Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:770/02.1BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:I ASSISTÊNCIA TÉCNICA. TRANSFERÊNCIA TECNOLOGIA. SIMPLES PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. “DOSSIER” TÉCNICO. CONTRATO DE LICENÇA DE USO: UTILIZAÇÃO DE PRODUTOS E COMPOSTOS QUÍMICOS: INFORMAÇÃO NÃO DIVULGADA E EXPERIÊNCIA ADQUIRIDA NO SECTOR INDUSTRIAL OU CIENTIFICO. CDT CELEBRADO POR PORTUGAL. CONTRATO DE “KNOW HOW”.
Sumário:I) Não constitui qualquer contrato de transferência de tecnologia ou de assistência técnica, sujeito a imposto em Portugal pelo mecanismo de retenção na fonte de IRC, no caso de uma simples lista de componentes de medicamentos genéricos e de acordo com certos princípios activos farmacológicos delas constante, cujo resultado se limite a um mero conteúdo de fornecimento de um serviço que proporciona apenas “um certo resultado do seu trabalho intelectual…” ( cfr artº 1154º do C.Civil), traduzido na descrição de componentes químicas contidos em determinados produtos medicamentosos e não com carácter meramente acessório de uma transferência de tecnologia, e portanto, não sujeição a retenção na fonte em Portugal, e ás taxas fixadas, por dedução ao rendimento devido pelo devedor das ditas importâncias, já que,

II) Não se constituírem como rendimentos obtidos em território nacional, não se traduzirem em quaisquer licenças de uso de produtos e processos de fabrico , nem de certificação medicamentosa e clinica para reprodução industrial das mesmas , não sendo licito a respectiva convolação em contratos de “ Know How”, atento a sua natureza e qualificação dada pela ATA enquanto acordo de assistência técnica.

III) Tal qualificação dada pelo Tribunal a Quo, não pode proceder por falta da sua caracterização como de uma informação não divulgada de uma experiência adquirida no sector industrial ou cientifico, nem de concessão de uso de tal experiência adquirida de concretos compostos e produtos fornecidos para o seu fabrico.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório

T....., S.A., veio deduzir recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida da liquidação adicional de IRC, relativa a retenções na fonte não efetuadas no ano de 1997, em que se fixou imposto em falta de € 30 145,40, e juros compensatórios de € 12 057,52 , tendo para o efeito apresentado as seguintes conclusões :

“1) A Sentença recorrida padece de erro de julgamento consubstanciados na errónea valoração da prova e erro na aplicação do direito, mostrando-se violados, nomeadamente, a alínea a), do n.º 2 do artigo 69º, a alínea a), do n.º 1, do artigo 75º e o n.º 6, do artigo 88º todos do CIRC na redação vigente à data dos factos (1997) e por isso a aplicável à situação sub judicie, o n.º 1, do artigo 98º do CIRS na redação vigente à data dos factos e por isso aplicável à situação sub judicie, bem como, os princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no Art. 103.º, n.º 1 e no Art. 104.º, n.º 2, ambos da CRP, pelo que deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, na medida em que:

A) Entende e alega a RECORRENTE, nos termos da sua impugnação (a fls. 3 e seguintes dos autos), que é incorrecto o entendimento da AF de que constituíram remuneração pela prestação de serviços de assistência técnica os valores por si devidos à C....., sociedade com estabelecimento no Reino Unido, pois que e designadamente, não obstante o teor do contrato celebrado  e levado ao Ponto III a) B) dos Factos Provados), a RECORRENTE apenas veio a adquirir ‘dossiers’ para registo de medicamentos – os identificados no Ponto III a) C) dos Factos Provados, da douta Sentença recorrida,

B) sendo certo que estes ‘dossiers’ – conforme resulta do depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e cujos depoimentos foram gravados e fazem parte integrante dos autos –, mais não são do que compilações exaustivas e organizadas de toda a informação científica disponível no mercado sobre determinados medicamentos genéricos (por oposição, nos termos legais, aos medicamentos de referência, com marca) e princípios activos,

C) elementos informativos que são partilhados pela comunidade científica em pé de igualdade,

D) e constituíram a base sobre a qual a RECORRENTE desenvolveu estudos e ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos, tendo em vista a obtenção de autorização de introdução no mercado nacional (AIM) dos produtos farmacêuticos em questão junto do INFARMED,

E) a ora RECORRENTE adquiriu à C....., exclusivamente, os Dossiers identificados no Ponto III a) C) dos Factos Provados, da douta Sentença recorrida, os quais, em face do seu conteúdo, não poderão jamais ser considerados como ‘transferência de tecnologia’ ou como a prestação de um serviço meramente acessório ou instrumental da transferência de tecnologia, não constituindo assim assistência técnica.

F) Assim, face a tal errada qualificação e subsunção jurídica efectuada pela AF, o acto de liquidação ora impugnado padece dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, causa da sua invalidade nos termos do disposto no Art. 99.º do CPPT, não podendo deixar de ser anulado, por violação de Lei.

