Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:553/03.1BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:ANTÓNIO ZIEGLER
Descritores:IRC: APURAMENTO DE PROVEITOS DE ACORDO COM OS VALORES DE FACTURAÇÃO APURADOS.
EMISSÃO DE NOTAS DE CRÉDITO.
ATENDIBILIDADE DAS MESMAS NAS CONTAS DE PROVEITOS COMO DIMINUIÇÕES DOS VALORES CONSIDERADOS: SEUS PRESSUPOSTOS
Sumário:I ) o Apuramento dos proveitos de um actividade desenvolvida ( a crédito numa conta 7), podem sofrer diminuições de valor , por efeito da emissão de notas de crédito ( a débito de uma conta 7). Tal pressupõe que tais documentos sejam emitidos a favor dos respectivos clientes., e não de terceiros alheios à relação jurídica estabelecida entre específicos operadores do respectivo circuito económico. O beneficio concedido em tais notas de crédio, a quem não é parte no negócio , constituem despesas confidenciais , por se reportarem a pessoas estranhas à actividade económica sujeita a imposto.
II ) As despesas incorridas pelo s.p., apuradas com base nos respecivos apuramentos de contas de custos, que não se encontrem em conformidade com os relevados fiscalmente, não dependem da verificação da constituição de provisões não aceites fiscalmente.
III) As despesas consideradas pela ATA como não devidamente documentadas sustentam-se na apresentação de documentos de suporte que não são válidos para o efeito face às obrigações de facturação impostas por lei para a sua consideração.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

C....., LDA., com os sinais nos autos, veio, ao abrigo dos artigos 280.º a 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 21 de novembro de 2018, a qual julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra o acto de indeferimento, pela Administração Fiscal, da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC n.º ....., referente ao ano de 1997, e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido deduzido pela ora recorrente de procedência da impugnação e, em consequência, anulação (i) das correcções à matéria colectável realizadas pela Administração Fiscal e da (ii) tributação autónoma. Mais determinou, aquela sentença, as custas pela Impugnante, ora recorrente, nos termos do n.º 1 e 2 do art. 527º do CPC, aplicável ex vi do art. 2º, alínea e) do CPPT.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
1) A Sentença recorrida padece de omissão na matéria de facto dado como provada e erro na matéria de facto dada como não provada, as quais se impugnam, e que no entender da RECORRENTE são de grande importância para a boa resolução da causa, sendo tais omissões e erros evidenciados pelos documentos juntos aos autos, bem como, pelo depoimento das testemunhas prestado em audiência e que foi, nos termos legais, gravado, em violação do n.º 2, do Art. 123.º, do CPPT, os quais deverão ser aditados por este Alto Tribunal, ao abrigo do disposto na al. a), do n.º 1, do Art. 662.º, do CPC, aplicável por força do disposto no Art. 281.º, do CPPT

2) Assim, deverá ser considerado como Facto Provado, o facto que a douta Sentença recorrida dá como não provado e que se reproduz:

a) A IMPUGNANTE apenas devolvia 90% dos montantes recebidos nos casos em que as viagens foram canceladas

3) e ainda aditados aos Factos Provados, os seguintes:

b) Os 90% do valor contabilizado como proveito realizado pela Impugnante no exercício, aquando da abertura de crédito a favor de determinado médico a pedido da T....., S.A. e/ou da P....., S.A. e objecto de reembolso ao médico que solicitou posteriormente o cancelamento da viagem, corresponde a um ‘não proveito’ ou ‘menos proveito’ na esfera da Impugnante

c) Nas situações referidas em b), o serviço (viagens) não foi prestado pela IMPUGNANTE

d) o Cliente final da Recorrente era o médico, pois era este que, no seguimento da abertura de crédito realizada pela T..... ou pela P....., consumia os serviços da Recorrente (realizando a viagem) ou em caso de não realização da viagem por opção do médico, era reembolsado de importância equivalente a 90% do valor da abertura de crédito, por intermédio dos cheques de fls dos autos

e) A IMPUGNANTE apenas devolvia 90% dos montantes recebidos no seguimento da abertura de crédito realizada pela T..... ou pela P..... nos casos em que as viagens foram canceladas pelos médicos

f) Anulação dos proveitos através das notas de crédito era feita com base na unidade médico, havendo um controlo extra-contabilistico quer dos créditos abertos pelos Laboratórios quer da emissão das notas de crédito, médico a médico

g) AS Notas de Crédito emitidas sem IVA serviram como suporte documental para documentar e justificar a anulação do proveito realizado no exercício da abertura de crédito (cfr. Ponto K) de 3.1. Dos Factos Provados),

h) AS Notas de Crédito emitidas pela Impugnante no seu montante global de € 805.232,74 foram todas validadas/confirmadas pelos Clientes da Impugnante T..... e P..... (cfr. fls. dos autos)

i) Nas notas de crédito n.ºs ....., ....., ....., ....., é indicado expressamente qual a factura que a mesma anulava

2) Alicerçando-se a convicção do juiz na (des)valoração do depoimento das duas testemunhas inquiridas, entende a Recorrente em sentido radicalmente contrário ao douto Tribunal, pois que, in casu, a prova testemunhal produzida só poderia ser censurada se se concluisse pela ilogicidade ou falsidade do verbalizado, ou se houver outra prova, que inequivocamente o infirme. Tal não sucede!!!

