes princípios:
“ ( …) o recrutamento do pessoal deveria ter lugar através de um procedimento administrativo conforme aos seguintes princípios:
a) - publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados;
b) - igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
c) - aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação e selecção;
d) - fundamentação da decisão tomada.” Conf. Acórdão n.º 406/2003, Proc. n.º 470/01, Plenário, Relator: Conselheiro C…..
EEEE. E, dado que assim é, a não ser mantida a sentença recorrida, o internos recorridos que, entretanto, forem chegando ao 5.º ano do seu internato,
verão diminuídas as suas condições de acesso à carreira, porque têm menos tempo de formação e, por isso, menos competências e conhecimentos, com menor amplitude na visão da matéria da Especialidade, além de que lhes será lhes será exigido um muito maior esforço, porque, quantificada e objectivamente partem de condições negativamente diferentes, com a consequente possibilidade de aproveitamento inferior.
FFFF. E com a violação das condições de acesso à formação, esse um direito absoluto, fundamental e com assento na Constituição, o Interno que se vê como objectivamente diminuído na hierárquica da graduação relativamente aos outros titulares dos mesmos direitos, e que viverá com as sequelas respectivas ao longo de toda a carreira pública que se segue à atribuição do grau da especialidade de todos opositores aos mesmos concursos na carreira pública médica.
GGGG. Assim, importa concluir que o CHLN, a não ser judicialmente coagido, vai continuar a violar, sem qualquer fundamento racional, o direito de aceder à Carreira Pública.
HHHH. Por fim: Tal foi notado pela sentença: tendo em conta a incerteza acerca dos procedimentos que virão a ser instituídos pelo CHLN com referência aos demais Requerentes quando estes ingressarem no 5.º ano de internato, o Tribunal intimou o Recorrente CHLN, para que a violação do art.º 13.º e 47.º da Constituição não continue a acontecer, já uma vez que o Recorrente faz por regra aquilo que apenas lhe seria permitido fazer a título excepcional, e “quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades” , ultrapassando o limite máximo de 12 horas de serviço de urgência semanais para a “prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas” (cf. artigo 13.º, n.º6, do Decreto-Lei n.º
13/2018, de 26.02), e com o desrespeito do consignado no ponto 5 do programa que impõe que “no 5.º ano o interno deverá efetuar apenas serviço de urgência em Urgência de Endocrinologia.”
IIII. Não obstante, a questão jurídica, em sede de Intimação para violação de um Direito, Liberdade ou Garantia, não é a do incumprimento sistemático do CHLN, sem qualquer justificação entendível, que nem articulou. A questão é que só há outro Centro Hospitalar que não cumpre.
JJJJ. Assim, se nos termos do invocado artigo 13.º da Lei Fundamental, “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condiçãosocial ou orientação sexual” e se o n.º 2 do artigo 47.º da CRP preceitua que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, não pode o Hospital de Santa Maria fazer tal diferença.
KKKK. E, valendo-se das lições de DIOGO FREITAS DO AMARAL (in “Curso de Direito Administrativo”, Volume II, 2014, 2.ª edição, Almedina, páginas 137-139), consignou o tribunal que, “A igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença. (…) Uma medida é discriminatória, e é, por conseguinte, proibida por violação doprincípio da igualdade, se estabelece uma identidade ou uma diferenciação de tratamento para a qual, à luz do objectivo que com ela se visa prosseguir, não existe justificação material bastante.
Esquematicamente, o iter cognitivo a seguir para averiguar se uma medida administrativa é ou não discriminatória é, sinteticamente, o seguinte:
– primeiro, perscruta-se, através da interpretação, o fim visado pela medida administrativa;
– depois, isolam-se as categorias que, para realizar tal fim, são, nessa medida, objecto de tratamento idêntico ou diferenciado;
– finalmente, questiona-se se, para a realização do fim tido em vista, é ou não razoável, à luz dos valores dominantes do ordenamento, proceder àquela identidade ou distinção de tratamento: se é razoável, não há violação do princípio da igualdade; se não é, então há violação do princípio da igualdade” – entendimento que aqui se acolhe na íntegra.”
LLLL. Conclui-se e, bem, na sentença que:
“(a) Ainda que em momento algum tal seja referido, resulta evidente que, à escala dos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição para o exercício de funções no serviço de urgência central das diferentes unidades hospitalares existentes no país, subjaz a necessidade de recursos humanos das respectivas entidades gestionárias para assegurar esse mesmo serviço;
Ora, a prática existente no Hospital de Santa Maria diverge daqueloutra que é possível encontrar na generalidade das demais unidades hospitalares do país.”
(ii) Tal como ficou acima demonstrado, os internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição que exercem funções no Hospital de Santa Maria o fazem em condições desiguais das dos seus pares a exercerem funções noutras unidades hospitalares do país, continuando a ser escalados e a exercerem funções no serviço de urgência central indiferenciada sem que para tal exista uma qualquer justificação razoável;
E, conclui-se aqui, como concluiu a sentença, relativamente aos requerentes que, frequentam no presente o internato:
(iii)Com tal actuação, os Requerentes C.....e D..... – id est, os que se encontram actualmente no 5.º ano de internato – acabaram por ser coarctados de um conjunto significativo de horas que poderia ter sido afectado à sua formação específica, nos termos em que a mesma se encontra prevista no Programa, seja pelo facto de até, pelo menos, Maio de 2018, fazerem semanalmente 32,5 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se incluíam 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mais efectuando uma média de 7,5 horas em serviço de urgência externa em Medicina Interna, seja por força da aplicação das regras atinentes “à carreira especial médica em matéria de descanso entre jornadas de trabalho, e de descanso compensatório devido pela prestação de trabalho noturno, com prejuízo do horário de trabalho e pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal e em dias feriados”, cf. n.º 5 do artigo 13.º do Decreto- Lei n.º 13/2018, de 26.02, nos casos em que esse serviço de urgência seja realizado através em horas extraordinárias; (iv) De harmonia com o disposto nos artigos 52.º e seguintes da Portaria n.º 79/2018, de 16.03, a avaliação do internato médico compreende uma fase de avaliação final aplicável a todos os médicos internos, independentemente do estabelecimento onde tenham exercido funções, a qual tem em vista “atribuir uma classificação, numa escala de 0 a 20 valores, refletindo o resultado de todo o processo formativo e incide sobre os conhecimentos, aptidões e atitudes adquiridos pelo médico interno durante o internato médico”, na sequência da qual lhes é, então, conferida a sua avaliação final do internato;
(v) A avaliação obtida na avaliação final do internato médico pode relevar, de forma significativa, para o acesso à carreira especial médica (v.g., por força do disposto no artigo 20.º, n.os 3, alínea d), e 4, alínea a), da Portaria n.º 207/2011, de 24.05), urge concluir pela violação do n.º 2 do artigo 47.º da Lei Fundamental, na sua vertente de igualdade, pelo CHLN, com a sua consequente intimação a abster-se de escalar os Requerentes, durante os seus quintos anos do internato médico, para a realização de serviço de urgência, seja a que título for, que não relacionado com a área da sua especialidade de Endocrinologia / Nutrição (…)”
MMMM. Não pode aceitar que, estando a sentença fundamentada como acima transcrito, pode o recorrente almejar algum sucesso nas razões que aduz para a sua pretensa revogação:
NNNN. E assim sendo, deve manter-se o decidido, pelo simples facto de o presente recurso viver da negação pela negação dos factos obviamente provados e dos exercícios do “pino” no jogo das regras da inferência lógica, deve o CHLN ser exemplarmente condenado como litigante de má-fé.”

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
“1. Os Requerentes são médicos internos da especialidade de Endocrinologia e Nutrição do serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHLN, exercendo funções no Hospital de Santa Maria (cf. cópias das declarações e talões de vencimento juntas a fls. 38-46 e 70 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
2. Em 05.05.2017, a ACSS emitiu a circular informativa n.º 9/2017/ACSS, subordinada ao assunto “INTERNATO MÉDICO E SERVIÇO DE URGÊNCIA”, cujo teor se reproduz parcialmente infra: “A integração dos médicos internos nas equipas dos serviços de urgência, externa e interna, unidades de cuidados intensivos e unidades de cuidados intermédios ou outras unidades funcionais equiparadas, tem como objetivo primordial a evolução do seu processo formativo e a sua progressiva autonomia na área em que decorre a formação específica, pelo que devem ser proporcionadas aos médicos internos as condições necessárias a essa evolução, em estrito respeito pelo seu programa formativo.