G) Ao assim não ter decidido, o Douto Tribunal a quo decidiu em erro de julgamento, valorando erroneamente a prova e errando na aplicação do direito, em contradição com a previsão normativa ínsita na al. a), do n.º 2, do Art. 69.º e na al. a), do n.º 1, do Art. 75.º, ambos do Código do IRC, na redacção vigente e aplicável à situação sub judicio no exercício de 1997,

H) pois que os serviços prestados à ora recorrente pela C..... somente podem merecer a qualificação de meras prestações de serviços, pelo que, em face da norma de incidência vigente à data dos factos – exercício de 1997 –, os mesmos, ainda que devidos a Entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, não ficavam sujeitos a tributação no território nacional.

I) o Douto Tribunal a quo não considerou o Parecer emitido pelo Ministério Público nos autos, nos termos do qual este se pronunciou no sentido da procedência total do pedido, adoptando um entendimento absolutamente similiar ao da RECORRENTE.

J) Errando o Douto Tribunal a quo no julgamento dos factos e do direito, a douta Sentença ora recorrida deverá ser anulada, revendo-se a decisão nela proferida no sentido da procedência total do pedido deduzido pela ora RECORRENTE.

SEM CONCEDER,

K) a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, por alteração da qualificação jurídica dos rendimentos devidos pela RECORRENTE à C..... pelo Douto Tribunal a quo, a qual é ilegal, pois que, in casu, é inequívoco e, aliás, consta dos factos dados como provados pelo Douto Tribunal, em concreto no Ponto III a) D) dos Factos Provados, da douta Sentença recorrida, que a AF qualificou os rendimentos devidos pela Recorrente à C....., após análise concreta e casuística do contrato e dos serviços prestados como sendo ‘serviços de assistência técnica’, não podendo o Douto Tribunal transmudar a qualificação jurídica de tais rendimentos e correspondentes serviços para ‘royalties’, mantendo inalterada quer as correcções técnicas quer a liquidação do imposto perpetuadas com base numa qualificação divergente da AF, ainda que, repita-se, a obrigação do montante de retenção dessa taxa para a ora Recorrente fosse de igual valor.

L) Antes, devia o douto Tribunal anular o acto de liquidação sub judicio porque, em seu entender, eivado de vício que afecta a sua legalidade – pois se assim não fosse, não haveria lugar/necessidade de qualquer alteração da qualificação dos rendimentos feita por parte da AF, nem, a título prévio, de proceder à clarificação/precisão dos conceitos legais de, v.g., ‘know-how, assistência técnica – , cabendo à AF proceder à plena reconstituição da legalidade do mesmo, efectuando nova liquidação de imposto, desta feita, com fundamento na qualificação de tais rendimentos como ‘royalties’, se para tanto estivesse em tempo, com base nos termos do disposto no Art. 100.º da LGT.

M) Assim, deverá a presente Sentença recorrida ser revogada, anulando-se a liquidação adicional de imposto objecto dos presentes autos, julgando-se totalmente procedente o pedido deduzido pela Recorrente

2) Por reconhecer relevância ao julgamento do presente recurso, a Recorrente apela a que seja considerado na decisão do presente recurso, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, do 2.º Juízo – 2.ª Secção (Contencioso Tributário), de 19 de junho de 2013, proferido no processo n.º 04075/10, em que era Recorrente a T..... e Recorrida a Fazenda Pública, ora junto como Anexo II, e no âmbito do qual foi apreciada e decidida questão decidenda idêntica àquela que constitui objecto dos presentes autos e recurso, mas desta feita, por referência ao exercício de 1996, no qual foi decidido conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se totalmente procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação in totum da liquidação impugnada, e do qual resulta, em síntese conclusiva

Nesta sequência, considerando a pobreza descritiva do relatório de inspecção, as operações materiais apuradas nos autos com referência à actividade da ora Recorrente no domínio em apreço, emerge a ideia de que a ora Recorrente carecia dos “dossiers” em apreço, contendo a informação disponível sobre “estado da arte” relativo ao produto químico respectivo, no âmbito ao desenvolvimento/produção de produtos farmacêuticos genéricos, tendo adquirido os dossiers relativos aos produtos químicos identificados nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos com o objectivo de obter a posterior autorização de introdução no mercado dos respectivos produtos em Portugal, sendo este o enquadramento das operações a considerar nos autos.

Sendo assim, como é, as empresas britânicas descritas nos autos habilitaram a ora  Recorrente com a tal informação de que a mesma carecia, o que é diferente da prestação de assistência técnica, pois esta implica a prestação de um serviço complementar ou instrumental que não se detecta no caso em apreço.

Deste modo, estamos longe da realidade que serve de suporte ao procedimento da AT, pois que não se vislumbra a presença dos elementos os elementos tipificados no contrato de assistência técnica, de modo que, tem total pertinência a alegação da Recorrente neste domínio, até porque tal como aponta o Ministério Público em 1.ª Instância, “as prestações de serviço em geral, que não constituam assistência técnica realizadas por pessoas colectivas não residentes (as ‘importações de serviços”) não estão sujeitas a retenção na fonte em Portugal por a lei não as incluir expressamente na enumeração taxativa dos rendimentos obtidos em territórios português, (cfr- art. 4º nºs e3; art. 69º nº 2, al. a); art. 75.º, nº 1, als. a) e b) – actualmente art. 88º, nº 1, als. a) e c( -, todos do CIRC) (Ac. deste Tribunal de 29-03-2005, Proc. nº 002113/99, www.dgsi.pt).