3) Bem pelo contrário: foram inquiridas duas testemunhas que tinham um conhecimento directo, objetivo e pessoal dos factos que foram recortados para prova, por serem elas que, na sua medida e em função das funções que desempenhavam à data, intervieram e participaram em todas as fases e momentos relevantes dos acontecimentos e de cujos depoimentos resulta comfirmada a factualidade já demonstrada por prova documental.

4) a Sentença recorrida padece de erro de julgamento consubstanciados na errónea valoração da prova e erro na aplicação do direito, mostrando-se violados, nomeadamente, o Art. 17.º n.º 1 e o Art. 3.º, n.º 1, al. a), ambos do Código do IRC, bem como, os principios da legalidade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no Art. 103.º, n.º 1 e no Art. 104.º, n.º 2, ambos da CRP

Com efeito, e:

5) Com referência à correcção aos proveitos declarados pela RECORRENTE no exercício de 1997, relativo ao acréscimo de € 805.232,74, correspondente exclusivamente à anulação de facturas contabilizadas na conta 721, do POC por intermédio de notas de crédito com fundamento no «(…) facto de aquelas não estarem preenchidas de acordo com os requisitos do n.º 5 do art.º 71º do CIVA e de não terem sido contabilizadas pelos clientes T..... e P..... (…)» a correção é ilegal, uma vez que:

a) o disposto no n.º 5, do Art.º 71º do Código do IVA não merece aplicação em sede de IRC;
b) As notas de crédito foram emitidas sem IVA, pelo que não esteve nunca em causa qualquer regularização de IVA, não se mostrando aplicáveis no caso concreto, os fins pretendidos alcançar (anti abuso, dedução/regularização indevida de IVA) pelo citado normativo;
c) a ‘nota de crédito’ era, à data dos factos e na vigência do POC, o documento legal de anulação, v.g., total ou parcial de uma ou mais facturas, sendo utilizada para “retirar” valor à factura ou até mesmo a totalidade do montante, donde era este o documento que a Recorrente poderia utilizar para anular o proveito (menos proveito) e para suportar o reembolso ao médico. E se não o era, também é de estranhar que a Autoridade Tributária nunca referiu qual deveria ter sido o ‘documento’ a utilizar.
d) as notas de crédito não foram objecto de qualquer contabilização por parte da T..... nem da P..... – nem o podiam ter sido, pois as mesmas foram somente emitidas para regularizar o menos proveito decorrente da efectivação do reembolso ao médico –, não tendo as mesmas, em consequência de tal facto, influenciado os custos/proveitos declarados por essas duas sociedades para efeitos fiscais, nem dando lugar a qualquer regularização do IVA. Acresce igualmente que pelo simples facto de também as facturas emitidas pela RECORRENTE à T..... e à P..... não terem sido lançadas na sua respectiva contabilidade como custos, mas antes à respectiva conta 25, subconta do sócio Jorge Ruas da Silva, por contrapartida da conta do fornecedor C......
e) As notas de crédito emitidas pela Recorrente e relacionadas pelos Serviços de Inspecção no Relatório, foram por esta contabilizadas na classe 7, do POC, a débito (anulação de proveitos), correspondendo, tão só, ao meio utilizado pela Recorrente para anular os proveitos já por si reconhecidos na respectiva conta 721, do POC no momento da recepção do pedido de abertura de crédito a favor de médicos formulado respectivamente pelos seus clientes T..... e P....., equivalendo, por isso, a um menos proveito.
f) As notas de crédito foram emitidas somente em duas situações particulares: i) cancelamento dos serviços (viagens) por parte dos médicos e de outros clientes da RECORRENTE, que representava € 528.854,22 do valor total da correcção sub judice; ii) regularização de facturas previamente emitidas, motivada pelas mais variadas razões, v.g., redução do valor da factura, que representava € 282.035,14 do valor total da correcção sub judice;
g) Sempre que tal lhe era solicitado pelo médico, a RECORRENTE emitia um cheque, a favor do médico, pelo montante correspondente a 90% do valor da abertura de crédito aberta em nome daquele pelo laboratório, sendo que o remanescente de 10% era sempre considerado como proveito tributável da RECORRENTE.
h) Tal importância de 10% pode, pois, ser considerada como a comissão da RECORRENTE, mas que, em rigor técnico, mais não é do que uma compensação pela custos inerentes ao cancelamento da viagem, na medida em que tal comissão não tinha associado o registo contabilístico de qualquer custo na respectiva conta da classe 6, do POC, pois que pelo facto de a viagem não ser realizada, o serviço não chegou a ser prestado.
i) De igual forma, 90% do valor total da abertura de crédito contabilizado como proveito pela Recorrente a título de abertura de crédito a favor de determinado médico, o qual solicitou posteriormente o cancelamento da viagem, é um não proveito da RECORRENTE, o qual jamais poderá ser incluído nos proveitos que concorrem para a determinação do lucro tributável em sede de IRC, sob pena de ilegalidade, por violação directa do principio da tributação pelo lucro real consagrado no n.º 2, do Art.º 104º, da CRP.
j) O beneficiário efetivo do reembolso do dinheiro era o médico, que cancelava a viagem, e por isso, foi o património do médico que se viu aumentado sem qualquer tributação, pela ausência de ‘coragem’ em impor e sujeitar a classe médica a tributação de rendimentos auferidos para promover a prescrição, como é caso público (cfr. Alfredo Pequito vs Bayer)