No sentido de assegurar a qualidade formativa do internato médico e de harmonizar procedimentos no âmbito da prestação do serviço de urgência, por parte dos médicos internos, importa definir um conjunto de orientações que, pela relevância que assumem e os propósitos que acabam de se evidenciar, importa levar ao conhecimento de todos os interessados.
Assim, e na sequência dos contributos da Ordem dos Médicos, do Conselho Nacional do Internato Médico e dos Sindicatos Médicos, entende-se ser de divulgar os seguintes esclarecimentos:
1. Os médicos internos, encontrando-se em exercício de funções que visam, em simultâneo, a formação e a prestação de trabalho, devem, em primeira instância, cumprir os respetivos programas formativos. (…)
3. Em termos de carga horária semanal, os médicos internos devem assegurar o serviço de urgência de acordo com o seu programa formativo, até um máximo de 12 horas semanais incluídas no seu período normal de trabalho.
4. Sem prejuízo do que antecede, admite-se a possibilidade de o médico interno realizar, no máximo, mais um período de urgência de 12 horas de trabalho suplementar por semana. (…)
11. Nos dois meses imediatamente anteriores à data do exame de avaliação final não deve ser exigido aos médicos internos a realização de horas extraordinárias e/ou suplementares. (…)
13. A aplicação total das orientações aqui veiculadas é imediata após a sua divulgação, havendo, no entanto e se necessário, um período de três meses para a sua total implementação, de acordo com circunstancias devidamente identificadas e que mereçam deferimento da tutela” (cf. cópia da circular junta a fls. 59-61 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
3. A Requerente C..... elaborou um requerimento, datado de 09.03.2018, endereçado à Senhora Directora dos Recursos Humanos do CHLN, aí solicitando a “alteração de horário para as 40 horas por semana, com a totalidade da atividade clínica a exercer no Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, com efeitos a partir de abril de 2018” (cf. cópia do requerimento junta a fls. 290 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
4. Em 15.03.2018, foi exarado despacho pela Responsável do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHLN no requerimento a que se alude no ponto anterior, aí referindo que “É uma pretensão totalmente justificada à luz do Regulamento do Internato que obriga ao cumprimento de 40 horas/sem no Serviço de Endocrinologia” (cf. despacho exarado a fls. 290 dos autos no SITAF).
5. O Requerente D..... elaborou um requerimento, datado de 26.04.2018, endereçado à Senhora Directora dos Recursos Humanos do CHLN, aí solicitando a “alteração de horário para as 40 horas por semana, com a totalidade da atividade clínica a exercer no Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, com efeitos a partir de maio de 2018” (cf. cópia do requerimento junta a fls. 291 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
6. Em 27.04.2018, foi exarado despacho pela Responsável do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do CHLN no requerimento a que se alude no ponto anterior, aí referindo que “O horário de 40 horas / semana é o que permite o cumprimento do estabelecido no Programa de Formação do Internato Médico de Endocrinologia / Nutrição” (cf. despacho exarado a fls. 291 dos autos no SITAF).
7. Em 25.07.2018, teve lugar uma reunião no Hospital de Santa Maria entre o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos e o Senhor Presidente do Conselho de Administração do CHLN, bem como as Senhoras Directoras Clínica e do Internato Médico desta última entidade (facto admitido por acordo, cf. ponto A. do requerimento de fls. 213-217 dos autos no SITAF e artigos 4.º e 5.º do requerimento de fls. 249-253 dos autos no SITAF).
8. Em data que não foi possível apurar com total exactidão, mas que é seguramente posterior a 25.07.2018, o Conselho de Administração do CHLN remeteu um ofício à Ordem dos Médicos, subordinado ao assunto “Internos do CHLN”, cujo teor se reproduz parcialmente infra:
“Na sequência da importante visita efetuada pela Ordem dos Médicos, e em resposta ao V. Oficio acima identificado, vem o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE (CHULN) reafirmar que o compromisso prestado perante V. Exa., quer em reunião ocorrida entre as partes, quer após as declarações públicas de V. Exa., foi de que a situação começaria a ser faseadamente implementada a partir de outubro do presente ano.
As responsabilidades assistenciais acometidas a este Centro Hospitalar fazem com que a não integração de internos nas escalas do SUC se afigure de difícil resolução, pelo que foi acordado pela Direção do Internato Médico, com o aval da Comissão Regional do Internato Médico, que a mesma terá de passar por uma implementação progressiva.
Nestes termos, e com vista ao compromisso prestado com V. Exa., iniciou-se para efeitos de escala para o presente mês de outubro, relativamente aos médicos internos de 5.º Ano das especialidades de Imunoalergologia, Reumatologia e Endocrinologia, as seguintes alterações:
1. A partir do 5º Ano, os internos completam o seu horário de formação de 40 horas, exclusivamente no Serviço da Formação, de acordo com o determinado no respetivo Programa de Formação.
2. Os referidos internos (5.º ano) poderão ser chamados a realizar Urgência Central, fora do período de formação, até ao limite de 12 horas por semana e 150 horas/ano, nos termos do disposto no número 6 do artigo 13.º do Decreto-Lei nº 13/2018, de 26 de Fevereiro.
3. O horário suplementar referenciado no número anterior é remunerado como trabalho extraordinário.
Acresce que já noutras especialidades médicas haviam ocorrido alterações significativas no que concerne à integração de médicos internos para efeitos de elaboração de horários/escalas do SUC do CHULN, tendo sido dispensados de integrarem tais horários os internos de 5.º ano de Pneumologia, Infecciologia, Hematologia e Oncologia.
Mais se esclarece que as especialidades de Imunoalergologia, Reumatologia e Endocrinologia, não haviam sido dispensadas de integrar as referidas escalas, pelo facto das mesmas não possuírem urgência organizada, ao contrário do que se verifica com as especialidades indicadas no parágrafo anterior.” (cf. cópia do ofício junta a fls. 238-239 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
9. Em 15.10.2018, foi apresentado a juízo um requerimento subscrito pelo Ilustre Mandatário do CHLN, aí afirmando que “a Senhora Dra. C…., no período de janeiro a setembro de 2018, apenas tinha realizado 112 horas extraordinárias, enquanto que o Senhor Dr. D....., para o mesmo período, apenas tinha realizado 24,5 horas extraordinárias” (cf. requerimento e respectivo comprovativo de entrega juntos a fls. 249-253 e 236-237 dos autos no SITAF, respectivamente, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
10. Em 05.11.2018, foi apresentado a juízo um requerimento subscrito pelo Ilustre Mandatário do CHLN, aí afirmando que:
“1 – O CHLN reconhece que, reanalisada a situação da Requerente C…, houve diversos lapsos na contabilização das horas extraordinárias efetuadas pela mesma em 2018, de que vão ser feitas as devidas correções no processamento no presente mês de novembro.
2 – A necessidade das correções a efetuar advêm de uma alteração de horário da referida trabalhadora, com efeitos a abril de 2018, e também de cálculos errados do próprio algoritmo de pagamento.
3 – Efetivamente, em março de 2018, a interna de endocrinologia C.....solicitou um novo horário, o qual veio a ser autorizado pela Diretora Clínica em final de maio de 2018 (cfr. Documento n.º 1).
4 – Contudo e por tal documento não indicar data de início de efeitos da referida alteração, foi solicitado pelo Serviço de Recursos Humanos do CHLN à Senhora Diretora do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo que informasse sobre a data de início de efeitos do referido horário, o que só ocorreu no final do mês de setembro de 2018 (cfr. Documento n.º 2). (…)
11 – Por esta razão, o número de horas extraordinárias agora contabilizadas para a referida interna entre janeiro e setembro de 2018 é de 207,5 HORAS, e não de 112 horas como o CHLN tinha referido nos presentes autos no requerimento que [sic] apresentou dia 15.10.2018. (…) 13 – Mais se informa que igualmente em relação ao Requerente D....., a informação inicialmente prestada pelo Serviços de Recursos Humanos do CHLN também se encontrava errada pelos mesmos motivos acima indicados para a ora Requerente C…..
14 – Isto porque, também o referido médico interno solicitou alteração de horário (…).