Sendo a liquidação em causa ilegal, não existe fundamento para a liquidação de juros compensatórios, pois que a mesma é contaminada com a situação descrita a propósito da aludida liquidação, o que significa que o presente recurso tem de procedente, havendo que revogar a sentença recorrida e determinar a procedência da presente impugnação.

3) E a Recorrente fá-lo, com o merecido respeito pelo primado da Lei, pelo Douto entendimento que o Tribunal Superior venha a proferir e pela liberdade e independência que lhe assiste na prolação da decisão nos presentes autos, mas tendo em conta a identidade da matéria de facto, do tema jurídico e da questão decidenda, que se recorta, em suma, ao enquadramento jurídico da natureza das prestações fornecidas pela C..... à T..... na vigência do mesmo quadro legal (alínea a), do n.º 2 do artigo 69º, a alínea a), do n.º 1, do artigo 75º e o n.º 6, do artigo 88º todos do CIRC na redação vigente à data dos factos e por isso a aplicável à situação sub judicie, o n.º 1, do artigo 98º do CIRS), e que os motivos determinantes da decisão veiculada no Acórdão sejam considerados, como precedente jurisprudencial, reforçando a uniformização de decisões na esfera do mesmo contribuinte, assim como o sistema judicial e os vectores fundamentais da certeza e da segurança jurídica.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DO DIREITO APLICÁVEL E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO COLHER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE TOTALMENTE A DECISÃO ORA SOB RECURSO, COM OS FUNDAMENTOS SUPRA APRESENTADOS, JULGANDO-SE TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DEDUZIDA PELA RECORRENTE, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO IN

TOTUM DA LIQUIDAÇÃO ADICIONAL IMPUGNADA E TODAS AS DEMAIS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

DESTA FORMA, SERÁ FEITA A ESPERADA JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                 *

A Exma.ª Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no qual refere que:

“Analisando os autos, entendemos que o presente recurso não deverá proceder. O exposto na douta sentença mostra-se-nos correto.

A douta sentença encontra-se bem fundamentada de facto e de direito. Entendemos ter feito uma correta e suficiente análise da matéria de facto e correta foi a sua subsunção jurídica.

Nestes termos, somos do parecer que o recurso deve improceder, devendo manter-se o julgado por a decisão sob recurso não padecer de quaisquer vícios, nomeadamente os que lhe vêm imputados.”

                                   *

Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                  *

Na decisão recorrida a decisão sobre a matéria de facto foi a seguinte:

“A) A Impugnante dedica-se à indústria e comércio de produtos e especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos químicos, dietéticos, higiene e alimentar (cf. ponto III.11 do relatório…);

B) Em 1992.02.14, a Impugnante e a empresa T....., Limited, com sede em ....., Isle of Man, outorgaram contrato designado Acordo de  Licença de Know, constante de fls. 31 (doc nº 006554110 de 19-09-2002/00:00:00) e que aqui se dá por integralmente reproduzido; deste transcreve-se:

a. (…);

b. 1. Concessão de Licença

i. (a) T....., Limited (…) concede a [Impugnante] pelo presente contrato, com as suas cláusulas e condições, uma licença válida em toda a EU e países da Europa do Leste (…) para uso do know-how adiante definido respeitante aos compostos designados na relação A anexa ao presente (…) em relação aos compostos (produtos); os produtos derivados do know-how concedidos serão referidos no presente contrato por artigos;

ii. Produtos significa uma especialidade médica, sob todas as formas galénicas, que contenha os compostos isoladamente ou em associação;

iii. Know-How possui o significado de todos os dados, informações, conhecimentos e estudos de pesquisa, incluindo os DMF (Drug Master Files e documentação conexa), respeitante aos produtos na posse do [T....., Limited] e que o mesmo deverá fornecer [à Impugnante] para obtenção da aprovação e comercialização dos produtos nos territórios;

iv. O know-how inclui todos os dados farmacológicos, toxicológicos, clínicos, físicos e biológicos na posse do [T....., Limited], incluindo o know-how para a produção e formulação

industriais;

v. Não obstante o supracitado, o [T....., Limited] pode vender ou autorizar a terceiros venda no território dos produtos derivados do know-how concedido, mas somente se os produtos vendidos desta forma forem de um tipo que [a Impugnante] não se encontra a produzir ou a vender;

vi. (b) os direitos conexos com o know-how aqui concedido e não especificamente abrangidos por este ficam reservados ao [T....., Limited] para seu uso exclusivo;

vii. Aquando do termo deste contrato, seja por que motivo for, todos os direitos no know-how concedido conferido [à Impugnante] através do presente revertem automaticamente para o [T....., Limited];

viii. (c) o [T....., Limited] deverá fornecer [à Impugnante], a preço de custo, todos os materiais de design, publicidade e promoção disponíveis, assim como modelos e amostras relativas aos produtos por si produzidos até à e a partir da data do presente, podendo os mesmos ser ocasionalmente exigidos pela Impugnante];

ix. O [T....., Limited] fornecerá também [à Impugnante] toda a literatura relativa a novos produtos; as obrigações supracitadas no [T....., Limited] existirão apenas durante o tempo em que o mesmo continuar no ramo de produção e venda de produtos;

c. (…);

d. 3.Royalties

i. (a) Como contraprestação contratual da licença concedida pelo presente, [a Impugnante] pagará ao [T....., Limited] um royalty de vendas equivalente a 5% das “vendas líquidas” (…); no que respeita a vendas de artigos ao [T....., Limited], nenhum royalty de vendas será pago;

ii. (b) Para efeitos do presente contrato, “vendas líquidas” significa a quantidade faturada de artigos enviados pela [Impugnante] ou qualquer um dos seus associados, deduzindo os descontos de revenda e devoluções; não se efetuará uma dedução para outros descontos, contas incobráveis ou custos incorridos pela [Impugnante]; para efeitos do presente contrato, Associados significa as entidades controladas por, controladoras de, ou sob comum controlo com [a Impugnante];

iii. O royalty de vendas do presente contrato deverá ser contabilizado e pago trimestralmente no prazo de 30 dias após o termo de cada trimestre;

e. (…);