6) Com referência à correcção referente a alegados custos não documentados no valor de € 89.176,39, a mesma é também ilegal, na medida em que não existe qualquer diferença entre os valores constantes dos Documentos de suporte e do Diário de Movimentos apresentados pela RECORRENTE e os valores constantes dos Extractos da Conta de Custos, uma vez que:

a) Em relação ao lançamento 50 020, houve um mero lapso na numeração do último documento de Maio e no primeiro documento de Junho, aos quais foi atribuído o mesmo número, i.e., o 50020.
Este lançamento, no valor de € 109.747,06 (Esc. 22 002 310) foi correctamente efectuado e é de Maio e não de Junho como por erro foi considerado no RELATÓRIO pelos Serviços de inspecção.

b) no que respeita ao lançamento 50 005, no valor de € 60.354,55 (Esc. 12.100.000) «(…) foi primeiro feito um documento de € 95.724,30 (Esc. 19.191.000) e deve-se ter chegado à conclusão de que esta provisão (…) era excessiva (…) reduzindo-se o valor da provisão para € 60.354,55, mas não se tendo, por lapso, substituído o documento interno de suporte a tal lançamento, que continuou a indicar o valor de € 95.724,30. (…)», tratando-se de um lapso quanto ao documento de suporte ao lançamento realizado.

Em ambos os casos descritos nas al. a) e b) precedentes estamos perante provisões, que à semelhança do que aconteceu em relação a todas as outras provisões para custos de serviços contabilizadas na conta 221, por contrapartida da conta de custos da classe 6, do POC foram anuladas em Dezembro, conforme resulta evidente da análise do extracto de conta corrente junto aos autos, não tendo qualquer impacto no resultado fiscal apurado no exercício.

7) Com referência à correcção referente a alegados custos não documentados no valor de € 89.176,39, a mesma é também ilegal, na medida em a RECORRENTE não omitiu proveitos no montante total de € 14.721,31, pois dispõe de facturas nesse mesmo montante, as quais se encontram (todas) lançadas na respectiva conta de proveitos 721 – Prestações de Serviços.

8) Com referência à correcção referente a alegados custos não devidamente documentados, no montante total de € 81.515,10, a presente correcção enferma do vicio de falta de fundamentação por parte da Administração Fiscal, em violação do disposto no Art.º 74º da LGT, devendo ser anulada com todas as legais consequências.

9) Com referência ao imposto liquidado referente aos encargos sujeitos a tributação autónoma no montante de € 185.409,18 (€ 158.656,27 + € 26.752,92), a sua correção/liquidação é ilegal porque:

a) € 158.656,27: a importância de € 528.854,22 correspondente ao ‘reembolso dos médicos’ efectuado pela RECORRENTE em caso de cancelamento dos serviços (viagens) por parte dos médicos não é uma despesa confidencial porque da sua contabilidade, cuja credibilidade não foi questionada, resulta clara a natureza e fidelidade das despesas, bem como a quem foram pagas, estando tais despesas suportadas documentalmente

b) € 26.752,92: o montante de € 89.176,39 está devidamente suportado contabilisticamente, e, nessa medida, deve ser considerado como custo elegível do exercício, pelo que jamais poderá estar sujeito a tributação autónoma, pois que não estão verificados os pressupostos legais para a qualificação da mesma como custo não documentado.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DO DIREITO APLICÁVEL E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE O PRESENTE RECURSO COLHER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A DECISÃO ORA SOB RECURSO, COM OS FUNDAMENTOS SUPRA APRESENTADOS, ANULE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, QUE JULGOU TOTALMENTE IMPROCEDENTE O PEDIDO DEDUZIDO PELA RECORRENTE, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
DESTA FORMA, SERÁ FEITA A ESPERADA JUSTIÇA!”