15 – Assim, sublinhe-se que o ora Requerente D..... apresenta entre janeiro e setembro de 2018, 105 Horas Extraordinárias, e não as 24,5 que o CHLN referiu na resposta ao Articulado Superveniente que apresentou a estes autos no dia 15.10.2018.” (cf. requerimento e respectivo comprovativo de entrega juntos a fls. 281-285 e 279-280 dos autos no SITAF, respectivamente, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
11. Em 25.10.2018, foi expedido um ofício deste Tribunal com vista a notificar o MS e a ACSS do despacho proferido nessa mesma data, através do qual se instavam ambas as entidades a, no prazo de 5 dias, “virem informar “se os Médicos dos últimos anos do Internato dos serviços hospitalares do país, que não sejam o centro Hospitalar Lisboa Norte e o Hospital Egas Moniz, são escalados para fazer urgências externas em medicina interna, seja a título de trabalho suplementar ou incluído nas 40 horas semanais do seu horário”, juntando, se for caso disso, o adequado suporte documental” (cf. despacho e ofício juntos a fls. 264-267 e 270-271 dos autos no SITAF, respectivamente, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
12. Em 23.11.2018, foi expedido um ofício deste Tribunal com vista a notificar o MS e a ACSS do despacho proferido nessa mesma data, através do qual se determinava a insistência com tais entidades “tendo em vista o cumprimento da segunda parte do despacho de fls. 264-267 dos autos no SITAF, alertando-os expressamente para o dever de cooperação que sobre os mesmos recai, nos termos do artigo 8.º do CPTA e do artigo 417.º do CPC” (cf. despacho e ofício juntos a fls. 294 e 297 dos autos no SITAF, respectivamente, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
13. Em 29.11.2018, o MS apresentou a juízo um requerimento subscrito pela sua Ilustre Representante, aí dando conta de que “é à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., co-réu no processo, e responsável pela carreira médica, que cabe responder à questão colocada e apresentar eventual documentação. Estes serviços não estão na posse dos elementos pretendidos” (cf. requerimento e respectivo comprovativo de entrega juntos a fls. 306 e 307-308 dos autos no SITAF, respectivamente, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
14. No Hospital de Santa Maria, a urgência de endocrinologia é efectuada em regime de urgência interna, nos termos da qual os médicos e internos da especialidade, designados para o efeito em escala própria, são chamados aos diferentes serviços conquanto as circunstâncias médicas assim o imponham (cf. declarações de parte e prova testemunhal).
15. Até, pelo menos, Maio de 2018, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição do Hospital de Santa Maria faziam semanalmente 32,5 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se incluíam 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mais efectuando uma média de 7,5 horas em serviço de urgência externa em Medicina Interna (cf. declarações de parte e prova testemunhal).
16. Os Requerentes C.....e D..... encontram-se actualmente no 5.º ano do internato médico (cf. declarações de parte).
17. A partir de Maio e Junho de 2018, os Requerentes C.....e D....., respectivamente, passaram a fazer 40 horas semanais no serviço de Endocrinologia (cf. declarações de parte).
18. A partir de Maio e Junho de 2018, os Requerentes C.....e D....., respectivamente, continuaram a ser escalados para o serviço de urgência externa de Medicina Interna, sendo o tempo de serviço despendido registado como horas extraordinárias (cf. declarações de parte).
19. A partir de Outubro de 2018, os Requerentes C.....e D..... continuaram a ser escalados para efectuar serviço de urgência externa, mediante necessidade de serviço, deixando, no entanto, de ser escalados para integrar as chamadas equipas contralaterais (cf. declarações de parte e prova testemunhal e tal como decorre ainda, de resto, das cópias das escalas do mês de Outubro de 2018 juntas a fls. 225-233 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
20. No Instituto Português de Oncologia, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia fazem semanalmente 40 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se inclui serviço de urgência endocrinológica, em regime de urgência interna (cf. prova testemunhal).
21. No Instituto Português de Oncologia, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia até ao 4.º de internato efectuam serviço de urgência central geral em regime de horas extraordinárias (cf. prova testemunhal).
22. No Instituto Português de Oncologia, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia no 5.º de internato não efectuam serviço de urgência central geral (cf. prova testemunhal).
23. Até Março de 2018, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia a exercerem funções no Hospital de São João efectuavam serviço de urgência externa central até ao 4.º ano de internato, o qual era incluído no seu horário normal de trabalho (cf. prova testemunhal).
24. Após Março de 2018, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia a exercerem funções no Hospital de São João até ao 4.º ano de internato deixaram de efectuar serviço de urgência externa central, passando apenas a cumprir 12 horas semanais de urgência endocrinológica, em regime de urgência interna (cf. prova testemunhal).
25. No Hospital de São João, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia no 5.º ano de internato não prestam serviço de urgência externa central (cf. prova testemunhal).
26. A generalidade dos hospitais públicos, à excepção do Hospital Egas Moniz e de outro hospital no Porto, não escala os internos de 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição para prestarem serviço de urgência central indiferenciada (cf. prova testemunhal).
27. Os hospitais de Santa Maria e de São João são considerados como hospitais de “fim de linha” (cf. prova testemunhal).
28. Entre Janeiro e Setembro de 2018, a Requerente C.....realizou um total de 207,5 horas extraordinárias (facto confessado pelo CHLN, cf. artigo 11.º do requerimento de fls. 281-285 dos autos no SITAF).
29. Entre Janeiro e Setembro de 2018, o Requerente D..... realizou um total de 105 horas extraordinárias (facto admitido por acordo, cf. artigo 15.º do requerimento de fls. 281-285 dos autos no SITAF apresentado pelo CHLN, o qual não é impugnado pelos Requerentes).
30 Por ocasião da transição de sistemas informáticos em 2018 no CHLN, ocorreu uma série de erros e inexactidões ao nível do cômputo das horas extraordinárias de todos os médicos que são seus assalariados (cf. prova testemunhal).
31. Os serviços do CHLN só posteriormente vieram a adquirir conhecimento desses erros e inexactidões (cf. prova testemunhal).”

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro na decisão recorrida por se verificar a excepção inominada de inadequação do meio processual utilizado - a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias - por inexistir, no caso, um direito, liberdade ou garantia que tenha sido violado, por os Recorridos não ficarem prejudicados com a conduta do Recorrente e porque era possível a utilização de uma providência cautelar;
- aferir o erro na fixação da matéria de facto, devendo ser aditados dois factos e dados por não provados os factos 20, 21, 22 e 26;
- aferir do erro decisório por não ocorrer a violação do direito de acesso à carreira especial médica em situação de igualdade de tratamento, por o Hospital de Santa Maria (HSM) ser um hospital diferente do IPO ou de outros, por se tratar de um hospital de fim de linha, com maior número de urgências e um maior numero de patologias tratadas e porque os Recorridos, enquanto médicos internos, ficam sujeitos à organização de trabalho do estabelecimento em que fazem a sua formação e devem colaboração a esse estabelecimento, prestando serviço de urgência quando haja necessidade de serviço.

Vem o Recorrente dizer que se verifica, no caso, a excepção inominada de inadequação do meio processual utilizado - a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias - por inexistir um direito, liberdade ou garantia que tenha sido violado, por os Recorridos não ficarem prejudicados com a conduta do Recorrente e porque era possível a utilização de uma providência cautelar.
Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.
Trata-se de uma tutela urgente e subsidiária, que visa a defesa de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental de natureza análoga, configurada para ser accionada apenas quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes ou adequados para acautelar aquela situação concreta.
Assim, para o uso desta intimação exige-se: (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito; (ii) visando a protecção de um direito, liberdade ou garantia ou de um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); (ii) por ser impossível ou se mostrar insuficiente e inadequado, frente às circunstâncias do caso, o uso (em primeira linha) do decretamento provisório de uma providência cautelar ou o uso de um qualquer meio cautelar.
Na PI os AA., ora Recorridos, invocam que o HSM, com a sua conduta, viola o seu direito de acesso à formação na especialidade de endocrinologia e nutrição e o direito à prestação de provas em circunstâncias idênticas à dos médicos internos integrados nos outros serviços do país. Dizem os AA. e Recorridos que frente às condutas e práticas do CHLC estão privados de tal formação por um período relevante e, consequentemente, estão colocados numa situação de inferioridade de acesso à carreira médica face aos restantes internos da especialidade de endocrinologia e nutrição, que fazem formação nos outros estabelecimentos hospitalares do país. Dizem os AA. que estão, assim, violados os art.ºs 13.º e 47.º da CRP, porque fica atingido o âmago do seu direito de acesso à carreira pública em igualdade de condições e oportunidades, face aos demais médicos da espacialidade, que são formados noutros estabelecimentos oficiais.