C) No âmbito do contrato identificado na alínea que antecede a Impugnante adquiriu dossiers para registo de medicamentos (cf. depoimento das testemunhas);

D) A Impugnante foi alvo de inspeção tributária externa que relativamente ao exercício de 1997, concluiu pela necessidade de correções ao lucro tributário declarado e por imposto em falta no montante de PTE 6 043 608$00, relativo a retenções na fonte devido, pelos rendimentos atribuídos, por assistência técnica, a uma empresa sediada na ilha de Man (cf. fls. 6/34 de doc. nº 006554279 de 19-09-2002/00:00:00);

E) Do relatório elaborado em 2000.12.05, pela Equipa 61 de Inspeção Tributária da 2ª Direção de Finanças de Lisboa, constante de fls. 162 (doc nº 006554279 de 19-09-2002/00:00:00), e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

(…);

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

(…)

3.2.6. - Retenção na Fonte - Royalties

No exercício de 1997, a T..... contabilizou na conta 62224211 - Royalties a quantia de PTE 40.290.722$00 (ver anexo 6) não tendo retido na fonte o IR respetivo.

De acordo com os valores contabilizados o montante que deveria ser retido e entregue seria de PTE 6.043.608$00, existindo neste caso imposto em falta nesse montante, por força do artigo 69/ 2 alínea a) e 75/1 alínea a) do CIRC, distribuído pelos seguintes períodos:

Mês de Junho – PTE 1 855 337$00

Mês de Julho – PTE 1 240 246$00

Mês de Novembro – PTE 1 380 560$00

Mês de Dezembro – PTE 1 567 465$00

(…)

F) Do anexo 6 ao relatório de inspeção tributária identificado na alínea anterior, constante de fls. 248 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se o seguinte:

a. (…)

b. Extrato de Conta

i. (…);

ii. Conta nº 62224211 – C.....

1. Nº de lançamento: 12013; data: 97-06-01; (…) Descrição do lançamento: Fact. 102 – Débito: PTE 12 368 916$00; (…);

2. Nº de lançamento: 12168; data: 97-07-10; (…) Descrição do lançamento: Fact. 143 – Débito: PTE 8 268 305$40; (…);

3. Nº de lançamento: 50408; data: 97-11-30; (…) Descrição do lançamento: Provisão – Débito: PTE 9 203 730$00; (…);

4. Nº de lançamento: 14343; data: 97-12-31; (…) Descrição do lançamento: Fact. 332 – Débito: PTE 10 449 771$00; (…);

iii. (…);

G) Em 2001.06.06, foi emitida a liquidação nº ....., respeitante a 1997, com valor a pagar de € 42 202,91, e data limite de pagamento de 2001.07.25, constante de fls. 9 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

H) Em 2001.10.19, na 2ª Direção de Finanças de Lisboa, deu entrada reclamação contra a liquidação adicional de IRC do ano de 1997, por obrigação de retenção na fonte (cf. fls. 3 do PA-RG);

I) Por despacho de 2002.07.23, da Diretora de Finanças Adjunta, em regime de substituição, exarado na informação de 2002.07.19, da Divisão de Justiça Administrativa, constante de fls. 342 do PA-RG e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a reclamação foi indeferida; deste transcreve-se:

a. Concordo;

b. Indefiro o pedido nos termos e pelas razões expostas;

c. (…);

J) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2002.08.01, comunicado à Impugnante o indeferimento da reclamação (cf. fls. 349 a 350 do PA-RG);

K) Em 2002.09.12, a presente impugnação deu entrada no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (cf. carimbo aposto a fls. 1/26 de doc. nº 006554097 de 19-09-2002/00:00:00).”

Quanto a factos não provados, refere a decisão recorrida que:

“Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.”

Em matéria de motivação, consta da decisão recorrida o seguinte:

“A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas que os confirmaram.”

[Fundamentação de direito 1.ª instância]

Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (artigo 124/1 CPPT).

No segundo grupo, a apreciação dos vícios é feita segundo a ordem indicada pelo impugnante [artigo 124/2.b) CPPT].

A Impugnante dedica-se à indústria farmacêutica de produtos que comercializa.

No exercício da sua atividade a Impugnante celebrou um contrato com uma empresa inglesa denominado Acordo de Licença de Know-How.

A Autoridade Tributária e Aduaneira inspecionou o exercício de 1997, e considerou que a Impugnante não reteve na fonte os montantes relativos às faturas contabilizadas na conta 62224211 – Royalties.

No caso dos autos, cabia à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito[1] [2].