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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os Vistos legais, vêm os autos à conferência para deliberação.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é o da legalidade das correcções efectuadas pela AT. quanto ao apuramento dos lucros tributáveis da recorrente e da dedutibilidade dos custos fiscais incorridos pela recorrente..
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A) A Impugnante era uma sociedade por quotas que exercia a actividade de “Agências de Viagens e Turismo”, inscrita com o CAE 63300 e estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periocidade mensal e em IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – cfr. fls. 140 e 141 do Processo Administrativo (PA) apenso aos Autos;
B) O capital social da Impugnante estava distribuído por duas quotas, uma da titularidade de uma empresa sediada nas Ilhas Man – T..... - e outra na titularidade de A..... – cfr. fls. 139 do PA apenso aos Autos;
C) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.º .....e ....., de 7/06/2000, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa desencadearam à Impugnante a acção de inspecção externa relativamente aos exercícios de 1996 a 1997, no âmbito da qual procederam a correcções à matéria tributáve, com recurso a correcções técnicas - cfr. fls. 134 do PA apenso aos Autos;
D) Em 19/12/2000, foi elaborado o Relatório de Fiscalização junto a fls. 134 a 158 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções aos anos de 1996 a 1997, e das quais com interesse para a causa se destacam as seguintes: « (…)
B . 2. - 1997
B . 2. 1. - Proveitos
Para se efectuar um controle rigoroso entre custos e proveitos, através dos FILES, elaborou- e mapa discriminativo de todas as facturas de proveitos emitidas.( Anexos 33 a 54 )
Procedeu-se desta forma, a fim de controlar os proveitos, tentando averiguar se todos os files se encontravam facturados.
As facturas, como se pode apreciar nos anexos 8 e 9, deveriam mencionar, sempre, o file a que respeitam. No entanto, existem três tipos de factura, ou seja, mencionando file, ref.:, ou absolutamente nada. Foi-nos dito durante a acção de fiscalização, que não existia a pasta de arquivo das notas de crédito. Pedidas através da notificação já referenciada, foram finalmente apresentadas.
Como se pode observar, as notas de crédito, não só, não obedecem aos requisitos exigidos pelo n.° 5 do artigo 71° do CIVA, mas também, não foram contabilizadas pelos clientes T..... e P......
Conforme anexos 55 a 61, verifica-se que algumas notas de crédito, não só têm escrito, manualmente, anulada, mas também, a lápis, encontra- se o valor de um cheque, o qual, por acaso, é de 90% do valor da nota de crédito.
Confrontados com esta situação, foi-nos explicado, por escrito, conforme anexo 62, que, quando os médicos não utilizam os créditos que lhes são abertos, em nome do laboratório, solicitam o reembolso dos mesmos. Nestes casos, a Agência emite o cheque para os médicos, deduzindo uma percentagem (10%), para despesas de cancelamento.
Resumindo:
> O laboratório pede à Agência que lhe facture um crédito em nome de um médico, à data em que este comunica a sua indisponibilidade de participar no congresso.
> Após a recepção da factura, o laboratório paga, a mesma, à Agência.
> Verifica-se posteriormente, que o médico, não utiliza esse crédito em qualquer serviço da Agência.
> A Agência emite uma nota de crédito em nome do laboratório, e ao mesmo tempo, emite um cheque, no montante de 90% do valor da mesma, em nome do médico, embora esse movimento contabilístico se registe na conta corrente do laboratório.
Contabilisticamente, temos os seguintes movimentos:
(…)
DiscriçãoConta 72.1Conta 21.5001Conta 12.1
Factura N.º x-100.000$00100.000$00
Pagto. Fact. N.° x -100.000$00100.000$00
N/Crédio y100.000$00-100.000$00
Pagto. N/C y90.000$00-90.000$00
Saldo0$00-10.000$0010.000$00