Por conseguinte, face às invocações dos AA. é indubitável que se recorre ao uso da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias porque se alega que a situação litigiosa, que se pretende acautelar, envolve directa e imediatamente o direito ao acesso a uma carreira pública em igualdade de condições e oportunidades, direito que está protegido nos termos dos art.ºs 13.º e 47.º da CRP.
Da causa de pedir, tal como está configurada na PI, deriva que se pretende a protecção de um direito de igualdade no acesso e frequência ao internato médico e correlativamente a protecção no acesso à carreira médica em igualdade de condições e oportunidades. Funda-se a violação na aplicação conjugada dos art.ºs 13.º e 47.º da CRP com o regime legal do internato médico.
Portanto, tal como decorre da PI, no caso, não se está a invocar a violação apenas de normas legais, que concretizam preceitos constitucionais, mas quer-se a protecção do direito ao acesso a uma carreira pública em igualdade de condições e oportunidades, por tal direito estar constitucionalmente protegido.
Em suma, no caso é invocada a violação directa e imediata de um direito, liberdade e garantia e é essa invocação que funda o uso do presente meio processual, sem embargo de se entender correlativamente violados diversos preceitos legais que concretizam as garantias dadas pelos art.ºs 13.º e 47.º da CRP.
Mais se refira, que no que concerne à alegada não ocorrência de uma efectiva violação dos direitos dos Recorridos, é uma questão que já nos remete para mérito da causa e que não releva para a apreciação dos pressupostos para o uso da presente intimação.
Da mesma forma, a alegação de que os Recorridos não ficam prejudicados com a conduta do Recorrente, por a sua formação não ficar cerceada ou diminuída com o serviço de urgências, é uma questão que nos remete para o mérito da causa e que irreleva para a apreciação da excepção de idoneidade do meio utilizado.
Mais se indique, que na PI os AA. e Recorridos alegam o indicado prejuízo, por entenderem que o serviço de urgência nos moldes e tempos exigidos onera em termos de tempo e de esforço acrescido e consequentemente lesa a sua formação especifica, prejudicando-os injustificadamente quando comparados com os restantes internos da especialidade de endocrinologia. Esta alegação justifica o interesse em agir dos AA. e Recorridos e designadamente o interesse em usar a presente intimação.
No que concerne à urgência no uso do meio processual intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, frente ao alegado na PI, também terá de considerar-se um pressuposto verificado.
Os AA. e Recorridos estão todos a frequentar o internato médico, dois deles já no 5.º ano, quatro deles nos 3.º e 4.º ano e os outros 4 nos 2.º e 1.º ano e com a presente intimação visam obstar a que o CHLC os escale, durante o 5.º ano, para serviços de urgência não relacionados com a sua área de formação específica, por entenderem que a prestação desse serviço prejudica a sua formação e avaliação.
Assim, todos os AA. e Recorridos estão a frequentar o internato médico no HSM e pretendem garantir que no âmbito da formação que já estão a frequentar não vão ser privados do tempo necessário e que está previsto para essa formação, por terem de garantir serviço de urgência não relacionado com a sua área de formação específica.
No caso dos médicos que estavam a frequentar o 5.º ano de internado e daqueles que à data da apresentação da PI – em 27-06-2018 – frequentavam o 4.º ano desse internato, a urgência do uso do presente meio é manifesta, ou qui ça já desactualizada, por se estar a decidir a presente questão passado cerca de 1 ano após a apresentação da PI. Nos restantes casos, não deixa de ser uma urgência actual, por se antever que brevemente estarão a frequentar aquele 5.º ano. Mas ainda que a necessidade do uso desta intimação, para estes últimos médicos, não vise objectar a uma situação imediata, porque a ocorrer neste preciso momento ou de imediato, visará garantir e assegurar desde já o seu actual percurso formativo. Visará, portanto, assegurar uma formação que já se iniciou e que terminará em breve.
Mais se refira, com relação a estes últimos médicos, que o uso de uma acção declarativa não urgente não seria adequada para acautelar o seu direito, por não se antever o correspondente términus da acção durante o tempo em que estão a frequentar o internato e até ao início da frequência do 5.ª ano. Ou seja, para todos os médicos que requereram esta intimação – incluindo para os médicos que estavam a frequentar o 1.º ano de internato na data da apresentação da PI e que ora estão transitando para o 2.º ano - o uso de um meio processual principal, não urgente, mostra-se imprestável para alcançar o seu intento, por não se antever que viesse a ser proferida uma decisão final definitiva até ao final do seu 4.º ano de internato, por ser relativamente seguro que o tempo para a duração de tal acção e respectivos recursos iria exceder aquele prazo.
No caso trazido a litígio o uso de um meio cautelar, nomeadamente antecipatório, mostra-se também inidóneo para assegurar a pretensão dos AA. e Recorridos, por o eventual deferimento de uma tutela cautelar antecipatória equivaler à atribuição de facto, efectiva, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se tal tutela àquela que pudesse corresponder à do processo principal. A tutela cautelar aniquilaria os efeitos que resultariam de uma hipotética procedência do pedido feito no processo principal, isto pelo menos no iter processual desse processo principal.
Por seu turno, como decorre do acima assinalado, o uso de um meio principal, não urgente, não acautelaria, em tempo útil, a situação dos Recorridos, pois estão todos a frequentar o internato, que terminarão em breve prazo ou em muito breve prazo. Consequentemente, o tempo necessário ao iter processual de uma acção principal seguramente tornaria inútil o seu direito, por o tempo necessário para o desfecho da mesma não se coadunar com a situação de vida dos AA. e Recorridos e a urgência que decorre do presente litígio.
Em suma, improcede o invocado erro de julgamento relativamente à excepção de inidoneidade do uso do meio intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

Diz o Recorrente que se verifica um erro no julgamento da matéria de facto, devendo ser aditados os seguintes factos: “O Hospital de Santa Maria tem o melhor Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do país, com especialidades que não se encontram em mais nenhum hospital”, tendo em conta o depoimento da testemunha M....., transcrito nas alegações de recurso e “Os internos de especialidade de Endocrinologia e Nutrição têm a sua qualidade formativa totalmente assegurada pelo Requerido Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE”, considerando o depoimento da testemunha M......
Mais diz o Recorrente, que devem ser dados por não provados os factos 20, 21, 22 e 26.
Nos termos dos art.ºs 636.º, n.º 2 e 640.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto.
Mas o artigo 640.º do CPC estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o Tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo Tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no Tribunal superior daquela que teve o Tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este Tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo Tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.

Diz o Recorrente que deve ser aditado o seguinte facto, que se retira do depoimento de M.....: “O Hospital de Santa Maria tem o melhor Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do país, com especialidades que não se encontram em mais nenhum hospital”.
Este facto, para além de irrelevar, de todo, na decisão a tomar, não fica inequivocamente provado com base numa apreciação subjectiva e pessoal de uma médica daquele serviço. O que a referida médica indicou nas passagens que vêm assinaladas do seu depoimento foi a sua opinião acerca da qualidade do serviço em questão.
Improcede, portanto, esta alegação de recurso.

Igualmente, improcede a alegação à falha no julgamento de facto por não se ter dado por provado que “Os internos de especialidade de Endocrinologia e Nutrição têm a sua qualidade formativa totalmente assegurada pelo Requerido Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE”, com base no depoimento da testemunha M......
Como referem os Recorridos, esta afirmação, mais que um facto, consubstancia um juízo conclusivo. Depois, do depoimento da testemunha não se retira a indicada afirmação ou juízo.

Diz o Recorrente que devem ser dados por não provados os factos 20, 21, 22 e 26.
Como decorre da motivação constante da sentença recorrida, os factos 20 a 26 foram dados por provados com fundamento no depoimento de D.....e T....., que exerceram funções no IPO. Ouvidos os seus depoimentos, não são os mesmos contraditórios.
No que concerne ao facto 26. foi dado por provado com base nos depoimentos de D.....e J....., sendo que só J..... afirmou não ter um conhecimento directo acerca das várias realidades perguntadas, salvo no que concerne ao Centro Hospitalar de São João do Porto, onde trabalhava. Já D.....afirmou ter conhecimento directo do perguntado. Estes depoimentos foram também corroborados pelos de J….. Todos estes depoimentos apontam para a prova do facto 26., nos moldes em que ficou vertido na sentença recorrida.
Nesta consonância, não há razões para se considerar que a decisão recorrida errou quando fixou os factos 20, 21, 22 e 26 nos moldes em que o fez.