A determinação do rendimento real e efetivo será, em primeira linha, o declarado pelo contribuinte; contudo, como forma controlar e de evitar a fraude e evasão fiscais, são cometidos à Administração Fiscal, um poder/dever de fiscalização.

Ora, no exercício desse poder-dever, constataram os Serviços de Fiscalização a contabilização de custos relativos a royalties sem ter sido efetuada a correspondente retenção na fonte.

Defende a Contribuinte que a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia aceitar, sem crítica os lançamentos efetuados pela Impugnante.

Naturalmente que uma fiscalização tem de versar sobre os elementos contabilísticos do contribuinte e é daí que se prescreva a obrigação legal de manter uma contabilidade organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle, comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto. Esta obrigação, se constitui um ónus para o Contribuinte, comporta também, por outro lado, uma outra faceta: uma contabilidade organizada em tais termos constitui a sua garantia de defesa perante a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Contudo, a Autoridade Tributária e Aduaneira não colocou em dúvida que aquelas transações tinham sido realizadas.

Para determinação do lucro tributável a Impugnante levou a custos as faturas emitidas pela empresa não residente e alega, depois, não ter de efetuar a retenção por não ter chegado a efetuar aqueles pagamentos. Afirma assim, que em data posterior, no ano de 1999, ter chegado a acordo extrajudicial com aquela empresa, em que as partes concordaram em anular aquelas faturas.

Todavia, a Impugnante não apresentou qualquer prova de assim ter procedido. Nem de ter acrescido ao lucro tributável os montantes correspondente às faturas anuladas. De todo o modo, tal sempre teria de ser relevado na contabilidade relativa ao ano de 1999.

Em todo o caso, e tratando-se de empresa não residente, i. é, sem direção ou estabelecimento estável em território nacional, a retenção na fonte é feita com carater definitivo. Assim, na altura do apuramento quantitativo das royalties a Impugnante deveria ter retido na fonte o IRC à taxa de 15%, nos termos legais.

Logo, concluímos que a Impugnante deveria ter apurado e entregue nos cofres do Estado o IRC.

Na verdade, e ao contrário do defendido pela Impugnante, de acordo com os lançamentos contabilísticos efetuados, é lícita a conclusão da Autoridade Tributária e Aduaneira (face às regras da experiência) de que as operações comerciais em causa tinham tido existência real e se tinham realizado nas datas indicadas.

Com efeito, atendendo aos dados de facto apurados em sede de fiscalização, concluiu-se não ter sido entregue o imposto correspondente à retenção na fonte a título definitivo.

Incumbia, pois, à Impugnante, como se disse, manter uma contabilidade organizada, por forma a que se pudesse concluir, sem dúvidas, que as faturas não titulavam aquelas transações e, mais, que não tinha sido efetuado o seu pagamento nas datas de vencimento.

Anote-se que a Impugnante não retificou a contabilidade que diz ter sido escriturada em desconformidade, nem apresentou declaração de retificação: as royalties não eram royalties e as faturas emitidas não foram pagas à empresa não residente na data de vencimento.

É certo que a legislação fiscal portuguesa não continha uma definição do conceito de royalties, sendo este preenchido casuisticamente.

Assim, a questão trazida pela Impugnante à apreciação do tribunal prende-se com a qualificação dos rendimentos em causa, se devem ser tributados como royalties ou prestação de serviços; sendo certo que as quantias pagas a residente de outro Estado, são em regra tributadas no país da fonte dos rendimentos.

Ora, estamos em período anterior ao regime de tributação dos juros e royalties previsto na Diretiva nº 2003/49/CE, do Conselho, de 03 de Junho, que entrou em vigor, em Portugal, no dia 1 de Julho de 2005.

Vejamos, então, o quadro legal então aplicável:

Dizia o artigo 4/3.c).1) CIRC: …consideram-se obtidos em território português (…) os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico.

Assim, tratando-se de rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial, da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico e bem assim da assistência técnica, de entidades que não tenha sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis a taxa do IRC é de 15% [artigo 69/2.a) CIRC].

O artigo 75/1.a) CIRC: o IRC é objeto de retenção na fonte relativamente (…) aos rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial e bem assim da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico.

Até às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 25/98, de 10 de fevereiro, aos códigos do IRC e do IRS, os rendimentos provenientes de prestações de serviços de entidades não residentes não eram objeto de tributação.

Partindo da definição contida no artigo 12/2 da Convenção Modelo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico, a doutrina tem autonomizado a perceção de royalties em três grupos, como pagamentos efetuados por cessão de direitos quer de propriedade intelectual (direitos de autor ou direitos conexos), quer de propriedade industrial (patentes, licenças de exploração, marcas, produtos de fabrico, desenhos e modelos industriais, e outros), e ainda por prestação de informação referente a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial e científico, inserida em contratos de know-how.

A jurisprudência, nos Ac. TCAS de 2005.03.29, Proc. nº 002113/99 e no Ac. STA de 2007.04.26, Proc nº 050/07 (disponíveis em www.dgsi.pt), acolheu o conceito de que o objeto destes contratos é transferir tecnologia: contrato de know-how tem por objeto a transmissão de informações tecnológicas preexistentes e não reveladas ao público, em si mesmas consideradas, na forma da cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o adquirente as utilize por conta própria, sem que o transmitente intervenha na aplicação da tecnologia cedida ou garanta ou seu resultado.