Verifica-se assim, que o cliente laboratório, apresenta um saldo credor de 10.000$00, o que é um saldo imaturo.
Por outro lado, o laboratório T....., como se pode constatar, pela conta corrente de 1997, de acordo com os anexos 63 a 85, apresenta um saldo devedor de Esc. 16.537.438$00, o que também, é inaturo, para uma conta corrente de fornecedor.
Analisando o Diário .3, que respeita a “Pagamentos/Bancos”, constatou-se que os movimentos relacionados com estes cheques, não se encontram apoiados em documentos justificativos.
Foi pedida a sua apresentação, na notificação constante dos anexos 16 e 17, não sendo dada qualquer resposta. Verbalmente, foi-nos explicado que, não ficavam com qualquer cópia do cheque.
No entanto, e pelos anexos 86 a 94,os quais justificam anulações de cheques, verifica-se, não só, que os mesmos são emitidos em nome dos médicos, mas também, que existem documentos comprovativos dos mesmos, que nos parecem ser folhas de decalque.
Por todas as razões já expostas, foram relacionadas todas as notas de crédito emitidas, as quais constam de anexos 95 a 107.
Considera-se portanto, como valor de proveitos, todos os movimentos efectuados a débito da conta 72.1, considerando também Vendas a Dinheiro e Notas de Débito. Acresce dizer que, quanto às Vendas a Dinheiro, se encontram algumas em falta que, depois de pedidas na Notificação, não foram apresentadas. Assim, o valor de Proveitos contabilizados/Documentados, é de Esc. 353.665.738$00.(Anexo 54)
Ainda no que se refere a proveitos, há que considerar, os files que não foram facturados e que constam dos anexos 108 a 136, uma vez que, todos os que se encontravam nessa situação foram pedidos na já mencionada notificação (anexos 19 a 21) e em relação a estes, nada foi esclarecido.
Temos então, como Omissão de Proveitos, o montante de Esc. 4.050.693$00. Note-se que este valor é o que consta nos files, como Total de Receitas, não se trata portanto de valores presumidos.
B . 2. 2. - CUSTOS
Quanto a custos, através dos Diários 1, 3, 4 e 5, foram registados todos os documentos classificados e contabilizados na conta 61.2, quer se tratassem de confirmações ou anulações de documentos, conforme anexos 33 a 54.
Verificou-se, também aqui, que os valores declarados, não correspondem aos valores contabilizados. O total dos custos contabilizados, conforme anexo 45 é de Esc. 144.446.306$00.
Foram ainda detectados, custos contabilizados que não se encontram documentados ou não devidamente documentados, conforme relação anexa à notificação, que consta do anexo 18.
Foram justificados alguns, restando, no entanto, os constantes dos anexos 137 a 222, os quais totalizam Esc. 16.342.310$00.
Os custos não documentados, totalizam Esc. 751.289$00 (Anexos 223 a 226)
Assim, como correcções meramente aritméticas, temos:
> Custos não documentados - Diferença encontrada entre o valor declarado e o valor apurado -pela fiscalização, de acordo com os diários de movimento e os documentos suporte: Esc. 17.878.261$00
> Custos não devidamente documentados: Esc. 16.342.310$00
> Custos não documentados: Esc. 751.289$0O
No que se refere aos cheques emitidos, julgamos, pois não existem documentos justificativos, destinados aos médicos, depois de relacionados, somam, Esc. 106.025.752$00, conforme anexos 227 a 229.
Uma vez que, os cheques são emitidos em nome de entidades que não são clientes, sendo no entanto, contabilizados nas contas de duas entidades clientes, maioritárias da empresa, encontramo-nos na presença de pagamentos de despesas confidenciais. As mesmas, não foram contabilizadas como custos e mesmo que o fossem, não eram aceites como tal, para efeitos fiscais, nos termos do artigo 41° do CIRC, o que, não invalida, portanto, a sua tributação autónoma, conforme artigo 4o do Decreto-Lei n.° 192/90, com a redacção introduzida pelo artigo 31° da Lei n.° 52-C/96 de 27/12, a uma taxa de 30%, de que resulta o montante de Esc. 37.396.590$00.
B . 2. 3. - I. V. A.
As Agências de Viagens, estão sujeitas a IVA, nos termos do regime especial previsto no Decreto-Lei 221/85.