Em suma, improcedem as alegações relativas ao erro no julgamento da matéria de facto.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório por não ocorrer a violação do direito de acesso à carreira especial médica em situação de igualdade de tratamento, por o HSM ser um hospital diferente do IPO, ou de outros, por se tratar de um hospital de fim de linha, com maior número de urgências e um maior número de patologias tratadas e porque os Recorridos, enquanto médicos internos, ficam sujeitos à organização de trabalho do estabelecimento em que fazem a sua formação e devem colaboração a esse estabelecimento, prestando serviço de urgência, havendo necessidade.

Na decisão recorrida julgou-se a presente intimação procedente com base na seguinte fundamentação: “os Requerentes vêm peticionar a intimação do CHLN a abster-se de os escalar durante os seus quintos anos de internato para qualquer serviço de urgência, seja a que título for, que não seja relacionado com a área da sua formação específica de Endocrinologia / Nutrição, para tanto sindicando que a actuação do CHLN, neste âmbito, contrariaria o disposto nos diferentes normativos que regulam o internato médico e, bem assim, prejudicaria a sua formação específica nessa mesma especialidade, bem como o seu acesso às respectivas prestações de provas em circunstâncias idênticas às dos médicos internos integrados em serviços cumpridores, violando, assim, o seu direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, nos termos previstos nos artigos 13.º e 47.º da CRP.
A apreciação do presente thema decidendum implica, deste modo, a análise de dois vectores distintos: por um lado, os termos em que o internato médico tem lugar, por forma a aferir se os internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição podem ou não, genericamente, ser escalados para a prestação de trabalho no serviço de urgência central externa indiferenciada; e, por outro, dilucidar os concretos termos em que tal escalamento vem tendo lugar, no Hospital de Santa Maria e noutras unidades hospitalares do país, de molde a avaliar a eventual existência de uma compressão ilegítima ao princípio da igualdade e ao direito de acesso à função pública.
Vejamos então:
Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26.02 – o qual entrou em vigor em 01.03.2018, cf. artigo 45.º, revogando o Decreto-Lei n.º 86/2015, de 21.05, sendo, assim, aplicável à situação sub judice –, diploma que define o regime jurídico da formação médica pós-graduada, “O internato médico corresponde a um processo de formação médica, teórica e prática, que tem como objetivo habilitar o médico ao exercício da medicina ou ao exercício tecnicamente diferenciado numa determinada área de especialização, com a atribuição do correspondente grau de especialista”.
Neste desiderato, e para o que importa para o caso, estabelece o artigo 13.º daquele normativo que: “1 - Os médicos internos estão sujeitos a um período normal de trabalho de 40 horas semanais. (…)
3- Os médicos internos ficam sujeitos à organização de trabalho da entidade titular do serviço ou do estabelecimento responsável pela administração da formação, devendo os respetivos horários de trabalho ser estabelecidos e programados de acordo com o regime de trabalho da carreira especial médica e as atividades e objetivos dos respetivos programas de formação.
4 - Os horários de trabalho dos médicos internos são estabelecidos e programados em termos idênticos aos dos médicos integrados na carreira especial médica, tendo em conta as atividades específicas dos respetivos programas de formação.
5 - A prestação de trabalho dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos, nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior a 12 horas semanais, a cumprir num único período, e está sujeita às regras aplicáveis à carreira especial médica em matéria de descanso entre jornadas de trabalho, e de descanso compensatório devido pela prestação de trabalho noturno, com prejuízo do horário de trabalho e pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal e em dias feriados.
6 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, a prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, e de natureza excecional, apenas pode ter lugar quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades, e está sujeita, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período.” (sublinhado nosso).
Em complemento do que antecede, preceitua o artigo 38.º do Regulamento do Internato Médico (“RIM”), aprovado pela Portaria n.º 79/2018, de 16.03 – vigente à data da propositura da presente intimação, cf. artigo 3.º – que “O horário dos médicos internos é estabelecido e programado em termos idênticos ao dos médicos integrados na carreira especial médica, tendo em conta as atividades específicas do respectivo programa de formação”, sendo que o “limite anual da duração do trabalho suplementar é de cento e cinquenta horas”.
Por seu turno, o Programa de Formação da Área de Especialização de Endocrinologia/Nutrição (“Programa”) que se encontra actualmente em vigor (aprovado pela Portaria n.º 1/2014, de 02.01), estatui que “A formação específica no Internato Médico de Endocrinologia/Nutrição tem a duração de 60 meses (5 anos, a que correspondem 55 meses efetivos de formação) e é antecedida por uma formação genérica, partilhada por todas as especialidades, designada por Ano Comum”.
Já no que tange à “Descrição do desempenho ao longo do internato”, refere-se, no seu ponto 5, que: “5.1. Ao longo de toda a formação específica, o interno deverá ser integrado na rotina do Serviço onde está colocado.
5.2. O seu horário deverá incluir não mais de doze horas semanais de Serviço de Urgência.
5.2.1. Nos primeiros quatro anos, este serviço será obrigatoriamente cumprido em unidades de atendimento externo e no 5.º ano o interno deverá efetuar apenas serviço de urgência em Urgência de Endocrinologia.
5.2.2. A partir do 2.º ano do internato, a atividade em urgência deverá ser, preferencialmente, na área da Endocrinologia.”.
Este é, em suma, o quadro normativo que rege a situação sub judice.
Ficou acima demonstrado que, no Hospital de Santa Maria, a urgência de endocrinologia é efectuada em regime de urgência interna, nos termos da qual os médicos e internos da especialidade são chamados aos diferentes serviços conquanto as circunstâncias médicas assim o imponham (cf. facto 14. firmado supra).
Por seu turno, foi também provado que até, pelo menos, Maio de 2018, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia/Nutrição do Hospital de Santa Maria faziam semanalmente 32,5 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se incluíam 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mais efectuando uma média de 7,5 horas semanais em serviço de urgência externa em Medicina Interna – circunstância que se viria a alterar quanto aos Requerentes C.....e D....., ambos no 5.º ano de internato, os quais, na sequência dos pedidos a que se aludem nos pontos 3. e 5. da matéria de facto que retro se deu por assente, passaram a fazer 40 horas semanais no serviço de Endocrinologia, continuando, no entanto, a ser escalados para o serviço de urgência externa de Medicina Interna, sendo o tempo de serviço aí despendido registado como horas extraordinárias (cf. factos 16. a 18. firmados supra).
Ora, relativamente à situação anterior a Maio de 2018 – e tendo em conta a incerteza acerca dos procedimentos que virão a ser instituídos pelo CHLN com referência aos demais Requerentes quando estes ingressarem no 5.º ano de internato, considerando que, como se disse, a alteração de horário dos Requerentes C.....e D..... teve lugar na sequência de pedidos individuais por ambos apresentados com vista a esse efeito –, facilmente se conclui que o modo como o Requerido vinha escalando os internos contraria o disposto na legislação vigente a este respeito, maxime no n.º 5 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26.02, o qual estabelece (em termos, de resto, consentâneos com o que se preceitua no ponto 5.2 do Programa) que “A prestação de trabalho dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos, nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior a 12 horas semanais”.
Ao realizarem 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mediante chamada, acrescidas de 7,5 horas de serviço de urgência externa de Medicina Interna, resulta notório que o limite de 12 horas semanais que ali se estipula estava a ser ultrapassado.
Já no que tange aos termos em que os Requerentes C.....e D..... passaram a exercer as suas funções, a partir de Maio e Junho de 2018, há também que entender que tal exercício não detém guarida no quadro normativo que acima se descreveu.
É que, malgrado a possibilidade que o legislador confere aos centros hospitalares, no sentido de, a título excepcional, e “quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades”, poderem escalar os médicos internos até ao limite máximo de 12 horas semanais para a “prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência, interna e externa, nas unidades de cuidados intensivos nas unidades de cuidados intermédios e noutras unidades funcionais similares ou equiparadas” (cf. artigo 13.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26.02), tal escalamento tem, ainda assim, de ocorrer nos estritos termos em que o ponto 5. do Programa define o desempenho dos internos ao longo do internato e, em concreto, ao comando normativo que ali se consigna no sentido de “no 5.º ano o interno deverá efetuar apenas serviço de urgência em Urgência de Endocrinologia” – isso mesmo transparece linearmente dos n.os 3 e 4 daquele artigo 13.º, aí se estabelecendo, de forma expressa, que a organização do trabalho e horários dos internos são estabelecidos de acordo com as “atividades e objetivos dos respetivos programas de formação”.