Distinguindo-se do contrato de prestação de serviços técnicos e de assistência técnica. O contrato de prestação de serviços técnicos teria por objeto a execução de determinação serviço com aplicação de tecnologia e o contrato de assistência técnica visa uma prestação de serviços que é meramente acessória ou instrumental relativamente a um outro contrato cujo objeto é a transmissão de informação tecnológica.

Ora, a Impugnante celebrou um contrato denominado Acordo de licença de know-how, nos termos do qual lhe eram transmitidos os dados, informações, conhecimentos e estudos de pesquisa, incluindo os DMF (Drug Master Files e documentação conexa (…) – cf. ponto III.a).B).b.iii) dos factos assentes.

E, os dossiers fornecidos à Impugnante no âmbito do contrato não deixam de ser subsumíveis ao conceito de know-how, enquanto prestação de informação referente a experiência adquirida no setor industrial.

A Impugnante alega ainda a carência da fundamentação do ato.

A fundamentação dos atos tributários tem de ser expressa, clara, suficiente e congruente. Assim, e como é jurisprudência assente dos Tribunais Superiores, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

Como vimos já, no caso, cabia à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação, e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.

No que diz respeito à questão formal da motivação do ato em crise teremos de concluir pela sua insuficiência: o ponto de vista relevante para avaliar a suficiência da fundamentação deve ser a do destinatário médio, colocado na situação concreta, devendo dar-se por cumprido o dever legal se a motivação contextualmente externada permite àquele entender as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir e/ou a escolher a medida adequada[3]. Com efeito, os motivos do ato administrativo hão de ser claramente expressos e compreensíveis pelo destinatário, tal como é a própria constituição que o impõe, e articulados entre a previsão normativa e o complexo da situação real do contribuinte que convoca a norma a aplicar, neste caso, a norma que preside à determinação do quantum da liquidação.

Ora, o texto do ato tributário impugnado, é claro e comporta uma decisão que não deixa dúvidas, mas não é apenas nesse sentido que a CRP exige clareza às decisões administrativas: terão de ser inteligíveis e nessa sua inteligibilidade conter enfim os elementos racionais da subsunção à norma invocada.

Contudo, a fundamentação deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.

Como expende Vieira de Andrade[4], há de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados estes pressupostos»; e, como refere o Conselheiro Jorge de Sousa[5]: o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (artigo 74°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respetivo ónus no processo judicial tributário (...).

Ora, a Autoridade Tributária e Aduaneira convence com a propriedade dos argumentos apresentados para a correção efetuada, bem se compreendendo porque é que foi apurado aquele montante de IRC relativo a retenções na fonte.

Na verdade, a atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira não merece a crítica que lhe foi feita pela Impugnante: foi conforme aos elementos da contabilidade que lhe foram apresentados.

Não tem, pois, razão a Impugnante.”

                                                                       *

Vem a recorrente invocar então, nas respectivas conclusões recursivas, que se verificou uma errónea valoração da prova e um erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artºs 69º, nº2, alínea a) e artº 75º, nº1, alínea a), e artº 88º, nº6, todos do CIRC, assim como o nº1, do artº 98º do CIRS, assim como os princípios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva vertida na C.R.P.

Para tanto pretende que se verificou nos autos uma simples prestação de serviços devidos pela recorrente a uma empresa sediada no Reino Unido, e não de uma prestação de serviços de assistência técnica como foi qualificada pela ATA, nem como concluiu a sentença sub Júdice que a qualificou como “ know how”, e portanto sujeito a retenção na fonte de imposto a titulo definitivo em Portugal, o que entende resultar em erro na avaliação feita pelo Tribunal A Quo do contrato estabelecido pela referida prestadora, dado que o que foi disponibilizado pela entidade não residente se resumiu à disponibilização de alguns dossiers  que contém apenas elementos do conhecimento generalizado em matéria de saúde, com o fim de registo de medicamentos no mercado interno e não apenas divulgadas pela respectiva prestadora , nem por si patenteadas, pelo que não podiam revestir aquela qualidade como foi considerada pela A.T. , nem erroneamente qualificadas pelo tribunal de 1ªInstância como de “royalties”, os quais pressupõe a transferência de tecnologia, o que não se observou no presente caso.

Caso em que entende que tal prestação de serviços não era sujeita a retenção na fonte de IRC, por ser prestada por entidade não residente, nos termos da lei.                                                                        

Quanto ao erro na apreciação das provas, acerca dos factos que estariam representados por um dado meio de prova, no caso de um contrato de “transferência de tecnologia “, por si celebrado com aquela referida entidade não residente, atento que foi considerado, na alínea c), do probatório, apenas a disponibilidade de “dossiers” para registo de equipamentos, o que alegadamente não importam tal  carácter acessório  da prestação de serviços decorrente da referida transferência de tecnologia. Ora,

Tal avaliação feita pelo tribunal recorrido , concretiza-se nas operações judiciais de análise critica das provas, pela qual o tribunal indica as ilacções tiradas dos factos instrumentais e especifica os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e de livre apreciação das provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto ( cfr nºs 4 e 5, do artº 607º, do CPC), pelo que constando dos autos tais documentos e atento a prova testemunhal assim considerada na referida análise critica da prova, entende-se que não decorre tal constatação de que houve qualquer erro nessa avaliação dos ditos meios de prova , i.e., dos factos que aí estão representados, sendo certo que a alegação do carácter não acessório da prestação de serviços decorrente da referida transferência de tecnologia, mostra-se como um juízo meramente conclusivo e não factual,   pelo que se entende que não colhe tal erro de julgamento de facto realizado pelo Mº Juiz de 1ª Instância.