Sucede, porém que, embora no ano de 1997, a empresa tenha procedido à entrega das declarações periódicas, conforme anexos 230 a 233, os valores constantes das mesmas não podem ser devidamente controlados quer por falta de extractos de conta corrente, balancetes analíticos, quer por não cumprimento do disposto no art. 5º do referido Diploma, com a actualização introduzida pelo Decreto-Lei n.º 206/96 de 26/10.
Assim, considerando o disposto no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 221/85 de 3/7, apurou-se a base tributável do imposto, com base nos valores corrigidos pela fiscalização, encontrando-se em falta, imposto no montante de Esc. 32.883.090$00.(…)»;
E) Em 12/05/2001 foi emitida pela AF a liquidação de IRC n.º ..... em nome da Impugnante, referente ao exercício de 1997, no valor de 706.123,98€ - cfr. fls. 38 dos Autos;
F) Em 8/10/2001 a Impugnante apresentou junto da 2ª Direcção de Finanças de Lisboa a Reclamação Graciosa da liquidação referida na alínea anterior, a qual correu termos sob o n.º .....– cfr. fls. 1 e 2 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;
G) A Reclamação indicada na alínea anterior foi indeferida por despacho de 2/06/2003 do Director de Finanças Adjunto – cfr. fls. 1308 do Processo de Reclamação apenso aos Autos;
H) Em 27/12/2002 a Impugnante procedeu ao pagamento do IRC de 1997 ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro – cfr. Guia de Pagamento constante a fls. 245 dos Autos;
I) A Impugnante juntou aos Autos os documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, que são listagens dos cheques emitidos, onde consta o n.º do documento, n.º de cheque, o nome do beneficiário e o montante - cfr. fls. 42 a 57 dos Autos;
J) Os principais clientes da Impugnante eram a T..... e a P..... – cfr. depoimento da testemunha José Monteiro;
K) A Impugnante emitiu as Notas de Crédito contantes a fls. 418 a 1239 do Processo Administrativo apenso aos Autos em nome da T....., S.A. e P....., S.A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;
L) Após a anulação das facturas emitidas em nome dos principais clientes (Laboratórios), a Impugnante reembolsava o valor das facturas aos médicos – cfr. depoimento das testemunhas arroladas;
M) A PI deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 20/06/2003 - cfr. fls. 2 dos Autos.”
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No que respeita a factos não provados, refere a sentena do tribunal a quo que por factos não provado considerou “[t]odos os restantes, nomeadamente os alegados em contrário do que se deu como provado supra, e ainda, com interesse, o seguinte:
1. A Impugnante apenas devolvida 90% dos montantes recebidos nos casos que as viagens foram canceladas – facto alegado no artigo 44º e 47º da pi.

Quanto a este em particular, mais refere a sentença que “(…) o Tribunal considerou que os elementos carreados pela Fazenda Pública, conjugado com o depoimento das testemunhas, não é suficiente para provar o alegado na p.i.
Porque na verdade a Impugnante não devolvia o valor pago aos seus clientes. Entregava as importâncias pagas pelos laboratórios a terceiros.
E por isso é que o Tribunal concluiu que as práticas comerciais da Impugnante eram algo inusitadas.
Apesar de ser uma Agência de Viagens, na verdade, mais de 60% das viagens que supostamente vendia eram anuladas em momento posterior, e em vez de reembolsar o valor aos clientes (Laboratórios), o que seria normal e expectável, a Impugnante entregava as verbas em dinheiro a terceiros – aos médicos…
Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Impugnante, o Tribunal considerou que os mesmos se revelaram pouco credíveis e pouco espontâneos, porque ambas as testemunhas têm uma relação profissional dependente com a Impugnante e deste modo estão envolvidos directamente com negócios da mesma.
(…)
Na parte restante, o Tribunal considerou que a prova produzida foi vaga e inconsistente, tendo também o Tribunal sentido que as mesmas não prestaram depoimentos por forma a concluir-se estarem imbuídos do distanciamento necessário e serem isentos, não logrando, por isso, convencer o tribunal da sua veracidade.”