Inequivocamente firmado fica, assim, o incumprimento, pelo CHLN, do quadro infraconstitucional que regula o internato médico e a prestação de trabalho pelos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição do 5.º ano que se encontram a exercer funções no Hospital de Santa Maria.
Mas, tal como se viu, o corolário acabado de extrair não é suficiente para concluir pela violação do direito de acesso dos Requerentes à função pública, em condições de igualdade e liberdade.
Na verdade, poder-se-ia dar o caso de todas as unidades hospitalares públicas do país se encontrarem, de igual modo, a violar a lei, escalando os internos de 5.º ano da referida especialidade para o exercício de funções em centros de urgência externa central ou indiferenciada, encontrando-se, assim, aqueles em pé de igualdade.
Todavia, não é isso que sucede.
Conforme ficou acima demonstrado, a generalidade dos hospitais públicos existentes no país (à excepção do Hospital Egas Moniz e de um outro hospital no Porto), de entre os quais se destaca o caso do Hospital de São João, não escala os internos de 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição para a prestação de serviço de urgência externa indiferenciada (cf. factos 20. a 26. firmados supra).
Ora, nos termos do invocado artigo 13.º da Lei Fundamental, “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Complementarmente, e no que para ora releva, dita o n.º 2 do artigo 47.º da CRP que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
Ora, como é sabido, o princípio da igualdade, para além de consubstanciar um valor absolutamente angular da ordem jurídica portuguesa, é expressamente elencado no n.º 2 do artigo 266.º da CRP como um dos limites externos à actuação administrativa, sendo aplicável a “toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada” (cf. n.º 3 do artigo 2.º do CPA).
Em concretização do que antecede, o artigo 6.º do sobredito compêndio legal estatui que “Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever ninguém em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Valendo-nos aqui das sempres actuais lições de DIOGO FREITAS DO AMARAL (in “Curso de Direito Administrativo”, Volume II, 2014, 2.ª edição, Almedina, páginas 137-139):
“A igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença. (…)
Uma medida é discriminatória, e é, por conseguinte, proibida por violação do princípio da igualdade, se estabelece uma identidade ou uma diferenciação de tratamento para a qual, à luz do objectivo que com ela se visa prosseguir, não existe justificação material bastante.
Esquematicamente, o iter cognitivo a seguir para averiguar se uma medida administrativa é ou não discriminatória é, sinteticamente, o seguinte:
– primeiro, perscruta-se, através da interpretação, o fim visado pela medida administrativa;
– depois, isolam-se as categorias que, para realizar tal fim, são, nessa medida, objecto de tratamento idêntico ou diferenciado;
– finalmente, questiona-se se, para a realização do fim tido em vista, é ou não razoável, à luz dos valores dominantes do ordenamento, proceder àquela identidade ou distinção de tratamento: se é razoável, não há violação do princípio da igualdade; se não é, então há violação do princípio da igualdade” – entendimento que aqui se acolhe na íntegra.
Ora, lançando mão da metodologia que ali se propugna, dir-se-á que:
(a) Ainda que em momento algum tal seja referido, resulta evidente que, à escala dos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição para o exercício de funções no serviço de urgência central das diferentes unidades hospitalares existentes no país, subjaz a necessidade de recursos humanos das respectivas entidades gestionárias para assegurar esse mesmo serviço;
(b) Para o que ora releva, em face dos termos em que o presente litígio se encontra configurado, ficou acima demonstrado que, até, pelo menos, Maio de 2018, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição do Hospital de Santa Maria faziam semanalmente 32,5 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se incluíam 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mais efectuando uma média de 7,5 horas em serviço de urgência externa em Medicina Interna (cf. facto 15. firmado supra).
Bem assim, ficou também demonstrado que, a partir de Maio e Junho de 2018, os Requerentes C.....e D....., os quais se encontram no 5.º de internato, passaram a fazer 40 horas semanais no serviço de Endocrinologia, continuando a ser escalados para o serviço de urgência externa de Medicina Interna, com o respectivo tempo de serviço aí despendido a ser registado como horas extraordinárias (cf. factos 16. a 19. firmados supra).
Ora, a prática existente no Hospital de Santa Maria diverge daqueloutra que é possível encontrar na generalidade das demais unidades hospitalares do país.
Tal como resultou provado, na generalidade dos estabelecimentos médicos públicos, de entre os quais ressaltam os casos do Instituto Português de Oncologia e do Hospital de São João, os médicos internos da especialidade de Endocrinologia / Nutrição que se encontrem no 5.º ano de internato não efectuam serviço de urgência externa, central ou indiferenciada, ficando, assim, inelutavelmente demonstrado um tratamento objectivamente desigual entre os internos de 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição que exerçam funções no Hospital de Santa Maria ou noutras unidades hospitalares (excepção feita a um outro hospital no Porto e ao Hospital Egas Moniz, em Lisboa, cf. factos 20. a 26. firmados supra).
(c) Chegados ao terceiro passo do iter que se aqui vem seguindo de perto, cumpre, então, aferir se existe ou não um motivo justificado para tal diferenciação de tratamento.
Sucede, porém, que, dos elementos carreados aos autos, não logra este Tribunal extrair um qualquer racional que legitime esse mesmo tratamento desigual.
A única fundamentação que a esse respeito é apresentada pelo CHLN, em termos minimamente substanciados, encontra-se na alegação constante dos artigos 13.º a 19.º do seu requerimento de fls. 249-253, nos termos dos quais, e em suma, (i) o Serviço de Endocrinologia e Nutrição do CHLN não disporia de camas ou área de internamento, a assistência aos pacientes com patologias desse género seria feita em regime de chamada e o acesso dos internos a doentes urgentes com esta tipologia de patologias só poderia, então, ser efectuado pelo serviço de urgência central, e (ii) as escalas efectuadas pelo serviço de urgência central não deveriam integrar unicamente profissionais médicos de formação especializada de medicina interna, integrando médicos de todas as especialidades médicas, em virtude de ali se assistirem doentes com polipatologias.
Ora, se, por um lado, o primeiro ponto assinalado não obsta, de modo algum, ao acesso dos internos a pacientes urgentes com patologias endocrinológicas (já que, sendo a assistência a doentes prestada através de chamada, sempre poderão aqueles ser chamados ao serviço de urgência central para prestarem a assistência que se mostre devida, sem necessidade de serem escalados concretamente para esse serviço de urgência externa), por outro, não se alvitra – nem o CHLN assim o expende fundadamente – em que termos é que a segunda circunstância descrita diverge da realidade das demais unidades hospitalares, nada deixando antever que não se verifique aí, de igual modo, a necessidade de assistência a doentes com polipatologias (concretamente, do Hospital de São João, com o qual o Hospital de Santa Maria partilha a caracterização de “hospital de fim de linha”, cf. facto 27. firmado supra, sem que daí decorra a necessidade de os internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição serem escalados para o respectivo serviço de urgência central).
Considerando que:
(i) Nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 1/2014, de 02.01, “A aplicação e desenvolvimento dos programas compete aos órgãos e agentes responsáveis pela formação nos internatos, os quais devem assegurar a maior uniformidade a nível nacional”;
(ii) Tal como ficou acima demonstrado, os internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição que exercem funções no Hospital de Santa Maria o fazem em condições desiguais das dos seus pares a exercerem funções noutras unidades hospitalares do país, continuando a ser escalados e a exercerem funções no serviço de urgência central indiferenciada sem que para tal exista uma qualquer justificação razoável;
(iii) Com tal actuação, os Requerentes C.....e D..... – id est, os que se encontram actualmente no 5.º ano de internato – acabaram por ser coarctados de um conjunto significativo de horas que poderia ter sido afectado à sua formação específica, nos termos em que a mesma se encontra prevista no Programa, seja pelo facto de até, pelo menos, Maio de 2018, fazerem semanalmente 32,5 horas no serviço de Endocrinologia, nas quais se incluíam 12 horas de urgência endocrinológica em regime de urgência interna, mais efectuando uma média de 7,5 horas em serviço de urgência externa em Medicina Interna, seja por força da aplicação das regras atinentes “à carreira especial médica em matéria de descanso entre jornadas de trabalho, e descanso compensatório devido pela prestação de trabalho noturno, com prejuízo do horário de trabalho e pela prestação de trabalho em dias de descanso semanal e em dias feriados”, cf. n.º 5 do artigo 13.º do Decreto- Lei n.º 13/2018, de 26.02, nos casos em que esse serviço de urgência seja realizado através em horas extraordinárias;
(iv) De harmonia com o disposto nos artigos 52.º e seguintes da Portaria n.º 79/2018, de 16.03, a avaliação do internato médico compreende uma fase de avaliação final aplicável a todos os médicos internos, independentemente do estabelecimento onde tenham exercido funções, a qual tem em vista “atribuir uma classificação, numa escala de 0 a 20 valores, refletindo o resultado de todo o processo formativo e incide sobre os conhecimentos, aptidões e atitudes adquiridos pelo médico interno durante o internato médico”, na sequência da qual lhes é, então, conferida a sua avaliação final do internato;
(iv) A avaliação obtida na avaliação final do internato médico pode relevar, de forma significativa, para o acesso à carreira especial médica (v.g., por força do disposto no artigo 20.º, n.os 3, alínea d), e 4, alínea a), da Portaria n.º 207/2011, de 24.05), urge concluir pela violação do n.º 2 do artigo 47.º da Lei Fundamental, na sua vertente de igualdade, pelo CHLN, com a sua consequente intimação a abster-se de escalar os Requerentes, durante os seus quintos anos do internato médico, para a realização de serviço de urgência, seja a que título for, que não relacionado com a área da sua especialidade de Endocrinologia / Nutrição, o que se julgará a final.