                                                                                       *

Quanto ao invocado erro de julgamento quanto ao entendimento de considerar que, no caso se trataria de um rendimento pela prestação de informações respeitantes a experiência adquirida no sector industrial ou cientifico, o qual se terá de considerar como de assistência técnica, dado o carácter instrumental e acessório dos direitos de utilização de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial , comercial ou cientifico, nos termos do disposto na alínea m), do artº 6º do CIRS, o qual no âmbito das C.D.T. assinadas por Portugal, tal se insere no conceito de “royalties”, quanto às remunerações de qualquer natureza pagos pelo uso ou pela concessão do uso e de informações correspondentes à experiência adquirida no sector industrial ou cientifico, sempre se dirá que , conforme consta da alínea c), do probatório , a I.T. fundamentou a correcção em razão de se tratar de um rendimento atribuído por assistência técnica ( sic), sem a necessária concretização e densificação do seu conteúdo que preencha tal qualificação das ditas operações,  sendo porém certo que, do mesmo o que resultava era um mero fornecimento de um serviço proporcionado ao recorrente, conferindo ao mesmo “ um certo resultado do seu trabalho intelectual”, na expressão contida no artº 1154º, do C.Civil, já que, do que se trata é da compilação de um conjunto de compostos químicos e farmacológicos dos produtos contidos em determinados medicamentos genéricos.

Efectivamente, consultados tais “dossiers”, o que ressalta é uma indicação de um conjunto de componentes dos ditos medicamentos aferida pelos respectivos “princípios activos”, e não derivados de qualquer assistência técnica, e muito menos de transferência de “ Know- How”, subjacente à disponibilidade de quaisquer produtos susceptiveis de integrar  “… outras realidades ligadas à transferência de tecnologia, tal como sucede no direito interno : ….., ( assim como) …. a prestação de informações correspondentes à experiência adquirida…”, nas palavras do Ilte Jurista A. Xavier, in “Dtº Tributário Internacional- Tributação das Operações Internacionais”, 1993 , Almedina Coimbra, pags 483 e segs, o qual segundo o mesmo autor se identifica com o conceito de “Know – how”, i.e., toda a informação técnica não divulgada e que seja necessária para a reprodução industrial de um produto ou processo, directamente e sob as mesmas condições, e em benefício do outro contraente, por a mesma “…envolver uma transferência de tecnologia, ao contrário do que acontece numa simples prestação de serviços já que as mesmas não corporizam uma verdadeira transferência de tecnologia, caso em que se tratará de uma “ …pura assistência técnica..”- cfr mesma obra pags 488 e segs.- no mesmo sentido vd. Código do IRS comentado e anotado, ed. da D.G.C.I., pags 102 e segs. Pois bem, esta última circunstância é a que se observa no presente caso, como ficou expresso supra.

Dito isto,

 A  caracterização dos referidos “dossiers” que lhe foram facultados por aquele contraente , como de simples prestação de serviços em razão do seu conteúdo, encontra-se devidamente fundamentada,  sendo que o raciocínio empreendido pelo Tribunal A Quo no sentido de tais “dossiers”  se deveriam  integrar no âmbito do acordo de licença de uso por si celebrado com a referida “C....., Ldª”,  no âmbito do qual teriam sido facultados pela cedente a utilização de determinados compostos ( produtos relativos a especialidades médicas e seus derivados), como resulta da alínea b), do probatório, o qual se destinava a aprovação e comercialização de tais produtos pelo seu beneficiário, o qual incluía dados farmacológicos, taxilógicos , clínicos, físicos e biológicos pertencentes ao concedente, tal não corresponde à realidade por tais serviços assim facultados e ora controvertidos não serem susceptiveis de se inserirem naquele mencionado contrato de “Know –How”, nem poderem ser tidos como meramente acessórios de qualquer transferência de tecnologia, antes redundavam na prestação de “pura assistência técnica”, sem conexão aparente ou real ,  de qualquer disponibilidade de quaisquer produtos, ou ainda de qualquer prestação de informações correspondentes à experiência adquirida em função do dito contrato , pelo que não pode ser acolhido a tese sufragada na sentença  , pelo que entende este Tribunal Superior que se verifica um erro de julgamento na aplicação das normas tributárias consideradas e tidas como corporizando operações que implicariam uma transferência de tecnologia, e não de uma pura “ assistência técnica” prestada pelo dito concedente como ora se enquadrou e considerou nesta Instância superior .