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A convicção do Tribunal Tributário de Lisboa, nos seus dizeres, “assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.
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II.2. Enquadramento Jurídico

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SENTENÇA 1.ª INSTÂNCIA (FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO)

“i) Das Correcções das Notas de Crédito
Começa a Impugnante por alegar que todos os documentos (notas de crédito) foram validados pelos seus clientes, pelo que deveria ter sido deduzido aos proveitos uma vez que corresponde a serviços que respectivamente não foram prestados.
Mais refere que nada impõe que as Notas de Crédito especifiquem quais as facturas anuladas.
Refere que a Impugnante apenas devolvia 90% dos montantes recebidos e, com esta actuação, a AF viola claramente o princípio da tributação pelo lucro real.
Cumpre apreciar.
Dispõe o art. 71º do CIVA, com a redacção à data, o seguinte:
1 - As disposições dos artigos 35.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo.
(…)
5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem ectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.(…)».
Com efeito, pretendeu o legislador que as rectificações de imposto efectuadas pelos sujeitos passivos sejam condicionadas a diversas situações específicas, e caso não sejam cumpridas, implicam a nulidade das rectificações, que se equipara a dedução indevida do imposto.
E porquê? Porque nas situações em que a factura já se encontra em posse do destinatário, o mesmo já a poderá ter inserido na sua contabilidade.
E se um operador económico cancelar a factura, corre o risco de criar uma divergência ao ter o mesmo documento assinalado como cancelado e inválido do seu lado, mas ainda considerado válido do lado do cliente.
Daí que o legislador do CIVA consagrou de forma expressa vários requisitos o que devem respeitar as Notas de Crédito e devem ser transpostos para efeitos do CIRC.
Ou seja, sendo um documento rectificativo que serve para anular o valor de uma factura, terá que estar associado à factura que o originou obrigatoriamente.
Posto isto, vejamos o caso dos Autos.
Se bem atentarmos ao Relatório da Inspecção Tributária, a AF não aceitou a anulação das facturas documentadas através das Notas de Crédito pelo facto destas não estarem preenchidas de acordo com requisitos do n.º5 do art. 71º do CIVA.
Ou seja, as facturas emitidas pela Impugnante ascenderam a 355.684 mil contos. E foram anuladas, através da emissão de Notas de Crédito, o valor de 164.587 mil contos…
Contudo, as referidas Notas de Crédito, e que constam nos Processos Administrativos apensos não aludem a nenhuma factura ou à venda a dinheiro concreta, e que era fundamental que assim fosse.
Praticamente são 800 Notas de Crédito as constantes nos Autos, e a regra é que a Impugnante usou a lacónica expressão “Reembolso por serviços não prestados”.
Nada mais escreveu.
Em suma: As Notas de Crédito como estão, são fiscalmente e contabilisticamente inaceitáveis para efeitos de anulação de proveitos anteriormente contabilizados, razão pela qual nenhuma censura merece neste ponto a Inspecção Tributária e deste modo, a impugnação não pode proceder com base neste fundamento.
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ii) Tributação Autónoma, Custos não documentados e indevidamente documentados
De seguida, a Impugnante, apesar de reconhecer que houve alguns erros na numeração, entende que todos os lançamentos efectuados na contabilidade foram correctos.
Invoca também que no ramo de actividade em causa é impossível obter do estrangeiro todos os documentos em forma legal.
Mais alega que não aceita a tributação autónoma, porquanto, tais despesas estão devidamente documentadas, sendo totalmente identificadas a sua origem e destino.
Vejamos.
Importa ter presente que dispunha o art. 4º do Decreto-lei n.º 192/90, de Junho o seguinte: «As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.».
Cumpre referir que em primeiro lugar, há que entender o conceito de “despesas não documentadas”, as quais são aquelas que não apresentam ou têm por base qualquer documento de suporte que as justifique.
Muitas vezes são designadas por “despesas confidenciais”. E para além de sujeitas a tributação autónoma a uma taxa elevada, não são consideradas custo fiscal.
A ratio deste artigo é o de tentar evitar que através destas despesas o sujeito passivo utilizasse para fins não empresariais bens que gerassem custos fiscalmente dedutíveis ou que fossem pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes.
E em consequência, desde sempre que o legislador do CIRC sujeitou a tributação autónoma as despesas aí enumeradas.
Dito isto, vejamos o caso dos Autos.
Está provado que devido ao cancelamento das viagens foram emitidas as Notas de Crédito aos clientes – os laboratórios, as quais não identificam as facturas subjacentes.
E consta do probatório que a Impugnante emitiu cheques em nome de vários médicos (que não são clientes da Impugnante) de forma a entregar a eles as quantias pagas pelos Laboratórios…
Consta também dos Autos que a Impugnante contabilizou vários movimentos titulados por faxes, cartas, facturas proformas, documentos de reservas de hotéis.
Assim sendo, e conjugando as disposições normativas supra referidas com os factos assentes, podemos também adiantar que também não tem razão a Impugnante neste ponto.
Efectivamente, constatamos que a Impugnante reembolsou os médicos através da emissão de cheques. Mas, se foram os laboratórios que efectuaram o pagamento à Impugnante, e se os serviços não foram realizados, eram estes que deveriam ter tido o reembolso.
Quer isso dizer, tal como a Inspecção Tributária diz, não faz qualquer sentido do ponto de vista jurídico, que o reembolso seja emitido às entidades com as quais a Impugnante não mantinha relações comerciais e que não intervieram na operação.
Assim, como não se percebe a razão para os cheques terem sido emitidos em nome dos médicos, nenhuma censura merece a tributação autónoma efectuada pela AF.
Em suma:
Será que podemos dizer que as explicações dadas pela Impugnante permitem dar a conhecer, de forma fácil, clara e precisa as operações em causa? Evidenciando assim a causa, natureza, origem, finalidade e montante?
Não.
E a regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova - o artigo 342.º do Código Civil preceitua precisamente esta regra.
Aliás, toda a defesa usada pela Impugnante nos artigos 80º e seguintes da p.i., resumem-se a um conjunto de argumentos genéricos, não carreando para os Autos qualquer elemento probativo do alegadamente demonstrado, conforme obrigação que lhe é atribuída pelos artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil.
Assim sendo, a Impugnante não logrou em fazer prova do da tese que alegou ao longo da p.i.
E na medida em que a Impugnante não fez prova de tais elementos, só podemos apontar e aceitar o procedimento da Administração Fiscal.
Quanto aos custos não documentados e indevidamente documentados, e tendo em consideração que os Serviços da Inspecção verificaram que os extractos não correspondem aos lançamentos efectuados no diário de movimentos, tal como a Inspecção demonstra no lançamento 50020 do Diário 5 do mês de Junho na conta 64 no valor de 1.003.449$00, que no extracto corresponde a 22.002.310$00, na conta 612199, e assim deste modo, também não merece censura a correcção da AF (cfr. resposta ao direito de audição no Relatório).
Quer isso dizer que os extractos de conta não transparecem os lançamentos contabilísticos registados no Diário de Movimento.
Por outro lado, mais uma vez, apesar de alegar, a Impugnante não provou a identificação precisa dos custos. Desta forma, nenhuma censura merece a actuação da Administração Fiscal ao sujeitar deste modo a Impugnante a uma tributação autónoma, razão pela qual a impugnação pode proceder com base neste fundamento.
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iii) Omissão de Proveitos
Por último, a Impugnante alega que as facturas no montante de 14.721,31€ foram lançadas na conta de proveitos.
Mas mais uma vez também não tem razão.
Segundo o trabalho da Inspecção, o qual não merece censura da parte deste Tribunal, verificamos que a Impugnante não apresentou as facturas das prestações de serviços dos “files” que a inspecção verificou e que estão discriminados no Anexo 108 a 136.
E por isso o valor em falta deveria constar no extracto da conta de proveitos.
E também por esse motivo é que a impugnação não pode proceder.”