A decisão de 1.ª instância está totalmente correcta, pelo que se confirma a mesma, subscrevendo-se integralmente a sua fundamentação.
Pela aplicação conjugada dos art.ºs 13.º, n.ºs. 3 a 6, do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02, a prestação de trabalho dos médicos internos nos serviços de urgência não pode ser superior a 12 horas semanais e a prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência apenas pode ter lugar quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades, e está sujeita, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período - cf. também o art.º 38.º do RIM, aprovado pela Portaria n.º 79/2018, de 16-03.
Neste sentido, preceitua-se, também, no ponto 5.2 e subpontos 5.2.1 e 5.2.2. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, que o horário do interno “deverá incluir não mais de doze horas semanais de Serviço de Urgência”, sendo que “nos primeiros quatro anos, este serviço será obrigatoriamente cumprido em unidades de atendimento externo”, a partir do 2.º ano do internato, a atividade em urgência deverá ser, preferencialmente, na área da Endocrinologia”. “no 5.º ano o interno deverá efectuar apenas serviço de urgência em Urgência Endocrinologia”.
De salientar, o ponto 5.1. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, que não obstante indicar que o interno deverá ser integrado na rotina do serviço onde está colocado, prevê, em simultâneo, que no 5.º ano da especialidade a prestação de serviço de urgência apenas ocorra em “urgência de Endocrinologia” e que não exceda as 12 horas semanais. Portanto, o ponto 5.1. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, pressupõe que a integração na rotina do serviço não prejudique ou afaste os termos do próprio programa de formação.
Por seu turno, nos termos do artigo 2.º da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, os órgãos e agentes responsáveis pela formação devem assegurar que esta se faça com “a maior uniformidade a nível nacional”, apelando-se, assim, para um critério de igualdade na prestação da formação e na avaliação a que a mesma conduza.
Identicamente, o art.º 13.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02, fazem depender a organização do trabalho e a gestão de horários dos serviços hospitalares das actividades e objectivos que se visam alcançar com a formação dos médicos internos.
Por conseguinte, do supra indicado quadro normativo resulta que:
(i) a que a prestação de trabalho “normal” nos serviços de urgência dos médicos que frequentam o 5.º ano do internato não pode ser superior a 12 horas semanais;
(ii) deve efectuar-se apenas em Urgência de Endocrinologia;
(iii) tratando-se de trabalho extraordinário,
a) apenas pode ser efectuado quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades;
b) está sujeito, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período;
c) e só pode ser efectuado na indicada Urgência Endocrinologia.
Conforme factualidade provada nos autos, no HSM a urgência de endocrinologia é efectuada em regime de urgência interna e, pelo menos desde Maio de 2018, os médicos internos da indicada especialidade faziam 12 horas de urgência (interna) endocrinológica.
Resulta também provado nos autos, que a essas 12 horas acrescia uma média de 7,5 horas semanais em serviço de urgência externa, em Medicina Interna.
Esta situação alterou-se, porém, para os ora Recorridos, C.....e D....., ambos no 5.º ano de internato, por via dos requerimentos que apresentaram, passando estes médicos a fazer 40 horas semanais no serviço de Endocrinologia, não obstante continuarem escalados para o serviço de urgência externa de Medicina Interna, serviço que passaram a prestar como correspondendo a horas extraordinárias.
Ou seja, da factualidade provada resulta manifesta a existência no HSM de uma prática contrária aos supra indicados normativos, que leva a que os médicos internos da especialidade de Endocrinologia/Nutrição, a frequentar o 5.º ano de internato, sejam escalados e tenham de realizar serviço de urgência para além 12 horas semanais e em urgência indiferenciada.
Porque os Recorridos C.....e D..... se manifestarem contra tal prática, passaram a fazer as 40 horas de trabalho “normal” semanal no serviço de Endocrinologia. Contudo, o HSM continuou a imputar a estes médicos a obrigação de prestação de serviço de urgência indiferenciada para além das 12 horas semanais, mas agora sob a “capa” de trabalho extraordinário.
Em suma, da factualidade provada resulta que o HSM adoptou uma prática que infringiu o preceituado nos art.ºs 13.º, n.ºs. 3 a 6, do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02 e o ponto 5.2 e subpontos 5.2.1 e 5.2.2. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, determinando aos médicos internos da especialidade de Endocrinologia/Nutrição a prestação de trabalho em urgência indiferenciada e para além das 12 horas semanais que lhes poderia ser exigida. Depois, sendo confrontado com a invocação da violação dos citados preceitos legais, o HSM manteve tal prática com relação aos médicos C.....e D....., mas agora por via da obrigação de prestação de trabalho extraordinário.
Neste recurso o Recorrido reafirma a legalidade de tal prática quando feita a coberto do referido trabalho extraordinário, por entender que o HSM é um hospital diferente dos outros, por ser um hospital de fim de linha, com maior número de urgências e um maior número de patologias tratadas.
Porém, tal argumento não colhe, quer porque não vem provado nos autos que o referido serviço se mostrava indispensável para o assegurar o normal funcionamento da urgência do HSM, quer porque aos referidos médicos só poderia ser exigido trabalho extraordinário na Urgência Endocrinologia.
Da mesma forma, frente à matéria provada nos autos também não é possível concluir por uma especial particularidade do HSM, que o diferencie de todos os outros estabelecimentos hospitalares existentes no país.
Por fim, reafirme-se, que os factos provados indicam existir no HSM uma prática de atribuição de trabalho em serviço de urgência indiferenciada aos médicos internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia/Nutrição. Da factualidade provada resulta, ainda, que tal prática foi contestada por dois dos médicos visados. Então, frente a tal contestação, o HSM não alterou as exigências de trabalho, mas apenas passou a qualificar o trabalho que se queria prestado por aqueles dois médicos como extraordinário. Entretanto, só nesta acção – e à posteriori – vem-se fundamentar a anterior exigência de prestação de trabalho com a invocação da necessidade para o serviço e a peculiaridade do serviço que ocorre no HSM. Ou seja, a sustentação da necessidade do trabalho extraordinário nas urgências do HSM configura-se nos autos como uma justificação tardia para uma conduta ilegal e não como uma fundamentação prévia à determinação de tal exigência de trabalho, que ajude a legitimar essa mesma exigência. Não colhe, pois, este argumento.
No restante, como já se disse, a prestação de trabalho extraordinário dos médicos internos nos serviços de urgência apenas pode ter lugar quando se mostre indispensável para assegurar o normal funcionamento daqueles serviços e unidades e está sujeita, em cada semana de trabalho, ao limite máximo de 12 horas, a cumprir num único período. Tratando-se de internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia/Nutrição, tal serviço só pode ser efectuado na indicada Urgência Endocrinologia - cf. art.ºs 13.º, n.ºs. 3 a 6, do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02, ponto 5.2 e subpontos 5.2.1 e 5.2.2. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01.
Da mesma forma, da matéria apurada nos presentes autos também não deriva que o trabalho que se requer prestado pelos médicos internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia/Nutrição, a título de trabalho extraordinário, preencha o critério da indispensabilidade, por estar provado que sem esse trabalho fica em causa o normal funcionamento dos serviços de urgência.