 Como bem assinala o recorrente na sua conclusão 2º, não se mostrava assertivamente certa qualquer modificabilidade empreendida pelo Mº Juiz de 1ª Instância de diferente qualificação do negócio em causa nos autos face à consideração efectuada pela ATA enquanto tendo por objecto uma  “ assistência técnica”, o qual carecia, por sua vez,  de necessário suporte legal, como bem se depreende do Ac. do TCA aí citado e que aqui se acolhe e se dá por reproduzido, e do qual consta o seguinte, 

“Nesta sequência, considerando a pobreza descritiva do relatório de inspecção, as operações materiais apuradas nos autos com referência à actividade da ora Recorrente no domínio em apreço, emerge a ideia de que a ora Recorrente carecia dos “dossiers” em apreço, contendo a informação disponível sobre “estado da arte” relativo ao produto químico respectivo, no âmbito ao desenvolvimento/produção de produtos farmacêuticos genéricos, tendo adquirido os dossiers relativos aos produtos químicos identificados nos documentos juntos a fls. 53 e 54 dos presentes autos com o objectivo de obter a posterior autorização de introdução no mercado dos respectivos produtos em Portugal, sendo este o enquadramento das operações a considerar nos autos.

Sendo assim, como é, as empresas britânicas descritas nos autos habilitaram a ora  Recorrente com a tal informação de que a mesma carecia, o que é diferente da prestação de assistência técnica, pois esta implica a prestação de um serviço complementar ou instrumental que não se detecta no caso em apreço.

Deste modo, estamos longe da realidade que serve de suporte ao procedimento da AT, pois que não se vislumbra a presença dos elementos os elementos tipificados no contrato de assistência técnica, de modo que, tem total pertinência a alegação da Recorrente neste domínio, até porque tal como aponta o Ministério Público em 1.ª Instância, “as prestações de serviço em geral, que não constituam assistência técnica realizadas por pessoas colectivas não residentes (as ‘importações de serviços”) não estão sujeitas a retenção na fonte em Portugal por a lei não as incluir expressamente na enumeração taxativa dos rendimentos obtidos em territórios português, (cfr- art. 4º nºs e3; art. 69º nº 2, al. a); art. 75.º, nº 1, als. a) e b) – actualmente art. 88º, nº 1, als. a) e c( -, todos do CIRC) (Ac. deste Tribunal de 29-03-2005, Proc. nº 002113/99, www.dgsi.pt).- cfr Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, do 2.º Juízo – 2.ª Secção (Contencioso Tributário), de 19 de junho de 2013, proferido no processo n.º 04075/10.

Nos termos expostos, não podia ser assim aplicada aos factos apurados tais preceitos legais relativas á obrigatoriedade de proceder à retenção na fonte de imposto devido, por tais rendimentos postos à disposição ao respectivo titular por banda do devedor de tais importâncias, e de acordo com o mecanismo de substituição tributária, assim resultando a violação dos preceitos do IRC quanto á sua sujeição a retenção na fonte e da taxa aplicável a tais rendimentos de entidades não residentes, nos termos do disposto na alínea a), do nº2, do artº 69º, do CIRC, conjugado com o disposto na alínea a), do nº1, e 6, do artº 75º, do mesmo Código, e do artº 94º, do CIRS , já que tais rendimentos de simples prestação de serviços, desde logo por não se tratar de rendimentos obtidos em território português, e não se encontrarem sujeitos a retenção na fonte e pelas taxas ai mencionadas, nem devem ser deduzidas às importâncias correspondentes a essa taxas, pelo que entende-se que a ATA  não podia proceder às ditas correcções de imposto devido por aquelas operações, não tendo o devedor daquelas importâncias de proceder a tal retenção de imposto de IRC e entrega-lo ao Estado, por não ser devido tal tributo à Adm. Fiscal, assim como dos juros compensatórios apurados que dela dimanam por inexistir retardamento da liquidação do imposto devido ou a reter no âmbito da dita substituição tributária. –cfr nº1, do artº 35º, da LGT.

Quanto á alegada violação do principio da legalidade e da capacidade tributária, não se descortina em que medida e que preceitos da lei substantiva , ou de cuja interpretação se conclui nesse sentido, pelo que não pode este Tribunal pronunciar-se sobre as referidas inconstitucionalidades.


                                                                                      *

Dispositivo

Nos termos expostos  concede-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença proferida , sendo procedente a impugnação deduzida .

                                                                             *

Custas pelo recorrido nas duas instâncias,  sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais). .

Notifique.

[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores  Mário Rebelo e Patrícia  Manuel Pires ].

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[1] Vd. Ac. do STA de 2004.01.14, proferido no Proc. n.º 01480/03:

I – O Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, só pode sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos limitados termos do art. 722º, 2, do CPC.

II – Só há dúvida sobre o facto tributário se da prova produzida resultar fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

III – Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.

[2] Extrato do Ac. referido na nota antecedente:

.......................

O Pleno desta Secção, por acórdão de 7/5/2003 (rec. 1026/02) ( in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n. 502, pág. 1520 e ss.), tirado por unanimidade, abordou com exaustividade a questão do ónus de prova.

Convém relembrar o que aí se assentou, e que merece a nossa inteira concordância.

Escreveu-se:

"Temos, pois, que, quando seja a Administração Fiscal a praticar um ato, designadamente, um ato tributário de liquidação, fundada na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, é ela que deve provar tal existência, pressuposto da sua atuação. Estamos perante um corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua atuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente...”

................

[3] Ac. STA, Pleno da Secção do CA, Proc. nº 01423/02, de 25-01-2005 (Rel.: Conselheiro Políbio Henriques) disponível em www.dgsi.pt.

[4] Aut. cit., A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA: Lições, 2ª edição, pág. 269.

[5] Aut. Cit., CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO: Anotado, 2.ª edição, pág. 470.