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Vejamos então se procede a alegação de erro na fixação dos factos materiais da causa, devendo ser considerado que o recorrente devolveu 90%, dos montantes recebidos, nos casos em que as viagens foram canceladas; e que tal valor resultaria de uma abertura de crédito a favor de determinado médico que solicitou o cancelamento da viagem que eram prestadas pelo recorrente e cujo cliente final do recorrente era o médico que consumia a viagem; e que os montantes dos créditos eram confirmados pelos clientes , indicando as facturas que eram objecto de anulação.
Mais pretende que incorreu a sentença em erro quanto à devida consideração dos custos incorridos e que pretende que se encontrariam devidamente documentados.
Mais alega erro de julgamento de facto representado no meio de prova testemunhal e de erro de direito na interpretação das normas jurídicas aplicáveis, e por violação do princípio da legalidade e da capacidade contributiva.
Qaunto à prova testemunhal é bem sabido que o Tribunal aprecia livremente as provas apresentadas no processso , indicando as ilações tiradas dos factos e especifica os fundamentos que foram decidsivos para a sua convicção – cfr artº607º, nº4, do CPC não se verifica qualquer erro na apreciação das provas , que nem sequer foram impugnadas no presente recurso ao abrigo do disposto no artº 640º do CPC, pelo que resulta fundamentada a decisão de facto e a motivação da decisão que assim procedeu. Quanto ao resto,
Vejamos:
Em 1º lugar , quanto aos factos levados ao probatório , a circunstância de o recorrente emitir notas de crédito alegadamente para anular as respectivas aberturas de crédito concedidas a terceiros que não aos seus clientes , quando a facturação das mesmas prestações de serviço por si realizadas na área de realização de operações de viagens se destinariam aos seus clientes e não a terceiros que alegadamente utilizariam tais serviços, constitui um comportamento contrário às normas contabilisticas e fiscais relativos aos fluxos económicos que se estabeleceram entre os diversos operadores na cadeia económica da empresa, sendo que as restações de serviço eram efectivamente prestadas pelos respectivos clientes ( as ditas sociedades que contratavam os ditos serviços), sendo que tais aberturas de crédito concedido a terceiros alheios à relação jurídica tributária, nunca poderiam legitimar qualquer diminuição dos proveitos pela sua não utilização, nem que as mesmas significariam a devolução de uma percentagem dos montantes recebidos, pois as quantias de concessão de crédito seriam sempre proveitos da recorrente , pelo que a sua não utilização apenas legitimava a emissão de notas de crédito a favor daqueles seus clientes e não de terceiros alheios à respectiva relação jurídica, ainda que os mesmos viessem a beneficiar indirectamente daqueles serviços, porquanto inexistia qualquer vínculo jurídico entre uns e outros que determinasse a relevação de alegadas diminuições de proveitos na esfera jurídica do recorrente. Improcede assim qualquer pretensão quanto ao erro de facto na fixação dos factos materiais da causa, como correctamente foi apurado pelo Tribunal “A Quo”.
Nem se alcança qualquer erro de julgamento de facto na apreciação das provas, já que da prova testemunhal realizada nos autos, não vem a resultar qualquer demonstração de que os clientes da recorrente eram os ditos clínicos, pelo que a diminuição os proveitos da recorrente por via das emissão de notas de crédito a favor de terceiros , ainda que porventura associadas a facturação emitida a favor daqueles verdadeiros clientes, não sustentavam aqueles lançamentos de diminuição de proveitos, dado que se tornava impossível associar aquelas notas de crédito com as facturas emitidas pelos serviços prestados, já que se tornava inviável a determinação da respectiva e concreta diminuição do valor da prestação contratada. Daí que a ATA, ao constatar a existência de notas de crédito a favor de pessoas alheias à relação jurídica tributária, tenha concluído, legitimamente, que se tratava de verdadeiras despesas confidenciais por falta de indicação do beneficiário de tal liberalidade.
Quanto ao erro de facto relativo à correcção de custos não documentados, a ATA sustenta que os mesmos partiram dos valores constantes dos documentos contabilísticos de suporte e dos diários dos movimentos de contas dee custos seriam distintos dos existentes nos respectivos extractos daquelas contas de custos, sendo que estes últimos continham valores de despesas não devidamente documentados assim como indocumentados ( conforme mapa 18 junto ao Relatório da I.T.), pelo que, não bastava ao recorrente justificar as diferenças dos respectivos diários de tais contas de custos face aos respectivos extractos das respectivas contas, antes necessitava demonstrar que tais montantes de custos relevados nas respectivas contas de custos não foram na realidade considerados no apuramento das respectivas contas de resultados, inexistindo aquela discrepância entre os custos declarados e os documentos devidamente contabilizados naquelas contas, conforme apuramento efectuado pela I.T., ou, ao invés, que os mesmos se encontravam devidamente documentados. E tal invocação não se bastará com a referência a uma hipotética regularização de provisões(?), já que cerece de suportefiscal a movimentação de provisões fiscalmente relevantes nessa sede.
Ao não lograr demonstrar o alegado cujo ónus a si pertencia, não procede a invocada falta de aderência à realidade da consideração de custos indocumentados e não devidamente documentados como assertivamente se refere a ATA.
Quanto à falta de fundamentação da consideração da existência de custos não devidamente documentados., o que a Adm. Tributária apurou foi a existência de documentos de suporte que apesar de identificarem a entidade prestadora de serviços e o respectivo montante, não respeitam a forma legal para tais encargos por se tratar de “ faxes” recebidos de fornecedores e não de facturas emitidas pelos respectivos prestadores. Assim, encontra-se devidamente fundamentada a correcção em causa quanto áqueles custos.
Quanto aos princípios da legalidade e da capacidade contributiva, não se descortina em que é que a ATA não cumpriu tais parâmetros constitucionais, já que as correcções efectuadas se sustentam nas normas tributárias que prevêm o apuramento do lucro tributável das ditas sociedades que exercem a titulo principal uma actividade de natureza comercial, nos termos do disposto na alínea a) dio nº1, do artº 3º do CIRC,consistente na diferença entre os valores do património líquido no inicio e no fim do período de tributação, com as correcções estabelecidas no Código, designadamente as efectuadas com base no disposto nos arrºs 17º e segs, designadamente no apuramento dos proveitos nos termos do disposto no artº 20º e do correcto apuramento dos custos suportados ao abrigo do artº 23º, do mesmo Código, sendo que a tributação autónoma das assim qualificadas despesas confidenciais tem o seu respaldo no disposto no artº 81º do CIRC.
Quanto ao principio da capacidade contributiva, não se descortina como aquelas correcções fundamentadas na lei contrariem tal principio , que efectivamente pretendem tributar o s.p. de acordo com o rendimento real , incindindo sobre os respectivos lucros tributáveis assim apurados.


Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida quanto à validade do acto tributário ora controvertido

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Custas pelo recorrente
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notifique.
[O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Mário Rebelo e Patrícia Manuel Pires ]