Dizem os AA. e Recorridos que com a sua conduta o HSM, para além de violar os supra-indicados preceitos legais, também violou o seu direito de acesso à função pública em condições de igualdade, violando os art.ºs 13.º e art.º 47.º, n.º 2, da CRP, pois acabaram tratados de forma diferente dos restantes Colegas que fazem o internato noutros hospitais e esse tratamento diferenciado prejudica o seu acesso e avaliação na profissão.
Vem o Recorrente alegar a inexistência de tal violação, aduzindo que o HSM é um hospital de fim de linha, necessariamente diferente e com necessidades desiguais face aos restantes.
Sem embargo das alegações do Recorrente, a invocada diferença do HSM não ficou provada nos autos.
Frente à matéria factual fixada, não resultou provado que o HSM apresente uma especificidade que o distinga das restantes unidades hospitalares e que justifique, fundadamente, um tratamento diverso relativamente aos médicos internos a frequentar o 5.º ano da especialidade de Endocrinologia/Nutrição. Isto é, não resultou provado nos autos que o HSM não deva cumprir escrupulosamente o programa formativo que vem previsto na Portaria n.º 1/2014, de 02-01, quer pelos seus médicos internos deverem fazer urgência indiferenciada, quer por deverem prestar serviço de urgência para além das 12 horas semanais.
Como resulta da factualidade provada nos autos, a preterição dos indicados limites legais não estará ocorrer na generalidade dos hospitais públicos existentes no país. Logo, os médicos internos do HSM estarão a ser tratados no âmbito do seu programa de formação de forma diferenciada em relação aos restantes internos, que fazem formação noutras unidades hospitalares.
Como decorre do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02 e da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, a formação dos médicos internos da especialidade de Endocrinologia/Nutrição dever fazer-se através de estágios em diversas unidades hospitalares. Está pressuposto nesses diplomas que tais unidades hospitalares apresentarão realidades necessariamente diferenciadas. Sem embargo, o legislador estabeleceu um programa formativo único, que se quer implementado da forma mais uniforme possível. Trata-se, ainda, de um programa minuciosamente regulado, que inclui a indicação peremptória dos tempos de formação em cada especialidade e em cada um dos diversos serviços hospitalares. Estes tempos, tal como decorrem da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, querem-se vinculativos. Nessa conformidade, no art.º 2.º da referida Portaria, o legislador determinou a obrigação dos órgãos e agentes responsáveis pela formação nos internatos de assegurarem um sistema o mais uniforme possível.
Como acima se disse, nos presentes autos não se provou a especificidade do trabalho desenvolvido no HSM, por forma a justificar que os seus médicos internos tenham de se afastar na sua formação do programa que vem delineado na Portaria n.º 1/2014, de 02-01.
Mais se assinale, o teor da circular informativa da ACSS, dado por provado em 2., nos termos da qual a integração dos médicos internos nas equipas de urgência se deve subordinar aos objectivos e tempos da formação, concorrendo para a mesma, afastando a primazia de um fim de mera prestação de trabalho, para satisfazer necessidades – ainda que prementes – de serviço.
Neste enquadramento – fáctico e legal – dizem-nos as regras da experiência, que aqui valem como presunção judicial, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, que a exigência de prestação de trabalho nas urgências hospitalares fora da área da especialidade para os médicos do 5.º ano do internato - que no caso de C.....se cifrou num total de 207,5 horas e no caso de D..... se cifrou em 105 horas, prestadas de Janeiro a Setembro de 2018 - muito provavelmente vão comprometer o programa formativo tal como está legalmente delineado.
De notar, que nos termos do ponto 7. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01, a avaliação dos médicos internos exige, para além da frequência e participação nas actividades de estágio, a elaboração de diversos relatórios, a prestação de provas teórico-práticas e a discussão de trabalhos escritos, dando-se relevância ao desenvolvimento de trabalho “da área profissional de especialização”.
Nessa mesma medida, a prestação de tal trabalho na urgência indiferenciada e para além das horas “normais” de trabalho, irá seguramente prejudicar a aprendizagem dos indicados médicos e a correspondente prestação de provas avaliativas.
Consequentemente, estes médicos poderão ver diminuídas as condições de acesso à sua formação e à correspondente profissão quando comparados com os demais Colegas, igualmente internos, que estejam a frequentar a especialidade noutro estabelecimento hospitalar que não lhes exija idêntica carga de trabalho.
Em conclusão, há que subscrever a decisão recorrida quando entendeu que a prática existente no HSM de escalar os médicos internos do 5.º ano da especialidade de Endocrinologia / Nutrição para urgência central indiferenciada é violadora dos art.ºs 13.º, n.ºs. 3, 4, 5 do Decreto-Lei n.º 13/2018, de 26-02, ponto 5.2 e subpontos 5.2.1 e 5.2.2. da Portaria n.º 1/2014, de 02-01 e do princípio da igualdade, por não existir uma justificação razoável para estes médicos serem tratados no seu programa formativo de forma diferente à que ocorre com os seus Colegas que complementam o internato noutras unidades hospitalares do país.
Igualmente, há que subscrever a decisão recorrida quando entendeu também violado o art.º 47.º, n.º 2, da CRP, na sua vertente de igualdade, por aquela diferença de tratamentos poder comprometer a avaliação a efectuar-se no internato médico e consequentemente o acesso à carreira especial médica em condições de igualdade com os restantes médicos internos - cf. art.ºs 52.º e ss. da Portaria n.º 79/2018, de 16-03 e20.º, n.º 3, alínea d), e 4, alínea a), da Portaria n.º 207/2011, de 24.05.
Em conclusão, há que confirmar a decisão recorrida porque a mesma está inteiramente certa.

Vem os Recorridos requerer a condenação do Recorrente por litigância de má-fé por alegar que a o trabalho nas urgências que prestaram faz parte do seu processo formativo e por ter ocultado o concreto número de horas prestados por C.....e D......
A condenação em litigância de má fé pressupõe e exige que a actuação de alguma das partes desrespeite o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo. Deve a referida conduta estar viciada de dolo ou negligência grave. De fora da litigância de má fé ficam as situações de erro grosseiro e de lide ousada ou temerária.
Para que se considere a existência de uma situação de litigância de má-fé por uso manifestamente reprovável do processo é necessário que nele seja deduzida uma pretensão cuja falta de fundamento a parte não deva ignorar. É exigido que a pessoa do A. (ou do R.) ou do Recorrente (ou Recorrido) aja com dolo, que tenha conhecimento da falta de fundamento da acção e mesmo assim a interponha e em juízo se verifique aquele conhecimento. Exclui o legislador do círculo de protecção da litigância de má fé todas as situações em que o conhecimento da falta de fundamento da acção se deva imputar ao Mandatário da parte ou às situações que conduzam à lide temerária ou ousada.
Ora, é manifesto que a conduta do Recorrente na presente acção não pode considerar-se violadora do princípio da boa fé processual ou visando a obstrução da justa composição do litígio.
O Recorrente não apresentou quaisquer factos ou argumentos de forma distorcida ou com alteração da verdade, mas limitou-se a expor os factos pelos quais considerava que a conduta do HSM era não era ilegal, pugnado pelo erro na decisão recorrida.
A circunstância de se alegar que o trabalho nas urgências fazia parte do processo formativo dos médicos ou de se ter dado por provado na acção que em 2018 ocorreram erros e inexactidões no cômputo das horas extraordinárias, quando ocorreu uma transição de sistemas informáticos, não envolve a invocação de factos contrários à verdade ou que não se pudessem desconhecer.
Pelo exposto, claudica de forma manifesta o pedido de litigância de má-fé.
Porque esta pretensão é manifestamente improcedente, nos termos do n.º 5 do art.º 4.º do RCJ, há lugar a custas de incidente.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- em julgar improcedente o pedido de condenação do Recorrente em litigante de má-fé;
- sem custas pelo Recorrente, por isenção objectiva, sem embargo dos encargos de que tenha dado origem o presente recurso, no qual ficou totalmente vencido (cf. art.ºs 4.º, n.º 2, al. b) e 6, do RCJ);
- sem custas do incidente pelos Recorridos, por isenção objectiva, sem embargo dos encargos de que tenha dado origem o referido incidente, no qual ficaram totalmente vencidos, a pagaram em partes iguais (cf. art.ºs 4.º, n.2, al. b) e 6, do RCJ).

Lisboa, 6 de Junho de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)